Capitulo 3 - Primeiro dia de trabalho
Cinco da manhã, celular despertando. Modo soneca. Mais dez minutos. Cinco e dez. Maria Fernanda desligou o celular, mas trinta segundos depois se arrependeu, e, sabendo que poderia perder a hora, respirou fundo e olhou para a janela. Ainda tudo escuro. Fernanda foi ao banheiro, com os olhos semiabertos, dirigiu-se à torneira da pia para jogar uma mão cheia de água corrente em seu rosto.
- Ei! – Gritou Lorena, assustada, sentada no vaso com a calça de pijama abaixada.
- Desculpa! Não lhe vi! Desculpa! – Rapidamente, Fernanda saiu do banheiro, fechando a porta atrás de si. O susto pelo menos lhe trouxe adrenalina suficiente para manter-se acordada.
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- Desculpa pela minha reação... – Lorena apareceu na cozinha, enquanto Fernanda calmamente tomava uma xícara de café com leite. – Acabei me assustando, eu não sei trancar a porta do seu banheiro, aí deixei encostada mesmo.
- Tem um macete para trancar a porta, esqueci de lhe avisar. A chave fica travada, você tem que apertar um pouco antes de girar. Mas relaxa, não se preocupa, eu devia ter visto você, estava tão sonolenta que nem percebi.
- Tantas coisas ainda para aprender... – O olhar perdido e preocupado de Lorena fez com que Maria Fernanda ficasse instigada.
- Está com medo?
- Sabe aquela sensação de ser o primeiro dia do resto de sua vida? Antigamente eu raramente sentia isso. Nesses últimos dias, tenho sentido a cada manhã.
- Isso é bom, oras.
- Bom por quê?
- Porque é uma sensação diária de recomeço. Como se cada dia trouxesse uma nova chance.
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Ônibus cheio, metrô lotado, nada novo sob o sol tímido que despontava na cidade. Lorena observava a todos com muita atenção, talvez na vaga esperança de guardar algum rosto, mesmo sabendo que a chance de vê-los no mesmo vagão no dia seguinte não seria alta.
Ao saírem da estação, Fernanda caminhou com Lorena até o restaurante, que ainda encontrava-se fechado.
- Você pode ir para o seu trabalho se quiser, não ligo de esperar sozinha. – Lorena sugeriu.
- Estamos adiantadas. Saímos bem mais cedo do que eu esperava, milagrosamente.
- Ei! Isso foi uma referência aos meus atrasos na escola?!
- Pior que não. Eu necessito de um grande esforço e auto controle para que minhas manhãs saiam como planejado.
- Você e essa sensação de querer sempre estar no controle de tudo...
- Não vou discordar. É que hoje é um dia especial para mim. Lembra no ensino médio, no dia em que fomos a nossa primeira feira de profissões?
- Lembro! Você não saiu do stand dos advogados. Dizia que mal podia esperar para chegar o dia em que começasse a advogar.
- Um dos advogados ainda me explicou que eu precisava fazer faculdade de Direito primeiro, que eram cinco anos cheios de provas e seminários. E você disse que isso era o de menos, que o mais importante era o primeiro dia de trabalho.
- Sinto como se isso tivesse ocorrido um século atrás... – Lorena começou a relembrar, com nostalgia. – Naquele mesmo dia eu disse que queria ser dona de uma pizzaria com karaokê...
- Nunca é tarde.
- Pequenos passos, Fer. Mal comecei meu primeiro emprego na cidade grande.
- Lorena, seu futuro é do tamanho dos seus sonhos. Foi isso que me disse no final da feira de profissões.
- Você nunca esqueceu! – Respondeu Lorena, admirada.
- Foi isso que me motivou a vir para cá e mudar de vida.
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Quando outros funcionários do restaurante chegaram, Fernanda deixou a amiga em mãos seguras e se encaminhou ao escritório para o início do tão sonhado primeiro dia no exercício da advocacia.
O escritório, sem novidade alguma, era lindo. Enorme e lindo. Janelas espelhadas, salas climatizadas, e até uma cafeteria personalizada, um lugar destinado a pequenos momentos de descontração para aumentar a efetividade dos funcionários.
Ao adentrar, foi recepcionada por sua amada com um belo sorriso e um abraço aconchegante.
- Já passou no RH para fazer o cadastro e pegar o crachá? – Questionou Ingrid, enquanto guiava a namorada pelos largos corredores.
- Achei que já tivessem minhas informações por meio da entrevista...
- Eles têm, mas você tem que confirmar sua documentação, seguir todo aquele processo burocrático tal qual na época da matrícula da faculdade.
- Não me fale que isso é igual faculdade que me dá arrepios. Passei cinco anos aguardando esse dia para você me dizer que é igual aos meus tempos de caloura?
- Detesto lhe decepcionar, mas é isto. – Ingrid riu. – Veja bem, olhe aquele corredor, lá estão as salas dos veteranos, os maiorais. Nós, os novatos e semi-novatos, ficamos nessas salinhas menores compartilhadas.
- Certo. Eu me recordo de você comentando que aqui o pessoal divide sala, e inclusive sua colega é aquela garota que se formou como primeira da sua turma, né?
- Sim, a Nádia. Mas ela raramente fala comigo, o que de fato é bom porque aumenta minha produtividade no horário de trabalho se eu não estiver conversando.
- Acho que isso significa que não posso pedir para trocar e ser sua parceira de sala...
- Primeiro que faríamos muito mais do que conversar, meu amor. Segundo que é praticamente impossível que eles acatem pedidos para mudança de sala. É uma política rígida e sem sentido, mas temos que acatar.
- Que pena. Minha sala é perto da sua pelo menos?
- Deixa eu ver. – Ingrid acessa o celular rapidamente. – Esqueci de lhe falar, no site do escritório, você vai ter um log in e assim terá acesso a horários, dias de ir ao fórum, julgamentos, tudo mais. Até o mapa das salas. E sim, sua sala é relativamente perto da minha, seu nome já está até no sistema constando como ‘pendente’, por causa do cadastro no RH. Mas sua sala já está registrada. E... ai. – Ingrid coçou a testa, preocupada.
- O que foi?
- Seu colega, o cara que vai dividir sala com você. Ele é um pouco... complicado.
- Complicado? Como assim?
- Ele é perfeccionista. Extremamente perfeccionista. Ele é ótimo com clientes mas péssimo com o pessoal do trabalho. A última colega que dividiu sala com ele pediu demissão e foi trabalhar em outra firma.
- E por que ela simplesmente não pediu para trocar de sala?
- Ela pediu, diversas vezes. Mas, como eu disse, as políticas aqui são estritas. E acontece que ele é um ótimo advogado, tem um percentual altíssimo de aproveitamento, além de ser um dos protegidos pelos sócios majoritários.
- Isso parece vantajoso, talvez eu aprenda bastante com ele.
- Se o objetivo do aprendizado for paciência, então você vai ter que aprender mesmo.
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Lorena logo entrou no restaurante acompanhada de Mari, que lhe entregou um dólmã e avental. Caminharam até a cozinha, onde aguardaram a chegada da outra sous-chef.
- Veja bem, agora você está nas mãos de Catarina. Ela vai lhe ensinar nossas principais receitas, e qualquer dúvida extra, pode perguntar para o Heitor, nosso outro chef. – Explicou Mariana.
- Você vai ver que não é nada complicado. – Sorriu Catarina, ao se introduzir na conversa. – Não deixe a Mari lhe por medo!
- Ela não pôs! – Também riu Lorena. – E onde está o chef?
- É aquele ali. – Catarina apontou para um homem chegando de óculos de sol.
- Quem usa uma roupa de praia em plena manhã de segunda-feira para o trabalho? – Questionou Lorena, ao ver um rapaz poucos anos mais velho, bronzeado, chegar com camisa havaiana, bermuda e chinelo.
- Ele provavelmente veio do Litoral paulista mesmo. Costuma passar o final de semana lá e voltar de madrugada. – Mariana respondeu.
- Bom dia meninas! – Após esbanjar um sorriso simpático, Heitor cumprimentou a todas com um beijo na bochecha.
- Curtiu bastante o Guarujá? – Perguntou Mari.
- Como sempre! Então... essa é a nova sous chef? – Heitor apontou para Lorena.
- Sou eu sim!
- Você tem cara de ser libriana. Estou certo?
- Oi? – Lorena se assustou. – Digo, sou libriana sim, como sabe?
- Ele tem esse dom. – Catarina riu. – Já falei, Heitor, pare de assustar as garotas assim!
- Ei, eu não assusto! Eu apenas gosto de demonstrar meu poder. E digo mais. Seu ascendente é em peixes.
- Como raios você sabe?!
- Como a Catarina disse, é um dom. – Heitor deu de ombros. – Agora, se me dão licença, vou tomar um banho e me trocar.
- Você toma banho no seu trabalho? – Perguntou Lorena.
- Ele toma, e ainda tem sorte de eu não descontar do salário os gastos mensais de luz e água disso. – Mari comentou, brincando.
- Mariana, você sabe que não vive without me. – Heitor tirou os óculos e piscou para sua patroa.
- Seu inglês não me encanta, não adianta. – Mariana riu. Sua amizade com o chef sempre trouxe um ambiente agradável ao trabalho.
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Após finalizar a burocracia de seu cadastro, Fernanda foi conhecer seu colega de sala. Cuidadosamente, abriu a porta. Seu colega estava de fone de ouvido, concentrado em corrigir uma petição.
- Oi... – Fernanda se aproximou, tocando levemente no ombro direito rapaz.
- Caramba! – O jovem afinou a voz e quase pulou da cadeira, tirando prontamente os fones de ouvido sem fio. – Quem é você? O que faz aqui na minha sala?
- Você quer dizer nossa sala? Sou sua nova colega. Prazer, Fernanda. – A novata lhe estendeu a mão.
- Hm. Thomás. – O advogado a olhou de cima a baixo e estendeu a mão de volta, contra a própria vontade.
- Posso lhe chamar de Tom?
- Por quê você faria isso?
- Sei lá, é um apelido, achei que pudesse lhe chamar assim.
- Meu nome é Thomás, gosto que me chamem assim.
- Certo, Thomás. – Um pouco constrangida, Fernanda começou a colocar seu celular e mochila sobre a escrivaninha. – Foi-me informado que cada ala tem um supervisor, certo?
- Sim. – Thomás voltou seus olhos ao computador.
- E que o nosso supervisor é um tal de Dr. Raul.
- Sim.
- Você sabe onde posso encontrá-lo?
- Na sala dele.
- Eu fui lá agora a pouco, ele não estava. Esperei por quase dez minutos e ele não apareceu.
- Então por que me perguntou?
- Porque achei que talvez você tivesse conversado com ele.
- Não falei com ele hoje. Dificilmente falo, só em casos urgentes.
- E como ele passa para você o que tem que ser feito?
- Não é óbvio? – Thomás apontou para o computador.
- Ah, e-mail...
- Não, é por Excel.
- Sério?
- Lógico que não. É por e-mail.
- Deixou a educação em casa? – Fernanda se irritou ligeiramente.
- Como assim?
- Olha. – Fernanda novamente se aproximou do colega. – Sei que acabamos de nos conhecer. Mas eu não quero criar uma relação ruim com você.
- Bem, eu não quero construir nenhuma relação com você. Não quero ser amigo de ninguém. Estou aqui para fazer um bom trabalho e construir minha carreira.
- Você fala isso para todos os seus colegas de trabalho no primeiro dia deles?
- Nunca precisei falar, geralmente as pessoas se tocam nos primeiros dois minutos de conversa.
- O que aconteceu para você ser tão amargo desse jeito? Nunca conheci ninguém assim.
Thomás simplesmente a ignorou, e cerca de alguns segundos depois, alguém bate à porta e logo em seguida entra.
- Maria Fernanda? Bom dia, sou o Dr. Raul, seu supervisor. Fiquei de passar para você alguns recados, é que hoje estou atarefado, uma de nossas clientes VIP vem visitar e eu estava em reunião com os outros advogados do caso.
- Tudo bem Dr. Raul, a Ingrid já me ajudou e já fiz meu cadastro no RH.
- Ótimo. Eu tenho algumas pequenas tarefas para você iniciar. Se puder, já escreva seu e-mail em uma folha de papel que já passarei.
- Dr. Raul, a Jennifer já chegou? – Thomás perguntou.
- Ela é a cliente VIP? – Maria Fernanda questionou, enquanto escrevia seu endereço eletrônico.
- Sim, é ela, e está para chegar a qualquer momento, nossa reunião com ela é dentro de 10 minutos.
- Eu posso participar? Se quiser posso fazer anotações para o senhor. – O que Thomás tinha de grosso, também tinha de puxa-saco com seus superiores.
- Agradeço muito, Dr. Thomás, mas não é permitido. Apenas os advogados diretamente envolvidos podem participar. Se vocês quiserem, podem vê-la chegar lá na entrada, desde que não cheguem perto, peçam autógrafo ou tirem fotos.
- Você é fã dela? – Fernanda perguntou, logo após seu supervisor sair.
- Ela lançou algumas músicas boas, que merecem proteção jurídica. – Respondeu Thomás, um pouco contrariado. – Mas eu quero ser um auxiliar do caso dela, isso vai impulsionar meu índice de aproveitamento aqui. Então nem pense em correr atrás desse caso, novata.
- Fer! – Ingrid apareceu logo em seguida. – O carro da Jennifer acabou de estacionar! Vamos lá ver?
Discretamente, Thomás se levantou e sem pedir licença, saiu.
- Lá se vai o fã número um dela. – Fernanda riu.
- Vem também! – Ingrid puxou a namorada pela mão. Vamos conhecê-la!
- Eu tenho que abrir aqui o computador, amor, não sei se vou ter tempo...
- É rapidinho, e pela maneira que você falou no almoço de ontem, parecia gostar dela! Vamos!
Com muito sacrifício, Maria Fernanda acabou cedendo.
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Pequenos grupos se formaram no pátio principal do escritório. Ingrid e Maria Fernanda ficaram mais ao meio, enquanto aguardavam a artista passar.
- Vou tentar discretamente tirar uma foto quando ela passar. – Ingrid comentou.
- Não faça isso, o Dr. Raul disse que não podia.
- Ah, qual é amor, ela é uma das cantoras mais famosas do país, e eu não vou divulgar, vou deixar guardado no meu celular.
- Não é correto, Ingrid. Guarda esse celular.
- Mas você é chata hein.
Enquanto as duas reclamavam, a pequena comitiva da cantora e dois seguranças e seu empresário se aproximava. Para surpresa de todos, o quarteto parou perto do casal de namoradas.
- Maria Fernanda?! – A cantora perguntou.
- Olá, Jennifer... – com as pernas trêmulas, Fernanda respondeu.
As pessoas ao redor observavam atônitas, incluindo Thomás e Ingrid.
- Você trabalha aqui?
- Sim, comecei hoje... – O coração de Fernanda disparava a cada resposta. O nervosismo, a vergonha, a timidez e outras emoções alternativas revezavam entre si.
- Que interessante! Você já é advogada então... não sabia que fazia tanto tempo assim.
- Pois é... – Fernanda continuava a sentir sua garganta secar.
- Tanto tempo...? – Ingrid perguntou com a voz baixa, não entendendo nada.
- Depois lhe explico. – Fernanda respondeu rapidamente.
- Você parece ótima! – Jennifer sorriu. – Não mudou nada. Vai participar da reunião?
- Er.. acho que não, meus supervisores não permitem.
- Por que não? Sou eu quem escolho minha equipe. Gerson, qual é mesmo o nome do advogado que conversamos? – Jennifer perguntou para seu empresário.
- Dr. Vieira, Jennifer, aquele que está vindo em nossa direção.
- Olá! Jennifer! – O advogado cumprimentou o empresário e atriz com um largo sorriso no rosto. – Nossa sala de reuniões é por aqui.
- Espera, Dr. Vieira. Quero que a Dra. Maria Fernanda participe também e integre a equipe.
- Quem? – O advogado olhou confuso.
- Dra. Maria Fernanda. Essa daqui. – Jennifer apontou.
- Eu comecei hoje, Dr. Vieira. Dr. Raul é meu supervisor.
- Jennifer, temos nossos melhores advogados na equipe. Pode ter certeza que estará segura com o time que formamos.
- Eu sei, mas quero adicioná-la.
- Há alguma razão específica?
- Eu a conheço desde o início da faculdade dela. Confio nela.
- Jennifer, ela mesma disse que começou a trabalhar hoje... – o empresário tentou persuadi-la.
- Gerson, eu sei o que estou fazendo. Dr. Vieira, tenho certeza que ela será uma boa adição. Se ela não entrar, o senhor e eu começaremos com o pé errado e isso não é bom.
- Tudo bem... – Dr. Vieira, mesmo contrariado, cedeu. – Maria Fernanda, certo? Venha conosco.
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A reunião durou cerca de uma hora. Ao sair, Maria Fernanda rapidamente trocou informações de contato com a artista, que se retirou com um abraço apertado. Ingrid, expressando extrema ansiedade, segurou-se ao máximo e esperou a artista sair do prédio para abordar a namorada.
- Você tem muita coisa para me contar.
- Tenho mesmo. Mas a história é longa, e tanto o Dr. Raul quanto o Dr. Vieira me pediram um relatório sobre essa reunião. Eles não me conhecem e querem fazer uma espécie de teste a partir desse relatório, pediram sugestões de estratégia, várias coisas. Preciso começar agora.
- Não vai não! Pelo menos me conta de onde vocês se conhecem e porque você nunca me contou!
- Já faz muito tempo. Prometo que lhe conto tudo na hora do almoço, com detalhes.
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Fernanda chegou em sua sala e foi direto ligar seu computador, sem ao menos olhar para seu colega de trabalho.
- Como você conseguiu essa cliente? É seu primeiro dia. – Bufou Thomás.
- Tive sorte.
- Como você fez para que ela lhe chamasse? Você é amiga dela?
- Está fazendo perguntas demais para quem não quer minha amizade, Tom.
- Não é justo. Eu me esforcei, preparei-me para o caso dela. Sei tudo sobre o contrato dela, sobre a briga judicial dela com a antiga gravadora. Estou muito mais preparado que você.
- Eu nem queria essa vaga, cara. Só quero terminar esse relatório e ir almoçar com a minha namorada.
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Em um restaurante na mesma quadra, Ingrid marcou de encontrar sua amada, que saiu cerca de dez minutos depois. Não estava muito lotado, afinal, pegaram o primeiro horário disponível.
- Agora eu exijo que você me conte como raios você conhece a Jennifer e porque você parece manter segredo disso.
- Porque não gosto de ficar contando para todo mundo que ela foi a responsável por um término que custou muito da minha saúde mental.
- Então quando me contou que você teve uma ex que lhe deixou em pedaços, foi ela?!
- Sim.
- E como foi que vocês se conheceram? Lembro dela ter lhe falado que conheceu você no início da faculdade...
- Sim. Minha primeira semana na Universidade, logo quando arranjei um bico vendendo bebidas em um espaço de eventos quando tinha show. Ela fazia parte de uma equipe de sonoplastia que tinha contrato com a maioria os artistas locais, então nos víamos pelo menos duas vezes por semana.
- Se foi logo no início da sua vinda para cá, você ainda não tinha ficado com nenhuma menina?
- Não. Ela foi minha primeira.
- E por que terminaram?
- Ela foi fazer uma audição no Rio de Janeiro, para aquela minissérie musical, a primeira que ela fez, que deslanchou a carreira e a tornou famosa.
- Nem ao menos tentaram levar à distância?
- Eram outros tempos, anos atrás, Ingrid. Ela queria aproveitar a fama, eu queria focar nos meus estudos. Não tinha como darmos certo. E foi melhor assim. Conheci você um pouco depois na faculdade, e somos felizes até hoje.
- E agora ela está de volta e chama você para integrar a equipe jurídica dela...
- O que quer dizer com isso?
- Nada... só achei estranho.
- Eu a incentivei a correr atrás dos sonhos dela. E agora ela está me ajudando a implementar meu currículo tornando-me parte disso. Mas eu não pedi nada disso, quero deixar bem claro.
- Eu vi vocês trocando contatos pessoais...
- Não nos falávamos há anos, Ingrid. Isso seria o mínimo.
- Tudo bem, eu entendo. Desculpa. – Ingrid riu, notando que havia sido ciumenta por alguns segundos. – Hoje você quer dormir lá em casa?
- Não posso, tenho que buscar a Lorena lá no restaurante e levá-la para casa.
- Eu levo vocês e a deixo no seu apartamento. Podemos dizer que vai ter uma confraternização do seu primeiro dia de trabalho, que é exclusivo para funcionários.
- Já estou mentindo demais, amor. Não quero adicionar mais para minha cabeça no momento.
- Eu poderia pensar que você está querendo me evitar... – Ingrid baixou o olhar, com o semblante triste.
- Não! Não é isso! – Fernanda respirou profundamente. – Okay, podemos usar essa mentira hoje. Depois pensamos em algum jeito fixo de podermos dormir juntas com mais frequência sem que ela desconfie.
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Fim de expediente, e Ingrid, com o carro estacionado, aguardava Maria Fernanda buscar Lorena. As duas entraram no carro trocando risadas de modo amigável, despertando a curiosidade da motorista.
- Maria Fernanda contou alguma das piadas atemporais dela?
- Não contei nada não, é que a Lorena estava me contando do dia dela! – Fernanda respondeu.
- Eu estava tão nervosa que consegui derrubar um ovo, e quando fui pegar um pano para limpar, a Mari chegou e escorregou, eu tinha certeza que seria demitida! – Lorena voltou a rir.
- Entendi... – Ingrid não viu muita graça na história mas riu por educação.
- E isso me fez lembrar que conheci um homem maravilhoso! – Lorena continuou. – O nome dele é Heitor, ele é chef no restaurante...
- Não vai me dizer que já se apaixonou no primeiro dia? – Fernanda perguntou.
- Lógico que não, boba! Eu quero apresentá-lo a você! Tenho a impressão de que vocês dois vão se dar muito bem.
- Oi? – Fernanda e Ingrid perguntaram de uma vez.
- Acho que os dois combinariam.
- Heitor... é aquele chef surfista né? Nós o vimos algumas vezes quando fomos no restaurante da Mari. – Ingrid interveio.
- Ele é lindo, não acham? – Lorena comentou.
- Ele é... apresentável... – Com muito esforço, Fernanda emitiu um elogio.
- E ele está solteiro! Seria perfeito para você, Fer.
- Se ele é tão perfeito, por que não pega para você? – Fernanda devolveu na mesma medida.
- Porque eu estou grávida e homem nenhum iria me querer.
- De onde saiu uma asneira dessas, mulher? – Fernanda perguntou, brava.
- É assim que são as coisas, Fernanda.
- Lógico que não! Quer dizer que estar grávida é uma sentença de castidade? Essa criança é uma benção e uma dádiva, não vai atrapalhar você e sua vida sexual.
- Ai, Fer... não sei...
- O fato de você estar grávida e não estar comprometida não é empecilho nenhum para encontrar alguém. – Ingrid complementou.
Lorena por fim concordou em silêncio.
- Então, Lorena, hoje a Fernanda conseguiu um cliente VIP logo no primeiro dia! – Ingrid mudou de assunto.
- Não precisamos falar disso agora... – Fernanda aumentou o volume do rádio.
- Precisamos sim! Quem é o cliente VIP?
- Ninguém mais ninguém menos que Jennifer Alencar! – Ingrid anunciou.
- Não brinca! Jura? No seu primeiro dia, Fer?? Eu sabia que você se daria bem! Falei para você!
- Foi um golpe de sorte.
- Eu não diria isso... – Ingrid provocou.
- Eu também não! Fer é muito inteligente e esperta. Isso não tem a ver com sorte. – Contestou Lorena.
- Fer e Jennifer já se conheciam, você sabia, Lorena? – Ingrid continou a provocar.
Fernanda arregalou os olhos enquanto Ingrid se segurava para não rir, uma vez que achava extremamente fofo o rosto avermelhado e irritado da namorada.
- Sério?! Eu conheço alguém que conhece alguém famoso! Não creio!
- Sim, nós... nós compartilhamos trabalho no mesmo espaço de eventos anos atrás, antes de ela ser famosa. – Você me paga. – Balbuciou, quando a motorista olhou rapidamente para a namorada.
- Pago com meu corpo, aceita? – Ingrid balbuciou de volta, piscando com um olho.
- Gente, eu não sou boa com leitura labial, o que vocês estão falando? – Perguntou Lorena.
- Nada não, a Ingrid que esqueceu de pagar um negócio. – Fernanda improvisou. Parecia estar ficando boa nisso. – Mas tenho certeza que ela vai pagar...
Fim do capítulo
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