Meses se passaram após o ocorrido. Maria Fernanda e Lorena não tocaram mais no assunto. A advogada decidiu continuar saindo com Daniela, enquanto Lorena decidiu por novamente fechar o relacionamento com Mari. Para não entrar em discussão, Fernanda aos poucos começou a evitar conversas com Lorena, até porque a rotina da futura psicóloga quase não lhe permitia parar em casa, uma vez que passou a ficar na casa de Mari nos fins de semana junto com as crianças.

              O caso jurídico das hamburguerias de Hugo versus Bayard tomou precedentes que o famoso chef não esperava, e o processo correu mais rápido do que imaginado, apesar da vitória em 1ª instância já ter sido predita por Fernanda. As eleições também estavam ocorrendo, sendo os principais candidatos no segundo turno ao governo de estado a socióloga Valentina e o candidato a reeleição, Jarbas.

              Em uma das raras vezes que Lorena estava em casa, após deixar as crianças com André e Thomás, viu de relance Fernanda se despedindo de Daniela com um longo beijo de língua na porta da sala.

 

              - Vocês parecem estar levando bem a sério... – Lorena comentou, após Dani sair.

 

              - Não sei, sei lá. Sério é uma palavra muito complexa.

 

              - Fernanda, preciso entrar em um assunto sério. Eu sei que disse que só casaria depois de formada, mas o pai de Mari está enfrentando um golpe midiático muito grande e crê que uma cerimônia de casamento entre Mari e eu poderia melhorar a percepção externa.

 

              - Espera, você vai se casar?

 

              - Sim, mas é pelo bem dos negócios da família de Mari, que será minha família também.

 

              - Você vai se casar por causa de negócios? É isso? Todo mundo sabe que ele está a um passo de perder a apelação sobre a aquisição hostil e que ele está apoiando um candidato homofóbico a reeleição. Sério que você vai aceitar ser usada dessa maneira? Um casamento de aparências?

 

              - Não é de aparências... eu só... ai, é difícil de explicar.

 

              - Nossa... acho que nunca estive tão decepcionada com você.

 

              - Eu não pedi para você me entender. Só estou lhe comunicando. Talvez as coisas tivessem sido diferentes se...

 

              - Se...?

 

              - Nada. Tudo é como deve ser. Vou me casar dentro de duas semanas.

 

              - Duas semanas?!

             

              - Sim, isso precisa ser rápido. Precisamos mais do que nunca de boa publicidade.

 

              - Boa publicidade... você está renegando suas próprias ambições por causa de boa publicidade.

 

              - Renegando quais ambições? Não vou largar da faculdade. E em duas semanas também termina meu segundo semestre e estarei de férias.

 

              - Você não está em período de provas finais?

 

              - Sim, mas não preciso me preocupar em organizar o evento. Mari tem toda uma equipe para isso.

 

              - Casamento não era para ser assim! Não era para você decidir assim... era para você ficar empolgada com os preparativos, para você planejar com calma!

 

              - Você está querendo me dizer algo, Fernanda? – Lorena a encarou nos olhos.

 

              - Não. Eu só não acho que você deva se apressar assim.

 

              - Não estou me apressando, Fer. Eu sou muito grata por tudo que ela fez por mim na época que os gêmeos nasceram. É o mínimo que eu posso fazer para a família dela.

 

              - Grande família de bem...

 

              - Pessoas mudam, sabia? Inclusive queria que meus pais me aceitassem da maneira que os pais de Mari a aceitam e me aceitam também.

 

              - Vou fazer uma pergunta que você costumava me fazer: você ainda a ama?

 

              Lorena hesitou por um segundo.

 

              - Sim.

 

              - Não foi uma resposta rápida. Você parou para pensar.

 

              - Eu parei, e daí? Mas respondi. E já está tudo acertado. Eu vou lhe mandar o convite eletrônico por e-mail, se quiser ir, está convidada. Se não, faça como quiser.

 

 

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                 Com o boost do caso da rede de hamburguerias e a bonificação que Fernanda recebeu, a advogada aproveitou para se tornar doadora da campanha de Valentina, e assim se aproximar mais da equipe da candidata política.

              Fernanda também se filiou ao partido da candidata para poder se inteirar mais de todos os eventos de campanha. As ocupações políticas acabaram tirando Lorena um pouco da cabeça da advogada, apesar de algum canto de seu subconsciente as memórias ainda estarem revivendo constantemente.

 

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              As provas finais de Lorena haviam passado, enquanto Mari havia contratado uma das empresas de eventos matrimoniais mais conhecidas da capital. Eles transformaram um dos principais restaurantes de Bayard em um mega salão de festas, com direito a um arco de casamento confeccionado artesanalmente, e bancos suficientes para cerca de 500 pessoas, entre elas, diversos digital influencers para transmitirem a cerimônia ao vivo.

              Na noite anterior, os pais de Mari deram um jantar para sua família e alguns amigos do casal em um dos outros restaurantes da rede, incluindo, como convidados, colegas de classe do curso de psicologia. Os pais de Lorena, apesar de terem sido chamados diversas vezes, não fizeram questão de comparecer e, apesar de entristecer a futura estudante de psicologia, ela já estava acostumada. Fernanda também não compareceu, o que não surpreendeu Mariana.

              Daniela, para surpresa de Lorena, atendeu ao jantar.

 

              - Fico feliz que tenha vindo! E não arrastou Fernanda por quê? – Lorena perguntou, despretensiosamente.

 

              - Bem, ela é sua colega de apartamento... achei que soubesse melhor do que eu. – Dani riu. – Mas a Fer está em um evento do partido, algo privado da alta cúpula. A decoração do ambiente está maravilhosa! Mal posso esperar para ver o que vocês prepararam para o casamento!

 

              - Boatos que vai ser o evento do ano! – Mari interveio na conversa, enquanto, com seus olhos, procurava alguns influencers para tirar fotos.

 

             

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              Bayard aproveitou um momento do jantar de ensaio para discursar antes da festa de casamento se tornar apenas das noivas no dia seguinte:

 

              - São momentos como estes que valem a pena. Como dizia Cora Coralina, Muitas vezes basta ser colo que acolhe, braço que envolve, palavra que conforta, silêncio que respeita, alegria que contagia, lágrima que corre, olhar que acaricia, desejo que sacia, amor que promove. Amor que promove. E isso não é coisa de outro mundo,

É o que dá sentido à vida. Faço minhas as palavras dessa nobre poetisa. Que amanhã seja um dia que promova o amor. Lorena, saiba que já lhe considero uma filha. Mariana, saiba que lhe amo imensamente.

 

              - Pai, você passou a noite toda decorando isso, fala a verdade. – Mari brincou, fazendo todos à mesa darem risada.

 

              - Foram lindas palavras! – Lorena complementou.

             

              - Agora vamos à sobremesa que ainda temos duas despedidas de solteira para acontecer! – Mari complementou, erguendo uma taça de champagne.

 

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              O sábado de eventos pré matrimoniais coincidiu com a véspera de eleição, e enquanto Lorena e Mari faziam duas festas separadas estilo bachelorette, Fernanda participou de uma última reunião com Valentina e alguns aliados. Nada de campanha, apenas uma confraternização antes do grande dia.

              Jennifer, que também se tornou grande doadora da campanha, compareceu a confraternização para fazer uma sessão acústica.

 

              - Fer! Você aqui! Onde está Daniela?

             

              - No jantar de ensaio do casamento de Mari e Lorena... ou melhor, provavelmente a essa hora, está na festa de despedida de solteira da Lorena.

 

              - E vocês, como estão? Firmes? – Perguntou Beatriz.

 

              - Estamos indo. Não sei se firme é a palavra certa.

 

              - Fernanda! – Valentina apareceu e abraçou a advogada. – Que bom lhe ver aqui!

 

              - É muito bom estar aqui. Ansiosa para amanhã?

 

              - Extremamente! E esperançosa também. Mas nem sei se vou conseguir dormir! - Valentina admitiu.

 

              - Eu estou pensando em ir embora mais cedo, gosto de uma boa noite de sono antes de celebrar a democracia. – Beatriz comentou.

 

              - Concordo. – Fernanda disse, tomando sua primeira e última taça de martini da noite.

 

 

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              Em algum bar da zona leste da capital, Lorena, Daniela e mais duas amigas da faculdade continuavam a festa com doses de tequila, prontas para atacar uma ou duas baladas pela madrugada.

 

              - A gente deveria ir em uma boate de strip tease! – Sugeriu Daniela.

 

              - Sua pervertida! – Lorena brincou. – Mas não seria má ideia...

 

              - Homens ou mulheres strippers? – Evelyn, uma das colegas de classe de Lorena, questionou.

 

              - Mulheres, é claro! – Lorena e Daniela falaram juntas.

 

              - Eu já vou encerrar a noite porque a tequila já bateu, meninas... – Manuelle comentou, já pronta para se retirar.

 

              - Para com isso, Manu! A noite só está começando!

 

              - Meninas, sério, eu ando fraquinha para álcool. Mas vejo vocês amanhã!

 

              Após Manu se despedir, as três outras festeiras foram para uma boate no centro da cidade. Apesar do lugar estar recheado de homens, as mulheres conseguiram ficar em um canto privado com duas strippers fazendo suas rotinas de dança exclusivamente para noiva.

 

              - Coloca essa nota de vinte reais na calcinha dela! – Daniela entregou a cédula para a amiga.

             

              - Você não presta, Dani! – Lorena riu, e acabou por obedecer.

 

              - Vamos, amiga, você tem que beber e aproveitar, é sua última noite solteira! – Dani pegou uma garrafa de gin que estava em um balde com gelo e o virou na boca de Lorena.

 

              - Desse jeito eu vou dar perda total! Você que vai ter que me levar de volta! Aliás, você vai lá para casa hoje?

 

              - Não vou... falar a verdade para você, Fernanda e eu nos afastamos recentemente.

             

              O álcool entrou, a verdade saiu.

 

              - Sério? O que houve?

 

              - Não sei, de uns dias, aliás, pouco mais de uma semana para cá ela mudou, não sei se estava focando na reta final da campanha... engraçado, uma noite ela estava dormindo no meu apartamento e, acredito que em sonho, começou a cantarolar uma música da Amy Winehouse. Foi muito bizarro porque ela acordou assustada e extremamente excitada...e aquela foi a última vez que a gente transou. No dia seguinte ela estava quieta, distante...e aqui estou eu falando da minha vida quando tem uma stripper no seu colo...

 

              - Eu estou ouvindo, não se preocupe! – Lorena respondeu, enquanto a stripper rebol*va por cima dela.- Ela estava cantarolando uma música da Amy Winehouse, você estava dizendo... que música?

 

              - Ah, agora não vou lembrar qual é. Na na na... you go back to... ah, Back to black, acho que era essa. Foi bem bizarro.

 

              Lorena, apesar de bêbada, ficou reflexiva. Tentou curtir o resto da noite, mas algo a incomodava. Ela e as amigas festejaram até por volta das sete da manhã, quando Lorena decidiu pedir um carro de volta ao apartamento.

              Enquanto Lorena chegava, Fernanda terminava de preparar o café da manhã para si e assim iniciar seu domingo para poder votar.

 

              - Uau... isso são horas de uma noiva chegar? – Fernanda perguntou, enquanto aguardava, com uma xícara de café em mãos, suas torradas ficarem prontas.

 

              - Eu nem posso dizer que estou de ressaca porque nem passei da fase bêbada ainda. – Lorena confessou. – Ei, sabe com quem eu estava essa noite?

 

              - Presumo que com suas colegas de classe?

 

              - Sim, mas era para minha melhor amiga estar festejando comigo!!!!!! Mas não, ela preferiu ficar com as amiguinhas dela do alto escalão do partido.

 

              - Não é bem assim... E que horas você vai votar, por acaso?

 

              - Eu vou com você. – Lorena respondeu, completamente sem condições de sair de casa novamente.

 

              - Acho que você precisa tomar um banho, desintoxicar primeiro. Capaz de errar os números na urna eletrônica.

 

              - Tem razão. Estou meio zonza. Pode me ajudar?

 

              Fernanda então levou a melhor amiga até o banheiro e a auxiliou a se despir. A advogada ligou o chuveiro e deixou a água escorrer sobre Lorena. Quando ia se afastar, a estudante de psicologia a segurou pela manga da camiseta cuja estampa era o número do partido político ao qual tinha se filiado.

 

              - Eu sinto sua falta. – Lorena confessou.

 

              Fernanda a olhou fundo nos olhos. Como se quisesse ouvir aquela frase há séculos.

 

              - Lorena, você está bêbada...

 

              - Eu não quero me casar. – Com os olhos marejando, a sous-chef fez outra confissão.

 

              - Não fala isso no dia do seu casamento...

 

              - Por favor me ajuda...

 

              - Você quer que eu faça o quê?

 

              - Não sei, vamos fugir, sumir daqui por uns dias...

 

              - O quê? Você está falando sério? Você está bêbada... se bem que ganhei alguns dias livres de bônus que ainda não utilizei... o que eu estou falando? Você está bêbada! Não pode tomar decisões assim.

 

              - Por que você acha que eu bebi tanto? Eu estou suplicando por sua ajuda! – Com um pouco de força, Lorena a puxou para dentro do box.

 

              - Droga, Lorena, você molhou a roupa que eu iria sair para votar! – Ironicamente, Fernanda parecia não se importar do chuveiro continuar a derramar água sobre as duas.

 

              - Eu sei que você sonhou comigo. Sei que você lembra da música da Amy Winehouse.

 

              - Do que você está falando? – Fernanda deu um passo para trás, saindo do chuveiro.

 

              - Você ainda pensa na gente! Eu sei disso!

 

              - E daí? – Fernanda ficou na defensiva.

 

              - Porque eu ainda penso em você, sua idiota! – Os olhos de Lorena finalmente cederam em prantos.

 

              - É sério?

 

              - Sim! Como você nunca percebeu? Eu amo você, sua tonta! E agora eu vou me casar... que bobagem eu fui fazer com a minha vida...

 

              Fernanda respirou fundo. Era hora de tomar uma decisão.

Fim do capítulo