Amada Amanda por thays_
Capitulo 5
Subimos na moto, pegamos as coordenadas com Rafa e fomos nos aventurar pelas ruas de terra. De acordo com ele ficava bem próximo e não tinha como se perder, embora tudo parecesse igual. Eu me sentia em algum filme de tão bonito que era. Ou talvez eu, que não estava acostumada com o campo e vivia rodeada de prédios, achava tudo maravilhoso. Já Amanda, nitidamente mais ambientada, me contava animadamente das trilhas que já havia feito, mas que sua preferida se chamava trilha da Cachoeira da Fumaça em Paranapiacaba, que ia muito para lá com sua ex-namorada.
Eu estava calada, mas meus pensamentos estavam acelerados. Eu estava super ansiosa pensando em como começaria aquela conversa com ela, como diria para ela que já sabia da verdade. Não tinha a menor ideia de como começar aquele assunto.
Começamos a ouvir o barulho de água corrente e então sabíamos que estávamos perto. Minha ansiedade estava altíssima. Meu coração batia rápido em meu peito. Desliguei a moto. Ela desceu olhando para o céu, maravilhada. As árvores pareciam que nos abraçavam e a brisa suave nos beijava. Sentia aquele cheiro gostoso de terra molhada.
- Aqui é lindo demais... - Ela estava extasiada.
Ouvia o canto dos pássaros, o som do vento nas folhas. A água caindo contra as pedras que pareciam mega escorregadias. Não era uma grande queda d’água, mas era belíssima assim mesmo.
-Vai entrar? – Ela perguntou. Eu concordei e entrei. Estava mais gelada que a da represa, mas não cheguei a sentir frio, ou talvez minha adrenalina estivesse a mil. Mergulhei sentindo aquela energia maravilhosa da natureza. A água batia em minha cintura. Amanda ficou do lado de fora me olhando. O único incômodo eram as pedrinhas que ficavam no fundo do lago.
- Você não vem?
Ela ficou um pouco sem saber o que fazer. Olhou em volta, como se estivesse pensativa. Tirou o shorts, usava a parte de baixo do biquíni azul combinando com a de cima. Parecia um pouco tímida, talvez porque eu estava nitidamente comendo-a com os olhos. Ela entrou na água e como eu também mergulhou. Aproximou-se, parou em minha frente, não tirava os olhos dos meus.
- É golpe baixo comigo... - Sussurrei.
- O que?
- Você nesse biquíni...
Ela sorriu, sem graça, desviando o olhar.
- Duda, Duda.... o que que eu faço contigo?
- O que você quiser. - Sussurrei. E nem acreditei que essas palavras saíram de minha boca. Eu estava tão... mas tão na dela... o que estava acontecendo comigo? Eu nunca tinha sido esse tipo de pessoa.
Ela fechou os olhos reagindo às minhas palavras e sorriu. Era um desejo tão grande... tão grande... que mal cabia em mim. E nada tinha mudado. Eu ainda a via da mesma forma. Saber que ela era trans não mudava em nada o que eu sentia, ou melhor, como meu corpo reagia a ela. Era incontrolável.
Minhas mãos a envolveram pela cintura, como se tivessem vida própria. Trouxe-a para mais perto, rocei meus lábios nos dela, suavemente.
- Eu preciso conversar com você... - Ela disse num tom baixo. - E então se afastou delicadamente. - Eu não posso mais mentir pra você... eu... - Ela fez uma pausa. - Eu não tenho nem ideia de como te dizer isso... cara... eu to muito nervosa... - Ela olhou para suas mãos. Ela estava tremendo.
Eu segurei as dela junto as minhas e as trouxe em direção aos meus lábios, beijando-as.
- Eu já sei. Fica calma.
- Como assim? - Perguntou confusa.
- Eu me lembrei de você.
Ela estava paralisada em minha frente, exceto por suas mãos que tremiam de nervosismo.
- Você quase morreu com uma crise alérgica quando criança, não foi?
Ela concordou, atônita. Eu continuei:
- Você devia ter uns 6 anos. Eu tinha uns 13, 14. Foi a maior comoção da vizinhança, todo mundo ficou desesperado achando que você não ia sobreviver.
Ficamos nos olhando.
- Ta... mas por que você está tão calma? Por que não está surtando? Você foi muito incisiva naquele dia quando disse que nunca ficaria com uma mulher como eu... – Parecia magoada.
- Olha, me desculpa, eu não fazia ideia... se eu soubesse...
- Nunca ia ter se aproximado de mim?
- Eu nunca teria dito aquelas coisas. Eu teria dito que ficaria mil e mil vezes contigo. Eu... olha, me desculpa, eu realmente não sabia...
Ela continuou me olhando, sem acreditar no que ouvia.
- Vem cá... - Puxei-a para perto e a abracei forte. Ela ainda tremia. - Tá tudo bem... se acalma...
Senti seu corpo aos poucos relaxando em meu abraço. Ela enfiou o rosto em meu pescoço.
- De todas as vezes que ensaiei na minha cabeça te contar, em nenhuma delas você teve essa reação... - Ela disse com a voz embargada.
- Eu pareço tão cabeça dura assim?
- Parece.
Nós rimos, aliviando um pouco a tensão do momento, eu enxuguei algumas lágrimas que estavam descendo pelo seu rosto.
- Se acalma... ta tudo bem... sério...
Continuamos abraçadas. Após alguns segundos, ela segurou meu rosto, me beijando, um beijo gostoso, demorado, do tipo que eu estava ansiando desde que a vi naquele primeiro dia. Um beijo mais calmo, repleto de significados, como se agora ela pudesse estar inteira. Ela foi ficando mais relaxada, mais calma.
- Eu sempre te admirei. Desde pequena. - Ela revelou. - Você era tipo intocável. Nenhum menino mexia com você, você botava medo em todo mundo.
- Eu não era assim.
- Era sim. Até hoje você é assim. Você impõe respeito nas pessoas. Você não imagina a minha surpresa quando o Rafa me disse que tinha te chamado. Eu não via a hora de te ver, de saber como você estava.
Senti um arrepio gostoso dentro de mim ao ouvir aquilo.
- Isso é muito engraçado... a gente se reencontrar agora. Depois de tanto tempo. - Disse.
- Eu me sentia segura quando tava perto de você. Você sempre me defendia. - Ela fez uma pausa - Aí você se mudou.
- É, meu pai quis sair da firma, começou a trabalhar com meus tios numa oficina.
- Eu sempre sai com meninas. - Ela continuou. - Desde antes. Eu sempre me interessei por mulheres. Nunca me vi como um cara, sempre me vi como uma mulher lésbica.
- Isso é diferente.
- Eu sei. Eu sempre achei que fosse loucura da minha cabeça. Porque pra mim eu deveria gostar de homens, já que me via como mulher. Mas nunca tive a menor atração. Depois percebi que a forma como me identificava não tinha nada a ver por quem eu me sentiria atraída.
- E sua família?
- Foi difícil pra eles entenderem. Sempre ouvia a mesma frase: "pra que virar mulher se vai gostar de mulher?". Sempre. Nem consigo contar quantas vezes ouvi essa frase. Mas é muito mais do que simplesmente me sentir atraída por mulheres, é sobre quem eu sou. Como eu me vejo no mundo. Como eu faço parte da sociedade. Meu pai me batia muito... muito... você não tem noção. Uma vez fui pro hospital, ele disse que eu tinha caído de uma escada, minha mãe não quis denunciar ele. Ela tinha muito medo dele também. Tinha medo do que ele poderia fazer com a gente, sabe?
- Eu acho que consigo me lembrar do rosto dele, da sua mãe também... ele era um cara muito estranho, mas eu nunca imaginei que ele seria capaz de fazer tudo isso… Amanda, eu te admiro muito por ter passado por tudo o que passou e estar aqui na minha frente hoje. Realmente não deve ter sido nada fácil.
- Eu contei pra Bia sobre mim ontem, aquela hora que nos viu conversando... Milena e Guilherme também devem saber. O Rafa também sabe. Quer dizer, eu costumo falar sobre isso em minhas redes sociais, a Internet me ajudou muito a entrar em contato com mais meninas que são como eu, saber que eu não era um alien, que mulheres como eu existem e resistem. Então não sei se mais alguém daqui sabe.
- Mas por que estava com medo de me contar se fala sobre isso abertamente na internet?
Ela sorriu.
- Olha pra você... toda menininho. - Correu os dedos por minha cabeça, meus cabelos curtos, fazendo um carinho suave em minha nuca. Eu automaticamente fechei os olhos com seu toque, fazendo arrepiar cada poro de meu corpo - Isso é tipo impensável. Tanto que sempre me atrai por mulheres como você, mas nunca rolou nada.
- Mentira.
- Verdade.
- Tive medo porque não queria que você se afastasse. Eu sei que pode parecer loucura já que nos conhecemos há tipo 3 dias, mas sei lá, eu nunca imaginei que você pudesse ter ficado tão bonita...
- Olha... preciso te dizer a mesma coisa.
Nós rimos.
E ela continuou:
- Eu imagino que também nunca tenha ficado com alguma mulher igual a mim antes.
- Não. Preciso confessar que isso me deixa de certa forma apavorada... quer dizer...eu não tenho a menor ideia do que tenho que fazer...
- Calma... Vamos com calma... a gente pode simplesmente deixar as coisas acontecerem... sei lá...
Corri minhas mãos por sua cintura, puxando-a para perto. E ficamos ali, apenas nos curtindo naquele lugar maravilhoso à nossa volta, sem pressa alguma de irmos embora. Só nós duas.
Mal conhecia Amanda e já estava de 4 por ela. Acho que era carência. Será? Depois de minha ex eu nunca mais me envolvi com ninguém, romanticamente falando ao menos. Tudo se resumia a sex* sem sentimentos. Algumas rapidinhas em algum motel barato ou no banheiro da balada. No dia seguinte, eu simplesmente sumia.
Mas com Amanda... talvez fosse diferente. Ela tinha algo que me deixava rendida. Que me dava vontade de estar perto, de saber, de conhecer, de querer cuidar... de tentar tirar toda aquela tristeza que ela carregava em seu peito e encher ela de alegrias... de felicidade... de paz…
Mais tarde voltamos para a chácara, estacionamos a moto e ouvimos o barulho da música alta e a risada de algumas pessoas. Estava quase anoitecendo. Entrelacei meus dedos com os dela e entramos pela porta lateral que dava na cozinha, Guilherme estava lá com Bianca preparando algo no fogão.
Eles sorriram e assoviaram.
- Ai sim, hein!
Nós rimos. Pedrão ouviu o barulho e veio até nós brincando:
- A tarde foi boa hein, voltaram só agora.
Todos riram.
Nós tomamos banho, trocamos de roupa e nos sentamos em um sofá lá na sala de jogos, ficamos ali entrelaçadas, namorando. Kaique queria começar outra partida de Poker. Ele me ensinou como se jogava. Amanda já sabia (obviamente). Logo Marcelo e Arthurzinho se juntaram a nós e começamos a jogatina.
Ela agora parecia tão solta... tão leve... como se tivesse saído um peso absurdo de seus ombros. E eu não queria pensar no que aquela história toda daria. Ou no que aquilo tudo significava pra mim. Ou no que seria de mim depois disso. Era tudo extremamente novo, um terreno que eu nunca tinha pisado. E eu estava morrendo de medo. Morrendo de medo de tudo que Amanda me fazia sentir, de uma forma que eu perdia o controle sobre mim...
Fim do capítulo
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jakerj2709
Em: 09/03/2023
Que capítulo lindo Elas tem uma sintonia gostosa acho só espero que para Duda não seja só uma transa e nada mais.... Amanda não merece sofrer....parabéns autora V escreve muito bem e consegue nos envolver com as personagens...Ah acho q o Marcelo ainda vai trazer problemas no futuro....
Resposta do autor:
Oi jakerj2709! Obrigada por estar acompanhando e fico muito feliz que esteja gostando da história. A Duda está caidinha pela Amanda... pode ter certeza que não vai ser apenas uma transa. E você acertou em cheio sobre o Marcelo, inclusive é tema do próximo capítulo que acabei de atualizar!
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Marta Andrade dos Santos
Em: 08/03/2023
Só alegria tudo esclarecido.
Resposta do autor:
Até que enfim, né? (:
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Marta Andrade dos Santos
Em: 08/03/2023
Só alegria tudo esclarecido.
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thays_ Em: 07/04/2023 Autora da história
Essa é a grande dúvida da Amanda, como vai ser depois disso!