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A tragicomédia de Morgana por shoegazer

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Palavras: 4538
Acessos: 474   |  Postado em: 09/12/2022

Encontro e reencontros

Pegamos o caminho de volta para a cidade de Isabela. Ela ligou de madrugada perguntando se estávamos aos arredores, porque se sim, se não tinha como buscá-la, que ela custeava toda essa parte. Raquel não fez nenhuma objeção, e não iria negar um favor a ela. Saímos no raiar do sol e eu, do lado da motorista, me aninhei com sua manta de viagem e dormi em parte do caminho.

Ainda estou extasiada do dia anterior. Penso que, em uma próxima vez, quando não estiver tão frio, possa tomar banho no mar como sempre imaginei.

Chegamos antes do almoço, e quando Raquel apita, Diana, a mãe de Isabela, sai para falar conosco.

— Me desculpem o inconveniente - diz ela em um tom triste, nos abraçando - eu, não imaginei mesmo que... Esse tipo de coisa fosse acontecer.

Então é melhor não saber que a gente sabia bem disso. Raquel nega em um sinal de que está tudo bem, e faço o mesmo.

— Não se preocupe, está tudo bem?

— Está, só... - ela parece aturdida - vou chamar a Isabela. Isa!

Eu e Raquel nos entreolhamos, e me aproximo dela. A mãe volta com o ar de ainda mais constrangimento.

— Tem como vocês esperarem um instante? Não querem entrar?

— Não, estamos bem aqui, senhora - Raquel se antecipa, e ela volta pra casa - É melhor assim.

Depois de uns dez minutos, outro carro chega atrás do nosso. Dele descem umas três pessoas, um homem e duas mulheres. Uma delas se destoa dos demais: é alta, tem os ombros largos, cabelos pretos compridos lisos, uma cara de poucos amigos, usando um blazer preto e uma camisa social branca entreaberta. Ela olha de um lado para o outro, e os outros conversam entre si, e eles estão vestido do mesmo jeito.

Raquel arqueia as sobrancelhas, e tenta esconder o riso sugestivo. A mulher nos olha e desvia o olhar, mas logo se volta para nós, com a feição surpresa.

— Ortiz? - a mulher dos ombros largos e voz marcante vai até Raquel - O que está fazendo por aqui? Se perdeu?

Ela dá um abraço apertado em Raquel, que bate em seus ombros, amigável.

— Essa que é a Rafaela, Morgana - ela aponta com o queixo para a sujeita - a melhor nadadora que temos, não é?

— Não é pra tanto - ela dá com os ombros, e aperta minha mão com firmeza - prazer, Morgana.

Assinto sem dizer nada. Rafaela me amedronta de certa forma, não sei dizer se pelo seu porte, sua voz ou seu olhar congelante, firme... Deve ser isso. Essa sua postura me lembra Eleanor de um jeito que não queria.

— E você, veio fazer o quê por aqui? - Raquel pergunta, e ela olha em direção a casa.

— Eu... - ela cerra as sobrancelhas, olhando ao redor - Vim buscar a Cláudia. Estava em um encontro desportivo na capital, ela me ligou e viemos saindo de lá por aqui...

— Vim fazer a mesma coisa - Rafaela deve ser da altura de Isabela ou quase, só que com um porte físico duas vezes maior - vim buscar a amiga dela - e segura meu ombro - a Isabela, conhece?

— Isa? - ela cerra as grossas sobrancelhas novamente - A prima da Cláudia? Só por nome - e me encara - Vocês são parentes?

— Ah... - me desconcerto totalmente - não, só amigas.

E, do lado de dentro, sai Cláudia com sua mala de rodinhas rosa metálica, óculos escuros, cabelo preso e vestido florido até as canelas.

— Bom dia, gurias - diz ela animada indo ao lado da que sabemos ser sua amada - a Isa já vem, só está...Arrumando umas coisas.

— Vamos? - diz uma das mulheres que acompanha - Já estamos em cima da hora.

— Você já está pronta? - diz Rafaela pegando a mala e o homem abrindo o porta-malas.

— Me arrumo no caminho - ela diz pretensiosa, e se volta sorridente para nós - espero nos encontrarmos em uma situação melhor do que essa.

Ela entra no carro sem dizer mais nada, e Rafaela volta para cumprimentar Raquel mais uma vez.

— Quando é o próximo torneio?

— Na França, e depois férias - ela levanta as mãos para o alto como uma prece.

— Vai ser mês que vem? - Raquel assente que sim - Eu acho que vou estar por lá essa época, me passa teu contato pra qualquer coisa eu falar contigo? Porque eu acabo esquecendo...

— Anota aí - ela diz o número, e Rafaela em prontidão anota, pressionando os dedos no teclado.

— Vou mandar mensagem aqui... Pronto - ela guarda o telefone, apoiando a pesada mão nos ombros de Raquel - Eu já vou ter que ir, mas a gente vai se falando. Um prazer te rever - e se volta pra mim, acenando - Até mais.

Raquel assente de volta e elas saem no carro, ainda se despedindo com a mão. Como é que uma nadadora tão conhecida, segundo Raquel, a conhece e chama por outro nome?

Mas logo Isabela sai de casa com a cara de poucos amigos, mochila a tiracolo, gesticulando para que sigamos.

— Não fico mais um minuto aqui - ela abre a porta, joga a mochila e entra. Eu e Raquel nos olhamos mais uma vez, como se disséssemos uma para a outra do que está acontecendo ali.

Entramos, ela dá a partida e tomamos o trajeto de volta para casa. Isabela resmunga, grunhe, se mexe de um lado para o outro.

— Bah, odeio minha vida!

— O que foi? - pergunto me virando pra ela.

— Rolou maior arranca-rabo depois que vocês foram embora, ainda bem que não ficaram - ela diz entre os dentes - o pai falando que estava com vergonha de mim, a mãe falando que eu virei amante... e a Cláudia, ah, e Cláudia! - ela diz com desdém - Polaca miserável!

— O que tem sua prima?

— Todo mundo acha lindo ela viver com a guria lá só porque ela é campeã olímpica, ninguém fala nada, ficam “bah, mas elas são um casal bonito” ou então “ah mas elas vivem juntas mesmo, acontece”. Me cai os butiá do bolso essa hipocrisia do caralh*!

— E o que falaram de você, Isa? - Raquel pergunta enquanto muda a marcha.

— Que eu sou uma sem vergonha porque me meti com gente lá de cima... - Isabela fala triste - que eu fui enfeitiçada porque gente de lá faz isso, e que eu tenho que voltar pra casa arranjar alguém que preste.

— Então tudo bem para eles você ser lésbica? - pergunto curioso, dando com os ombros.

— Eles falaram que já sabiam mesmo, mas que era melhor não ter falado - ela suspira baixo - que a mãe ainda tinha esperança de eu dar netos pra ela. Barbaridade! - ela arraste ainda mais o sotaque - Já não basta o tanto de guri que fica naquela casa? Tenho certeza que se a Cláudia chegar falando que vai ter um filho vai todo mundo aplaudir, falar “coisa linda!”. Bah, foda-se ela e todo mundo também!

— Ela fez o certo - Raquel diz olhando pra frente - ganha um prêmio e eles calam a boca.

— Foi o que você fez? - Isabela vai mais para a frente, e Raquel concorda com a cabeça - Sério? Você ganhou o quê?

— Algumas coisas... - ela dá com os ombros.

— Qual seu nome todo? - Isabela pega o telefone - Fiquei curiosa agora, olha.

— Procura Raquel Ortiz, tênis do lado se quiser.

Admiro a pessoa que fala de si mesmo sem culpa ou remorso algum. Só que Isabela, sempre expressiva com suas feições, olha desacreditada para a tela.

— Oigalê! - seus olhos arregalados me dão vontade de rir - Você ganhou em Roland Garros? Porr*, Morgana, olha isso!

Vejo Raquel na quadra, um público imenso, ela correndo de um lado para o outro, ela erra uns, acerta outros, o pessoal aplaude.

— Mas o que tem demais?

— Quer dizer que ela é mais que fodona nas quadras, só isso - ela cruza os braços - porque escondeu o jogo esse tempo todo?

— Estou treinando pro Winbledon agora - ela fala tranquilo, e Isabela fica ainda mais espantada. Continuo sem entender nada.

— Mas a Raquel é tenista, nada que a gente já não saiba.

Ela ri entre os dentes, e Isabela parece ainda mais desacreditada.

— Disso eu sei, Morgana, mas ela é campeã mundial, isso é muita coisa! - ela dá com as mãos para o ar - Quantos milhões de reais tu ganhou, Raquel? Fala a verdade! Dois, três?

— De euros - ela faz o gesto de dois com as mãos, e olho surpresa. Nem tanto porque era perceptível que ela vem de uma família abastada, mas Isabela parece entrar em crise.

— Vai se foder, caralh*! - ela fala indignada, pegando o telefone e apertando algumas vezes na tela - Onze milhões de reais, e tu falando numa tranquilidade? O que fez com esse dinheiro?

— Investi - ela dá com os ombros.

— Por que isso é tão importante? - cerro os olhos, me voltando pra Isabela.

— Porque tua namorada é uma tenista rica e importante e tu trata isso como se não fosse nada - ela leva as mãos para o ar - como se fosse, sei lá... Uma tenista de bairro?

— Mas o que muda ela sendo campeã ou não?

Quero retrucar que ela não é minha namorada, mas não vou me ater a isso. Isabela revira os olhos, e Raquel ri.

— Por isso que gosto da Morgana, mas... - ela me olha de soslaio e volta a olhar para o retrovisor - Podemos mudar de assunto? É mais divertido quando a gente só te julga.

Acho que trato o assunto com naturalidade porque a fama não é algo desconhecido ou incompreensível pra mim, ou pessoas com muito poder aquisitivo. Nós tínhamos um bom poder aquisitivo por conta do trabalho do meu pai atrelado à carreira da minha mãe uma figura bastante conhecida e reconhecida no meio. Eu herdei isso, mas reneguei meu trono por completo.

Imagine a reação de Isabela se soubesse que, antes de tudo isso, vivíamos em um seleto círculo social e minhas habilidades manuais vão bem mais além do que nas teclas do computador.

O caminho é cansativo como de outrora. Chegamos no final da noite, e subimos para casa. Quando colocamos as coisas no chão, abro a porta e vejo o apartamento frio, vazio. Ela liga a luz, e sinto aquela melancolia tomar conta do meu corpo.

— Vou tomar um banho - Raquel chama minha atenção, e vou até o quarto, dou uma toalha limpa pra ela e me sento na cama.

Eu quero tanto falar pra ela sobre mim, mas não sei como fazer isso. Pelo menos falar para ela que sei tocar uma coisa ou outra no piano, e que gostaria que ela ouvisse. As pessoas sempre gostam quando eu faço isso, então... Eu queria fazer pra alguém que gosto. Talvez essa seja a forma de pegar algo marcado em mim e transformar em algo significativo.

Ou então falar que meu pai não era um mau pai pra mim, mas não posso dizer o mesmo para elas. Que escolhi roteiros por amar teatro, já que ele realmente me fazia fugir da realidade escrota em que vivia.

Que eu a quero, mas não consigo e isso implica em dizer meus sete anos lá, e todos os problemas e traumas que vem juntos comigo, e alguém mais uma vez se afasta.

Eu prefiro manter essa capa do que sofrer novamente, por mais que mentir me doa, eu já estou fazendo isso há tanto tempo que posso me acostumar.

Ela sai do banho com suas roupas de dormir. Aqui está mais quente do que lá, e depois que tomo banho, encontro com ela na cozinha botando macarrão no fogo e cortando alguns legumes. Outros já foram para o lixo.

Suspiro fundo e fico atrás dela, abraçando-a, encostando a cabeça em sua costa.

— Foi o melhor final de semana que tive em minha vida - digo em um sussurro - obrigada.

— Digo o mesmo.

Ela se vira, e nos beijamos. A essa altura, já estou envolvida o suficiente pra saber que estou ferrada caso dê alguma coisa errada porque, se um dia ela não querer mais a minha companhia, eu vou sofrer.

Mesmo sabendo que as pessoas não duram para sempre na nossa vida, meu cérebro parece não compreender isso, e muito menos meus sentimentos, que insistem em uma coisa que não pode ter. Eu tentei, resisti, mas...

Raquel me aperta contra ela em um abraço enquanto nos beijamos ainda mais. Suspiro pesado, segurando sua camiseta pelas costas...

Eu acabei caindo mais uma vez.

 

*

 

A cena final se desenrola nas gravações. Eu e Camille, sentadas lado a lado, junto com outros dois produtores, encaram atentos.

Quando termina, fico sem palavras.

— O que achou? - Camille diz de relance, braços cruzados.

— Eu acho que está excelente - gesticulo com a mão direita - não mudaria nada.

— Quando vai ser o corte final? - um dos produtores pergunta - Alguma estimativa?

— Não sei - Camille dá com os ombros - isso é com os editores, mas acho que daqui pro mês que vem está pronto. Está tudo muito adiantado...

— Porque temos que começar a marcar a agenda de divulgação... - ele nos olha através dos óculos grossos - esses pormenores.

— Eu preciso participar? - tento me antecipar, mas ele ri.

— É claro, Morgana - o outro produtor se vira pra nós - você é um dos principais nomes disso.

— Posso não mostrar meu rosto então?

— Pode, mas... - ele hesita - por que não quer vínculo com a história?

— Não é isso - nego com veemência - é que prezo pelo meu anonimato.

— É por que se for uma bomba, você não quer ser julgada - Camille diz entre os dentes, irônica. Procuro não dar ouvidos a ela - está certa.

— Temos uma entrevista pro final de semana - Jaqueline diz entrando na sala, e sinto Matheus, ainda caracterizado, segurando meus ombros - Matheus, Olívia e Morgana.

— Por que eu e não ela? - pergunto confusa, apontando pra Camille.

— Porque eles querem a roteirista, não a diretora - ela mexe no tablet - de vocês duas é só pra semana que vem.

Exaspero e me afasto, ainda com ele do meu lado.

— Você gostou? - ele diz jogando o cabelo pra trás - Eu estava bom?

— Estava excelente - paro e arrumo a roupa torta dele - como sempre - e volto a andar.

— Por que você não sai com a gente mais tarde? Vai sair eu, a Olívia, a Maria Alice...

— Eu não bebo, não sou uma companhia interessante pra...

— É mais que interessante - ele volta a se apoiar no meu ombro - por favor, nem que seja só um instantinho. Te pago uma limonada.

 O cabelo cai no rosto dele de novo, e faço o mesmo gesto de jogar para trás.

— Tá, tudo bem - dou com os ombros - só me falem o local depois.

— Ótimo - ele dá um largo sorriso - a gente te busca então?

— Pode ser.

— Se quiser levar alguém, pode levar - ele se afasta, dando com as mãos para o ar - contando que você - e aponta pra mim - vá.

Olívia logo o encontra, e eles saem com a mão uma na cintura do outro. Mando mensagem perguntando se Raquel pode ir, mas ela logo responde que vai treinar até mais tarde esses dias. Pergunto pra Isabela, e ela não confirma. Fala que vai ver se aparece mais tarde.

Vou pra casa, ela não está na dela. Sobre a mudança, ela não falou mais nada sobre. Acho que quer ficar sozinha por esses dias. Ele fala a hora, e faço alguma coisa pra comer, checo os e-mails, assisto televisão. Perto da hora de ir tomo banho, coloco minha calça preta preferida, camisa de botão, o cabelo devidamente penteado, perfume nos locais adequados, sapatos limpos.

Desço na hora que ele avisa. É um motorista de aplicativo que nos leva para um bar que lembra um pub. É apertado, a iluminação fraca, pessoas bebendo, dançando. Parece que ele foi feito no quintal de alguém, e logo pegamos uma mesa. Como prometido, duas cervejas, uma caipirinha e uma limonada. Assim que chega, brindamos, e Olívia tira uma foto nossa e da mesa.

A música é até agradável. Conversamos um pouco sobre o trabalho, mas logo mudamos de assunto, que se foca nas vivências de cada um. Matheus tem uma boa relação com a família, mas Olívia não e ela mora só, mas Maria Clara mora com a avó.

Matheus nunca fez nenhum curso de atuação, mas Olívia fez teatro por um tempo e Maria Clara se graduou na área. Eles falam do que gostam de fazer, e falo um pouco sobre mim, de que moro com minha irmã, mas ela está ausente, e que aprendi a tocar por causa da minha família, que tinha escolhido piano por influência do meu pai que era fã de música clássica e arranhava um pouco no instrumento. É mais fácil falar porque, afinal, eles já sabem.

Me levanto e vou no balcão, pedindo uma água. No hall tem o espaço para os música, que está vazio, provavelmente esperando uma jam.

Só que, assim que dou as costas, escuto alguém me chamar.

— Morgana?

É uma pergunta repleta de dúvida. A voz não é estranha, mas não consigo associar a um rosto.

Quando me viro, ela abre a boca, surpresa, e logo em seguida sorri, desacreditada.

— Cris? - cerro os olhos. É ela mesmo?

Ela ri e se aproxima de mim. Nossa, com certeza é ela. Não mudou nadinha.

— Cris! - eu não sou de toque físico, mas eu fico tão espantada e feliz que abro os braços e dou um forte abraço nela. Eu não a vejo há o que, uns dez, doze anos?

— Há quanto tempo! - ela diz frívola - Caramba, eu nem acredito que estou te vendo! Você está morando aqui?

— É, eu... - digo ainda extasiada - Me mudei faz uns meses.

— Está tocando na companhia daqui?

— Pois é, eu... - engulo em seco - Não, eu mudei de ramo.

— Ah, não! - ela diz notavelmente frustrada - Você parou de tocar? - digo que sim, e ela fecha ainda mais a cara - Não, é sério isso? Não, Morgana, você não fez isso...

Estudamos na mesma escola de música. Ela era de uma classe acima da minha. Uma violoncelista sem igual, se bem que, até onde eu lembro, ela era boa com qualquer instrumento de cordas, mas odiava o com teclas.

— Se aposentou totalmente? - ela faz uma cara de dor, e eu tento não rir.

— Digamos que estou voltando aos poucos...

— Está fazendo o que então? Você está ocupada? - Cris gesticula para que eu a siga - Sente um instante comigo, quero muito conversar contigo.

— Não, eu... - olho para a minha mesa, e gesticulo que estou acompanhada - Agora não mais.

— Você sumiu, Morgana - vamos para um lugar mais afastado, e nos sentamos próximo a um parapeito - pensei até que tivesse ido embora do país.

— Eu fiquei ausente... - pigarreio - tive que ficar.

— Foi pro conservatório? O que aconteceu?

— Mais ou menos... - não vou entrar em detalhes - Só tirei um tempo pra mim mesmo...

— O que está fazendo agora? - ela cruza os braços. Como é que ela não mudou nada? Só parece mais adulta agora, mas até o rosto continua a mesma coisa - Ministrando aulas?

— Eu estou trabalhando com roteiros agora.

— Teatro? - gesticulo que é mais ou menos isso - Bem a sua cara mesmo. E sua mãe, o que falou?

Dou com os ombros.

— Ela ainda está morando lá pra fora? Sei que ela se mudou - digo que sim - Vocês se falam? - nego mais uma vez - Ela se aposentou?

— Dos palcos, sim, da companhia não... E você?

— Voltei não faz muito tempo, pra ser sincera - ela fala animada - consegui a vaga pra dar aula em um internato na Alemanha...

— Fico feliz, Cris - e realmente fico feliz, porque ela é uma excelente musicista - mas, você está bem?

— Ah, levando - ela dá com os ombros - sinto muitas saudades de casa, delas principalmente, enfim... Eu nem acredito que estou te vendo de novo, Morgana! - Cris gesticula ávida - Sério, não sabe como eu senti sua falta, caramba! Ninguém toca em um piano como você toca.

Rio constrangida, e ela se levanta.

— A gente precisa fazer uma sessão ali, por favor.

— O quê? - olho para ela - Eu e você, tocar?

— Claro! - ela diz como se fosse a coisa mais óbvia do mundo. Típico dela - Por que não? Não é como se você não soubesse.

— Porque eu... - abaixo a cabeça, envergonhada - Você sabe como eu sou.

— Deve ser porque você não quer reconhecer que sou melhor do que você, Morgana Kercher.

Ela e sua inesquecível prepotência. Rio com sarcasmo, e respondo no mesmo tom, como fazíamos.

— Acho que você decaiu muito pra se apresentar com um violão de náilon e um público que nem deve saber o que é um allegro, Ana Wang.

Ela nega com a cabeça, e me abraça mais uma vez.

Sabe quando você vai pra escola só por um motivo? Quando você já desiste de estudar e vai pelos amigos, por assim dizer? Diziam que, se eu continuasse na carreira musical, eu e ela formaríamos um par perfeito.

Enquanto ela é um gênio nato e uma compositora que já se destacava, eu seguia com a cozinha e ritmo competente. Me elogiavam, mas nunca achei nada demais, mas ela sempre dizia que a única pessoa à altura dela era eu, tanto que sempre tocamos juntas.

Ela é tão boa quanto se acha, isso é um fato. Eu gostava de tocar com ela porque eu conseguia acompanhar seu ritmo e ela conseguia improvisar no meu, mas, enquanto para ela a música era uma válvula de escape, para mim era uma tortura sem igual, a qual só estou aprendendo a tirar o prazer dela aos poucos.

Mas, depois que ela se mudou, fiquei totalmente sem amigos, o que se prestava a ter só alguns acompanhantes, mas nada como ela.

— Por favor, Morgana - ela gesticula em minha direção - você é minha alma gêmea musical, lembra disso, não lembra?

Assinto que sim.

Bom, já que a minha vida se tornou casos excepcionais de coisas que sequer sabiam que aconteceria de novo - como me encontrar com ela - aceito o convite, e ela sorri. Pelo que eu lembro bem, ela não sorri assim, então isso é um bom sinal.

Vê-la é como ver uma velha amiga, um sinal de que eu realmente existi em algum momento além da minha própria companhia, então acabo me deixando levar pelo que quer que vá acontecer.

— Você vai querer tocar o quê? - pergunto para ela enquanto olhamos para os instrumentos.

— Tchaikovsky - ela dá um sorriso sugestivo - concerto número 1, movimento 23, e aí?

Foi o que escolhemos para a nossa última apresentação, lembro bem. Me impressionei dela ter lembrado.

— Não teria como escolher algo melhor.

Tem um violão, um teclado, uma bateria, esses instrumentos mais básicos. Pelo que entendi, essa área é livre, então nos sentamos. Pego o teclado, coloco ele na configuração piano e Cris afina o violão, fazendo uma cara de desagrado do tipo “eu, pegar em um instrumento desse? Fazer o quê, é melhor do que nada”.

Uma e outra pessoa olha em nossa direção.

— Vamos, Morgana - ela apoia o violão em posição clássica - quero ver se você ainda é boa com os dedos.

— Até onde eu lembre - continuo a organizar a configuração nesse teclado parco que parece de brinquedo - você não costumava reclamar.

Ela revira os olhos, rindo, e começa tocando algo paralelo com o som dos trompetes, e no que toco a primeira nota, minha cabeça desliga dali. Não sei se é porque eu foco totalmente nas teclas que parecem que vão se partir a cada toque ávido meu, o olhar compenetrado necessário para que a música continue coesa, ou o som rudimentar do violão de fundo.

Ela consegue tirar leite de pedra ao fazer esse som com um simples violão, e tento segurar o ritmo como fazíamos. Sei que ela quer ver até onde eu posso ir, e nossa competição pessoal começa. Sinto meu cabelo ir e voltar, as mãos brevemente úmidas, as gotas de suor que caem pelo meu rosto naqueles longos minutos que se seguem.

Parece que posso visualizar tudo. Minha casa, minha mãe séria do lado do piano, os tapas que levava, as quedas no chão, os gritos. O barulho das teclas, na passada da tablatura, do cheiro doce do charuto dele e seu riso satisfeito quando me via tocar, falando que eu era excelente.

Do som das teclas mais uma vez. Dos momentos de suíte, das apresentações, de mais uma vez não ser suficiente. Meus dedos batem com mais vontade, e entro em hipnose. É como acompanhar uma corrida de cavalos que no fim, todos cairão em um abismo, e eu estarei montada no primeiro.

Das induções por medicamentos. A primeira vez que Valentine colocou a pílula debaixo da minha língua e mandou esperar que logo ia fazer efeito. Eu não iria mais sofrer comigo mesmo.

O que seria da minha vida se fosse diferente?

A música continua. Meu corpo entra em transe, mas acompanha ávido a cada movimento dela.

Se eu tivesse seguido esse caminho. Se eu tivesse acabado com tudo junto com ela. Se eu não soubesse de nada, se eu... Não soubesse que ela estava machucada, se eu não tivesse visto tudo.

Se eu não mentisse sobre mim.

A música acaba, e ouço o ovacionar da plateia, que se acumula ao nosso redor. Estou molhada de suor, e Cris sorri, me envolvendo pelo seu ombro.

Alguns jogam flores de plástico tiradas da decoração para nós, e continuam a aplaudir. Olho extasiada para tudo, para as pessoas sorrindo sem parar. Ela me levanta e leva minha mão suada junto com a dela para cima.

— Você ainda é a melhor, Morgana - ela sussurra pra mim e se volta para o público.

Já eu fico sem expressão perante eles. Não sou acostumada a reconhecimento a esse ponto, muito menos com uma plateia tão próxima e calorosa. Isso é estranho, mas acho que já devo estar me acostumando com isso.

Fim do capítulo


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Comentários para 30 - Encontro e reencontros:
Marta Andrade dos Santos
Marta Andrade dos Santos

Em: 10/12/2022

Eita tu é boa Morgana.

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Marta Andrade dos Santos
Marta Andrade dos Santos

Em: 10/12/2022

Eita tu é boa Morgana.

Responder

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Billie Ramone
Billie Ramone

Em: 10/12/2022

Que lindo!

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