Penélope

Exausta. Completamente exausta. Era como me sentia. Mas pelo menos tudo foi resolvido. Depois de muitas reuniões, tivemos a conversa com o Cauê. Ele relutou e esperneou, mas depois de ver o vídeo nas câmeras de segurança, abaixou a cabeça e não deu mais um pio. Sabia que se aquelas imagens vazassem ele estaria acabado. Nossos advogados e a produção decidiram que o ator não seria tirado da produção e que não seria feito um BO contra ele, desde que assinasse um adendo no contrato com a produtora da minissérie com vários itens como: ficaria proibido de se aproximar da Pérola, na hora de fazer o teste seria acompanhado do segurança, não falaria nada sobre o assunto nas redes sociais, nossa assessoria daria uma nota sobre nosso rompimento e caso ele quebre qualquer um desses itens seria aplicada uma multa milionária.

Pela Amora, nós mataríamos o personagem dele na minissérie. O grande problema era dinheiro, pois teríamos que fazer um novo contrato com os roteiristas, o que seria muito caro. Sem falar de várias cenas já gravadas que não seriam aproveitadas. Então estávamos em uma encruzilhada.

Outra coisa eu tinha certeza. Esse babaca nunca mais iria trabalhar em um projeto legal e sério. Usarei tudo o que tiver ao meu alcance para que isso ocorra. Vai voltar a ser uma subcelebridade de internet. Sem falar que vou ficar de olho em todos os seus passos, e na primeira oportunidade e vacilo, vou denunciá-lo. 

Já era quase uma hora da manhã quando entrei no meu quarto. Sorri ao ver Cacau dormindo esparramada no confortável sofá da sala. Fui ao banheiro e tomei um longo banho. Notei que alguns pontos da minha perna haviam arrebentado. Ardeu pra caralh* quando a água quente caiu em cima. Outro ponto que doía eram os nós dos meus dedos, devido aos socos que dei no babaca.

Sequei meu corpo com cuidado e procurei um kit médico, mas não achei. Precisava colocar algo nos ferimentos. Fui para o quarto deixando a porta do banheiro aberta para iluminar o ambiente e não incomodar a minha Pérola que dormia na grande cama. 

Abri os armários embutidos procurando o kit médico que sabia que a menina deveria ter trazido consigo. Estava abaixada mexendo na sua pequena bolsa quando levei um susto por sentir uma mão no meu ombro.

— Penélope, precisa de alguma coisa? - perguntou sonolenta.

— Seu kit médico, preciso colocar algo no meu corte que abriu.

— Senta na cama que logo te levo. - obedientemente sentei e esperei pacientemente. - Nossa, seus pontos abriram…

— Não quero mais agulhas Pe. Coloca a cola que arde mesmo. Por favor. - Disse já fechando os olhos pois sabia que arderia muito.

— Que manhosa. - Segurei a minha perna gem*ndo enquanto ela colocava a cola. - Penélope, olha teus dedos! Estão todos machucados. Meu Deus! - E começou a trabalhar nas minhas mãos.

Mesmo com o desconforto eu comecei a relaxar. A presença dela fazia isso comigo. Era muito louco o que estava acontecendo. Parecia que sempre estava ao seu lado. Era uma sensação de familiaridade… aquela sensação que te amolece, faz você suspirar por ser tão boa… sensação de aconchego.

— Como você está, Pê? - Segurei as suas mãos e a olhei nos olhos.

— Melhor…

— Pode ficar tranquila que não vai mais acontecer nada de ruim com você. - Disse e contei a ela brevemente o que fora decidido. 

Enquanto ela ia ao banheiro, vesti uma camiseta velha de banda que eu usava para dormir e uma calcinha confortável. Deitei na cama e abri os braços para ela quando se aproximou da cama. A estreitei nos meus braços sentindo o cheiro gostoso do seu cabelo.

— Acho que a gente precisa conversar. - Disse com a sua voz abafada pelo meu peito. Fiquei brincando com seus cachos e olhos fechados e não respondi. - Penélope? - Chamou ansiosa.

— Pretinha, pode ser amanhã? -Respondi sonolenta.

Pérola

Não consegui dormir mais. Algumas coisas passavam pela minha cabeça e estava começando a achar que tinha enlouquecido. Hoje foi a primeira vez que ouvi a voz da Liz e durante a nossa breve conversa, mesmo estando extremamente afetada, notei que seu timbre era muito parecido com o da atriz. Agora, quase dormindo, Penélope me chamou de “Pretinha”, apelido carinhoso que somente Liz me chamava. “Será? Não pode ser!”

Tentei lembrar de todas as coisas que a minha amiga havia me contado nas nossas inúmeras conversas por mensagem. Lembrei da foto que havia recebido onde quase não se via o rosto. “Pérola, para de besteira. Em que mundo você vive? Nunca que uma deusa como a Penélope faria um fake e pior ainda, ficaria de conversa contigo, uma ninguém!" Mas quando uma diva como ela estaria dormindo abraçada a uma menina como eu? Dormi encucada com isso. Pela manhã fui acordada com beijinhos no meu rosto. 

— Sai! Preciso escovar os dentes! - Disse envergonhada pulando da cama. Penélope ria tentando me segurar.

— Vem, me dá um beijinho! - Me segurou rindo.

— Para, menina! E também preciso fazer xixi! - Falei me desvencilhando.

— Bora parar com essa sapatonice que eu tô morrendo de fome e como sou visita tenho que esperar vocês. - Cacau chegou se atirando na cama. Consegui fugir, ouvindo ainda a gargalhada da assistente de produção e os resmungos da minha diva.

Nos arrumamos e descemos para o café da manhã. Nunca na minha vida tinha visto tanta coisa linda e apetitosa. Me sentia dentro de um filme chique onde as pessoas ricas tinham uma cara de quem cheirava um cocô de cachorro, pegavam um pratinho e colocavam um biscoitinho e tomavam chá. E só! Nunca na vida real, com pessoas reais, isso acontecia. Eu via os pratos de estivador que os hóspedes pegavam. Dava pra alimentar uma família de cinco pessoas.

Assim que nos sentamos à mesa, Cacau já foi para o buffet se servir alegando que “Tinha que alimentar a Janice, sua lombriga”. Era muito legal ver a interação dela com Penélope. As duas juntas eram muito engraçadas.

— Vem se servir, Pê… antes que a louca da minha amiga coma todo buffet.

— Acho que isso é impossível. - Falei rindo- Nunca vi tanta comida junta.

— Pegue o que quiser. Tá tudo incluso na diária. - Cacau havia me dito que agora eu e ela ficaríamos no quarto com a Penélope. Ainda não sabia o que pensar disso, mas decidi deixar como está e ser levada pela “correnteza”. A única coisa que tinha completa certeza era de que a atriz nutria um carinho gigantesco por mim, devido a todo cuidado e atenção.

Comendo um pedaço de bolo de morango com a fruta de verdade entre as camadas e tomando café com leite, enquanto via as duas amigas interagir, pensei sobre o que me afligia. Hoje pela manhã enviei mensagens para  Liz e nada dela me responder. Brício estava completamente alucinado querendo vir para Pirenópolis e ver se eu estava realmente bem. Nem tive coragem de contar a ele minha desconfiança, que meu amigo certamente pegaria o primeiro ônibus disponível.

— A gente tem mais duas cenas pra gravar na frente da igreja e estamos liberados. - Cacau afirmou enquanto via a ordem do dia no grupo da produção. - Temos que estar  uma hora lá no QG. Penélope, você pode ir às 15h horas.

— Vou com vocês. Não quero ficar muito afastada ainda mais com Cauê por perto. 

— Fica tranquila, tem seguranças.

— Melhor assim. Fico mais tranquila.

Voltamos para o quarto e Cacau foi para a piscina. Penélope sugeriu que fôssemos também, mas além de não ter roupa de banho, precisava falar com ela.

— Penélope, a gente pode conversar? - Disse assim que Cacau saiu. Só que bateram na porta e ela foi atender. Era Amora. Dei privacidade a elas e fui para o quarto. Mandei mensagem para a Liz novamente e ela novamente não me respondeu. Decidi ligar. Assim que começou o primeiro toque, ouvi um zunido dentro da gaveta da mesinha de cabeceira. Abri e vi um celular onde na tela havia uma foto minha e o nome do contato era “Minha Pretinha”. Desliguei meu celular com as mãos trêmulas e fechei a gaveta.

Minha cabeça parecia que ia explodir e com o coração quase saindo da boca me sentei na poltrona ao lado da cama. Flashes de todas as minhas conversas com Liz passaram como um filme na minha mente. Me sentia traída. “ela só pode estar brincando com você! Uma presa fácil!" - Depois de uns 10 minutos ouvi Amora se despedindo.

— Pérola, a Amora me disse que se você não quiser trabalhar hoje está liberada. A gente pode contratar uma pessoa temporária… - Sorriu para mim e parou ao ver a minha cara. - O que houve, Pe? - Segurei meu telefone nas mãos e ainda séria refiz a ligação. Penélope ouviu o seu telefone tocar, vai até  e desliga o aparelho.

— O que é isso, Penélope? Ou melhor, Liz? Você gostou de brincar comigo? - Minha garganta ardia e sabia que lágrimas caiam dos meus olhos. - Ah, vou sacanear a crente! Vou criar um fake e fingir que sou outra pessoa só pra zuar a ingênua! É isso, Liz? E por que? Você tem tudo…

— Pê, me escuta… - disse se aproximando aflita. -  não foi nada disso. Eu não tenho tudo, a minha vida é uma mentira. Sou obrigada a ser uma pessoa que não sou… 

— É isso, Liz? Sou uma brincadeira pra você? - Ela secava minhas lágrimas com as mãos me segurando perto dela. Todos esses meses eu vivi uma mentira. E agora estava aqui com ela… Não sabia o que pensar. Minha cabeça estava confusa. Queria o colo da minha mãe.

— Nunca, nunca! Olha pra mim - Segurou meu rosto entre as mãos.- Você é a única coisa verdadeira na minha vida. Errei sim, em não te contar quem eu realmente era. Mas os momentos que passamos juntas no mundo virtual e aqui no real, foram de verdade. Eu sempre fui verdadeira com você. 

— Como? Como você tem coragem de dizer que foi verdadeira?

— Meu nome é Lizandra, meu apelido de criança é Liz. Cacau me chama assim também! Tudo que falei pra você da minha mãe é verdade! 

— Por que? Por que criar um fake?

— Eu queria viver! No início foi apenas curiosidade para saber o que falavam da Penélope nos fandoms. - disse atropelando as palavras - Mas até que eu conheci você. E quando vi estava aguardando ansiosamente as suas mensagens. Passava os dias esperando você estar em casa para as nossas conversas. Mudei minha agenda toda para que estivesse livre quando você pudesse falar.

— Eu to morrendo de vergonha e ainda com raiva. Tô me sentindo traída… Tô com vontade de largar tudo e voltar pra casa.

— Pretinha, olha pra mim. Por favor, me dê uma chance de te mostrar que tudo o que falei é verdade. Por favor! Fica. Quer um quarto só para você? Quer ficar longe?

— Não quero que gastem mais comigo.

— Fica aqui então. Cacau dorme comigo e você no sofá. Só me dá uma chance de te mostrar que tudo era verdade. Que as mensagens eram reais e que eu sou real. Por favor? - Ela tentou me beijar mas recuei. 

— Ok. Eu fico. Mas vou dormir no sofá. - Ela me abraçou forte e suspirou aliviada. Notei que seu coração batia forte.

Penélope

Sentia um gosto amargo na minha boca, como se eu estivesse dentro de uma betoneira, aquelas paradas de misturar concreto… girava em 360 graus sem saber o que fazer.  O que eu mais queria era poder voltar no tempo, até o momento em que as coisas entre nós ficaram mais íntimas... quando me vi apaixonada por uma garota que tornava os meus dias mais felizes só de ouvir e ler  suas mensagens. Com certeza se pudesse voltar no tempo, contaria a ela quem era a Liz na vida real.

Queria apertá-la nos meus braços até que ela se acalmasse e parasse de chorar. Queria mostrar que meu amor por ela era real. Que eu sempre fui verdadeira com ela. Mas sabia que teria que dar espaço e conquistá-la agora sem mentiras.

Depois da nossa conversa Pérola saiu do quarto. Liguei para Cacau e pedi que fosse ver onde ela estava e como. Não queria fazer nada mas tinha compromissos e teria que seguir a agenda à risca. Notei que a assessoria já havia postado a nota na qual afirmava que meu relacionamento com o Cauê havia chegado ao fim, mas que continuávamos amigos. Li os comentários e vi que muitos seguidores me apoiavam, a grande maioria.

Sentei na poltrona e, mesmo transtornada ainda, abri uma live. Como uma boa atriz fiz meu papel e falei o texto já pré definido. Fiquei toda manhã trabalhando e acertando os meus compromissos. No horário marcado eu estava no QG. Sentei em uma mesa e fiquei trabalhando no meu laptop. Mas tinha visão privilegiada da minha Pretinha. Quando Cauê chegou, com o olho roxo, quase ri de satisfação. Ao ser testado o segurança ficou ao seu lado.

  Fui a última a ser testada. Pérola tremia levemente e fiquei o tempo todo a olhando dentro dos olhos. Quando ela se afastou fiquei admirando a sua silhueta. Cabelos ondulados, quadris largos… Lembrei de quando dormimos juntas. O quão feliz eu fiquei, mas ao mesmo tempo frustrada por não ter podido provar o seu gosto. Sempre morri de tesão por ela. Desde a primeira foto que me enviou. Sonhava em beijá-la, tê-la em meus braços… ama-la como nunca amei ninguém. Não era só sex*. Era amor. E por isso me contive tanto nos meus beijos. Não queria assustá-la.

— Pronto. Você tá liberada. - Me disse mostrando o teste negativo.

— Obrigada, Pretinha. - Sorri para ela e me aproximei. - Você tá mais linda hoje. Verde fica muito bem em você. - Falei com sinceridade. Ela usava um vestido novo que havia comprado em uma das lojinhas da cidade. Sabia que ela, Vivi e Lipe haviam feito compras dias atrás. - Janta comigo hoje? No resort? Só nós duas? - Pedi segurando suas mãos.

— Janto. - Ela falou baixinho.

— É um encontro então. Te espero… - Me aproximei do seu rosto e ela arregalou os olhos olhando em volta. Beijei seu rosto demoradamente. - Tchau, Pretinha.

Fim do capítulo