Capitulo 1
“Você pode se arrepender...”
“Tá achando que eu sou inexperiente com mulheres, é?”
“Não teria problema se fosse. Mas não é isso que me preocupa.”
Aquela respiração tão perto e o pescoço que a garota deixava praticamente à mercê de lábios sedentos fizeram Olívia perder a linha de raciocínio.
Só uma menina... só uma menina... eu tenho idade para ser mãe dela... só uma menina... Socorro Deus!
“Olha, eu não me sinto confortável em fazer isso com alguém tão mais jovem que eu...”
A garota deu um passo para trás, séria, e depois de alguns segundos, soltou um “pfffttt” e gargalhou até tombar a cabeça para trás.
“Fala aí, velha! Que ridícula! Então só vou te chamar de tia a partir de agora!”
Olívia achou melhor não responder no calor de seu ego ofendido. Suspirou e saiu do lugar, sentindo os olhares, risos e deboches dos presentes queimando suas costas.
Semanas atrás eram apenas colegas de curso. Algum tempo depois, se tornaram colegas próximas. E então, um princípio de amizade...
... que Alana tinha que estragar com aquela paixonite fora de propósito!
Não era a primeira vez que Olívia perdia alguém para sentimentos escusos e inapropriados. Amigas, colegas de trabalho, médicas, até uma psicóloga – todas resolveram mandar a camaradagem ou o profissionalismo pra casa do caralh* e fazer algo muito maluco.
Tinha a “hétero mãe de família super bem resolvida”, que, por uma paixão não-correspondida, de repente virou uma homofóbica agressiva, dizendo que militância LGBTQIAP+ era coisa de gente idiota, e que Olívia estava querendo forçar essas ideologias contra ela.
Outra elogiou o corpo de Olívia no consultório, e deixou claro que queria muito mais que um “obrigada”. Outra não parava de comê-la com os olhos enquanto Olívia ainda era comprometida, a ponto de causar sérias DRs depois...
Olívia se apossa da narrativa em off e quebra a quarta parede:
“Em minha defesa, digo que não estou com essa bola toda não, antes que falem ‘ai, como ela se acha!’. Já dizia a música do Matanza (RIP banda machista, amém!), é impressionante como eu nunca faço nada, é sempre a confusão que vem até aqui. Espero que vocês acreditem em mim!”
Narrativa em off volta: certo, anotado. As leitoras que decidam o que vão pensar, ok? Então, continuando, é mais ou menos isso mesmo, até porque Olívia sofre de fobia social em um grau que varia entre médio e um pouco grave.
Mas, desta vez, nesse cursinho pré-vestibular, onde os mais velhos da classe eram ela e um cara de trinta e dois anos – ou seja, sete anos mais novo –, numa turma majoritariamente de adolescentes e jovens adultos, a última coisa que Olívia queria era arrumar treta ou se distrair de seus estudos por bobagem.
Menos ainda se essa linda bobagem se chamasse Alana, tivesse dezoito anos recém-completados, e fosse uma perdição da cabeça aos pés...
No primeiro dia de aula todo mundo teve aquele momento de apresentação: nome, idade, profissão, caso tivesse, quais cursos e universidades pretende prestar, se já prestou ou vai prestar Enem, essas coisas.
O abismo entre as duas ficou claro desde o início: Alana estava nos últimos meses do ensino médio e queria prestar biomedicina. Por quê? Ah, sei lá, eu me identifico, acho legal...
Olívia: formada em administração, trabalha há doze anos em uma indústria de refrigeradores como gerente de RH, e resolveu mudar de ares agora que está chegando aos quarenta. Risinhos aqui e ali, olhares e comentários baixos de moleques e menininhas que ela não ouviu, e decidiu que não valia a pena ouvir.
“Oi, seu nome é Ofélia, né?”
“Olívia.”
“Ah, me desculpe. Prazer, sou Alana. Não se importa se eu sentar ao seu lado? É que lá na frente eles ficam falando muito e eu perco a concentração.”
“Fique à vontade.”
E uma das garotas mais bonitas da sala virou sua colega próxima...
Olívia interrompe de novo: “Mas eu não fiz nada! Que fique bem claro!”
Narração em off meio irritada: já sabemos, agora, podemos continuar? Então, de fato Olívia manteve seu celibato voluntário desde que terminou com a ex-esposa Gisele oito meses antes, mas isso não a impediu de ter maus pensamentos secretos sobre a jovem quase amiga, se é que entendem.
Olívia, desesperada, furiosa: “Não queima meu filme!”
Narração em off: já dissemos que não vamos queimar, sossega a periquita aí, mulher! Nosso compromisso é relatar os fatos, e que você ficou mexidinha com aquela beldade te dando mole, isso ficou!
Olívia se retira com um bico enorme, vencida e sem argumentos.
Alana confiava na colega mais velha para tirar suas dúvidas, até mesmo em matérias nas quais Olívia não era muito chegada, como exatas, por exemplo. A maturidade e a experiência compensavam, de certa forma, as dificuldades de aprendizado.
“Como você conseguiu calcular essa questão sobre refração da luz? Ninguém na sala acertou!” Alana olhava para a colega quase amiga com admiração.
“Essa eu estudei um pouquinho mais do que as outras, porque realmente tá difícil.”
“Nossa, você é muito inteligente!”
“Pare de sorrir para mim desse jeito, menina!” Olívia tentava exorcizar pensamentos impróprios, enquanto explicava como fez os cálculos e chegou àquele resultado. Mas, para seu nervosismo, Alana contou a todos em alto e bom som sobre a “proeza” da quase amiga, e logo um bando de adolescentes ávidos se reunia ao redor da quase ex-gerente de RH.
Nessa noite um grupo grande de jovens decidiu sair para tomar uma cerveja juntos, e Olívia foi obrigada a ceder à insistência de todos. Vez ou outra, Alana a observava com algo que se assemelhava a orgulho. Foi nesse exato instante que Olívia percebeu que havia no olhar e no sorriso da garota aquele algo mais.
Naturalmente, com o tempo, ambas passaram a falar de suas vidas, e mais uma vez a discrepância: os dilemas sobre o futuro, as relações complicadas com os pais e os amigos, as expectativas ingênuas de uma jovem, os relacionamentos sérios e não-sérios típicos da juventude... Nada sintonizava com a vida já relativamente estável da balzaquiana quase quarentona, cujas lembranças de adolescência tinham o peso e o mofo de duas décadas...
Mas nem por isso Olívia se fez de rogada. Sem jamais mencionar sua sexualidade, falou superficialmente de seu trabalho, seus metódicos planos para se reestabelecer no mercado como pedagoga...
“Nunca casou, nem teve filhos?”
“Ah, sim, já me casei, mas nunca esteve em meus planos ter filhos. Fiquei quatorze anos casada, no máximo, tínhamos cachorros e gatos.”
“E por que você se divorciou? Seu marido te traiu, ou algo assim?”
“Não, ninguém traiu ninguém. Apenas chegamos à conclusão, em comum acordo, que amizade era o sentimento que nos unia em vez de amor.”
“Então você nunca amou ninguém...”
“Claro que sim. Eu amava muito no início do casamento. Mas, às vezes, a gente muda, o mundo muda, a outra pessoa muda, e pode ser que o fim chegue assim, sem brigas, nem dramas. Não é regra, mas acontece.”
“Se eu me apaixonar por alguém, não quero que esfrie desse jeito. Prefiro morrer a deixar isso acontecer...”
“Isso nem sempre depende de você. Há coisas que não controlamos” – sorriu Olívia.
Alana virou-se, encarou o fundo dos olhos da colega, respirou fundo duas vezes, e, sem se incomodar com o fato de que estava no meio de seus amigos, colegas, ou várias pessoas que lotavam aquela choperia, disparou:
“Não consigo imaginar alguém se desapaixonando de você...”
Qualquer reação que Olívia teve depois dessa não tem a menor relevância, porque ela mesma nem lembra do que disse ou fez. A surpresa fez sua mente ficar em branco por dias a fio. Só a frase da garota ecoava em looping na sua mente, dia após dia.
Fingir que as coisas ficaram meio estranhas depois dessa não era algo que Olívia pretendia fazer, mas fez mesmo assim. Nos dias seguintes permaneceu no seu papel de colega mais velha benevolente, até que Alana se referiu a ela como “minha amiga Olívia” em uma conversa com outra garota da sala.
Foi tão natural e despretensioso, que Olívia aceitou o título com serenidade. Tudo bem, é uma menina legal, acho que não vai dar problema...
Vale dizer que seu ego também estava lá no alto ao se entender como alguém importante na vida da jovem amiga. Para seu espanto, até mesmo conselhos amorosos se viu dando a Alana, cada vez que esta vinha falar de seus ficantes e rolos por aí.
Aí a noite da reunião dos formandos do cursinho aconteceu.
Olívia planejou ficar uma hora e meia entre seus colegas e a amiga, para depois se encontrar com um casal de amigas de sua idade em um restaurante do outro lado da cidade.
Clima de baladinha nem tão cheia, nem tão vazia, música alta, muita batida e gente rebol*ndo até o chão. Alana vestiu um cropped preto tomara-que-caia, de tecido meio brilhante, e um shortinho mínimo que custou a Olívia muito autocontrole para não reparar ostensivamente. Usando um vestido rosa de estampa abstrata e alcinha, cerca de meio palmo acima dos joelhos, e sandálias de salto alto, era a primeira vez que Olívia se vestia de modo menos severo e mostrava mais o corpo.
Alana, ao contrário, não escondeu absolutamente sua admiração. Os olhos quase arregalados, a boca aberta, mirou a amiga de cima a baixo, mais de uma vez e exclamou:
“Nossa, veio assim para me matar, é?”
Olívia não teve opção, senão rir e agradecer. E ignorar com todas as suas forças a pontadinha gostosa entre as pernas que aquilo lhe deu.
Bebida correndo solta, molecadinha ainda mais solta, e Alana veio chamar Olívia para dançar.
“Eu não sei dançar funk, pelo amor de Deus! Quer me fazer passar vergonha?” – Olívia fez de tudo para continuar rindo da situação e disfarçar seu desespero, enquanto a garota tentava levá-la puxando-a pela mão.
“Eu também não sei, é só se mexer na batida!” – Alana deu um de seus sorrisos irresistíveis, até que conseguiu arrastar a amiga para o meio do pequeno salão onde se formou a “pista de dança”.
Ondulava braços, torso e quadris de um jeito simples, mas suficientemente provocativo. Desajeitada e sem graça no começo, Olívia tentou imitar os movimentos da menina.
Pouco a pouco, Alana foi diminuindo o espaço entre as duas.
O calor entre as pernas de Olívia crescia proporcionalmente a cada passo mais próximo, a cada sorriso e olhar fixo da jovem.
Alana deu o último passo, quase colando seu corpo ao de Olívia. As bocas estavam perigosamente a poucos centímetros de distância.
Alerta vermelho total na cabeça de Olívia.
E então aconteceu o diálogo que iniciou essa história.
Fim do capítulo
Adoro receber comentários, até mesmo críticas construtivas e puxões de orelha carinhosos ksksks. Fiquem à vontade! <3
Comentar este capítulo:
Desobedience
Em: 06/06/2023
Olha,vou te dizer uma coisa...esse lance da garota mais nova se envolvendo emocional e sexualmente com uma mulher mais velha,é um tempero picante em qualquer história.
Renderia um excelente romance para o cinema nacional heim...belo texto!!
[Faça o login para poder comentar]
Marta Andrade dos Santos
Em: 29/03/2023
Misericórdia senhor quanto mais se reza mais diabinha aparece.
Billie Ramone
Em: 30/03/2023
Autora da história
às vezes certas diabinhas podem assustar mas, no fundo, não são o Gasparzinho, mas são fantasminhas camaradas (((((((;
Obrigada pelo comentário
[Faça o login para poder comentar]
Deixe seu comentário sobre a capitulo usando seu Facebook:
Billie Ramone Em: 12/06/2023 Autora da história
Polêmico, mas tudo o que é tabu é mais gostoso kakakakaka!
Muito obrigada pelo elogio, ganhei meu dia! :)))))))))))))))