Primeiro Dia
[x] Café preto quente
[x] Sanduíche natural ou crepe
[x] Lista de funcionários com e-mails corporativos
[x] Chegar antes da chefe
Ana sorri ao assinalar o último item na lista, aliviada por conseguir finalizar as exigências que lhe foram feitas enquanto se dirige para fora do elevador no sétimo andar, estranha ao não usual vazio daquele andar, não há recepcionista, homens resmungando uns com os outros, nem mesmo o faxineiro se encontra ali ás 7h da manhã, o zelador sendo o único funcionário. Ela saiu de casa uma hora e meia mais cedo que o habitual, tomando cuidado extra no trânsito lembrando-se das palavras de Estela no dia anterior, no fundo feliz pelo tráfego quase vazio por ser tão cedo, talvez não fosse de todo mal chegar antes e assim ela continuou dizendo a si mesma, pensando positivo. Talvez não fosse tão ruim deixar a moto no estacionamento e andar quatro quadras para achar uma padaria aberta, andar todo o caminho de volta com um copo médio de café, sanduiche e crepe em mãos, o café tão quente que a jovem teve que ficar intercalando entre as mãos para não se ferir com a temperatura. E de repente ela não sabe o que fazer, deveria ir até o oitavo e último andar, onde o escritório de CEO fica ou continuar no mesmo andar, onde se dirigiu automaticamente, mas antes que pudesse decidir se deparou com uma morena de braços cruzados a encarando. A empresária tem um olhar de escárnio e um sorriso mais que vitorioso nos lábios, como se tivesse acabado de ver uma presa cair na armadilha que ela mesma armou.
- Senhora... Senhorita... - Ana engoliu a própria saliva com a repentina mudança de expressão da mulher para severa com o uso da palavra - Estela? Eu...
- Você achou que eu estaria em casa? Se eu pretendesse ficar em casa não teria ordenado que trouxesse café da manhã, Souza. - a mulher bufou e caminhou até a garota, lhe tomando o café e os lanches das mãos - E eu vi você chegando, pensei que fosse esperta o suficiente para ir direto ao último andar depois de eu te dizer minha posição nessa empresa.
- Me desculpa, eu... eu não pensei em todos os detalhes.
- Bem, para trabalhar comigo você tem que prestar atenção nos pequenos detalhes. - Estela começou a caminhar em direção ao elevador e virou-se quando percebeu que sua nova assistente não a acompanha - E você tem que me seguir, para todo lugar exceto quando dispensada, estamos entendidas?
- Sim, estamos.
- Ótimo.
O último andar é muito diferente da última vez que Ana visitou, as poltronas de couro marrom bregas da recepção foram substítuidas por poltronas pretas aparentemente mais macias e menos grudentas, as paredes amareladas agora são brancas imaculadas, há quadros perfeitamente enfileirados de paisagens diversas, mas todas em tons neutros, maioria preto e branco. A mesa da secretária agora é preta e parece minimalista comparado a antiga mesa de Jenifer, secretária dos chefes, ou melhor, agora ex chefes, que era cheia de pequenas tralhas, principalmente lembrancinhas que trazia das viagens comerciais, e potes de doces. O que ela claramente amava, pois toda vez que ia ao último andar voltava com os bolsos cheios de balas, porque Jenifer nunca deixaria alguém ir embora sem uma boa conversa e doces. Há apenas um Macbook e um organizador de papéis ao lado do mesmo, Ana apostou que a maioria das gavetas estão vazias, ou na melhor das hipóteses as tralhas foram guardadas lá.
- A secretária não gostou muito das mudanças, mas creio que irá se adaptar. - Estela comentou ao reparar a jovem encarando aquele ponto tempo demais - A mesa dela era uma bagunça. E aquela quantidade de doces... Inadequado.
- Entendi. - a jovem respondeu tentando parecer o mais indiferente possível e continuou a segui-la até a única porta dupla, entrada do escritório de CEO - Está muito diferente...
- Eu sei. Essa era a intenção, em breve o resto do prédio será reformado e redecorado. - a empresária ergue os ombros e abriu a porta, segurando para que Ana passe por ela e se sentiu um pouco consternada quando sua subordinada passou, talvez fosse o perfume extremamente doce e pegajoso, concluiu Estela, pois costuma desgostar deste tipo de cheiro - Você ficará na sala adjunta, há uma porta de correr para privacidade quando necessário, mas prefiro que esteja aberta maior parte do tempo, quero ficar de olho em você, Souza.
- Certo. - Ana concordou, sem saber ao certo o que responder - Hum... Este é meu novo horário agora?
- Sim. Eu começo cedo e espero o mesmo de quem vai, mesmo que temporariamente, trabalhar diretamente comigo. - as duas se encaram por um breve segundo antes da jovem acenar positivamente - Ótimo! Deixe meu café na mesa, depois organize os livros, eles ainda estão na caixa e precisam ser arrumados em ordem alfabética. - ela sorriu ao ver os olhos de Ana se arregalarem com uma estante escura do chão ao teto cobrindo toda a parede atrás da mesa dela, próximo ao móvel cinco caixas grandes, cheias de livros e algumas decorações - Algum problema? - e por um segundo declarou vitória contra a assistente, até a mesma abrir um enorme sorriso e os olhos brilharem como se visse ouro reluzir.
- Não, claro que não, quer que eu separe por gênero também? - ela perguntou sem ironia, visivelmente cheia de encanto e curiosidade com a tarefa designada, então deixou o café, sanduiche e crepe na mesa, imediatamente se colocando em frente as caixas - Começo agora?
- Sim. - Estela fica inexpressiva, tentando não demonstrar a frustração por não conseguir atingi-la com esta tarefa, a que achou que seria mais cansativa e entediante, considerando o tamanho de sua coleção - E tire o pó de cada um, cada livro impecavelmente limpo. Estamos entendidas?
- Sim, senhora.
- Eu já falei para não me chamar de senhora. - a mulher revira os olhos e cruza os braços, se jogando na cadeira de escritório - Detalhes, Souza.
- Desculpa, é costume, eu juro. - Ana desvia o olhar ao perceber a chefe a analisando cuidadosamente e vira de costas para a mesma, pegando o estilete em cima de uma das caixas e passa a cortar as fitas cuidadosamente, com medo da profundidade atingir algo.
Atrás dela a chefe se acomoda no lugar, ligando o próprio computador e desembalando a comida, antes de dar um grande gole do café quente, sem se importar com a temperatura, mas exasperada afasta o copo ao sentir o gosto, desaprovando o açucarado. Então se volta a empregada e pigarreia, para lhe chamar atenção. O que não acontece imediatamente, apenas depois de dois ou três pigarreios altos, ao ponto de realmente coçar a garganta.
- Eu disse café preto sem açúcar. Isso pelo menos é adoçante ao invés de açúcar? - a jovem responde "não", se odiando mentalmente por esquecer de mais um detalhe - Me traga outro, sem açúcar.
- Tá bom.
Após buscar um novo café, desta vez sem açúcar e nem adoçante, Ana passou cerca de três horas arrumando a estante e conseguiu organizar mais da metade quando a chefe diz simplesmente ter odiado visualmente e ordena que seja organizado por cor, foram mais duas horas até Estela decidir por tamanho, duas horas depois voltou a primeira opção e assim ela continua a organizar, sem pausas ou reclamações. Não que ela quisesse reclamar, seu sonho sempre foi ter uma estante daquele porte e poder arrumar uma deste tamanho é o que pode se chamar de terapêutico para a jovem. Além disso, a morena não implicou com ela, exceto quando "mudara" de ideia várias vezes sobre como quer os livros, e a deixou em paz maior parte do tempo, muito concentrada em uma centena de documentos digitais e a lista de e-mails corporativos. Ana conseguiu terminar de organizar até a letra D em uma hora, um pouco frustrada com um livro específico da letra E pertencente a um box de livros, ela concluiu ao ler Volume 3 na brochura, mas o resto dos livros não estava em nenhum lugar, nem mesmo nas outras caixas. Ela se questionou se deveria tirar a chefe de seu mundinho para perguntar algo bobo assim, talvez ela nem tivesse o resto da coleção, ao mesmo tempo não parece algo do feitio da chefe. Por fim decidiu por não, implorando silenciosamente que estivesse no fundo de uma caixa ou passado despercebido nas pilhas de livros. Pela primeira vez deu uma pausa no dia, entretida demais com a tarefa nem mesmo viu o tempo passar e com ele o almoço, tomou conta do tempo apenas ao reparar o relógio de parede. 15:30, Ana arregalou os olhos surpresa, havia perdido sua única pausa e a barriga decidiu reclamar com ela, roncando.
- Estela... - a mulher praticamente pula da cadeira quando ouve um sussurro atrás de si, completamente absorvida e concentrada no trabalho - Desculpa, você está bem? - Ana se aproxima rápido ao vê-la bater o joelho na mesa com o susto.
- Sim, só... Se afaste um pouco. - Estela a impede de se aproximar esticando a mão, mantendo uma distância entre elas - O que você quer?
- Huh, passamos da hora de almoço. Acho que nenhuma de nós comeu. - ela começa tímida, sem saber qual seria a reação de quem ela acredita ser uma possível workaholic - E já estamos no meio da tarde.
- Merda! - a morena sussurra ao verificar o horário no computador e passa as mãos pelo rosto, sentindo a fadiga tomar conta do corpo, como sempre lhe acontece e a irrita toda vez - Você está com muita fome? - Ana nega e a observa procurar algo de sua mesa, tirando duas tupperwares - Coma isso e depois está liberada.
- Mas é sua comida, não posso aceitar, obrigada.
- Apenas aceite, não quero ser a culpada por você desmaiar no trânsito e se machucar. - ela diz simplesmente e abre o outro pote, tirando uma maçã, salada de folhas verdes e um iogurte - O que?
- Obrigada, senh- Estela. - a jovem abre a tupperware e encontra o mesmo lanche, com o extra de um potinho com amendoim - Você é uma dessas pessoas que organiza as refeições, como um cardápio semanal? - ela pergunta sem pensar e logo se arrepende, sabendo que pode ter cruzado uma linha pessoal.
- Sim, você tem algum problema com isso? - Estela pergunta defensivamente e dá uma mordida na maça, encarando-a com certo escárnio.
- Não, nenhum, longe de mim. Há várias gurias que fazem isso, acho muito interessante, uma vez tentei fazer uma dessas de internet para emagrecer, mas nem de longe deu certo. Não consegui comer frango a semana inteira. - ela confessa e mais uma vez quer morder a própria língua por falar demais, como se estivesse conversando com Sofia ou qualquer outro colega que não a CEO da empresa - Desculpa por me intrometer, falo demais quando nervosa.
- Percebi. E você não precisa dessas dietas malucas, seu corpo... é bonito - a morena desvia o olhar ao falar isso e finge estar concentrada na comida - E eu preciso organizar minhas refeições, sou diabética. - ela confessa e dá esse assunto por encerrado, em nenhum momento levanta o olhar, tentando parecer indiferente a qualquer reação que a garota tivesse. Desde criança seu pai lhe ensinou a nunca demonstrar fraqueza e compartilhar demais é justamente o oposto da forma que foi criada.
- Então não deveria passar tanto tempo sem comer. - Estela fica surpresa com o tom de represália da jovem e quase cospe o pedaço de maçã. - Sua glicose pode baixar demais e te fazer mal, o indicado é comer de três em três horas. Bem, agora sou sua assistente e farei isso pela senhora. Vou começar a te lembrar de se alimentar corretamente. - ela diz simplesmente e começa a comer, as duas terminam suas refeições em silêncio enquanto a mulher reflete, um pouco chocada, sobre a repentina convicção dela, inicialmente não pensou em mantê-la seriamente como assistente e a colocar em tarefas banais e chatas seria o castigo/prova antes de a demitir ou lhe dar uma segunda chance.
Os saltos foram colocados cuidadosamente na entrada do apartamento e Estela suspira aliviada por finalmente estar livre do instrumento de tortura, apesar de não ter andado muito no dia os pés sentiram toda a pressão das tiras de seu Manolo Blahnik. No mesmo momento Crowley atravessa a sala e corre para ficar entrelaçado entre as pernas de sua tutora, não se importando por quase derruba-la no carpete. A empresária se abaixa, puxando a calça do terno para cima antes de dobrar os joelhos, e acaricia atrás das orelhas do gato preto, derretida com os olhinhos verdes a encarando em admiração. Originalmente chamado de Shadow, fora adotado por ela em um abrigo de animais três anos antes quando apenas um filhote, era magro, de pelo arrepiado e olhos estalados, um pouco cabeçudo em comparação ao corpo, ao mesmo tempo a criatura mais linda que já viu. O felino ronrora contra a mão dela e praticamente se joga no chão, o que significa que quer colo, como é mimado logo já está no colo da mãe, a acompanhando até o escritório, onde ela pretende continuar a trabalhar. Estela se livra do paletó preto listrado, afrouxa a saia e abre alguns botões da blusa antes de se sentar na cadeira, antes que pudesse abrir o Macbook ou ao menos tomar um gole do vinho que abriu para si o celular começa a vibrar na bolsa, incomum considerando que todos que trabalham para ela sabem como odeia ligações, principalmente fora de horário. Danilo, a mulher revira os olhos, deveria ter adivinhado. Seu irmão caçula é uma das únicas pessoas que tem a coragem ou a cara de pau de incomodá-la em seu tempo livre. Além, claro, de sua mãe e irmã mais velha, mas estas raramente entram em contato e apenas por algo importante.
- Teté! - ele praticamente grita na linha e já começa a conversa a irritando com um apelido de infância - Tentei te mandar e-mails, mas acho que você não leu nenhum, ou leu? Não soube?
- Eu não costumo usar meu e-mail pessoal no trabalho, o que é tão importante?
- Ela está de volta ao Brasil. - ele conta e recebe silêncio como resposta - Teté, a Beatriz está de volta, você não tem nada a dizer?
- Não. E não me ligue mais para falar dessa mulher, agradeço. - e a mulher desliga na cara do irmão, deixando-se cair na cadeira em um suspiro frustrado - Merda!
Crowley sentiu a tensão no ar e voltou a se enrolar no colo da tutora, recebendo uma carícia da mesma. E então Estela vira a taça de vinho em segundos, chegando a conclusão que nem mesmo uma garrafa inteira pode ajudá-la a lidar com a informação. Beatriz está de volta, a mulher que fez de sua vida miserável dois anos antes.
Fim do capítulo
Olá, espero que tenham gostado desse capítulo. Estava um pouco incerta de postar pois parece longo demais e detalhado, ás vezes leio o conteúdo de outras autoras e são bem mais diretos, não estou acostumada a escrever como elas, mas eu queria saber como vocês preferem, se é melhor capítulos mais curtos ou assim como está? Ah, essa história é interligada a outra que está no meu perfil, "Sócias no Amor", elas compartilham personagens e eventos. Beijos e até o próximo capítulo!
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Tatamorais
Em: 08/02/2023
Olá autora, eu adoro e prefiro capítulos longos, e estou ansiosa pela continuação, parece uma história bem bacana.
??‘?????????
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