Pérola

Acordei na hora de sempre, às 5:30h da manhã. O quarto ainda estava escuro devido ao blackout nas janelas. Saí da cama com cuidado e lembrei que não tinha roupa para colocar. Penélope não gravaria pela manhã, mas teriam cenas do resto do elenco. “Pérola… o que você vai fazer?”. Procurei no banheiro as minhas roupas de ontem e ainda estavam completamente molhadas. Entrei na pequena sala onde jantamos e vi que haviam retirado a louça do jantar e notei uma sacola com meu nome nela, onde tinha uma muda de roupa e a minha mochila que ficou na van.

Suspirei e fui ao banheiro me arrumar. Troquei de roupa, fiz um rabo de cavalo e enquanto escovava os dentes lembrava da noite anterior. O carinho, a atenção, o cuidado e os beijos… nossa, os beijos… Ficamos nisso por um bom tempo até que dormimos abraçadas. Se eu fiquei excitada? Completamente. Mas não sabia se era hora de ir além. Sem falar que não sabia o que fazer com as mãos, onde tocar, o que fazer…

Mesmo sabendo que estava me apaixonando pela pessoa Penélope,  sabia que de algum jeito amava Liz. Que mesmo ela colocando pilha, sentia que tinha ciúmes. Não parecia certo. Sentia que a traía de algum modo, mesmo a gente sempre falar que devíamos procurar alguém perto da gente. Mas sei lá… era uma sensação ruim demais.

Fui até o quarto e fiquei a admirando, e ainda não acreditando no que estava acontecendo. Como será que ela vai me tratar hoje? Será que o que aconteceu ontem foi por causa da carência dela? Será que foi por causa dos remédios fortes? Peguei minhas coisas, deixei um bilhete para ela falando que precisava sair cedo e fui para mais um dia de trabalho.

Penélope

 — Sério, Liz? Não comeu? Como assim, mulher? Cadê a Penélope pegadora que não pode ver uma racha dando sopa? - Minha melhor amiga estava tomando café comigo enquanto eu contava tudo o que acontecera na noite anterior.

— Só beijos mesmo… Não parecia certo. Mesmo eu estando subindo pelas paredes, sei que com ela tem que ser diferente… no tempo dela.

— Faz o seguinte, manda mensagem como Liz e diz pra ela que aproveite e faça barba, cabelo e bigode na Penélope.

— Nem me lembra disso. Você acredita que tenho ciúmes da Liz?

— Mulher, mas é tu mesma! Nossa, você tá muito louca.

— Ontem ela disse que amava a Liz… - contei enquanto comia meu melão. - Fiquei tão feliz com isso… ela também disse que a Liz meio que liberou ela para ficar com outras pessoas.

— Mulher, tu tá se dando conta que fala em você mesma na terceira pessoa? Liz disse isso… Penélope disse isso… tô achando que já é caso psiquiátrico.

— Para, Cacau, me escuta…

— Tá o que você vai fazer agora?

— Por mim assumia ela pro mundo e foda-se a minha carreira.

— Tua mãe ia cagar um tijolo de raiva. Tem que lembrar que a sua menina também tá no armário. Tem que baixar a ansiedade, senão vai acabar fazendo a coitada ficar com medo e casar com qualquer garoto que o pai aprove.

— Por isso que preciso ir com calma. Ontem nós nos beijamos, e nossa… foi tão bom, mas senti ela muito tensa ainda. - Não podia fazer nada que fizesse com que a minha Pérola ficasse machucada, e sabia por experiência própria que a minha vida, na frente de uma telinha de celular, era muito exposta.

— Bom, você vai ter ainda um mês com ela em Brasília. E como você vai fazer com a Liz?

— Eu tenho um plano…

— E a perna como tá?

— Não dói mais. 

— Acho que teu remédio começa com Pero e termina com La.

— Tenho certeza disso, Cacau… certeza.

Pérola

A manhã tinha sido longa e, para piorar, todas as cenas eram com o Cauê. O ator cismou comigo. Toda hora ficava dando piadinhas sem graça para cima de mim. Me assediando. Lipe e Vivi não saíram do meu lado por notarem o quanto aquilo estava me incomodando.

— Então, dona Pérola, toda santinha, evangélica, falando baixo… No fundo é uma baita de uma safada! Pensa que eu não vi o tal “ensaio”... - Ele conseguiu me encurralar sozinha na frente dos banheiros do QG. - Agora vou te falar uma coisa… depois de ver aquilo - Se aproximou mais e bati as costas na parede- … tô até agora de p*u duro, pensando em ser o recheio do sanduíche de vocês… - virei o rosto para o lado e senti seu corpo junto ao meu e sua ereç*o de encontro a minha barriga. Comecei a ter ânsias de vômito e estava totalmente paralisada e apavorada. - Geralmente não me relaciono com mulheres cheinhas como você… mas junto com a Penélope até faço um sacrifício. Olha o que você fez comigo. - Agarrou a minha mão e colocou dentro de sua bermuda. Comecei a chorar pela dor dele apertando meu pulso e ao sentir seu p*nis entrei em pânico. O empurrava com a mão livre e tentava puxar minha mão da dele, mas ele apertava mais. A porta do banheiro se abriu e consegui me livrar,  corri dali sem nem ao menos olhar para trás. 

Saí a esmo pelas ruas. As lágrimas escorrendo pelo meu rosto. Porque você é assim Pérola? Porque? Se eu fosse menos covarde diria e faria várias coisas para aquele escroto! Ridículo! Babaca. Quando dei por mim estava na frente da igreja matriz. Entrei e me sentei no último banco do templo vazio para tentar me acalmar. Sem pensar em mais nada liguei para a Liz que não me atendeu. Logo em seguida a minha amiga me enviou uma mensagem.

Liz: Oi, Pretinha, não posso te atender. Alguma coisa urgente?

Eu: Liz, preciso falar com você. Tô desesperada. Posso te mandar áudio?

Penélope

Comecei a ouvir o aúdio da minha Pérola e a raiva tomou conta do meu corpo. Levantei em um salto do grande sofá no lobby, em que estava sentada, sai da recepção já ligando para ela. Meu coração quase parou ao escutar os soluços do outro lado da linha. Tentei controlar o ódio que estava sentindo e fui falando, tentando acalmá-la. Disse para procurar a garota que estava no mesmo quarto que ela e lhe contasse tudo que tinha acontecido. Foi uma ligação onde somente eu falava. Ela só  chorava e  dizia “ta bom, ta bom.” Desliguei e corri para a recepção. Não conseguiria esperar o carro que estava vindo me buscar e pedi um carro urgente, no que fui prontamente atendida. 

Fiquei tão atordoada que não consegui achar o contato da Cacau no meu celular. Foi quando sua foto surgiu na tela. Atendi com um “graças a Deus, estava tentando te ligar.”

— Liz, fica calma. - Cacau me ligou enquanto eu ainda estava dentro do carro no banco do passageiro. - Mas preciso te contar…

— Ela mandou mensagem pra Liz, vai atrás dela… tá na Igreja. Cuida dela, Cacau…

— Certo, eu vou. Lipe viu tudo e me avisou. Quando ele saiu do banheiro o Cauê estava forçando a mão da Pérola dentro da bermuda. Ela saiu correndo e Lipe o empurrou. Então Cauê começou a ofendê-lo com palavras homofóbicas, palavrões…

— Daqui há 15 minutos tô no QG.

— Liz, se acalma, por favor! Não vai fazer uma besteira.

— Me avisa quando você estiver com ela…

Durante todo esse tempo continuei enviando mensagens para Pérola a acalmando. A menina estava transtornada. Depois do que Cacau me contou fiquei com mais raiva ainda.

Pérola

Liz conseguiu me acalmar e quando Cacau chegou a abracei forte. 

— Como você tá, Pe? - ela me olhou preocupada.

— Eu não sei… Cacau, eu tentei me desvencilhar mas ele pegou a minha mão…

— Eu sei, Lipe viu. Já lavou? Vamos ao banheiro lavar e passar álcool. Vai saber o que tem nessa piroca, né?

Quase sorri, mas não consegui. Cacau continuou falando sem parar, inúmeras besteiras e coisas engraçadas e sabia que era para que eu pensasse em outra coisa além do ocorrido. Depois de me limpar nos dirigimos ao QG que era ali perto, antes paramos na farmácia da esquina e comprei um calmante fitoterápico que tomei lá mesmo.

Quando chegamos, Pérola estava no chão em cima do ator dando socos no seu rosto. Lipi e Vivi vibravam como se estivessem assistindo uma luta na TV.  O segurança da produção tentava retirá-la de cima do Cauê.

— Eu vou te processar, sua puta! Olha o que você fez com o meu rosto! - Cauê gritou ficando em pé e se olhando no grande espelho da área de maquiagem. 

— Tenta! Você vai até tentar, mas bora ver de que lado a justiça vai ficar assim que você aparecer em toda mídia com essa sua carinha de minion com a notícia de que Caue pratica abuso sexual contra colega de trabalho. Pois é  isso que iremos fazer neste momento, ir direto a delegacia fazer um boletim de ocorrência. - Ele arregalou os olhos, caindo a ficha.

— Não precisa disso tudo... nós só estávamos conversando...ela quem veio me dando mole… - Quando ele disse isso, Penélope perdeu novamente a razão e partiu novamente pra cima dele, mas Neto e o segurança a impediram. 

 — Eu vou tirar tudo o que é seu, até suas cuecas... e tenha certeza que você não vai arrumar emprego nem para síndico de prédio.- a atriz gritava e só parou quando Cacau a chamou. Penélope rapidamente veio ao meu encontro e me abraçou forte. Aí sim eu desabei e chorei alto. Sabe quando você está tentando se acalmar e ficar forte, mas aí chega alguém que você adora ao seu lado e te abraça? E você sente que pode sim desabar? Chorar? Que tem esse direito? Então, foi isso que aconteceu.

— Toma, bebe um pouquinho. - Cacau me entregou uma garrafa de água e quando dei por mim estava em uma sala de reuniões fechada, sentada em um grande sofá, nos braços de Penélope.

— Aloisio vai entrar por vídeo e vamos fazer uma reunião para decidirmos o que fazer. - Amora chegou com um semblante fechado. - Pérola, você quer fazer um boletim de ocorrência? A gente vai dar todo o apoio que você precisar. - A diretora se abaixou à minha frente. 

— Eu… - minha voz saiu rouca do choro. - eu acho que não. Melhor não. - “Ai, meu Deus, se meu pai souber!”

— Pê, fica tranquila. O que você decidir a gente vai fazer. - Penélope falou.

— Prefiro assim. Só quero esquecer.

— Linda, Cacau e o Lipe vão levar você para a pousada. Pega suas coisas e fiquem no meu quarto até eu chegar. Preciso entrar em reunião com os outros produtores e conversar com os advogados, tá?

— Ok. - minha voz saiu quase num murmúrio. Penélope me deu um beijinho nos lábios na frente de todos que estavam ali. Acompanhei Cacau que me levou até a  rua onde pegamos uma van que nos levou até a pousada. Ficamos em silêncio o caminho todo.

— Pérola, você quer alguma coisa? - a menina perguntou enquanto eu colocava minhas roupas dentro da bolsa.

— Não, obrigada. - parei e enviei novamente uma mensagem para Liz que não me respondeu. - Cacau, o que vai acontecer agora?

— Penélope vai comer o cu do Cauê sem vaselina, pode ter certeza disso. - olhei para ela espantada. - Não literalmente, claro. Mas que isso não vai sair barato pra ele, com certeza não vai.

— Monas, tão prontas? - Lipe entrou. 

— Falta as coisas do banheiro.

— Deixa comigo - Cacau foi pegar.

— Olha vou falar para vocês mas Penélope tem um gancho de direita! Quase ovulei quando ela partiu pra cima do atorzinho!

— Não é, menino? - Vivi falou. - Lembra quando ela fez aquela personagem na minissérie? A policial gostosa que lutava? Linda demais!

— Vivi, eu sei que você é bi mas Lipe tá me saindo um gay de meia tigela. Tem certeza que você não é bi amigo?

— Olha 100% de certeza não tenho, mas uns 90% sim! - Riram. - Mas vamos combinar que a Penélope é de outro mundo! A Pérola que deve saber! - começou a me incomodar. Tinha certeza que era pra que eu não pensasse no ocorrido.

Tentei mais algumas vezes falar com a Liz, mas por fim desisti. Chegamos no hotel e Cacau disse para eu tomar um banho que logo viria um lanche para a gente. Tentei argumentar, mas ela disse que a Penélope tinha pedido que fizéssemos isso.

Liguei para o Brício e contei tudo, desde a cena da cachoeira até o que o Cauê havia feito comigo. Meu amigo estava chocado por tudo. Primeiro, por eu ter beijado Penélope e dormido na mesma cama que a nossa diva. Por ela ter enchido Cauê de porr*da e por agora eu estar no quarto de hotel dela. Mas meu amigo ficou preocupado e perguntou se eu não queria que ele pegasse um ônibus e viesse para Pirenópolis. Claro que eu queria. Mas como sabia que a grana era pouca, e que provavelmente ele iria usar um dinheiro que faria falta a ele, disse que não precisava e que ele ficasse tranquilo que eu estava melhor.

Tomei um longo banho debaixo da água morninha e relaxante. Me sentia oca por dentro. Sabia que coisas muitos piores já aconteceram com outras meninas, mas não conseguia parar de pensar no que Cauê fez comigo. Me sentia invadida, violada… Porque existem homens assim? Por que existem pessoas que acham que podem tudo? Que se sentem superiores em subjugar os outros. Assediar. Nunca iria entender isso.

Saí já vestida do banheiro e procurei meus amigos que estavam na sala anexa vendo os clipes da Penélope no youtube. O lanche estava na mesinha de centro e notei que me esperavam.

— Vocês podiam ter comido, não precisavam me esperar.

— Chegou agora, fica tranquila. - Cacau disse servindo um prato com vários quitutes.

— Alguma notícia da Penélope?

— Ela disse que vai demorar porque estão vendo com os advogados o que fazer. Porque não podemos tirar o Cauê da minissérie porque muita coisa já foi gravada.

— Tô me sentindo culpada…

— Miga, olha pra mim. - Lipe falou. - Nunca, nunca mais repita isso, ok? A vítima não é responsável, NUNCA! Independente do que tenha rolado.

— Se eu não tivesse cortado o cabelo…

— Pérola, para! - Cacau interviu. - Você pode usar o que quiser, vestir o que quiser, ter o cabelo que quiser, se maquiar… nada disso dá o direito a qualquer homem de assediar e ser invasivo. Homem ou mulher, porque a gente sabe que também rola isso. Então, coloca na tua cabeça que o problema é o Cauê e não você.

Lipe logo falou da roupa que Penélope vestia em um clipe e o assunto morreu por ali. Eles tem razão no que falaram, mas lá dentro… lá escondido no meu íntimo, eu pensava que poderia ter evitado tudo isso. 

Fim do capítulo