Capitulo 5 - Entre espumas e espumantes
Fernanda tirou o início da noite de sábado para se arrumar. Colocou um blazer preto sobre uma blusa branca decotada, e fazia os retoques finais em sua maquiagem quando sua colega de apartamento apareceu no quarto.
- Fernandinha, você sabe como eu faço para descer na estação Vila Madalena?
- Vai sair? – A advogada questionou, enquanto passava o batom na frente do espelho.
- Vou no cinema com as suas amigas.
- Espera, com quem? – Fernanda se virou, surpresa.
- Com as suas amigas! Ingrid, Mari, Sophia. E nossa, como você está linda! – Lorena colocou ambas as mãos na bochecha. – Está pronta para arrasar nesse jantar de negócios!
- Obrigada... E quando elas lhe chamaram para o cinema? Ninguém comentou nada comigo.
- Ninguém comentou porque sabíamos que você tinha essa festa importante para ir. A Ingrid me chamou no meio da semana.
- E vão assistir ao quê?
- É algum filme de herói. Você sabe que sou péssima para decorar esses nomes. Acho que é da Marvel?
- Acho que sei qual é. Eu também vou pegar metrô, podemos ir juntas, eu lhe deixo na estação da vila Madalena.
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Maria Fernanda chegou praticamente no horário solicitado, aguardando em uma rua isolada, até que um carro preto a abordou e a porta de trás foi aberta para que entrasse.
- Eu me sinto como em um filme de espionagem! – Comentou Fernanda.
- É isto ou amanhã você sai na capa dos tabloides como meu novo interesse romântico.
- Mas nós vamos a um restaurante... um local público...
- Que é exclusivo e experimental. Sem câmeras, privacidade total.
- Até agora não entendi esse rolê de experimental.
- Eles querem lhe oferecer uma experiência única na gastronomia molecular.
- Como assim?
- É uma culinária baseada em espuma. A maior parte dos pratos tem como componente principal um alimento sob forma de espuma.
O rosto surpreso de Maria Fernanda, que havia deixado de tomar o lanche da tarde para sobrar mais espaço para o jantar, foi impagável. Ficou imaginando quanta espuma teria que comer para encher o estômago.
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Conforme combinado, Sophia e Mari buscaram Lorena no local indicado.
- Lorena, se não se importa, resolvemos mudar um pouco o itinerário. – Revelou Mari.
- Não vamos mais ao cinema?
- Na verdade não. Está tendo uma festa aqui perto e convencemos Ingrid a nos encontrar lá.
- Mas eu não posso beber...
- Quem disse que para se divertir você tem que beber?
- É até melhor, assim teremos uma motorista designada! – Mari complementou.
- Eu nunca dirigi nas ruas de São Paulo, meninas.
- Sempre há uma primeira vez! E ao final da festa, será de madrugada, as ruas estarão vazias.
E após cerca de vinte minutos dirigindo, o trio chegou ao lugar indicado. A fila não parecia muito grande, mas tiveram que esperar mais quinze minutos até que pudessem entrar. Ingrid já estava lá dentro, com uma garrafa de cerveja em mãos já quase findada, diga-se de passagem,
- Finalmente vocês chegaram!
- Quanto você já bebeu, Ingrid? – Sophia perguntou, preocupada.
- Relaxa, só essa meia garrafa... e mais algumas incontáveis doses de whiskey enquanto esperava vocês. – Ingrid revirou os olhos, sabendo que seria repreendida.
- Ela sempre bebe assim? – Lorena perguntou, em baixo tom, para Mari.
- Só quando está extremamente chateada. – Mariana revelou.
- Ingrid, você está chateada com alguma coisa? Tem algo que podemos ajudar? – Lorena se aproximou e tirou a garrafa da mão de Ingrid.
- Eu estou chateada, Lorena, mas você não pode me ajudar. É... coisa do trabalho, sei lá.
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Seguindo as recomendações do chef, Fernanda e Jennifer experimentaram um ngocchi com espuma de queijo parmesão.
- Eu imaginei algo bem diferente, confesso. – Fernanda sorriu ao ver o prato. – Uma pena que meu celular foi confiscado, queria mandar uma foto para a Ingrid.
- E esse é um dos motivos pelos quais eles prezam pela privacidade. Eles não curtem que os pratos deles sejam divulgados. Não é à toa que tem dois seguranças lá fora para vistoriar.
- Por que não? Marketing é a alma do negócio.
- Seria uma espécie de psicologia reversa. Quanto mais discreto, mais atrai a clientela.
- Uma clientela bem seleta, pelo visto. – Fernanda deu uma olhada ao redor. – Digo, tem até ator internacional aqui!
- É a necessidade de ser exclusivo que atrai esse pessoal.
- E você está aqui também, não está?
- Touché. – Jennifer riu, e ligeiramente tocou a mão da ex namorada. – Sentia falta de rir assim com você.
- Não faz isso, Jenn... – Fernanda retirou a mão tocada pela cantora.
- Isso o quê? Eu só mencionei que sentia falta de passar momentos assim com você.
- Jenn...
- Esquece. Conte-me mais da sua vida, do seu trabalho, qualquer coisa.
- Bom, por enquanto, meu trabalho principal é o seu caso, mas Dr. Raul às vezes me manda algumas tarefas menores. E quanto a minha vida pessoal, minha melhor amiga do tempo que eu morava em Goiás veio morar comigo aqui em São Paulo.
- Isso é legal, pelo menos você tem um pedacinho da sua terra natal com você.
- Sim, no começo foi meio difícil, mas estou me acostumando. Ela está grávida, não tinha para onde ir, os pais dela são tão rígidos quanto meus pais, talvez até mais.
- Pobrezinha! Ela teve sorte de ter você aqui. E o que sua namorada Ingrid acha de toda essa situação?
- Bem, ela tem me apoiado do jeito dela, mas Lorena, minha amiga, não sabe que namoro Ingrid.
- Por que não?
- Porque eu ainda estou no armário.
- Não brinca.
- Pois é.
- Todos esses anos, e você nunca se assumiu?
- Bem, você foi minha primeira namorada. Passei um tempo solteira, com algumas ficadas não-duradouras, e ela foi minha segunda namorada, com quem estou até hoje.
- Uau.
- E você? Aquele seu par romântico da novela, vocês...?
- Nós duas? Não! – Jennifer riu. – Para falar a verdade, não temos química nenhuma. Não foi nada fácil gravar as primeiras cenas, isso porque na novela mal aparece beijo. Imagina se tivessem cenas mais pesadas como nas séries norte-americanas. A emissora de fato queria, mas a diretora executiva da novela segurou um pouco.
- Imagino...
Uma breve pausa para terminar o prato principal foi feita.
- Fernanda, seria uma situação estranha se eu lhe confessasse algo do passado nesse momento? Você vai achar engraçado, acredito eu.
- Diga.
- “Anda”, a primeira música que atingiu o topo nas rádios, falava sobre você. Anda, será que você ficou para trás... Anda, seus passos dizem que não te acompanho mais... Anda por favor, volta, não demora... antes que o tempo nos esqueça, não deixa pra amanhã o amor que pode reflorescer agora... – Jennifer cantarolou a capela.
- Anda... (n)anda?! – Fernanda se assustou ao fazer a associação.
- Por um breve segundo supus que você já soubesse...
- Quando você lançou a música eu ainda estava magoada, ouvi bem pouco porque ainda machucava, não tive tempo de processar a letra na época.
- Bem... era isto que eu queria lhe contar.
- Eu sinceramente fiquei sem palavras... mas lhe confesso que não sei o que fazer com tal informação, Jenn... – Com pesar em seu coração, Fernanda respondeu.
- Entendo, mas não foi exatamente por isso que lhe chamei para esse jantar.
- Você disse que era para conversarmos como amigas.
- Sim. E também para que você leve um novo cliente para a empresa.
- Como assim?
- O chef que nos recomendou esses pratos também é sócio proprietário desse estabelecimento. Ele está tendo alguns problemas jurídicos com o outro sócio e está procurando por uma boa recomendação de advocacia corporativa. Como ele é um grande amigo meu, eu disse que traria uma advogada de uma famosa firma para conversar com ele.
- Mas eu acabei de entrar na firma, Jennifer, você deveria ter chamado algum advogado sênior!
- Não se preocupe, você vai marcar uma reunião com eles para apresentar seu cliente para que eles possam tratar a melhor estratégia.
- E assim eu não preciso liderar esse caso, apenas apresentar e trazer o cliente para eles... confesso que é uma jogada bem inteligente, Jenn. – Fernanda, por fim, sorriu. O jantar trouxe, afinal, bons frutos.
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Quase quatro horas da manhã, e Ingrid já havia passado de qualquer cota alcoólica imposta pelas amigas.
- Alguém tira essa menina do pole dance por favor. – Sophia colocou a mão sobre a testa, morrendo de vergonha.
- Ingrid, desce daí, você não sabe dançar e vai acabar caindo. – Mari interveio e finalmente conseguiu acalmar a amiga.
- Vocês são muito sem-graça. Eu estava me divertindo! – Já de volta ao pequeno grupo, Ingrid cruzava os braços e fazia bico.
- Já chega de diversão por hoje. É hora de ir embora. – Sophia avisou.
- Mas eu não quero! – Ingrid respondeu.
- Ingrid, a noite inteira você tem agido estranha. Não parece ser somente coisa do trabalho. Isso é algum problema com algum garoto?
- É sim. – Mari prontamente respondeu pela amiga, lembrando que Fernanda havia pedido segredo. – É um problema que remete ao garoto que ela fica.
- Vocês pararam de ficar? – Lorena perguntou.
- Não, é que... ah, deixa para lá.
- Ingrid, posso não ser sua melhor amiga como a Fernanda, mas eu sou boa ouvinte, prometo.
- Fernanda... – Ingrid riu sarcasticamente. – Nem comece a falar da Fernanda.
- Por quê? Ela fez alguma coisa?
- Vamos dizer que ela não poderia fazer parte dessa discussão.
- Ingrid... – Mari a repreendeu,
Ingrid se fez de desentendida.
- Gente, o que vocês não estão me falando? – Lorena perguntou mais uma vez.
- Vou pedir uma rodada de espumante para quem de nós puder beber e eu lhe conto tudo. Relaxa, pessoal, última bebida da noite, está bem? – Ingrid piscou, antes de pedir um balde de vinho espumante.
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Lorena tomou todos os cuidados possíveis para chegar em casa sem fazer qualquer barulho, plano este que falhou prontamente pois Fernanda estava na sala assistindo a algum filme enquanto comia pipoca.
- Chegou tarde, hein, mocinha? – Provocou a advogada.
- Tive que levar as garotas para casa. Amanhã de manhã, digo, hoje pela manhã Mari vem buscar o carro dela. Aquele GPS do computador de bordo dela fez eu me perder umas duas vezes pelo menos.
- E as garotas, beberam bastante?
- Mais do que deveriam. Principalmente Ingrid.
- Sério? – Fernanda desligou a TV para prestar mais atenção à conversa. – Ela está bem?
- Está sim, mas ela me contou algumas coisas.
- Tipo o quê?!
- Eu não sei porque você escondeu isso de mim, Fernanda. - Lorena se agachou para ficar tête-à-tête com Fernanda, e pegou sua mão. – Na verdade, achei isso admirável em você.
- Do que está falando? – Fernanda ficou pálida.
- Ingrid me contou do seu voto de castidade! Que você está esperando o homem certo para se casar e se entregar, e que isso não é fácil, por isso você evita falar de homens e crushes.
- Ela... ela lhe contou isso? – O rosto surpreso de Fernanda misturava-se com a confusão de seus pensamentos.
- Sim! E isso explica tanta coisa... ela estava chateada com um rapaz que ela estava se relacionando, parece que ele ia sair com a ex namorada e ela ficou com ciúmes, e eles não estão podendo trans*r com a mesma frequência que trans*vam antes por alguns problemas, e ela estava envergonhada em tocar nesse assunto com você por causa do seu celibato.
- Ah... – Fernanda queria suspirar de alívio, mas se segurou ao máximo para que Lorena não percebesse. – Pois é, meu segredo está descoberto...
- E por que você escondeu de mim? É pelo fato de eu estar grávida?
- É... é por isso...
- Pois saiba que eu a admiro muito, Fernanda. Você quer esperar, e eu acho isso muito lindo.
- Pois é... eu escolhi esperar... – De certo modo, o desconcerto de Fernanda parecia maior que seu alívio.
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No dia seguinte, como prometido, Mari foi buscar seu carro, acordando as duas garotas. Ao ir embora, Mari avisou para Lorena apenas cobrir o turno da noite daquele domingo.
- Vai voltar a dormir? – Perguntou Fernanda, enquanto procurava alguns ingredientes no armário da cozinha.
- Acho que não, perdi o sono. O que está preparando?
- Vou tentar fazer um capuccino com leite espumoso. Fui a um restaurante especializado nesse tipo de culinária com espuma.
- Que chique!
- Sim, ainda por cima consegui trazer um cliente para a empresa. Ah, e sobre ontem...se você quiser, pode me falar sobre garotos, como por exemplo aquele tal Pedro...
- O Pedro? Eu não gosto dele, Fer. Só senti uma conexão forte.
- Se você diz...
- Pare de bobagem. Você vai nos visitar hoje lá no restaurante?
- Talvez sim. Só vou passar na Ingrid primeiro, pelo que vocês me falaram, ela ficou bem mal por causa desse cara.
- Sim. Seria bom você chama-la também, ela precisa dos amigos agora.
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Lá pelo fim da tarde, Fernanda foi visitar a namorada e ver se a convencia a sair à noite.
- De tanto você falar de espuma, aproveitei a ressaca do dia para não fazer nada e ficar olhando colchões de espuma na internet. Esse que tenho aqui comprei logo quando comecei a faculdade, está na hora de trocar.
- Achou algum bom?
- Achei sim. Já encomendei. Na verdade, comprei a cama junto. Queen size, maravilhoso. Era para ser a cama que iríamos comprar juntas quando nos mudássemos...
- Eu sei meu amor, e me desculpa por postergar nossos planos. – Fernanda pegou o rosto de Ingrid com as duas mãos e beijou seus lábios ternamente. – A propósito, ouvi dizer que você teve problemas com o garoto que estava se relacionando...
- Tivemos que inventar isso para livrar sua pele.
- Pelo visto essa não foi a única invenção bizarra da noite.
- Gostou da sua promessa de celibato?
- Você pensou rápido para o nível de álcool no seu sangue.
- Eu não ia deixar você na mão, né amor, mesmo você tendo saído com sua ex...
- De novo isso, Ingrid? Já disse por mensagem várias vezes. Não foi nada. Não significou nada. A única coisa boa dessa reunião foi o novo cliente para a empresa.
- Coloque-se no meu lugar, Fernanda. Jennifer é rica, famosa, linda. Ela coloca você na equipe jurídica dela, e ainda lhe chama para jantar. Ela não disse nada sobre vocês? Nenhuma viagem pela estrada da memória?
- Não. – Fernanda respondeu logo em seguida, tentando suprimir a lembrança da tal música dedicada a ela.
- Tem certeza?
- Tenho.
- Fernanda, eu sei quando você está mentindo.
- Meu amor... – Fernanda suspirou. – Se teve ou não, o que importa? Eu não dou a mínima para o que a Jennifer diz ou pensa. Eu amo você.
- Então dorme aqui comigo hoje?
- Ingrid, se eu começar a dormir demais aqui, Lorena pode desconfiar...
- Desconfiar de quê? Você é minha melhor amiga, veio aqui para me consolar porque briguei com meu tal ficante...
- Falando nisso, péssima ideia essa sua de falar que sou celibatária.
- Por quê? Eu achei divertido.
- Porque eu já tinha um plano na minha cabeça para dormir aqui com mais frequência e você estragou.
- Por que você não me falou nada? Poxa! E que plano era esse?
- Eu ia fingir que tinha conhecido um garoto. Já tinha tudo planejado em mente, eu só precisava arranjar algum garoto que topasse isso.
- Você realmente deveria ter me falado antes! Eu tinha o rapaz perfeito para isso. Mas não é tarde, podemos consertar a situação.
Fim do capítulo
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