Não quis assistir à cena. Só de pensar que a atriz estaria beijando, agarrando, rebol*ndo nua na perna do Cauê... fazendo tudo o que fez comigo... “Pérola, para de besteira, não foi com você que ela fez isso, foi com a personagem!” Mas eu queria… mesmo ficando nervosa quando a Léia me explicou a cena da cachoeira, eu quis tanto aquilo, e queria que fosse pra mim, queria que fosse real, não só uma cena… Que aquilo fosse real e não apenas atuação. E, ao mesmo tempo, não queria que ela tocasse mais ninguém daquele jeito. Era irracional, eu sei. Sentia um gosto ruim na boca. Uma dor no estômago...

Troquei de roupa e fiquei dentro da van esperando ser chamada. Estava frio e cheia de areia. Desconfortável, mas mesmo assim adormeci. Quando acordei era noite e todos estavam embarcando.

— Pê, a Penélope pediu que você fosse na frente com ela para falar com o médico. – Cacau chamou – Vamos no carro da Amora.

Peguei meu kit médico e entrei no carro no banco da frente. Cauê e Penélope conversavam baixo e pelo que estava entendendo a atriz repreendia o rapaz. Coloquei os fones de ouvido porque aquilo não me dizia respeito. E eu estava com ciúmes. Como ter ciúmes de alguém que não é seu? “Para de besteira, Pérola.” Quase ouvi a voz do meu pai falando isso. “Você nasceu mulher, vai arrumar um marido e  ser submissa a ele em tudo em reconhecimento do fato de que o marido é a cabeça da família como Cristo é a cabeça da igreja” . Lembrei de ter visto um post de uma esposa de um cantor sertanejo que criticava a diva Rihanna por ela tirar uma foto e seu marido estar atrás segurando o bebe. A mulher pregava que todas as mulheres deveriam ser submissas aos maridos. Ela deve ser da mesma igreja que a minha família.

 Comecei a escutar Creep do Radiohead, na versão do The Macarons Project. Nunca uma música me tocou tanto. “Eu queria ser especial, você é especial pra caralh*. Mas eu sou uma aberração, uma esquisita, que diabos eu to fazendo aqui, este não é o meu lugar!” Deitei minha cabeça no vidro e uma lágrima solitária molhou meu rosto. O tempo passou e quando me dei por conta, acordei na frente do hotel do elenco.

— Vem comigo. – Penélope segurou a minha mão e fiquei rezando para que ela não notasse como estava suada. A ajudei a caminhar, pois se movimentava com dificuldade.

— Mas achei que íamos ver um médico.

— Ele foi chamado no meu quarto. - Nos dirigimos em silêncio até o aposento dela que era gigantesco com sala, banheiro, varanda, ofurô e uma cama gigantesca quase do tamanho do meu quarto. Fiquei no meio do aposento sem saber o que fazer com as minhas mãos.

— Senta, Pérola. - Penélope pediu com um gemido de dor enquanto ela fazia o mesmo.

— Eu tô toda molhada e cheia de areia, melhor não. - ela quis retrucar mas logo bateram na porta. O médico entrou e deu uma olhada no ferimento.

— Muito bom o seu trabalho aqui moça. - disse se referindo ao meu curativo. - É, vamos dar uns cinco pontos. Sugiro que você tome uma ducha rápida porque depois vai precisar ficar até amanhã sem molhar. Olha, tome esse analgésico para ir fazendo efeito. 

— Me ajuda, Pérola? - Ela pediu e quase infartei.

Sem falar nada a ajudei a entrar no grande banheiro. A pia era toda preta e realmente não sei pra onde ia a água, porque não tinha ralo nenhum. O espelho tomava quase toda parede. Não tive muito tempo em olhar para tudo porque Penélope pediu que a ajudasse a sentar no vaso sanitário para fazer xixi. Fiquei olhando para o teto completamente constrangida.

Depois de terminar, a atriz tirou o roupão felpudo que vestia ficando apenas de calcinha e com seus seios nus. Tentei não olhar, mas foi impossível. Meu estômago contraiu quando ela pediu ajuda para tirar a calcinha. - Nem sei porquê coloquei de volta. - ela disse sonolenta. O remédio estava fazendo efeito.

Penélope era mais alta que eu e tive que ajudá-la a lavar os cabelos ficando na ponta dos pés. A mulher ficou a maioria do tempo de olhos fechados com uma expressão de dor. Pude admirá-la enquanto cuidava dela. Seios firmes e fartos, abdome liso, pescoço terminando em duas “saboneteiras”… fiquei com mais vergonha ainda por ela ter visto a minha barriga e as minhas coxas largas.

— Pe… - minha garganta estava seca. - Penélope, você consegue terminar? - Perguntei. Não poderia lavar seu sex*… era muito pra mim.

— Aham… pega um roupão seco para mim, por favor? Tem nesse armário.

Esperei ela terminar o banho e a ajudei a secar o corpo. Fiquei ao seu lado enquanto levava os pontos deitada na confortável cama.

— Como tá a acidentada? - Cacau chegou daquele jeito logo depois do médico ter ido embora. - Olha só, mulherada, se sex* lésbico for desse jeito bruto, nunca vou experimentar! Tá maluca? Do jeito que eu sou desastrada? Era capaz de piranhas me atacarem.

— Ai, Cacau, até parece que tinha piranha naquele rio.

— Ué, você não viu? Ela tava fazendo uma cena de uma minissérie, peladíssima…

— Ridícula. - A atriz jogou um travesseiro na amiga. 

— Tá, como você tá de verdade?

— Brisando com os remédios. Bem grogue. 

— Melhor você não dormir sozinha. Pérola, você fica com a Penélope? - Pera aí, o que?

— Eu… eu tô cheia de areia, não tem como.

— Toma banho ai, ué. Certeza que Penélope não vai reclamar de dividir a cama com você - a atriz a olhou feio.

— Pérola, vai lá, toma um banho. Demore o quanto quiser. Cacau vai ver uma janta pra gente e te dar uma camisola minha, tá?

Muda. Completamente muda, eu não consegui responder me dirigindo para o banheiro. Mandei mensagem para a Liz para que ela me ajudasse e falasse o que eu devia fazer, mas ela não me respondeu. Brício deveria estar no culto com a mãe.

— Pérola, a Penélope disse para você usar o que precisar. Tem também uma escova de dentes nova na caixa dentro do armário.

— Tá… obrigada. - achei a escova e fiquei descobrindo como abrir aquela torneira diferente. Rosquei, apertei e nada. Virei de um lado para o outro e nada. Parecia coisa de filme de ET. Passei a mão na frente para ver se era como as de banheiro de shopping. Por fim, peguei a hastezinha e coloquei pra baixo e a água saiu!!! Feliz escovei meus dentes e fiquei vendo que a água “sumia” numa fresta dentro da pia. “Agora tá explicado!”.

Tirei minhas roupas e ficou uma pocinha de areia junto a elas. Procurei um rodo, uma vassoura e não tinha nada para limpar. “Claro, Pérola, você acha que teria? Que os ricos viriam pra um hotel pra faxinar?”. Peguei um chumaço de papel higiênico e consegui limpar o chão.

Entrei no chuveiro e imitei o que a Penélope tinha feito. Abrir primeiro a torneira da esquerda que era a de água quente e depois a da direita para temperar. Entrei e parecia que estava embaixo daquela cachoeira de mais cedo, só que de água morninha! Tomei meu banho rapidamente com pena de não poder ficar mais. A água relaxava os músculos de uma maneira que nunca tinha experimentado antes.

Saí do banheiro vestindo um roupão e vi a atriz sentada à mesa com uma mão segurando o rosto e de olhos fechados. Sobre a mesa tinha duas bandejas fechadas que pelo cheiro era a nossa janta.

— Pê, separei uma camisola para você, tá em cima da cama. - Percebi que ela também tinha colocado uma camisola de seda vermelha de alcinhas. Gelei. Primeiro por ela estar linda. Segundo por imaginar que eu teria que colocar uma peça igual. “Ai, meu Deus, não vai caber. Meu corpo não é magro como o dela! ". Suspirei aliviada ao ver em cima da cama um camisolão de mangas curtas de… “Hogwarts” Será que ela também era fã? 

— Penélope, você é fã de Harry Potter?  - Já estava vestida e sentei à sua frente na mesa.

— Muito. - Sorriu abrindo as bandejas e o cheiro da lasanha de carne moída me fez lembrar que estava morrendo de fome.

— Mas você não posta nada. Nunca postou…

— Pê… - falou enquanto se servia de uma porção generosa de lasanha. Jesus para onde ia tudo isso? - Sei que posso estar perdendo uma fã agora…, mas a maioria das coisas que você vê é fake. Tem uma equipe que diz o que eu devo postar, e para essa equipe eu preciso atingir um tipo de pessoa sabe… - me serviu de lasanha.

— Eu entendo… - Falei confusa - Eu sou muito fã de Harry Potter, não consigo deixar de ser, mesmo com as falas transfóbicas da J.K.

— Mulher, eu também! Olha… - aproximou o dedo do meio da mão direita e, agora sem nenhum anel, pude notar que estava escrito bem pequenininho “Riddikulus”, o feitiço que faz com que seus medos mais profundos se transformem em coisas engraçadas. - Essa tattoo nunca mostrei em nenhuma postagem. Ela tá sempre coberta, ou por anéis ou por maquiagem.

— Não doeu? - perguntei passando meu indicador por cima das letras. Notei que ela estremecia.

— Não. A tatuagem que mais doeu foi a que eu tenho nas costelas. O resto é tranquilo-  Senti minha face esquentar ao lembrar da rosa e das letras escritas “Maktub” abaixo do seu seio esquerdo. Lembrei que ela fez uma postagem falando que significava “Já estava escrito.”, até mesmo fez um cover da música do mesmo nome da Kell Smith. Isso foi há uns três meses atrás.

— Você fez essa obrigada?

— Não, você me entendeu mal. Todas as tattoos que eu faço tem um significado para mim, mas nem sempre esse significado é o que vai ser passado aos seguidores. Lembra quando postei?

— Sim, era para divulgar o cover, não é isso? Por isso você fez?

— Não, o cover foi depois. Fiz porque eu conheci uma pessoa… - Ai, Jesus! Me senti como aquele meme da Nazareth tentando fazer as contas de quando ela iniciou o namoro com o Cauê… mas não fechava as datas. Quem será o homem que ela conheceu?

— Ok. - disse olhando para a lasanha pensando em quem seria o sortudo.

— Então, você não pode acreditar em tudo que é postado. Claro que eu me recuso a fazer uma publicidade de algo que não goste ou nunca tenha usado ainda. Então tudo o que anuncio realmente uso. Mas, algumas coisas na vida pessoal são maquiadas. O meu relacionamento com o Cauê, por exemplo.

— Não entendi.

— É fake. Eu gosto de garotas.

Engoli em seco o pedaço de lasanha que estava na minha boca e comecei a tossir.

Penépole

Estava me sentindo como se um caminhão cheio de tora de madeira tivesse passado por cima de mim e dado a ré. Sempre fui fraca para remédios. Mesmo assim coloquei uma calcinha de renda vermelha e uma camisola de seda da mesma cor. Queria estar bonita para ela.

Santa Cacau por ter sugerido que a menina dormisse aqui no quarto comigo. A safada falou e ainda me deu uma piscadela das mais escandalosas. Ainda bem que a Pê estava completamente atônita com a situação. Sabia o quanto ela era tímida e o quanto se importava em mostrar seu corpo. Ou pela religião ou por não se achar bonita e nem padrão. Lembrei uma vez que ela teve essa conversa com a Liz, dizendo que não se achava bonita por causa da sua cor, cabelo e corpo. “Ai, menina, como se o padrão fosse o certo. Você não vê o quanto é linda, sendo exatamente assim como você é.” 

Agora, na janta, resolvi me abrir para ela. E quando falei que sou lésbica quase matei a garota que agora estava roxa tossindo e eu batendo na suas costas. Dei um copo de suco de maracujá, que sabia ser o seu preferido, e por fim ela acalmou.

— Se eu soubesse que quase te mataria, tinha ficado quieta. - Falei para ela divertida.

— Desculpa, mas é uma coisa completamente inesperada. A minha amiga Liz vai surtar em saber, a gente sempre falava sobre isso como seria um sonho se você fosse do vale… - colocou as mãos na boca como se tivesse deixado escapar um segredo.

— Uhm, essa Liz é sua amiga… ou namorada? Desculpe perguntar, mas como você usou “vale” tive a certeza de que você gosta de meninas.

— É a minha melhor amiga…e a gente já falou em ser mais, queríamos mais, mas moramos muito longe uma da outra e ela assim como eu não tem dinheiro... Se morássemos perto seríamos mais do que amigas... mas né? Não dá, então, só amizade mesmo. - E novamente fiquei triste e feliz. Triste por ela querer algo mais com a Liz e feliz por ela querer algo mais com a Liz. “Liz, você tá enlouquecendo, só pode!”

— Sortuda essa Liz… - eu disse e ela arregalou os olhos como que não acreditando. - Você está apaixonada por ela? - Levantou de súbito e começou a arrumar a mesa tirando os pratos, mas quando deu por si de que não teria uma cozinha para levá-los os colocou de volta na mesa. -  Deixa que o pessoal já vem retirar. Responde por favor. - falei segurando a sua mão. 

— Eu tô gostando muito dela. Muito. E ela de mim. Mas, ela tem dito pra gente não ficar presa e se aparecer alguém legal… sabe…

— Então tenho chance… - falei e ela ficou constrangida. — Vamos para a cama? Quer jogar o novo jogo do Harry Potter?

— Ai, sim, quero jogar simmm! Mas eu durmo aqui nesse sofá.

— Não, deita comigo, por favor… Tô muito grogue com os remédios. - pedi dengosa e por fim ela aceitou.

Entreguei a ela o console e fiquei admirando ela animada começando o jogo. Ela me disse que seu melhor amigo ganhou da avó um vídeo game, e os dois passavam a tarde jogando. 

Deu para ver todo seu encantamento ao fazer seu avatar, e sorri como uma boba ao ouvir ela dizer baixinho "Sonserina não, Sonserina não" ao passar pelo chapéu seletor, vibrando por ter sido escolhida para a Lufa-Lufa, aprendendo os feitiços, feliz como uma criança. Naquele momento eu percebi que realmente estava totalmente apaixonada por ela.

 O cansaço do dia, os remédios e sua presença me acalmaram e lutava contra o sono.

— Você quer jogar? - Ela me perguntou.

— Não, pode continuar…

— Não, tá tarde.

— Certo. - deixei o console ao lado da cama. E me deitei olhando seu perfil. Pérola estava como pedra. Dura. Tensa. - Queria te pedir desculpas por hoje. Acho que avancei muito o sinal… fui invasiva.

— Eu gostei! Muito. - Abri um sorriso enorme. - E eu sabia o que ia acontecer. No primeiro dia a Cacau me passou o roteiro com o cronograma de gravação. Então todo dia de manhã eu dou uma lida no que vai acontecer e se é uma externa ou interna.

— Eu também gostei.

— De verdade? - Perguntou tímida. Assenti com a cabeça. - É que… eu não tenho muita experiência, na verdade quase nenhuma e meio que paralisei - disse num sussurro. - Era como se estivesse dentro de um sonho.

— Você foi perfeita. - Acariciei seu rosto com meus dedos. - Fica tranquila. - Notei que ela tinha uma expressão de dúvida. Meus dedos fizeram o contorno de suas sobrancelhas, desceram pela pontinha do nariz e contornaram os lábios. Ela ofegou e entreabriu levemente a boca. Me apoiei no cotovelo e aproximei meu rosto do dela. Beijei delicadamente o mesmo percurso dos meus dedos terminando com um selinho nos seus lábios carnudos. - Posso? -  Com o seu consentimento apoiei a minha perna machucada sobre seu corpo e selei nossos lábios. Com cuidado dei pequenos beijinhos nos seus lábios e por fim ch*pei seu lábio inferior para dentro da minha boca. Não consegui me conter quando ela segurou minha nuca por entre meus cabelos. Deitei sobre seu corpo e aprofundei o beijo. O melhor beijo da minha vida. Senti o gosto da sua boca, o cheiro da sua pele, o calor que vinha dela. Pérola gem*u e enroscou sua perna entre as minhas. Gemi também de dor.

—  Penélope… te machuquei. - Perguntou ainda com a respiração descompassada.

— Aham… um pouquinho. - Deitei de costas com a minha perna latejando.

— Ai, Deus, o que eu posso fazer, me diz? - Se ajoelhou na cama aflita.

— Me beija de novo? - Fiz cara de pidona.

— Nossa, achei que tinha te machucado - Começou a rir.

— Doeu, mas doeu mais ainda quando minha boca ficou longe da tua. Vem… - Segurei sua nuca e a puxei até mim. Agora que eu tinha provado, nunca mais queria ficar sem a sua boca.

Fim do capítulo