Capitulo 10
Nunca Te Amarei -- Capítulo 10
"Você deve lidar gentilmente com o senhor João Vitor". O pedido de Donatella ecoava na cabeça de Kristen enquanto ele sentava-se à sua frente, mas a primeira impressão que teve dele tornaria isso muito difícil. Não costumava se enganar em seus julgamentos, o homem provavelmente era um tremendo babaca lambe botas.
-- Bom dia, senhor João.
-- Bom dia, senhorita Donati -- sentada ali, com a mesa entre os dois, uma distância insignificante, possivelmente sugeria que ela se sentia vulnerável ao ter que lidar com ele. Esses eram os pensamentos de João.
-- Foi bom você ter vindo, João Vitor.
Foi um cumprimento gentil, até ela acrescentar:
-- Não fui com a sua cara.
João Vitor arregalou os olhos, mas não retrucou, sabia muito bem qual era o seu lugar.
-- Mas não se preocupe, eu não vou com a cara de muita gente. Nem por isso deixo de aturá-los.
-- Sim, claro -- João se repreendeu mentalmente pela falta de coragem de responder à altura. Era mais velho, mais experiente, tinha mais habilidade com as pessoas, mas preferiu lidar com ela gentilmente. Respirou fundo calmamente, com a intenção de ser o mais diplomático possível. Ela estava sentada na cadeira de Arthur, tomando seu lugar mesmo sendo manipulada por Donatella. João pensou, se conscientizando sobre a garota com a qual teria que lidar, afinal, era filha de Donatella, a mulher mais perversa que conheceu na vida e de Arthur, um homem astuto, esperto e sagaz. Enfim, o sangue ruim corre forte em suas veias.
-- A Donatella me disse que você tem alguns papéis que devo assinar antes de ir embora. Estão com você? -- perguntou Kristen, rodando a caneta entre os dedos. Ela esboçou um sorriso, Donatella sempre incentivou a filha a se orgulhar do prestígio que vinha com o poderoso sobrenome Donateli, mas agora pedia boas maneiras para com o diretor financeiro. Era no mínimo estranho.
O homem colocou os papéis em cima da mesa, depois, levantou os olhos. O rosto demonstrava insegurança e medo. Era uma estupidez, mas Kristen ficou satisfeita. Provavelmente, João não encontrou muitas mulheres tão arrogantes, seguras e decididas como ela demonstrava ser naquele momento.
-- Aqui estão, é uma assinatura em cada folha -- ele respondeu, apressando-se a explicar -- São papéis liberando a compra de materiais de construção para a obra do condomínio da Lagoa. A senhora Donatella já autorizou a compra.
-- Não precisa me explicar o óbvio -- disse ela, examinando os papéis. Não entendeu nada, era um amontoado de letrinhas e cálculos complicados que nem fez questão de se aprofundar, mas não deu o braço a torcer.
João não falou mais nada. Muito bem, pensou, entendo ela não se interessar sexualmente por homens, mas porque tem que me tratar assim? O que foi que eu fiz para ela?
Quando terminou de assinar os documentos, já era hora do almoço. Jaqueline ainda estava em sua mesa.
-- Eram apenas alguns papéis -- reclamou cinicamente -- Estou morta de fome!
Rapidamente Jaqueline pegou o telefone. Sempre fazia isso para o senhor Arthur.
-- Vou pedir o seu almoço. Tem um restaurante aqui perto que serve uma comida maravilhosa é só dizer a sua preferência...
-- Espera! Mas não tem um restaurante aqui na empresa?
Jaqueline hesitou antes de responder; mas resolveu ser sincera e direta:
-- Tem, mas a comida não é muito boa.
Kristen olhou para ela admirada.
-- Alguém já morreu intoxicado?
-- Claro que não! -- a secretária respondeu de imediato, franzindo a testa.
-- Então não tem problema, comida ruim é comida estragada -- Kristen caminhou até a porta e antes de abri-la virou-se para Jaqueline -- Vamos.
-- Eu? -- ela perguntou, num fio de voz.
-- Quem mais, mulher? Vamos logo que estou com fome.
Luciana abriu a porta e praticamente empurrou Laura para dentro do refeitório.
-- Você é muito molenga, desse jeito vamos ser as últimas da fila do bufê.
-- Tudo isso é fome? -- perguntou Laura, encaminhando-se para a fila.
-- Você sabe muito bem que o restaurante fica lotado e a gente demora demais para retornar ao trabalho.
-- Puxa saco! -- retrucou a irmã.
A fila andou, mas Luciana travou quando encontrou o par de olhos verdes mais lindos que já vira em sua vida. No processo de pegar um pedaço de galinha, olhou fixamente em choque para a mulher de pé a frente dela, mãos delicadas agarradas firmemente em torno da bandeja de almoço. Existia algo infinitamente frágil sobre ela, e igualmente poderoso. Seu estômago apertou, e por um momento se esqueceu de respirar. Ou talvez fosse incapaz. Kristen olhou fixamente de volta para ela, seus cachinhos dourados caiam pelos ombros. Ela era linda.
-- Eu até entendo que você queira criar um clima antes de comê-la, mas será que dá para fazer isso em outro lugar? A gente também está afim da galinha.
Luciana voltou à realidade e percebeu que todos olhavam para ela.
-- Des...desculpa -- ela se moveu adiante, segurando a galinha no ar, como uma idiota.
Laura a empurrou de leve.
-- Vamos pegar suco.
Luciana colocou a galinha sobre seu prato e caminhou até a mesa do suco.
Laura perguntou-se que diabos, acabou de acontecer ali.
-- Tá lesada é?
-- Vamos sair daqui antes que ela venha pegar suco.
Elas se serviram e foram sentar-se em uma mesa próxima à entrada. De onde estava, Luciana assistiu quando ela e Jaqueline sentaram-se longe delas, achando um canto onde existiam só duas cadeiras em uma mesa minúscula próxima a janela.
-- Idiota, idiota, idiota -- resmungou com raiva -- Que ódio!
-- Ei, ei -- Laura disse, sorrindo -- Controle-se. Será melhor para você passar despercebida. Vamos comer e sair logo daqui.
Sentindo qualquer coisa exceto fome, Luciana pegou os talheres e começou a remexer a comida. De onde estava podia ver a garota e observar cada detalhe que podia. Ela comia delicadamente, e em nenhum momento olhou para os lados. Quando não estava olhando abaixo em sua comida, fixava o olhar em Jaqueline.
-- O que ela veio fazer aqui?
Laura olhou para cima, e seguiu o olhar de Luciana.
-- O que se faz em um restaurante? -- a moça encolheu os ombros -- Encher os pneus do carro é que não é.
-- Porque encher os pneus do carro?
-- Sei lá, foi o que me veio à cabeça.
Luciana olhou para ela, depois para Kristen.
-- Eu odeio essa garota, quem ela pensa que é para falar comigo daquele jeito?
-- Ela é a presidente da empresa e você uma simples secretária que empaca na fila do bufê. Portanto, conforme-se e coma.
Luciana agitou a cabeça e forçou-se a comer, mas volta e meia olhava para Kristen, enquanto as outras pessoas terminavam o almoço, e começaram a sair.
Kristen parou de comer e empurrou seu prato para o lado. Jaqueline franziu o cenho no fato de que existia ainda uma boa porção de comida no prato dela.
-- O que achou da comida?
-- Horrível! -- ela descansou o queixo em cima do punho.
-- Eu avisei que a comida é ruim, mas a senhorita disse que comida ruim é comida estragada. Quem sou eu para contrariar?
-- Não imaginava que fosse tão ruim -- ergueu uma sobrancelha para enfatizar o que dizia -- Nunca reclamaram da comida?
-- Sim, muitos reclamaram, mas o senhor Arthur não deu a mínima.
Kristen olhou para fora da janela.
-- Isso é porque ele nunca provou essa lavagem -- disse e riu, imaginando o pai comendo aquela comida -- Vou convidar a Donatella para vir almoçar comigo, na semana que vem.
Jaqueline riu alto.
-- Desculpa, mas não consegui segurar o riso.
Kristen riu e logo em seguida ficou séria e havia uma expressão pensativa em seu rosto.
-- Sabe aquela mulher da fila do bufê?
Jaqueline endireitou os ombros e ergueu a cabeça num gesto instintivo de alerta. A pergunta assustou a secretária, e de início ela não soube o que responder.
-- O que tem ela?
-- Tenho quase certeza de que a conheço de algum lugar, só não sei de onde.
-- Daqui da empresa -- respondeu rápido -- Ela é a secretária do João Vitor -- disse Jaqueline, tentando manter a entonação natural.
-- Acho que não é aqui da empresa, mas deixa pra lá -- Kristen deu de ombros. De um jeito ou de outro, isso não tinha importância. Mudou de assunto -- Tem algo agendado para mim nos próximos dias?
Jaqueline pensou um pouco antes de responder:
-- A dona Donatella me pediu para transferir a sua agenda para ela.
Kristen franziu seu nariz delicado.
-- Que safada!
Jaqueline ergueu a sobrancelha, confusa.
-- Ela fez isso sem o seu conhecimento?
Kristen sacudiu a cabeça, fazendo seus cachinhos balançarem sobre os ombros.
-- Acredito que ela fez isso pelo fato de eu não entender muita coisa sobre construção, mas, ela devia, pelo menos, ter me comunicado -- Kristen tomou um gole do suco e fez uma careta -- Esse suco tem tanto corante que dá para pintar uma parede. Sobre o que estávamos falando, mesmo?
-- Segunda tem uma reunião importantíssima agendada para às nove horas. São clientes japoneses que querem construir um condomínio na Região dos Lagos. É um contrato milionário.
-- Hum, vou participar dessa reunião. Acho que vai ser legal -- Kristen olhou fixamente para a secretária -- Você é casada?
Luciana olhou assustada para o relógio, percebendo que tinha ficado além do tempo.
-- O senhor João Vitor vai me matar. Ele pediu para eu responder uns e-mails até às duas horas.
-- Quem manda ficar secando a moça. Não tem vergonha, não? Até alguns dias atrás, ela era a sua enteada.
-- Eu não estava secando a Kristen.
-- Estava sim! -- insistiu Laura -- E ainda continua.
-- O que ela fez hoje só comprovou o que eu penso dela -- Luciana empurrou a cadeira -- Vamos sair logo daqui.
Luciana andou a passos largos para fora do restaurante, olhou para a direita e esquerda, depois atravessou a rua.
-- Espera! -- irritada, Laura correu atrás da irmã. Ela viu o brilho perigoso no fundo daqueles olhos e, por um instante, imaginou que ela fosse empurrá-la para o lado -- Me diz, o que você pensa dela?
Luciana parou, ergueu as mãos numa aparente rendição, mas com uma expressão de impaciência.
-- Está bem -- ela olhou em volta furtivamente. O lugar já estava mais vazio, mas ainda havia alguns funcionários saindo do restaurante e retornando ao trabalho -- Eu penso que ela é uma pessoa egoísta, arrogante, extremamente teimosa e mimada -- ela falava entre os dentes, tentando reprimir um grito de frustração e fúria -- Tudo o que eu mais odeio, em uma pessoa. Meu filho nunca se aproximará dessa família.
Laura deu de ombros e levantou as mãos.
-- Seja feita a vossa vontade, não vou dizer nem mais uma palavra sobre esse assunto -- suspirou, com o olhar zombeteiro fixo no rosto da irmã.
-- Vamos logo, já estou meia hora atrasada -- Luciana resmungou, saindo apressada.
A mão estendeu-se para ela. Dedos frios e esqueléticos apertaram-lhe o pulso com força inacreditável, Kristen gem*u alto e o som da própria voz a acordou. Ofegante, sentou-se na cama enorme enquanto os olhos vagavam pelo quarto. Outro pesadelo. O segundo nesta semana. Na verdade, um sonho, pois as recordações provocadas pela mão eram válidas. Aliás, dolorosamente reais.
-- Bom diaaaaa... -- Rick entrou com uma bandeja nas mãos, com café e salgadinhos -- Trouxe um pequeno lanchinho.
Kristen sentou na cama.
-- Bom dia -- ela bocejou e se espreguiçou -- Caiu da cama?
-- Não consigo dormir até tarde no sábado -- disse Rick -- Sou como criança. Não aguento de ansiedade e pulo da cama para começar logo o dia.
-- Pois eu adoro dormir até mais tarde, me alcança a bandeja.
Rick ajudou-a.
-- Na verdade eu acordei cedo para ver a vizinha do 62 descer para a sua corrida matinal. Sabia que ela descobriu que o marido está pegando o vizinho do 51?
-- Não -- Kristen deu uma mordida na empada -- E para que ficar vigiando a coitada?
-- Só queria ver se ela emagreceu.
Kristen revirou os olhos.
-- Sem comentários.
-- Vou ter que morar aqui agora.
-- Você já mora aqui -- afirmou Kristen, lambendo os dedos.
-- Agora vou morar mais ainda, a minha irmã me expulsou do apartamento dela.
-- O que você aprontou?
-- Ela acha que eu não respeito a sua privacidade.
-- Por que ela acha isso?
-- Era o que estava escrito no diário dela.
Depois dessa, Kristen entregou a bandeja para ele e se levantou.
-- Vou à praia, preciso treinar um pouco. Você vem comigo?
-- Não, obrigado, prefiro ir ao shopping. Não tenho saco para ficar sentada na areia olhando você surfar.
-- Então, tá. Pega a minha roupa de borracha no armário.
-- Lindo o seu Wetsuit -- Rick olhou para a roupa preta com detalhes verdes que Kristen vestiu -- É aquele que você ganhou do seu Arthur no último aniversário?
-- Ele mesmo. Falando nisso, peguei a minha prancha branca que estava no apartamento do pai.
-- Vai surfar com ela hoje?
Kristen sorriu levemente.
-- Relembrar os velhos tempos é sempre bom. Vou surfar com a prancha que ganhei dele.
Laura encheu uma tigela com cereais e colocou leite por cima.
-- Fico feliz que você aceitou cuidar do Dudu no período da tarde, a Luciana estava sem saber o que fazer.
Ingrid tomou um gole de café antes de falar.
-- Não vai ser fácil para mim, mas não posso deixar a minha amiga na mão.
-- O Dudu é um garoto inteligente, não é difícil distraí-lo.
-- A Lú contou para ele do pai? Não disse a ele que o Arthur morreu, disse? -- Por um momento Ingrid pareceu alarmada.
-- Não, claro que não -- Luciana disse, entrando na cozinha -- Bom dia, Ingrid.
-- Bom dia Lú. Desculpa, não é a minha intenção se meter na sua vida, mas preciso saber para não deixar nenhum furo.
Luciana sentou-se à mesa.
-- Sim, claro, não se preocupe. Mas ele já está bem grandinho e logo vai notar que o Arthur desapareceu. Disse apenas que o papai foi viajar. Dudu ainda é muito criança, não precisa de maiores explicações. E quando ele começar a fazer perguntas, falo a verdade.
--Toda a verdade? -- mesmo sabendo que era um assunto delicado, Ingrid arriscou perguntar.
-- Você está falando da Kristen?
-- Sim, mais cedo ou mais tarde, ela pode descobrir e desejar participar da vida do irmão!
-- Dudu não vai ser como um brinquedo, que ela pega e larga quando quer! -- depois de uma pausa, revelou: -- Não vou me arriscar, elas podem querer o meu filho apenas como vingança -- Luciana sentiu a boca seca, apesar de estar tomando suco. Era a sensação de medo de perder o filho que a deixava assim.
-- Mas você tem consciência né, que caso a Kristen descubra e queira participar da vida do irmão, você terá duas alternativas: ou você dá, de livre e espontânea vontade, o direito dela passar algum tempo com o irmão, ou ela recorre à Justiça e ganha esse direito.
Luciana ia começar a falar outra vez, mas desistiu, voltando a atenção para a fatia de bolo que tinha no prato. Esse assunto sempre a fazia perder a calma! Era horrível ter que optar por uma das coisas quando, na verdade, ela não queria nem uma nem outra.
Luciana por fim viu Eduardo descendo a escada com uma mochila nas costas. Vinha conversando com a avó e ela não pôde deixar de notar como era parecido com a irmã. Tinha as mesmas feições, os mesmos cabelos cacheados e os olhos verdes.
-- Mamãe! -- ele passou pela porta da cozinha correndo, dando um grande abraço em Luciana e muitos beijos em seu rosto.
-- Acordou cedo, hein. Quando é para ir à praia nem precisa chamar duas vezes.
-- Oi, meu amor! Como vai? Que saudades! -- Ingrid abriu os braços para ele.
O menino entregou a mochila para ela.
-- Praia tite.
Luciana colocou a mão sobre o ombro do filho.
-- Calma Dudu, primeiro o café, depois a praia.
-- É meu filho, a titia preparou um lanche bem gostoso, com tudo o que você gosta.
Muito entusiasmado, ele se sentou para comer seus doces e bolos prediletos.
-- Hoje você não precisava vir até aqui para levar o Dudu à praia. Como não trabalho, eu mesma podia levá-lo.
Ingrid sorriu.
-- O Dudu me faz companhia, ele é muito divertido.
-- Isso ele é mesmo -- disse Luciana, rindo -- Comporte-se hein, garoto. Obedeça a tia Ingrid.
O menino balançou a cabeça, concordando.
Logo que terminaram o café da manhã, Ingrid e Dudu deixaram o apartamento com destino ao Arpoador.
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
Marta Andrade dos Santos
Em: 26/02/2023
Dinatela vai aprontar abra olho Kristen.
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Mille
Em: 25/02/2023
Oi Vandinha
E o destino vai colocar Eduardo e Kristen juntos novamente.
O pouco tempo que a Jaqueline teve com a Kris já percebeu alguma diferença do Artur.
Bjus e até o próximo capítulo
Resposta do autor:
Olá Mille
Está nascendo um vinculo forte entre eles. Bem coisa de irmãos.
Beijos
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