Capitulo 2 - Velha infância
Mais uma vez de volta ao apartamento, encurtando a noitada – que nem foi tão noitada assim – e já bem melhor física e psicologicamente, Lorena se recompôs no sofá de sua amiga.
- Agora conte-me direito essa história. Como assim expulsa? Quem é o pai?
- Fui expulsa, ué. Minha mãe disse que uma grávida solteira não viveria na casa dela.
Ingrid também ouvia a tudo, atenta.
- Vocês realmente expulsam os filhos de casa por causa disso nos dias de hoje? – A namorada de Maria Fernanda não se continha.
- Sim, Ingrid, pessoas ainda fazem isso. – Maria Fernanda respondeu pela amiga. – Mas enfim, quem é o pai?
- André.
- Espera? Que André? Aquele André?
- Isso. Aquele que namorei no Ensino Médio.
- Ele voltou para lá? Ele não tinha ido para o Rio Grande do Norte?
- Na verdade foi para o Rio Grande do Sul. Aí voltou para trabalhar na empresa do pai. Nos reencontramos uma vez e... aconteceu.
- E ele não vai assumir?
- Sim, ele vai. Falou até em casamento.
- E por que não aceitou?
Um breve momento de silêncio. Lorena começou a chorar.
- Shh.. vem cá. – Maria Fernanda, em um gesto espontâneo, aproximou-se de Lorena e a abraçou. – Vai ficar tudo bem.
- Eu cheguei a pensar em casar com ele... daí vi minha vida toda correr diante dos meus olhos e percebi que aquilo não era para mim, sabe? Não era a vida que eu queria! Não queria ser a esposa do André, presa naquela cidade, em uma rotina que me destruiria por dentro!
- E o que você pensa em fazer agora? – Ingrid perguntou.
- Seja o que for, você pode morar aqui por um tempo, Lorena. Vamos lhe ajudar a procurar um emprego aqui. – Disse Maria Fernanda, ainda abraçando a amiga.
- Morar aqui? – Balbuciou Ingrid, enquanto Lorena ficava com a cabeça abaixada, apenas para que Maria Fernanda entendesse.
- Sim, oras! Ela está grávida! – Maria Fernanda balbuciou de volta.
- Você disse alguma coisa? – Lorena olhou para Maria Fernanda, tentando conter o choro.
- Não disse nada. Deixa-me lhe ajudar. – Maria Fernanda secou uma das lágrimas da amiga com a própria mão. – Não precisa chorar, você tem lugar para ficar, você vai ficar aqui comigo. Podemos comprar uma cama, vamos deixar você naquele quartinho até você se acertar.
- Maria Fernanda, como sempre, a salvadora! – Ingrid forçou um sorriso ao exclamar, tentando soar de modo mais sincero possível.
- Ingrid, acho que poderíamos conversar com a Mari, para ver se ela arranja alguma coisa para a Lorena, não acha?
- Posso ligar para ela, talvez. – Ingrid suspirou, enfim cedendo.
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Já em seu sono REM, na cama de Maria Fernanda, dormia pacificamente Lorena, enquanto na sala, Ingrid e Maria Fernanda argumentavam.
- E como você acha que eu vou falar com a Mariana? Ainda mais depois daquele olhar constrangedor quando soube que Mari e Sophia eram casadas?
- Se quiser eu falo! Não tem problema. Lorena estava ansiosa pela resposta do restaurante, nem soube agir direito.
- Você sempre dá um jeito de defendê-la, Maria Fernanda.
- Eu sei que você não está contente com essa situação, meu amor. – Maria Fernanda se aproximou no sofá e pegou as duas mãos da namorada. – Também sei que estávamos em planos de morar juntas e isso vai adiar um pouco nossos projetos.
- Você ia começar o emprego no escritório, iríamos para o trabalho todo dia juntas, esse era o plano! E agora não consigo nem mais ser eu mesma com você.
- Em tempo eu contarei a ela. Contarei sobre mim, sobre nós. – Maria Fernanda então colocou as mãos, em formato de concha, no rosto de sua namorada. – Você sabe que eu sou completamente apaixonada por esse rostinho lindo.
- Boba. – Ingrid revirou os olhos, já rendida, e cedeu com um rápido beijo. – Mas você poderia contar logo porque eu não aguento mais ficar sem demonstrações públicas de afeto. Fico revivendo meus tempos de armário.
- Não se preocupe. Só quero saber antes como anda a comunicação dela com meus pais, até porque ela contou que falou com eles antes de viajar. Pelo que entendi, a cidade ainda não sabe da gravidez dela, então tudo indica que ela apenas parou de falar com a própria família, somente.
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A noite se encerrou com Maria Fernanda e Ingrid dormindo abraçadas no sofá. Com o raiar do dia, Maria Fernanda foi a primeira a abrir os olhos. Assustada, quase jogou Ingrid no chão.
- Por que você não me avisou que iria dormir do meu lado?
- Porque eu nem lembro quando peguei no sono! – Ingrid reclamou, enquanto tentava não bocejar.
- Lorena poderia ter nos visto aqui!
- Fala mais alto, aí que ela vai ouvir mesmo.
- Tem razão. Preciso me acalmar, isso não foi nada. Já dormi com ela assim também e éramos só amigas.
- Você dormiu com ela...assim? Com o rosto dela no seu peito do jeito que o meu estava? – Ingrid arqueou uma das sobrancelhas.
- Pare de me olhar assim. Éramos adolescentes, melhores amigas. Não me venha com essa. Vou preparar o café que ganho mais.
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Para a paz interior de Maria Fernanda, Lorena não acordou tão cedo. Seu choro a esgotou de tal forma que, quando se levantou, o casal já havia tomado café da manhã e feito os planos do Sábado, de modo que Ingrid já havia estava de saída para o trabalho.
- Acho que falei demais ontem à noite, não? – Um pouco tímida e sem graça, Lorena apareceu na cozinha.
- Finalmente você desabafou, senti que estava precisando. – Maria Fernanda comentou – Agora venha se alimentar, você está comendo por dois!
- Lorena, desculpa perguntar, você está de quantas semanas? – Ingrid quis saber.
- Cinco semanas, na verdade.
- Como descobriu assim tão cedo?
- Porque o André foi minha primeira... e única vez.
- Vocês não namoraram antes?
- Ingrid, os namoros na nossa cidade não são como você pensa. Pelo menos não com a maioria. – Maria Fernanda explicou.
- Parece que vocês viviam em uma realidade completamente paralela. – Ingrid se assustou. – De qualquer forma, já vou indo.
No que Ingrid se inclinou para, inconscientemente, dar um selinho em Maria Fernanda, esta desviou rapidamente, pegando no canto da boca. Percebendo a situação, Ingrid também se aproximou de Lorena para beijá-la no rosto, também próximo a boca.
- Okay, ela é bem... afetuosa, não? – Lorena comentou, ao ver Ingrid sair.
- Coisa de paulistano. Parecem frios por fora, mas são uns amores quando você pega amizade. – Maria Fernanda pigarreou. – Mas me diga, você apenas fez o teste de urina? Foi ao médico pelo menos?
- Fiz três testes de urina de três marcas diferentes, todos deram o mesmo resultado. Não fui ao médico, nem poderia, só temos um ginecologista/obstetra na cidade, minha mãe acabaria comigo se eu fosse nele. Pensei em vir aqui, arranjar um emprego, e logo pagar um médico.
- Eu recebi uma bonificação inicial ao ter sido contratada, consigo pagar suas primeiras consultas e exames. – Maria Fernanda se prontificou.
- Uma bonificação só por ser contratada? Tem isso?
- É um agrado do escritório para aumentar a produtividade desde o início. Inclusive, tenho uma amiga que é obstetra. Creio que consigo um horário para você segunda-feira.
- Maria Fernanda, você está sempre salvando a minha pele! Não sei o que farei para lhe agradecer. Ceder-me um lugar, ajudar-me a procurar um emprego, e ainda pagar uma consulta médica! Você realmente nunca deixou de ser minha melhor amiga, mesmo nos anos que ficamos afastadas. Digo, entendo que Ingrid parece ser também sua melhor amiga, e respeito muito isso, quero que ela saiba que não estou aqui para substituí-la, cada uma com certeza tem um espaço no seu coração.
- É, Ingrid realmente é uma amiga ciumenta...
- Eu percebi. – Lorena riu. – Gostaria muito também de fazer amizade com ela, queria que ela percebesse que não sou uma ameaça.
- Ela sempre foi assim, você nem deveria ligar. Já tive outras amigas que ela achou que... estivessem tomando o lugar dela, mas ela sabe que é minha... melhor amiga desde os tempos de faculdade.
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Com muito custo, Ingrid ligou para Mariana, a fim de falar sobre Lorena.
- Você me conhece, sabe que odeio pedir favor pelos outros. Mas Maria Fernanda insistiu, Lorena está em uma situação complicadíssima e-
- E Lorena está precisando de um emprego. Sophia ficou sabendo por cima, mandou mensagem para perguntou como estava a garota.
- Sim, ela pediu para que eu ligasse e perguntasse se há qualquer vaga no seu restaurante. Também sei que ela foi meio grossa ao olhar para vocês.
- Olhar? Grossa no olhar? O que isso quer dizer?
- Ela olhou atravessado para vocês. Ficou uma situação chata, eu sei. Sophia não comentou com você que falamos sobre isso?
- Não comentou não. Mas nem ligo para essas coisas, Ingrid. Eu me simpatizei com Lorena, deve ter sido impressão de vocês esse tal olhar.
- Você não se importa com isso mesmo?
- Não! De verdade. E digo mais. Faremos uma entrevista diferente. Amanhã, domingo, vocês vão lá em casa, levem a Lorena. Ela vai cozinhar comigo, faremos alguns pratos no almoço. Se eu gostar das técnicas dela, coloco-a na cozinha comigo, no meu restaurante.
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O sábado percorreu tranquilamente. Maria Fernanda levou Lorena ao parque Do Ibirapuera. Sentaram-se na grama, quando chegaram alguns universitários. Dentre eles, uma das garotas, com violão nas costas, reconheceu Maria Fernanda.
- Garota, o que está fazendo aqui?? – A musicista perguntou.
- Err... Poliana! Vim mostrar o parque do Ibirapuera para minha amiga... – Meio constrangida, Maria Fernanda comentou.
- Prazer, Lorena! – A novata na cidade estendeu a mão.
- O prazer é meu! Você estuda aqui na faculdade do lado?
- Não... por quê?
- É que a faculdade que ela estuda, e que eu me formei, fica aqui do lado do Ibirapuera. – Maria Fernanda explicou. – Mas Poli, o que faz aqui em um sábado?
- Eu, João e Rafael vamos apresentar daqui a pouco no barzinho aqui atrás do parque. Querem ir com a gente?
- Não sei, já estávamos de saída, passamos a tarde toda aqui.
- Eu quero ir! – Exclamou Lorena. – Não sei qual foi a última vez que vi uma apresentação ao vivo.
Apesar de apreensiva, aparentemente Fernanda não sabia dizer não a Lorena.
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Já no bar, Lorena se encantava com a decoração gaélico – irlandesa. As mesas esverdeadas e as cadeiras combinando, com figuras na parede que relembravam datas históricas de eventos do reino britânico. Mas o início de noite musical não combinava com a decoração, uma vez que estaria mais voltada a músicas brasileiras.
- Por que não liga para a Ingrid? – Lorena perguntou.
- E por que eu ligaria para ela agora?
- Para convidá-la, oras! Assim ela não se sente abandonada, achando que você vai sair só comigo e que roubei o posto dela de amiga mais próxima.
- Não sei se ela vai querer. Ficou sem mandar mensagem o dia todo.
- Mas você checou? O dia se passou e percebi que você mal olhou no celular!
- É que eu me distraí vendo você feito criança admirando cada centímetro de São Paulo! – Maria Fernanda riu. – Mas tem razão, acabei nem checando e.. ah! Óbvio que ela não ia mandar nada... coloquei em modo avião!! – A advogada colocou a mão na testa ao perceber a mancada.
Desesperada, rapidamente Maria Fernanda voltou a ativar a rede do celular. Seu aparelho quase travou com o número de notificações, dentre elas, vinte mensagens de Ingrid e algumas mensagens de sua própria mãe perguntando sobre Lorena.
- O que você sabe sobre assado vienense e tortei de berinjela ao pesto? – Questionou Maria Fernanda.
- Bem pouco. Talvez tenha visto alguém fazer na internet, nada mais. Por quê?
- Porque são os pratos que você vai ter que fazer amanhã para a Sophia no almoço de domingo.
- Está falando sério?
- Sim. Uma espécie de teste informal, pelo que Ingrid escreveu.
- Pelo visto vou ter que estudar a noite toda.
- Talvez você possa treinar. Tem um mercado 24 horas perto de casa para comprarmos os ingredientes.
Enquanto discutiam os pormenores, ouviu-se um som de dedilhado de violão em fá sustenido menor. As notas passavam para si menor e mi maior.
- Essa primeira música que vamos tocar, foi uma das primeiras que ouvi nesse mesmo bar, logo quando entrei na faculdade. Essa música também tocou na primeira novela que assisti na vida. Para mim, simboliza ‘primeiros’. Como é a primeira vez do nosso trio tocando aqui, não poderia iniciar de outra maneira.
No embalo do violão e de um cajón, o ritmo tomou um ar nostálgico naquele bar.
Eu gosto de você, e gosto de ficar com você, meu riso é tão feliz contigo, o meu melhor amigo é o meu amor...
Enquanto Lorena, com os olhos brilhantes fixando o palco e todas as luzes, Maria Fernanda respondia às mensagens esbravejantes da namorada.
‘Meu amor, acabei deixando o celular em modo avião. Eu sei que você odeia quando faço isso, espero poder recompensar hoje à noite.’
‘Hoje à noite como? Lorena está dormindo no seu apartamento, esqueceu? Temos que fingir ser alguém que não somos.’
‘Não fale assim dela... poxa, ela está tão grata por você ter conseguido uma chance de trabalho. Aliás, ela vai passar a noite treinando para amanhã. Eu disse que vou dormir na sua casa para deixá-la trabalhar a vontade e fazer barulho na cozinha. ’
‘E ela não estranhou isso?’
‘Não. Ela sabe que desde a infância eu sempre detestei quando alguém mexe na cozinha de madrugada.’
E a gente não se cansa de ser criança, a gente brinca
Na nossa velha infância
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Uma da manhã, da madrugada de sábado para domingo. Ingrid assistia a um dos filmes da sessão corujão, quando escutou um barulho de chave abrindo seu apartamento. Sua namorada, levemente bêbada, com um sorriso e um buquê de flores, apareceu.
- Se você soubesse a saudade que eu estava... – Ingrid logo se levantou e foi ao encontro da amada, segurando-a pelo rosto e dando-lhe um beijo apaixonado.
- Eu sei que a chegada da Lorena foi difícil para você. Foi difícil para mim também. Mas não quero que a dinâmica da nossa relação mude por causa disso.
- Rosas azuis... da última vez que você trouxe um buquê desses você...
- Eu lhe pedi em namoro, eu lembro bem. Trouxe novamente para dizer que nada muda.
- Fiquei tão preocupada quando você não me respondia! Para ter noção, quase enviei uma petição errada para o portal jurídico eletrônico. Sim, eu estava me afundando em trabalho em pleno sábado para não surtar. – Cuidadosamente, Ingrid colocou o buquê sobre a mesa de café da sala.
- Não vamos falar disso agora... – Maria Fernanda começou a beijá-la, de modo que seu corpo foi se inclinando para que o corpo de Ingrid fosse parar no sofá.
- Você acha que vai me persuadir a trans*r com você depois do nervoso que passei?
- Não acho. Tenho certeza.
No ímpeto, Maria Fernanda retirou a blusa de Ingrid e logo começou a beijá-la novamente com vontade, com toda aquela vontade reprimida desde a chegada da amiga.
Cedendo rapidamente, Ingrid retirou seu short doll enquanto Maria Fernanda se despia parcialmente em sua frente, retirando sua própria blusa, ficando apenas de calça e sutiã. Trocavam olhares fixos rápidos antes de se deleitarem uma nos lábios da outra, enquanto as mãos de Maria Fernanda percorriam sorrateiramente o corpo da namorada, chegando na parte inferior umbilical até finalmente alcançar o início da virilha, tateando suavemente a superfície dos lábios maiores, massageando-os até penetrar dois de seus dedos com a força e angulação na intensidade exata que extraía os gemidos mais prazerosos de sua amada.
- Que saudade que eu sentia dessa respiração ofegante... – Sussurrou Maria Fernanda no ouvido de Ingrid, enquanto a penetrava.
- Não fala desse jeito...
- De que jeito? Assim? – Maria Fernanda procurava sussurrar de uma maneira mais estimulante.
- Desse jeito que me faz... – Antes de completar a frase, Ingrid sentiu dentro de si as contrações involuntárias que sucedem o blast de endorfina de um orgasmo. – Desse jeito que me faz ser só sua.
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Gestos românticos pós-coito foram trocados entre o casal apaixonado, que suprimia as carícias em detrimento à chegada da conterrânea de Fernanda. Ingrid, deitada sob o seio desnudo de sua namorada, entrelaçava seus dedos com os da garota, enquanto esta gentilmente roçava a parte posterior de sua outra mão no rosto de sua amada.
- Do fundo do seu coração, Nanda, acha que a Lorena passa nesse teste da Mariana? – Questionou Ingrid.
- Bem, apesar de insegura, ela parecia conhecer bem os ingredientes quando fomos comprá-los. Citou textura, acidez, e outros termos que não faço ideia, mas na hora pareciam fazer sentido. Ela parece saber o que está fazendo.
- De qualquer forma, Mari parece estar fazendo mais como um favor. O restaurante é dela, e ela sabe o quanto Sophia nos adora. Se fosse para recusar, com certeza faria uma entrevista mais formal.
- Está assumindo que se Lorena for contratada, será por favor ou pena?
- Pena parece ser o sentimento que move suas atitudes em relação a ela, não é? – Perguntou Ingrid, enquanto olhava para a namorada a fim de obter a resposta que queria.
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Já no dia seguinte, as mãos de Lorena tremiam ao adentrar a enorme cozinha planejada da casa de Mariana e Sophia. Era uma cozinha profissional adaptada a um ambiente residencial, um sonho que a chef Mari conseguiu realizar quando seu restaurante ganhou destaque.
- Você quer um colírio? – Mariana perguntou à candidata ao emprego em seu restaurante.
- Por quê?
- Seus olhos denunciam que não dormiu a noite toda...
- Pois denunciaram certo. Passei a noite tentando executar as receitas com perfeição. Acho que dormi por quinze minutos com o rosto colado em uma fatia de presunto...
- Não precisava tanto... – Mari riu. – Verá que não será um bicho de sete cabeças. Minha sous chef vai para Portugal mês que vem, então, se você for bem, entrará como uma segunda sub chefe e aprenderá com ela até o fim do aviso prévio dela. Falaram-me que você tem boas credenciais lá da sua cidade de origem.
- Qualquer coisa que eu já tenha feito na minha vida parece ínfima perto dessa cozinha agora! – Lorena não parava de admirar o ambiente.
- Apesar de o cargo ser sub - chef, você terá o principal cargo hoje, tudo bem? Eu ficarei analisando e ajudando no que puder.
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Na sala de estar, enquanto aguardavam o almoço dominical, Sophia preparava coquetéis light para suas amigas.
- Ingrid, não sei se lhe contei, mas há boatos que quase fechamos contrato para fazer parte da equipe jurídica da Alt. Right Brasil. – Sophia revelou, enquanto entregava as bebidas às amigas.
- Você está brincando com a minha cara, né? – Ingrid não se conformava.
- Queria eu que fosse brincadeira. Mas está tudo no sigilo. Só estou falando para vocês porque ouvi boatos de outros associados. Entretanto, nem vão assinar pelo nome da empresa pelo risco de reputação, aí o Rizzoni está pensando em assumir sozinho como único advogado. E vocês não ouviram da minha boca.
- O que é essa Alt. Right Brasil? – Inocentemente perguntou Fernanda.
- É um grupo extremista das redes sociais que se intitula a versão brasileira da direita alternativa. Eles vivem perdendo processos, já demitiram vários escritórios de advocacia. – Explicou Ingrid. – Bem, pelo menos a nossa firma não comprou essa briga, né? O que o Rizzoni faz sozinho vai cair nas costas dele apenas.
- O sogro do Rizzoni morou nos Estados Unidos há uns anos. Quando voltou ao Brasil, parece ter se filiado a uma dessas organizações. – Sophia mencionou.
- Então ele está forçando o genro a representar juridicamente? – Fernanda perguntou.
- Bem, ele sempre foi muito apaixonado pela esposa e a família dela. – Complementou Ingrid. - As loucuras que não fazemos por amor...
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Na cozinha, apesar de tentar inutilmente conter a adrenalina, Lorena finalizava o primeiro prato.
- Posso colocar o alho do tortei para assar enquanto a carne assa no mesmo forno? Vai pegar cheiro? – Questionou a candidata.
- Não sei, pode? – Mariana cruzou os braços.
- Bem... esse forno é de convecção, certo?
- É sim.
- Certo, então o ar vai circular, logo, não pega cheiro. Posso começar a segunda receita, então?
- Você é a chef aqui, Lorena.
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- Temos algum outro cliente polêmico que eu precise saber? – Perguntou Maria Fernanda, tentando se inteirar.
- Polêmico não, mas o Vieira conseguiu fechar esses dias com uma atriz importante, de novela das nove. – Sophia respondeu.
- Aquela atriz e cantora que fez par romântico com a protagonista, não? – Ingrid complementou.
- Sim! Jennifer Alencar, essa mesma! Parece que na vida real ela é bissexual, algo assim.
- A Jennifer é cliente da empresa? – Os olhos de Fernanda se arregalaram.
- Por que? Você é fã dela? – Questionou Sophia.
- Não, digo, sou sim, é que-
- Meninas, vamos almoçar? – Mariana apareceu na sala, enquanto Lorena arrumava a mesa.
- Nanda, o que você ia dizer? – Sophia tentou retomar o assunto ao se dirigir para o outro cômodo.
- Na verdade, eu só queria perguntar, por que Jennifer contrataria nosso escritório de advocacia? Digo, para quê ela precisaria de advogados desse escritório?
- Somos acima de tudo corporativos, ela está para assinar um grande contrato com uma produtora musical. É um grande contrato, logo, ela precisa estar munida legalmente. Também tem algum problema meio grave com a gravadora anterior, um rolo enorme, mas sei pouca coisa a respeito.
- E por acaso já... já escolheram o time de advogados do escritório para ela? – Fernanda perguntou.
- A novata já quer auxiliar um cliente gigante logo no primeiro dia? – Ingrid brincou com a namorada.
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Pratos à mesa, era a hora que Lorena mais temia. Apesar de ter degustado ligeiramente e ter feito as guarnições, Mariana preferiu fazer seus julgamentos durante a refeição.
- Esse assado vienense está simplesmente divino! – Comentou Fernanda.
- Realmente! Está ao nível do restaurante da Mari! – Sophia, contrariando as expectativas, e ao descobrir a real situação da garota, resolveu ajudar, deixando um sorriso no rosto de Lorena.
- Eu comecei pelo prato vegetariano. – Disse Ingrid. – Está com um gosto levemente amargo, não sei explicar.
- Também estou provando o prato de berinjela e ela está um pouco crua, infelizmente. – Atestou Mariana, sem expressões emocionais, agindo com profissionalismo.
Lorena estremeceu.
- Deixa eu provar. – Sophia interrompeu, invadindo o prato de Mariana. – Isso não está cru. Está no ponto. Não sei porque escolheu um prato baseado no legume que você tem menos afinidade.
- Sophia fez gastronomia antes de entrar na faculdade de Direito. – Fernanda sussurrou, explicando para Lorena.
- Ei! Quem está julgando no estilo Master Chef aqui sou eu! – Respondeu Mariana, jocosamente, enquanto bloqueava seu prato com o braço para que a esposa não mais interferisse.
- Lorena, não se assuste. Mari é perfeccionista e age como se fosse exigente e chata. Ela não é assim cotidianamente, fique tranquila. Você me surpreendeu positivamente com esses pratos e sua simpatia. Essa vaga é sua. – Sophia comentou, ao ver o desespero no rosto da garota.
- Relaxa, Lorena, essa vaga seria sua de qualquer jeito... - Ingrid pairou um olhar cético sob a namorada, que rapidamente respondeu com o olhar repreensivo.
- Não é bem assim. – Corrigiu Mariana, logo após saborear uma pequena porção do segundo prato. – Se estivesse ruim, claramente eu não contrataria. Não iria querer alguém com más habilidades em meu restaurante. Você tem potencial, Lorena.
- Acho que após tantos dias seguidos com tantas surras que a vida me deu, escutar alguém falando isso é a melhor coisa que poderia me acontecer. – Com a voz apertada, Lorena respondeu. Conseguia finalmente ver alguma luz no fim do túnel.
Fim do capítulo
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