Capitulo 15 - Medo de voar e fome de experiência
A segunda-feira chegou, e com ela, veio a necessidade de Lorena se despedir de seus filhos para voltar ao trabalho. Ela fez um esforço colossal para não chorar, enquanto se despedia de Mariano e Lilian.
Em dias de trânsito muito intenso, como era naquela manhã, Fernanda optava por estacionar na estação e seguir de metrô. Pela localização de seu serviço e de Lorena, esse era o método mais rápido. A viagem no carro de Fernanda até o metrô foi semi-silenciosa, sendo que o único som era o do mp3 do veículo da advogada, até a chegada no estacionamento da estação. Fernanda percebera os olhos discretamente marejados da amiga, e assim respeitou o espaço dela.
Chegando no restaurante, foi muito bem recepcionada pelos colegas, e passou os primeiros dez minutos apenas mostrando as dezenas, talvez centenas, de fotos dos bebês, até Mari chegar, fazendo o pequeno grupo dispersar.
- Não se incomodem comigo, eu também quero ver a foto dos bebês! – Comentou a dona do restaurante, aproximando-se de Lorena.
- É praticamente todas as fotos que eu já lhe enviei ao longo desses seis meses... – Lorena respondeu. – Nossa, eu sinto uma saudade imensa dos meus filhos, mas confesso que também sentia falta desse restaurante!
- E nós também sentimos sua falta! – Mari a abraçou apertado.
- Você me viu semana passada! – Lorena riu. – Nem deu tempo de sentir minha falta.
- Você alegra o ambiente, Lorena, é muito diferente sem você aqui. – Mari comentou, com sinceridade no olhar.
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Enquanto isso, na firma, Fernanda ficava entre terminar uma petição e trocar mensagens com Micaela.
‘Está fazendo o quê de bom?’ – Perguntou Fernanda.
‘Escrevendo um contrato para uma empresa recém comprada de um amigo e cliente dos meus pais. E você, já terminou aquela petição?’
‘Estou terminando, mas conversar com você sobre nossos problemas de ex no fim das contas se tornou mais interessante.’
‘Tenho certeza que esse tipo de assunto não é saudável de conversarmos, mas já que ambas estamos ferradas... hahahah... você falou com Ingrid hoje?’
‘Ainda não. Eu estou evitando ao máximo pegar casos junto da Ingrid, eu repasso para o Thomás, e daí em troca ele me repassa alguns dele.’
‘Entendo. E nosso plano está em pé para hoje?’
‘Está sim. Clara vai ficar no turno da noite, você aparece dizendo que eu esqueci algo, vocês se veem, e aí está sua janela de falar com ela.’
‘Certeza que não vai dar problema com a Lorena? Digo, por você ser no armário, e a ex da babá dela estar saindo com a atual...’
‘Elas não sabem que estamos saindo, poderíamos muito bem ser amigas advogadas. Aliás, nem sei se estamos saindo... estamos saindo?’
‘Acho que estamos resolvendo nossas pendências por ajuda mútua primeiro...’
‘Bem definido hahahaha’
A troca de mensagens então foi interrompida por Thomás, deixando algumas folhas impressas ao lado do computador de Fernanda:
- Dr. Vieira pediu para você dar uma lida nessa jurisprudência. É sobre o caso da Jennifer.
- Por que você imprimiu? Era só me mandar por e-mail.
- Não fui eu, foi o próprio Dr. Vieira que imprimiu. Ele pediu para eu ler e depois passar para você com anotações. Parece que ele quer que você esteja lá quando acontecer.
- Você vai ser segunda cadeira?
- Na verdade não. Ele pediu para o próprio Dr. Ferrrari. Agora é mais complexo. Mas ele quer que eu e você estejamos lá para assistir ao julgamento.
- Imaginei.
- Ah, esqueci de lhe contar. Hoje mais cedo ouvi Sophia e Ingrid conversando, parece que o aniversário de Sophia é nesse fim de semana.
- Eu sei, Thomás. E todo ano ela e Mari fazem uma festa enorme e chique.
- Sim, mas você não sabe da parte que Ingrid vai lhe convidar.
- Vai me convidar? Como assim?
- Do que eu ouvi da conversa, foi mais ou menos assim: Sophia mencionou a festa, aí perguntou para Ingrid ‘você vai convidá-la?’, no que Ingrid respondeu ‘posso até convidar, mas acho que ela não vai aceitar’.
- Mas você ouviu meu nome?
- Não, mas é óbvio que ela estava falando de você.
- Até onde eu sei, ela poderia estar falando da Eleanor.
- Mas ela havia lhe falado que não ficava mais com a Eleanor, não?
- Sim, mas para quem me escondeu uma traição por meses, isso não seria nada.
- Vamos aguardar, então.
- Agradeço a fofoca, Thomás, mas nem vou aguardar. E mesmo se ela me chamasse, eu não iria. Não estou no clima para isso.
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Ao final do expediente, Fernanda já ia saindo do prédio, quando viu, um pouco mais a frente, Ingrid dando selinho em uma garota que não conseguia identificar, mas que não se parecia nem um pouco com Eleanor. Talvez um pouco mais jovem, e estava com um uniforme de uma loja local. Ambas entraram no carro de Ingrid, beijaram-se mais um pouco e Fernanda decidiu parar de se torturar, caminhando na direção oposta.
A jovem advogada não queria admitir, mas sentia seu coração partido. Por mais que não quisesse, havia um fundo de esperança que Ingrid a chamasse para a festa de Sophia. Fernanda, então, colocou seus fones de ouvido e ao invés de ir para a estação de metrô, caminhou um pouco mais adiante, pegou um ônibus que, apesar de demorar o dobro do tempo, tinha uma parada perto da estação em que deixava seu carro.
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Antes de sair para o turno da noite de seu trabalho, Lorena precisava tirar uma dúvida com Clara:
- Viu, eu notei que você usa um colar escrito “LGBTQia+”...
- Sim, esse aqui? – Clara puxou o colar que estava escondido debaixo da blusa.
- Isso! Seria ofensivo eu perguntar se você é lésbica?
- Nem um pouco ofensivo. Mas eu sou bissexual, na verdade. Por quê?
- Por nada! Na verdade, eu iria pedir um grande favor, fora das suas habilidades pedagógicas... teria como você descobrir se minha colega de apartamento namora uma menina chamada Ingrid? Na verdade, nem sei se Fernanda é lésbica, bissexual, ou seja lá o que for.
- Uau... mas não seria melhor você mesma perguntar? Pelo que entendi da dinâmica da casa, vocês têm uma amizade saudável.
- É que... bem, vou ter que lhe contar a história toda. Seis meses atrás, estávamos passando um feriadão em Holambra, e então eu acabei vendo Fernanda e Ingrid... fazendo...
- Fazendo amor?
- Exatamente! Acontece que desde a infância fui melhor amiga de Fernanda, e ela nunca me falou nada do tipo, nem ao menos mencionou! Portanto, queria saber se elas namoram, ou se foi um caso isolado, ou se ela tem mentido para mim durante todos esses anos e por quê!
- Veja bem, esse é um assunto bem particular. Tem pessoas que escondem da família e dos amigos mais próximos porque ainda não se aceitaram por completo. Demorou para eu sair do armário no meu círculo social. Se ela for esse tipo de pessoa, tampouco se abriria para mim, porque se é algo que ela esconde de você, provavelmente vai esconder de mim, que sou babá dos seus filhos.
- Não pode ao menos tentar fazer amizade com ela? Talvez se você contar a ela que é bissexual, digo, você é aberta quanto a isso, não é?
- Hoje eu sou sim, talvez eu possa conversar com ela a respeito. Mas você tem certeza que quer descobrir se ela namora uma outra mulher apenas por curiosidade?
- Sim, ué. A vida toda fui próxima dela, e se ela esconde isso de mim, quero entender a fundo o motivo.
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Quando Fernanda chegou em seu prédio, viu que Micaela já a aguardava.
- Eu liguei para você umas três vezes e deixei mensagem, tínhamos combinado de você me deixar entrar meia hora atrás! – Micaela reclamou.
- Eu sei, desculpa. Você chegou a apertar o interfone?
- Não, fiquei com medo de Clara atender.
- Certo, então suba comigo.
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Uma vez que Lorena já havia saído para trabalhar, Micaela, ao subir, deu de cara com Clara dando uma colher de frutas amassadas, em uma espécie de papinha natural, para os bebês.
- Micaela? O que faz aqui? – A babá perguntou, assustada.
- Ela e eu estamos trabalhando em um caso juntas, uma fusão de empresas. – Mentiu Fernanda.
- Sim, eu vim buscar um pen drive e algumas anotações. – Micaela complementou a mentira.
- Eu vou no quarto procurar o pen drive, você se incomoda de esperar aqui? – Perguntou Fernanda.
- Não, tudo bem. – Micaela tentou esconder o sorriso em ficar no mesmo cômodo que a ex.
- Bom, eu vou buscar a Lilian para dar o jantar a ela. – Clara se levantou.
- Espera! – Micaela foi atrás.
- O que você quer, Micaela? Eu estou trabalhando. – Clara seguiu até o quarto dos bebês, enquanto colocava Mariano na posição correta para arrotar.
- Eu quero uma chance para poder conversar.
- Conversar sobre o quê? Eu ia lhe pedir em casamento, você disse que não estava pronta, eu disse que queria ter filhos, você disse que não queria, eu estourei, disse coisas que machucaram você, e você disse coisas que me machucaram. Nós terminamos. Fim.
- Mas eu amo você! Acho que nossos sentimentos são maiores do que qualquer divergência que temos.
- Nem tudo o amor cura, Mica. – Clara então colocou Mariano no berço e pegou Lilian.
- Você não pode nos dar só mais uma chance?
- Isso é hora de perguntar, Micaela? Eu vou dar papinha para a Lilian agora.
- Talvez possamos jantar juntas, então? Próximo final de semana?
- Eu trabalho nas noites de fim de semana. Só folgo na quarta-feira, que é o dia de folga de Lorena. E não acho que um encontro poderia nos reatar.
- Não precisamos reatar, só precisamos conversar. – Micaela praticamente implorou.
Clara suspirou.
- Escuta, Micaela. Só vou falar uma vez. Eu não amo você. Talvez eu tenha lhe amado no passado, mas hoje esse sentimento já se foi. Perdão. Não há mais nada aqui para ser resgatado. Eu não tenho raiva de você, apenas paramos de nos falar para evitar constrangimentos como esse.
- Entendi. – Micaela engoliu seco.
- Achei o pen drive! – Fernanda entrou no quarto. – As... anotações estão escaneadas dentro dele. – A advogada temperou a mentira.
- Obrigada, eu já vou. – Micaela pegou o objeto da mão de Fernanda e saiu em direção à porta principal do apartamento.
- Hey! – Fernanda foi atrás. – Está tudo bem?
- Não, não está, ela...
- Eu sei, não tinha como não ouvir. Desculpe-me por ter dado errado. Quer ir para algum lugar e conversar sobre isso?
- No momento, não. Eu só quero ir para casa e me distrair. Mas obrigada, mesmo assim. – Micaela foi embora, esquecendo-se de devolver o pen drive na saída.
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- Desculpe-me por você ter escutado essa briga. Fui antiética e imprudente. – Clara chamou a própria atenção.
- Relaxa, você não foi nada disso. Você não teve culpa de sua ex ter vindo falar contigo no meio do seu expediente.
- Por que eu tenho a leve impressão de que esse encontro foi completamente planejado e arquitetado por Micaela?
- Eu vou me manter em silêncio para não me incriminar...
- É isso que Micaela faz. Ela manipula os outros para esse tipo de situação. E eu não deveria estar falando disso para uma amiga dela...
- Não se preocupe, eu consigo compreender. E o que falamos, morre aqui.
- Já que estamos nesse assunto, e eu acabei de me expor completamente em uma situação ridícula com minha ex, por que não falamos de você?
- De mim?
- Sim, faça eu me sentir melhor e compartilhe uma situação vergonhosa com algum ex, ou... alguma ex?
- Não, eu... – Fernanda pigarreou. – Sou hétero. Mas não curto muito falar sobre isso.
A mente de Fernanda trabalhava tão rápido quanto sua boca, e já respondia por instinto quando visualizava potencial perigo.
- E de onde você conhece Micaela?
- Somos advogadas, a gente acaba se conhecendo, e também teve um dia que bati no carro dela, foi uma longa história. – Fernanda responde, desviando o olhar. – Escuta, eu tenho que terminar algumas coisas do trabalho, então vou para o meu quarto, boa noite.
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No restaurante, ajudando a lavar os últimos pratos antes de fechar, Lorena não via a hora de ir embora para rever seus pequenos.
- Lorena, eu vou deixar o Pedro na estação, quer vir também? – Mari perguntou.
- Vou querer sim!
- Mais uma coisa, o aniversário de Sophia vai ser no sábado à noite, você gostaria de ir?
- Fico lisonjeada pelo contive, Mari, mas com os bebês...
- Você não tem babá agora? E além disso, eu ficaria muito feliz de ver você por lá.
- Eu nem tenho vestido para esse tipo de festa! Tenho certeza que será algo chique, acima do meu patamar.
- Podemos lhe arranjar um, tenho uma amiga estilista que tem uma boutique de aluguel de vestidos, posso pedir para ela lhe emprestar um! E ela fará isso porque já fiz vários buffets para ela quase que de graça.
- Você está me deixando sem opções... – Lorena riu. – Às vezes não consigo acreditar nas pessoas boas que foram colocadas em minha vida.
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Na quinta-feira, pela tarde, Mari foi buscar Lorena para provar vestidos. Como a babá não estaria disponível, Lorena teve que levar Mariano e Lilian.
- Você colocou cadeirinhas de bebê no carro? – Lorena se surpreendeu.
- Peguei emprestado de um casal de amigos que também tiveram gêmeos uns tempos atrás.
- Só espero que eles não deem trabalho... eu só saio com eles algumas vezes na quarta-feira para um passeio no parque.
- Eles são comportadinhos, tenho certeza que não vão dar trabalho.
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Chegando no ateliê de moda, a estilista já sabia por cima o que deveria ser feito. Mari ficou em um dos cantos com os bebês, aguardando enquanto Louise, a fashionista, tirava as medidas para saber qual vestido seria o mais adequado.
- Senhorita Louise, gostaria muito de agradecer por emprestar o vestido para mim.
- Emprestar? Como assim? Mariana já deixou pago ontem.
- O quê? Ela pagou?
- Sim...? – Louise ficou confusa.
- Nossa! – Lorena ficou atônita.
- Já tirei suas medidas. Acho que tenho o vestido ideal para o seu corpo!
Louise então foi buscar o tal vestido, e Lorena o provou. Ficou simplesmente perfeito. Para ter certeza, foi até Mari, a fim de ter a opinião dela. O vestido era de tecido gazar, de cor azul celestial, dando uma aura angelical a quem o vestia. Quando Mari viu Lorena chegar com a vestimenta, quase teve que recolher seu queixo do chão. Ficou praticamente sem palavras.
- Uau. Você... você ficou linda!
- Você não está falando isso só para me agradar, né? – Lorena sorriu, envergonhada.
- Lógico que não! Se você ao menos soubesse o quão linda você é, não estaria me perguntando isso.
Lorena pensou em chamar a atenção de Mari por ter escondido o fato de ter pago pelo aluguel do vestido, mas ao ver o sorriso de sua chefe, desistiu da ideia, pois sentiu seu coração aquecer. Fazia tempo que não sentia aconchego em uma amizade assim.
Fim do capítulo
Alguns títulos se referem a pedaços de algumas músicas que ouvi enquanto escrevia o capítulo.
A música referente a esse capítulo é esta: Myslovitz | Mie? czy by? - YouTube
Se você está ouvindo a alguma outra música e associou a esse capítulo, por favor, compartilhe nos comentários! Vou ficar feliz em ouvir quaisquer sugestões!
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Dessinha
Em: 31/12/2022
Lorena é engraçada, uma cois afofa, mas de uma curiosidade gigante né? Hehe, agora bem que eu queria a Fernanda e a Lorena... seria lindo!
Resposta do autor:
Acredita que não descarto essa possibilidade?
Thanks pela sugestão! Seu comentário e sua leitura são muito importantes para mim, de coração, um beijão e feliz ano novo pra ti!
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