Capitulo 11
Capítulo 11
O elevador abriu e meu mundo parou. Sim, exatamente isso. Junto com todas as paredes que eu estava inconscientemente criando. Ela saiu do elevador na suavidade de uma pluma, mas com uma presença de toneladas. Confesso que o frio do inverno de são Paulo ajudou um pouco. Mas ver a Bruna com uma calça de couro colada no corpo, foi no mínimo interessante. Por cima uma blusa preta, manga longa, solta. Claro que não sei o nome, o tipo, nada disso, mas sei que ela estava linda. Ela virou para a direita, me procurando, eu apenas continuei atônica olhando pra ela. Virou de frente me procurando, e aí cara, ela me ganhou. Seus olhos maquiados, deixaram a Bruna mais madura, com um jeito adulto, mulherão. E a bota de salto alto manteve a firmeza que ela tem.
Eu levantei do sofá na mesma velocidade em que ela abriu o sorriso lindo dela. Ela deu uma puxadinha da boca pro lado, tentando esconder a satisfação em saber que me ganhou. Senti meu rosto queimar, claro que eu fiquei com a bochecha vermelha. Por sorte a cor da pele disfarça. Me aproximei dela, foi quase uma dança silenciosa. Passei o braço por cima do ombro direito dela, tendo rapidamente acesso a nuca e tracionando levemente seu corpo, enquanto a mão esquerda, na cintura, ajuda a estabilizar. Que cheiro delicioso. Encostei os lábios nos dela, um selinho, longo. Quando nos soltamos ela continuou com o sorriso leve, rindo da situação.
- Hummm, que recepção boa!
- Você está linda! - falei com o rosto ainda perto dela.
- Que nada. Foi tudo tão corrido hoje, só tomei um banho e passei um pó no rosto - falou com uma expressão tímida, talvez real mesmo ou só charme, não sei.
- Vamos ir pra não perdermos a reserva? Como foi seu dia Bru? - seguimos de mãos dadas pelo hall do prédio, em direção a garagem.
- Foi corrido e cansativo. Sábado tem sempre o fechamento da edição, eu fico em alerta o tempo todo.
- É sempre corrido assim?
- Em geral é, sempre deixo só os detalhes para o final do dia. Pode surgir uma notícia de última hora, algo urgente. Então só nas últimas horas do sábado que consigo fechar mesmo. Deixou sua moto aqui dentro?
- Ah, sim, deixei na gaiola de motos. Bru, de scooter só tem uma prateada lá. É a sua? - ela fez uma cara de interrogação e seguimos em direção a gaiola das motos.
- Essa é a minha - ela parou em frente a única scooter da gaiola, a mesma que eu havia visto a pouco e achado linda, mas bem mais cara do que meu poder de aquisição atual - Só uso ela quando preciso de uma coisa rápida. Evito ir pro jornal com ela, o trânsito de São Paulo está bem complicado.
- Principalmente para um gnomo como vc. Não dá pra dirigir de salto - tentei distrair minha preocupação quanto ao valor da moto, na verdade ao padrão social dela.
- Você que pensa que não dá pra dirigir de salto. Dou meu jeito pra tudo. Vem, vamos de carro pro restaurante. Está frio demais pra moto - não havíamos soltado a mão, então só me puxou e continuou a andar, no térreo mesmo. Paramos em frente a um SUV Pajero vermelho, lustrado, brilhante, impecável. Poderia imaginar ela em qualquer carro compacto e pequeno, jamais em um sub, será que seu pé atinge o volante? - Você dirige carro?
- Eu? Porque? Seu pé não alcança o pedal? - Eu não resisti à piada. A Bruna ficou puta. Me olhou com uma cara bem séria, me entregou a chave e entrou no lado do passageiro. Eu perdi meu rebol*do com a cara séria dela. Entrei no carro, em silêncio. Sentei e mexi no banco, retrovisor e espelhos. Ela se manteve em silêncio, pensativa - Qual o endereço de lá? Pra eu saber qual caminho tomar.
- Vou colocar no GPS - falou seca e direta.
- Bru, desculpa. Era pra ser uma piada, mas não faço mais comentários sobre sua altura se for desconfortável - falei ficando de lado no banco, olhando pra ela.
- Aqui, está programado o caminho - esticou a mão e posicionou no suporte de celular que estava no vidro - Tudo bem Flávia, só é meio infantil toda hora fazer piada com a minha altura. Pensa se eu fizesse piada te chamando de gigante o tempo todo. Uma vez ou outra é divertido, mas sempre é chato.
- Vou me policiar para não fazer mais comentários. Posso fazer alguma coisa pra melhorar esse seu bico? - ela finalmente olhou pra mim. Virei de lado no banco, estiquei a mão pegando delicadamente em seu queixo. Aproximei meu corpo do dela, em direção a boca, mas desviei para o pescoço. Respirei profundamente o perfume de maracujá dela, e no pé da orelha pousei uma mordida. Voltei ao pescoço e beijei, passando a língua, provocativa. A Bruna puxou o ar, respirando fundo. Me afastei e olhei pra ela.
- Ainda estou brava - falou sorrindo a ponto de mostrar as covinhas. Sem soltar o queixo dela, aproximei meu corpo e puxei o rosto dela. Lábio com lábio, comecei suave, delicado, mordida no lábio de baixo, língua massageando a dela, puxão no lábio de cima. Passei minha mão pelo pescoço dela, massageando a nuca, por baixo de todo aquele cabelo castanho solto. Nós nos afastamos apenas quando o ar faltou. Ela se manteve de olhos fechados, com o rosto mais anteriorizado. Abriu os olhos lentamente e falou: sabe que posso ficar brava a noite inteira, né?!
- E eu posso tentar te agradar a noite toda. Mas acho que se não formos agora, vamos perder sua reserva.
- Isso é verdade! E eu preciso fechar essa matéria hoje. Partiu?
- Partiu! - olhei de novo pra ela, dei um selinho, voltei pra direção. Liguei o carro e seguimos. - Coloca uma musiquinha pra gente!
- Eba, o que você gosta de ouvir? - ela falou bem animada, mexendo no celular já.
- Um "sertanejinho"!!
- Sertanejo? Imaginei que você fosse do rock. Sei lá, algo mais pesado.
- Eu escuto de tudo, mas acho que cada música é característica de uma situação. Por exemplo, não dá pra invadir um cativeiro ao som de Jorge e Mateus.
- Faz sentido, mas achei que sua playlist fosse mais pesada ou sem música, é que você é muito séria.
- Sou séria e bruta com quem tenho que ser, com você eu sou fofinha - falei sorrindo e adoçando o tom de voz, coloquei minha mão sobre a coxa da Bruna, fazendo carinho periodicamente.
- Ainda bem, acho que me assustaria em te ver em alguma operação.
- É que a situação exige isso. A minha vida, a do meu parceiro, da população, da vítima, do bandido, tudo depende da minha atenção e do meu foco. Dói demais perder um companheiro em ação, é uma dor difícil de segurar - ai que merd*, não quero entrar nesse tema, mas já entrei.
- Você já perdeu alguém assim, em ação?
- Já Bruna. Te garanto que dói sem você ter ideia do quanto - Olhei pra frente, respirando fundo, tentando me alinhar novamente - mas esquece isso. Porque quis que eu dirigisse?
- Ah, você dirige bem, então leva o carro.
- É que normalmente as pessoas tem um apreço a mais pelo carro, ninguém toca, ninguém dirige.
- Desse mal eu não morro, detesto dirigir, ainda mais carro - ela respondeu
- Hum, mas então porque você tem um?
- Coisas da vida. Eu tinha uma namorada que reclamava o tempo todo que eu não tinha carro, me tirava do sério. Acabei comprando esse só pra ela ficar quieta - falou mexendo no celular, como se nada estivesse acontecendo.
- E você comprou esse carro enorme, só porque ela queria?
- Ah, era um carro pra ela na verdade - eu nem sei se comento algo, se me mantenho em silêncio ou se desço do carro.
- Não deveria ter pego um carro menor, que encaixe mais com você? Não que você não possa dirigir um grande, não é isso, mas não te imagino num carro desse aqui.
- Eu não gosto de dirigir, então peguei um carro que encaixava mais com ela - respirou - Grande - A sorte da Bruna é ela estar falando isso pra mim, que tenho noção e sei ficar quieta. Se a Fabi ouvisse uma história dessa, soltaria alguma resposta bizarra e sem noção, típica da Fabi.
- Tá pensando em que Flávia? Está com um sorrisinho no rosto - Bruna me perguntou, soltando o celular.
- Nada não. Vamos chegar rápido, realmente era bem perto da minha casa - consegui ter um jogo de cintura rápida.
- Sim, por isso falei que eu poderia ir e te encontrava por lá.
- Jamais, se estou saindo com você, não me custa ir te encontrar. E de moto tudo é perto - o celular dela tocou, mas antes vi que ela sorriu com a resposta.
- Desculpa, vou precisar atender, é do jornal.
- Claro - ela começou a falar no celular sobre imagens, sobre reportagens eu acho. Eu não entendi nada. Me mantive dirigindo, mas não pude deixar de pensar, quanto dinheiro essa menina tem, a ponto de comprar um Pajero pra agradar uma namorada, sem nem dirigir. Eu tive que vender meu carro pra ajudar na entrada do meu apartamento. Não quero colocar empecilhos, não é isso, mas temos que considerar que há uma discrepância social.
Fui entrando mais e mais na região central de São Paulo, onde já conhecia o caminho, mas segui o GPS para não passar vergonha. Embiquei em uma ruela, já buscando vagas para estacionar. A Bruna continuava falando com a Drica no celular, uma conversa acelerada, em códigos. Encontrei uma vaga na rua, quase que de frente com o restaurante. Antes de fazer a baliza, ela levantou o rosto e apontou para a direita - Ali na frente tem um estacionamento, coloca o carro lá - e voltou a olhar para baixo falando no celular. Segui a recomendação, afinal o carro é dela. Embiquei no estacionamento que ela pediu. Desci do carro ao mesmo tempo que ela, quando finalmente desligou o celular.
- Pronto aí? Deu certo? - perguntei sem questionamentos.
- Ah, sim. Desculpa - segurou minha mão - sabado a noite realmente é muito corrido.
- Tudo bem, você fica linda toda brava no celular - acho que peguei ela de surpresa, porque houve uma pausa para a resposta.
- Não é estar brava, é que as pessoas só entendem quando eu falo firme. Isso me irrita - e respirou fundo, tentando se acalmar
- Vem, já vamos entrar no restaurante. Desacelera - e abri um sorriso foda, segurando sua mao, passando tranquilidade, calma, segurança. Em segundos Bruna sorriu de volta, com uma expressão um pouco mais leve.
Atravessamos a rua em direção ao tal restaurante de culinária vietnamita. Algumas mesinhas de madeira estavam posicionadas harmoniosamente em frente a uma parede de tijolo de barro, com um vidro permitindo que observássemos o que acontecia lá dentro e vice versa. Paramos na porta lateral, que dava acesso a casa.
- Boa noite. As senhoras têm reserva? - a recepcionista educada e calma nos abordou. Antes mesmo que eu respondesse, a Bruna assumiu a frente.
- Sim, Bruna Raíssa Martins Fernandes - eu nem sabia que o nome dela era composto, muito menos o sobrenome. Bom ir pegando os detalhes. A recepcionista calmamente foi mexendo no tablet, procurando os nomes. Levantou o rosto e respondeu:
- Sim, Bruna Raissa e Mayra Isacatti. Está aqui, humm… coluna - antes da recepcionista terminar de falar, a Bruna começou a falar.
- Eu já alterei o nome dessa reserva duas vezes, já corrigi vocês antes. Minha assistente também corrigiu vocês. Começamos muito bem, incapacidade em uma simples reserva - ela falou em um tom de voz é uma postura diferente, que eu desconhecia até o momento. Um jeito impositivo, firme. Imagino que seja a forma como ela trabalha no jornal. Mas pude perceber o quanto ela ficou incomodada com o erro no nome da reserva. Eu já estava segurando a mão dela, me mantive lá, só apertei um pouco mais, tentando trazer ela pra essa realidade novamente.
- Mas isso não é problema algum, podemos entrar moça? Tá friozinho essa noite - respondi em um tom de voz leve, aveludado, quase em uma técnica de negociação, pisando em ovos.
- Sim, me acompanhem por gentileza - apesar da cara fechada da Bruna, eu e ela entramos no restaurante. O espaço era um salão aconchegante, mais quentinho que do lado de fora, com um balcão à esquerda, onde ficava o bar. O interior da construção também é com tijolinho de barro. A recepcionista nos levou até uma mesa próximo a janela, onde pudemos sentar olhando a rua - Fique à vontade, o atendente já virá conversar com as senhoras.
- Ei, desembucha essa cara, já passou! - a Bruna se mantinha com a cara amarrada, envergonhada pelo erro na reserva. Aparentemente ela iria trazer essa Mayra no meu lugar. E ok, conheço a Bruna a tão pouco tempo que é até esperado uma confusão dessa.
- Ah, eu fiquei incomodada. Já havia corrigido para não acontecer essa situação. Me desculpa.
- Bru - falei segurando sua mão sob a mesa - só tem importância se dermos valor. Hummm, o que tem na culinária vietnamita? - já puxei outra conversa logo em seguida, para distrair mesmo.
- Você é ótima Flávia. Obrigada por ter vindo! - me respondeu com um sorriso aliviado.
- Coloca aí na conta, depois eu cobro - sorri pra ela e comecei a ler o cardápio - o que é típico do Vietnã?
- Acho que deve ser mais peixe ou arroz, não sei. Lá é meio selva, não é?!
- Sei lá Bru, a jornalista aqui é você - rimos juntas. Percebemos a aproximação de um jovem, aproximadamente uns 35 anos, vestindo um dólmã, respingada com alguns molhos. O rapaz, bem apessoado e com uma expressão simpática nos abordou.
- Senhoritas, sejam bem vindos à Dinastia Saigon. Sou o chefe Danilo - olhou pra Bruna, sorrindo e sendo o mais simpático que conseguia - As senhoritas conhecem a culinária vietnamita?
- Estávamos conversando sobre isso, é uma culinária com mais arroz, peixes talvez? - ela respondeu.
- Exatamente, as senhoritas estão certas. A culinária tradicional do Vietnã inclui ingredientes como pasta de camarão, molho de soja e arroz. As receitas incluem também capim limão, gengibre, canela vietnamita e manjericão. As senhoras deram uma olhadinha no menu ou posso sugerir alguns pratos? - ele fala demais, senhor amado. Acho que sou pobre mesmo, porque lá no PF do Sr. Olímpia, só chega o prato.
- Vou deixar a cargo da sua sugestão chefe. Viemos aqui conhecer a culinária típica e os sabores de Hanoi. O que você sugere?
- Garanto que serão transportadas para lá. Posso sugerir uma bebida para iniciar?
- Claro - ela olhou rapidamente pra mim, não fiz nada, estou perdida na situação - Ah, o dela é sem álcool.
- Perfeito - acenou com a cabeça, mostrando que aquela abordagem acabou - Fico à disposição das senhoritas. Fiquem à vontade - e ele esticou o corpo sorrindo e sendo elegante, seguindo de volta para a cozinha, enquanto voltamos a conversar.
- E esse sorrisinho dele todo o tempo para você? - achei mais estranho do que tive ciúmes.
- Faz parte do teatro. E ele já deve saber do erro da recepção, quer corrigir ao máximo.
- Isso tudo só porque você é jornalista?
- Por ser jornalista não, mais por ser uma coluna gastronômica. Tudo que acontecer aqui vai gerar um texto, que pode elevar ou afundar o restaurante dele. Minha coluna tem um bom impacto, então é vantagem ter uma boa exposição.
- Ah, ele tava vendendo o peixe dele e não dando em cima de você?
- Hummm, e esse ciuminho? - ela deu risada de mim e eu fiquei sem jeito. Devo ter ficado corada. Ela esticou a mão na mesa, coloquei a minha sobre a dela - Achei fofo.
- Senhoritas, cerveja vietnamita que acompanha toques de capim limão e manjericão. Suco de capim limão com toques de jaca - Agradecemos ao garçom, eu fiquei curiosa com os “toques de jaca”. Eu fui direto pra dar um gole, estava morrendo de sede, mas a Bruna colocou a mão dela sobre a minha, me chamando.
- Posso te pedir um favor?
- Você pode tudo, Bru.
- Aprecia e sente cada momento aqui. Depois eu vou pedir sua opinião e pegar essas sensações suas - emudeci risada dela. Pegar minhas sensações, nem sei o que é isso.
- Claro, seja lá o que for pegar minhas sensações. Posso beber o suco?
- Pode, colocar um pouquinho na boca, sente ele e depois você bebe - e assim eu fiz, seguindo as orientações dela e seguida pelos olhos dela. Que diferença, parece que o sabor explodiu na minha boca, senti um mundo de capim limão explodindo. Humm, que delícia, pensei - Tá vendo como muda a sensação?
- Sim, um mundo novo de sabores, eu acho - fomos atrapalhadas pelo celular dela, que começou a tocar. Na tela apareceu “Mayra”. Na mesma velocidade que tocou, a Bruna deslizou o dedo ignorando a tela.
- Essa é uma técnica para explorar os sabores e sensações. É a diferença entre simplesmente comer e degustar.
- Acho que nunca fiz dessa maneira. Eu iria tomar um golaço aqui, pra matar a sede.
- Essa é uma jogada importante, não pode vir pra matar nada, nem sede, nem fome. E sim pra sentir os sabores, degustar os - e o telefone começou a tocar novamente, Mayra escrito na tela. Dessa vez a Bruna deslizou o dedo e respirou fundo incomodada com a situação - Humm, onde eu estava?
- Falando dos sabores. Bru, aqui aceita crédito né?! Só pelo atendimento e o padrão da bebida, sei que vai custar uma paulada - me senti envergonhada em falar isso, mas eu precisava. Vou usar no crédito para pagar mês que vem, esse mês não tenho mais dinheiro para cobrir nada.
- Flavinha, fica tranquila. Muito provavelmente nem seremos nem seremos cobradas, será cortesia da casa. Se por um azar nosso não for, o cartão corporativo do Dói Notícia cobre a conta.
- Porque vai sair cortesia?
- É o pagamento indireto - a porr* do celular voltou a tocar, agora na tela apareceu “Mayra escritório”. Ela me olhou com vergonha e muito desconfortável. Meu lado investigadora sempre fala mais alto e está me dizendo para ligar o alerta a situação.
- Acho que você precisa atender Bru. Eu vou ao banheiro - sorri de volta pra ela, tentando deixá-la menos desconfortável. Ela retornou o sorriso, mas com uma expressão de desculpa pela situação. Levantei e segui em direção ao final do salão, onde fica o banheiro. Mas antes pude ouvir o início da conversa: “Você não pode ficar me ligando o tempo todo. Não tenho nada para falar com você”.
Eu tenho meu passado mal resolvido, mas não me atentei se a Bruna também teria um passado mal resolvido, bagunçado ou presente. Essa Mayra iria vir com ela para o jantar, pode ser a chefe do jornal ou uma colega de trabalho apenas. Mas não sinto isso, sinto como algo mal resolvido, uma namorada, esposa talvez. Não posso confrontar a Bruna, nem tenho liberdade para isso, mas vale manter o alerta e a atenção.
Enrolei no banheiro mais tempo que o costume, para poder dar esse espaço para ela. Quando voltei ela estava sentada, com uma cara de exaustão, de quem precisava dormir e ser protegida. Assim que apareci no campo de visão dela, ela sorriu pra mim e me olhou com mais calma e plenitude.
- Está tudo bem, Bru? - ela puxou o ar lentamente.
- Está sim, sábado é um dia corrido e pesado só.
- Você quer ir embora? Descansar?
- Jamais, não vou deixar o trabalho atrapalhar esse tempo nosso. De todo modo, estou trabalhando aqui - Fomos interrompidas pelo garçom que veio trazendo nossas entradas, bolinho de carne de porco com molho de peixe e tratar de carne de jaca, acompanhado de um pãozinho vietnamita. Eu achei chique o prato. Mantive o ritual diferenciado que a Bruna me ensinou. A todo tempo ela anotava alguma informação relevante em um caderninho elegante que ela levou. O celular não voltou mais a tocar.
- Humm, prove isso aqui Flavinha, olha esse sabor de manjericão. Parece que explode na boca - Ficamos nesse clima leve e de degustação um tempo, puxando conversas leves, delicadas. Um clima sutil de começo de relacionamento, quando as pessoas estão se conhecendo, se sentindo - Você já teve algum relacionamento mais sério Flávia?
Caraca, como assim? O clima estava tão leve, conversando sobre gostos, sabores e vida. Tudo bem, entendo o lado dela em fazer essa pergunta, mas eu endureci o corpo instantaneamente. Acho que cheguei a cerrar os dentes. Não sei se é medo dela descobrir sobre a Fabi ou dela descobrir meus medos. A Bruna é uma pessoa boa, algo bom que está me acontecendo, talvez eu deva deixar me levar um pouco, apesar de todo o medo e a dificuldade.
- Humm, é… tive. - tentei responder não tão travada, mas ela percebeu meu desconforto. Mesmo assim, continuou.
- E faz tempo? Durou quanto tempo?
- Durou 12 anos.
- Caramba, 12 anos é muito tempo. Você foi casada então?
- Não. Éramos muito caretas para morar juntas antes de casar, queríamos fazer tudo do jeito mais clássico possível - acho que não consegui deixar de sorrir ao falar da Fabíola, porque a Bruna, em seu processo investigatório levantou a sobrancelha dela, em atenção.
- Humm. Você é bem conservadora né?!
- Não acho que eu seja bem - intensifiquei a palavra- mas conservadora eu sou. Eu só queria fazer tudo certinho, ninguém casa pensando em terminar ou casar de novo. Na vida só temos um casamento, não iria avacalhar.
- E no final não casou porque? - deu um gole na cerveja vietnamita.
- Não tínhamos dinheiro no início. Então eu comecei a trabalhar bem mais, para juntar uma grana para dar entrada em um apê e para o casamento.
- Mas e aí? O que deu? - mais um gole da cerveja vietnamita. Fomos interrompidas novamente pelo garçom, que trouxe os pratos principais. Eu recebi um prato elegante com macarrão e camarão, acompanhando uns legumes e tals. Não sei se é bom, mas bonito é. Já a Bruna recebeu um arroz com legumes, bonito também, acompanhado de uns medalhões de lagosta. Achei o dela mais chique. Pra mim chegou um suco de hibisco com capim limão e pra ela um drink amarelo, quase brilhoso, que pelo que o garçom falou, é Sake, lichia e limão siciliano.
- A comida é muito bonita! - Aproveitei que os pratos chegaram e tentei mudar de assunto rapidinho.
- Sim, muito bem apresentado. Olha essa lagosta, um medalhão bem generoso. Prova aqui - ela cortou um pedaço e me deu na boca. O olhar da Bruna sempre é quente, independente do que ela faça. Ela não poupa esforços para mostrar o desejo.
- Humm, que delicia - falei logo após ter feito todo o ritual do sabor - nunca tinha comido lagosta. É bem gostoso.
- Cara, comi uma em Portugal na última vez que fui lá, acho que ano passado. Foi a melhor lagosta que comi na vida. Essa não bate essa do Porto, mas está muito bem feita - eu apenas sorri de volta, tentei não me mostrar sem graça. Mas como vou falar sobre isso? Lá na Brasilândia, onde eu moro, não chega lagosta. É o tipo de conversa que também rola na faculdade, faces de uma sociedade de discrepâncias sociais.
- Dizem que o vinho do Porto é um dos melhores - peguei qualquer mensagem que eu já havia ouvido em relação a Portugal e joguei na mesa, para continuar conversando. Ela continuou contando sobre a vida dela, de um jeito leve.
Depois de um tempinho chegaram as sobremesas, uma Torta de banana vietnamita, com creme de leite de coco e amendoim para ela. Para mim veio um cheesecake de frutas vermelhas. Caraca, que saboroso. A torta de banana era macia, preenchia todo o paladar quase que pedindo mais uma garfada. Já a torta de frutas vermelhas era explosiva, um boom de sabores desde as frutas ao creme. A finalização do jantar foi perfeita. Bateu todos os pontos que eu buscaria em um restaurante, mas vamos considerar que eu não entendo nada de gastronomia, menos ainda de comida chique.
Terminamos de comer a sobremesa batendo um papo leve. A Bruna estava sorrindo, deixando a covinha aparecer, bem mais tranquila do que quando chegamos e sem comparação com a menina que conheci no elevador. De saideira ela chamou o atendente e pediu um café. Claro que na minha cabeça viria um simples “café preto”, mas veio um café com leite condensado e condimentos. Quando eu coloquei ele na boca, senti falta do café em si. Tinha gosto de mil coisas, menos de café.
A expressão da Bruna mostrou que algo de errado não estava certo, ela também estranhou o sabor. Quando nossos olhares de estranhamento se encontraram, a risada veio de imediato, leve, sutil, quase que gargalhando. Seus olhos estavam vivos, alegres, de um jeito que eu ainda não tinha visto nesse pouco tempo. E ela estava leve, solta, rindo com suavidade.
- Humm, Flavinha, já está ficando tarde. Vou pedir para fechar, tudo bem?
- Claro - em automático estiquei a mão, chamando o atendente.
- Pode fechar nossa conta, por gentileza - ela pediu. Eu fiquei na minha, observando quando vou precisar sacar meu cartão de crédito e parcelar tudo em 15 vezes sem juros. O garçom acenou a cabeça concordando com o pedido dela e saiu. Pouco tempo depois o chefe da casa, Chefe Danilo, apareceu na nossa mesa.
- Senhoritas, gostaram da comida de Hanoi? Foram bem atendidas?
- Muito boa a comida - ela voltou a expressão firme, profissional - Me senti nas ruas chiques de Hanoi. Não sei se na linha do trem comeríamos tão bem - deu um sorrisinho social.
- Realmente senhorita, nossa culinária remete mais aos casarões elegantes de Hanoi. Mas comida boa só é possível com pequenos detalhes culturais, sutis e vivenciados todos os dias pela população vietnamita local.
- Já foi pra lá chefe? - ela perguntou. Pelos olhos puxados e a pele mais escurecida, eu já imagino que pelo menos uma tradição étnica ele deve ter. A Bruna é a jornalista, então ela que pergunte.
- Venho de uma família vietnamita, que veio para o Brasil na época da guerra. Mas sim, passei 4 anos em Saigon me aprimorando e aprendendo técnicas culinárias nativas - os dois ficaram mais alguns minutos batendo papo. Pude ver a Bruna em ação, onde nitidamente ela estudou o tema, batendo tete a tete com o chefe, questionando sobre sabores e experiências. Fiquei encantada pela postura dela em trabalho, ela assume uma maturidade, um jeito mais velho, maduro. Até a postura física, de alinhamento de coluna fica diferente. No meio desse bate papo, ela pediu a conta, mas o chefe Danilo falou que era por conta da casa, exatamente como ela havia me dito e eu, claro, não acreditei.
Depois disso, graciosamente e com firmeza levantou da mesa, eu observando, acompanhei. Ela então esticou a mão ao chefe, agradecendo pelo jantar e pela experiência. Eu repliquei o que ela fez. Passei minha mão pela cintura dela, conduzindo a Bruna para a saída, de um jeito cuidadoso e carinhoso. Quando a porta abriu, o frio de São Paulo voltou a preencher minhas narinas, arrepiei na hora. Ela estava leve, tranquila. Entramos no carro, ainda no estacionamento e ela me puxou para um beijo sutil, rápido e leve.
- Flávia, obrigada por ter vindo comigo - falou de um jeito sincero - Achei que fosse ser só trabalho, mas me diverti bastante.
- Fala sério, se eu não tivesse vindo, você não teria aprovado leite condensado com café - falei rindo, enquanto ligava o carro e começava a viagem.
- Nossa, verdade, que coisa horrível. Estava doce de mais, não fechou bem um jantar quase perfeito. Ah, Flávia, para na sua casa, é aqui pertinho. Não vou fazer você me levar lá em Santana.
- Até parece, te busquei lá, te entrego lá. E tem mais, se eu desço em casa, perco esse tempinho a mais com você - coloquei a mão na coxa dela, como eu já estava fazendo, mas acho que de alguma forma a mensagem saiu errada.
- Humm, tempinho a mais comigo?
- Claro, te levar e te buscar nos dá esse tempo, conversarmos mais, nos conhecermos melhor - será que colou? - Você fica séria quando está trabalhando.
- Ah, às vezes é preciso. Eu sou bem de boa, mas dependendo da situação, se eu não tiver essa postura, geral monta em cima - Fomos conversando tranquilamente, amenidades, trabalho. Não entramos em nenhum detalhe sobre quem era Mayra, meu relacionamento de 12 anos ou qualquer outro tema polêmico para o momento. Fomos no trajeto cantando sertanejo, sorrindo, leves, como se todos os nossos problemas ou dificuldades tivessem ficado fora do carro. O sorriso leve dela, com as covinhas aparecendo é encantador.
- Chegamos gatinha - ela acabou cochilando no carro, quase no final do caminho, faltando menos de 5 km para chegar no prédio dela. Eu embarquei o carro na entrada do prédio, mas não sei quais são os procedimentos. Ela apertou o controle, liberando o acesso.
- Estaciona naquela mesma vaga que estava mais cedo. Lembra qual era? - acenei com a cabeça, manobrei o carro, encaixando o carro na vaga. Assim que parei, meu corpo ficou rígido, tenso sobre o próximo passo. A Bruna já me convidou duas vezes para subir no seu apartamento e eu consegui dar uma desculpa. Talvez a terceira desculpa seja mais complicada.
Ainda sentada no banco do passageiro ela olhou pra mim, passou o braço por tras do meu pescoço. Eu claro que me mantive travada, olhando pra frente. Não sei qual a minha dificuldade de seguir em frente, de me permitir de novo. A Bruna começou a fazer um carinho gostoso na minha nuca e delicadamente puxou meu rosto para o lado, me obrigando a olhar para ela. Aproximando nossos corpos, ali no carro, permitindo mais um beijo. minha mão esquerda foi direto na cintura dela, enquanto sua mão se manteve no meu pescoço, massageando, passeando. Os lábios se encontraram levemente, de um jeito calmo e macio. Ela puxou mais meu pescoço, pedindo espaço e ação. Os lábios foram se encaixando, enquanto a língua preenchia. Apertei mais a cintura dela. Mordida suave embaixo, cafuné no pescoço, respiração árdua. Corpo contraído, mas não de medo. Nos soltamos quando o ar faltou e o carro sensivelmente ficou quente.
- Sabe que eu gosto desses seus beijos espontâneos ne?! - ela falou ainda lateralizada no banco olhando pra mim
- Espontâneo? Acho que fui atacada na verdade.
- Humm, nem foi agressivo assim - ela falou rindo dela mesmo, com as covinhas aparecendo, leve, feliz. Não me contive e beijei a Bruna novamente. Quando finalmente nos separamos, ela com toda a calma e pisando em ovos, continuou falando - Vamos subir Flávia, o Mike já está sozinho há muito tempo. Aí você finalmente conhece ele.
E como eu estava esperando e temendo, ela me convidou mais uma vez para subir no apartamento dela. Claro que eu travei, meu corpo ficou rígido e comecei a contrair a mandíbula, apertando-a, quase fazendo os dentes rangerem. Em segundos meu corpo ficou gelado e eu comecei a transpirar, em uma intensidade diferente dos últimos convites. Quando as garotas em geral me convidam, eu dou uma dispersada, vou embora e em geral nem volto a vê-las. Mas a Bruna está sendo diferente, é uma das poucas a ter mais de um encontro comigo, umas das poucas que eu troquei mensagem e a primeira até agora que me desestabiliza, que me coloca em uma posição de xeque. Sem olhar pra ela, eu respondi quase vomitando:
- Melhor outro dia Bru, já está tarde.
- Flávia, quando te chamo pra subir no meu apartamento, não estou te chamando para trans*r. É simplesmente porque quero ficar mais tempo com você. Se tenho um apartamento para isso, não precisamos ficar aqui no carro.
- Não é isso, é que … - Comecei a retrucar, mas a Bruna desceu do carro, fechou a porta dela e foi do lado do motorista, eu me mantive travada, super sem jeito. Ela abriu a porta do meu lado.
- Desce do carro. Eu vou subir pro meu apartamento, aí você decide se vai subir comigo pra ficar lá batendo papo e brincando com o meu cachorro ou se vai embora - falou educada, mas bem séria, nitidamente começando a perder a paciência. Desci do carro sem muita cerimônia, mas ainda completamente perdida e com medo. A Bruna consegue despir toda minha capa protetora. Ela fechou a porta do carro e pegou a chave da minha mão, apertou o alarme para trancar a nave espacial. Depois disso pegou na minha mão e foi me levando, eu não consegui travar minhas pernas ou parar ela, pois ao mesmo tempo que estou morrendo de medo, estou louca de vontade de ir. Acho que o novo sempre é assim, sempre assusta. Paramos em frente ao elevador, no hall do prédio, em silêncio, apenas de mãos dadas. Quando o elevador apitou sua chegada, a Bruna direta como é abriu a porta e esticou a mão para eu entrar, mantendo um olhar que questionava nitidamente o “você vem?”. E eu, com todo o meu medo e tensão física entrei no elevador. Encostei na parede do fundo e ela, sabiamente e bem a vontade, encostou em mim, tombando o pescoço suavemente para o lado, expondo-o.
Fim do capítulo
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Marta Andrade dos Santos
Em: 08/02/2023
Misericórdia Flávia saí logo correndo kkkk.
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