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A tragicomédia de Morgana por shoegazer

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Palavras: 3924
Acessos: 479   |  Postado em: 15/11/2022

Divórcios compulsórios

 

CENA VIII

Há uma discussão na sala de casa. O pai está sentado em sua poltrona de couro marrom, fumando um charuto e bebendo uísque enquanto a mãe, colérica, vira pra ele, com as mãos na cabeça.

A MÃE

Renato, você não vai fazer nada?

O PAI

Você quer que eu faça o quê?

Ele dá uma longa baforada no charuto.

O PAI

Bata na minha filha?

A MÃE

Não entendeu o que eu disse ou está se fazendo de louco?

O PAI

Eu entendi bem o que disse, Eleanor, não sou maluco.

O pai lança um olhar sisudo com as sobrancelhas cerradas em direção a Eleanor.

O PAI

Ela já conversou sobre isso comigo.

Ele se levanta da poltrona, com o charuto entre os dedos.

O PAI

E disse que, não importava de quem ela gostava, se ela fosse feliz, pra mim está bom.

A mãe grita no ar, batendo as mãos contra a parede, fazendo ecoar um alto barulho.

A MÃE

Você sempre passando a mão na cabeça dessa menina!

O PAI

Pare de falar como se ela fosse só minha filha!

O pai dá um gole no uísque, balançando o conteúdo antes de coloca-lo de volta na cômoda.

O PAI

Você está ficando louca com essa cobrança, Eleanor, e não vejo você fazer metade disso com a sua outra filha.

A MÃE

Porque a Morgana precisa de redirecionamento, Renato!

O pai aponta com o charuto em sua direção.

O PAI

Você é muito mesquinha, Eleanor.

A MÃE

Como se você tivesse moral pra falar alguma coisa, Renato...

O PAI

Pelo menos eu quero que minha filha seja feliz, e você com essa obsessão de que ela seja sua sucessora perfeita, mas não! Você nem consegue perceber o quanto ela está sofrendo com isso!

A MÃE

Ela não sabe o que quer da vida! Eu preciso...

Ele dá um grito, e leva as mãos para o ar.

O PAI

Para com isso! Deixa a minha filha viver a vida dela! Eu dou o suporte suficiente pra ela fazer o que quiser!

A MÃE

Se você quer continuar afundando nosso nome no lixo junto com toda essa...

O PAI

Eleanor, por Deus, para de falar! Eu não ligo pra essa porr* de nome e status!

A MÃE

Cala a boca você, seu merd*! Frouxo! Covarde!

Eleanor dá um empurrão com força contra Renato, que cai para trás. Ela não demonstra nenhum arrependimento. Ele se levanta sem dizer nada.

A MÃE

Vai, fica só olhando enquanto ela se torna uma fracassada escrota que nem o pai!

O pai para em frente a Eleanor, e coloca a brasa do charuto em seu braço, pressionando-o. Ela grita, e os olhos deles estão injetados, vermelhos, olhando a reação de dor dela.

O PAI

Eu mandei você se calar.

 

 

 

 

 

— Então vocês estão... – Isabela esfrega os indicadores um no outro – Namorando ou coisa assim?

— Não – nego rapidamente – só estamos passando um tempo juntas.

— E tu nem pensa nisso? – ela arqueia as sobrancelhas, escondendo um sorrisinho sugestivo, e volto a negar.

—  Não, eu gosto de ficar com ela – volto a olhar de soslaio pra ela – mas já te falei que a última coisa que quero agora é ter um relacionamento sério.

— Entendo... – ela volta a concordar com a cabeça, e descemos do ônibus no ponto que ela tinha dito – é a melhor coisa que você faz.

Ela costuma falar bastante, mas dessa vez está séria, concisa. A propósito, hoje é o dia que vou conhecer a famosa garota. Isa está falando disso desde ontem. Inclusive tinha isso em casa na noite que Raquel dormiu lá para falar que a guria iria por lá e acabou me convencendo a vir ver ela também. A empolgação dela é tamanha que me pergunto se não tem alguma coisa errada comigo, mas aí lembro que tenho bons motivos pra ter aprendido a reprimir meus sentimentos.

Nos encaminhamos para o comitê onde ela está. Pelo que Isabela falou, ela faz parte de uma das bancadas que faz campanha para o partido de oposição do que está presidindo atualmente.

Eu sou zero à esquerda sobre esse assunto, mas pelo pouco que acompanhei nos últimos anos, apoio totalmente o partido que Isabela e a mulher defendem com afinco. Digo, quem é que defende as barbaridades que eles pregam? É inconcebível pra mim.

Quando adentramos naquela maré vermelha, eu reconheço a pessoa da foto ali, no palanque, junto a meia dúzia de pessoas. Ela usa uma camiseta vermelha que, quando mais nos aproximamos, vejo que é relacionado a reforma agrária, o cabelo preso, os óculos que caem do rosto, calças jeans, uma bandeira LGBT de fundo e adesivos de orgulho colada em sua roupa, e o barulho dos outros visitantes perante os discursos. Quando ficamos a poucos passos de onde ela está, dão o microfone pra ela.

— Esse homem está fazendo um desmonte à educação pública – as pessoas começam a aplaudir – como tem estudante que apoia esse governo que cortou todas nossas verbas? Eu sou servidora pública e a cada dia que passa, vejo nossa instituição ruir pelas mãos dessa bestialidade de governo!

Ela tem uma bela voz, e tem os olhos injetados de alguém que tem muita confiança em si mesmo. Quando olho pra pessoa do meu lado, mesmo se ela não me falasse que ela está apaixonada por ela, eu iria perceber. Se eu tenho uma queda por alguém, vomito no vaso sanitário da minha vizinha e fujo, já ela vem de encontro. Chega seus olhos reluzem diante do discurso acalorado que dura vários minutos antes de ser passado para outra pessoa. É o tipo de pessoa que sabe o que está fazendo, e mesmo se não soubesse, passa tanta veracidade que faz você acreditar que sim.

Isabela parece não estar prestando tanta atenção no que é dito, mas absorvo cada palavra daquilo com revolta, percebendo que, na maior parte das vezes, vivo na minha bolha sem entender o que me cerca de fato.

Depois de uma hora, mais ou menos, a reunião se encerra e começa outro tipo de programação no espaço. Isabela me toma pela mão e seguimos até os bastidores. E lá está ela.

E é engraçado quando temos a ideia de alguém e, quando vemos pessoalmente, é por outra ótica. Na minha cabeça, ela era mais alta do que eu, mas vejo que é mais baixa. Está de costas para nós, conversando com alguém, até que Isabela toca seu ombro.

Ela se vira, e dá um largo sorriso antes de ficar séria novamente, como se quisesse esconder que ficou feliz em vê-la.

— Pensei que não viesse – seu sotaque é arrastado, totalmente o contrário do de Isa, e elas se abraçam por longos segundos. Não sei porque esse gesto me deixa desconfortável. Deve ser porque lembro em seguida dos acontecimentos daquela noite.

— Cá, essa é a Morgana – ela aponta pra mim – que eu te falei.

Ela me olha dos pés a cabeça, como se analisasse minha alma por alguns segundos, e estende as mãos para mim, me cumprimentando com firmeza.

— Ouvi falar muito de ti – ela sorri amigável – não é a gênia por trás de uma série?

“E você nem imagina o quanto eu já ouvi de ti também.” Ela é muito bonita mesmo, devo confessar. Chega minhas mãos estão suando.

— Ah, não é nada demais – respondo rindo nervosa.

Ela gesticula para nós darmos alguns minutos pra ela, e ela volta a falar com o pessoal, mais afastado.

— Isabela – sussurro para ela, de lado – você já falou com seus pais?

— Não – ela nega ainda olhando pra figura que faz seus olhos brilharem – mas vamos lá no aniversário da mãe, tá tudo certo.

— Vocês?

— Não – ela volta a negar, e aponta para mim e ela – nós duas.

— E ela sabe disso?

— Não, porque ela pensa que já resolvi isso.

— Por que ela me passa a impressão de que vai te matar se souber disso? – meus olhos se voltam nos seus movimentos enfáticos.

— Capaz, ela não vai fazer isso – Isa sussurra ainda olhando pra frente, vendo ela já vir em nossa direção – ela faria coisa, com certeza.

Ela volta até nós, e segura o braço de Isabela, envolvendo-os e dando um olhar fatal em sua direção, deixando as bochechas dela levemente coradas.

É engraçado ver como ela deixa Isabela totalmente desconcertada como uma personagem de livros juvenis, com a diferença de que se trata de duas adultas prontas pra fazer a revolução a qualquer instante.

Mas eu estou com a impressão de que, enquanto conversamos sobre trivialidades, ela está me analisando, e isso me deixa desconcertada. Deve ser a aura de confiança dela, ou o meu receio quando Isabela me falou de sua formação, que me deixou com a impressão de que saberá de tudo sobre mim.

Acho que já é a hora de ir.

— Mas já? – ela cerra os olhos – Pensei que nós três fôssemos no cinema e depois comer alguma coisa.

— Eu tenho que resolver umas coisas do trabalho – aponto pra trás – mas é um prazer te conhecer. Espero nos vermos mais vezes.

— Ah, digo o mesmo – ela me abraça com afinco dessa vez – bom, se cuide então.

Isabela se despede com outro abraço, e desço rua afora. Sei que ela queria um tempo a sós com ela, e também porque meu telefone está repleto de notificações do trabalho.

O ritmo de trabalho anda difícil, por assim dizer. Camille começou a divergir das minhas ideias iniciais e pediu modificações alegando ser da parte da produtora, então de casa mesmo mudo o que tem que ser feito e envio a ela, mesmo não achando justo já que o roteiro é formulado para seguir a lógica à risca. Claro, uma ou outra mudança é necessária no trajeto, mas modificações muito bruscas comprometem todo o corpo da história, mas se ela que entende e está pedindo...

No entanto, parece que agora vão precisar de mim na locação aqui próximo. Não intervenho nas gravações, mas dessa vez a diretora pediu.

Só que o meu nível de atribulação mental está tanto que até meu pai veio em minha mente. Sabe quando te dizem que é melhor não ter algo do que ter e saber que perdeu?

É como me sinto com ele.

Se não gosto de pensar na minha mãe, quem dirá nele. Mas, no momento, não consigo tirar a imagem dele na minha cabeça. Da sua barba sempre bem-feita, o cabelo bem cortado, as roupas sempre formais demais, sempre sério demais... Aquele estereótipo perfeito de homem de família, alguém livre de qualquer suspeita.

Eu prefiro dissociar e ver a Valentina por uma semana seguida do que lembrar que meu pai existe. Prefiro ir pra um hospício do que ter que lidar com tudo aquilo de novo... Ah, é. Isso já aconteceu.

Por que, por mais que eu tente, não consigo visualizar Valentina de modo algum?

Mas, em poucos minutos, aquela imagem vai sumindo da minha cabeça. Na verdade, não consigo mais me lembrar com exatidão da sua figura. Acredito que minha mente tenha formado um aglomerado com as lembranças antigas. Lembro bem que ele tinha grandes mãos, com os nós de cada bem salientes, e que ele adorava polo e camisas azul-marinho, mas não consigo me lembrar se ele tinha tatuagens, ou se a cicatriz no rosto dele é uma memória criada por mim ou realmente tinha.

Ando dormindo com frequência na casa de Isabela por pedidos insistentes dela. Talvez temendo que eu surte e quebre tudo depois que minha irmã. Em parte ela está certa, em outra eu prezo pela minha solidão – ou pelo menos é o que os meus problemas de ansiedade social querem me dizer.

Mas, assim que chego no local indicado, já dá pra perceber que a situação é caótica.

— Por Jah! – Camille diz saindo de uma das salas, visivelmente irritada – Alguém me dá notícias da Morgana? Eu preciso...

E se volta pra mim, correndo com os braços esticados.

— De você, Morgana! – e segura meus ombros com firmeza – Preciso muito de ti, agora!

— O que aconteceu? – digo olhando ao redor.

— O pessoal está se recusando a gravar, já briguei com todo mundo... Tá uma confusão! Estou puta, estressada pra caralh*! – diz ela caminhando do meu lado – Preciso de outra alma coerente aqui.

— Certo, mas... – adentramos na parte cenográfica – o que eu posso fazer pra ajudar?

— Porque eles gostam de ti, principalmente o Mateus – ela aponta para onde eles estão – vai lá convencê-los, não sei. Ver se eles ouvem alguém.

Bom, interações sociais não são meu forte, mas, já que é necessário...

Ele e Olívia, caracterizados, olham com raiva ao redor, mas esse semblante muda logo que me aproximo – para minha sorte.

— Oi, é... – Coço a cabeça ao me aproximar – O que está acontecendo?

— Morgana! – Olívia começa a falar, notavelmente irritada – Essa diretora é uma vendida safada!

Já começamos bem.

— Espera... – levo as mãos para o ar – Por quê?

— Você não fica aqui pra ver, Mog – Mateus aponta com o queixo para trás de mim – mas eles estão mudando o texto inteiro pra pior.

— Pedidos lá de cima – Olívia faz o gesto para cima, e ri com sarcasmo – e ela acata todos.

Mais uma das atrizes se aproxima ao nos ver conversando. Se não me engano, ela faz a melhor amiga dele.

— Nós gravamos os últimos três dias pra no final das contas ser descartado porque os produtores acharam ofensivo, não foi, Maria Alice? – ele aponta para a garota do meu lado, que concorda.

— Eu sei que nós não somos diretores nem nada, Morgana, mas... – Maria Alice dá com as mãos para o ar – Nós temos o roteiro, e toda a vez é uma coisa diferente.

— Certo... – fecho os olhos, esfregando minhas têmporas – Algum de vocês me traz o roteiro de agora, por favor?

Mateus logo vai até sua mochila e entrega o texto. Sim, eu lembro dessa parte. Passo o olho rapidamente sobre as anotações e...

Pelas últimas trinta páginas rasuradas.

— O que é isso? – digo apontando para o texto riscado.

— Mudanças da diretora – ele dá com os ombros.

— Mas eu não... Não estou sabendo de nada disso – cerro os olhos, e me atenho a um detalhe – por que tiraram essa parte? É importante! É quando vocês... – e balanço a cabeça, aturdida – Vocês sabem.

— Ela também tirou essa parte aqui, olha – Maria Alice aponta para mais outras páginas – e acrescentou outras.

O diretor realmente pode mudar o texto assim, sem aviso prévio algum? Digo, uma ou outra coisa tudo bem, mas toda essa parte? Não teria que ser retirada alguma coisa só no corte final? Essa parte aqui é importante, ela é crucial pro ato final...

A não ser que ela queira mudar isso, aí já não vai ser bom, ou que tenha acordado isso com os produtores sem que eu saiba, mas...Não, não é possível, já teriam me avisado, ficou acertado assim. As coisas funcionam assim. Eu li aquele contrato diversas vezes.

— Ela disse que se a gente não aceitar o que ela está falando, vai tirar todo mundo e regravar de novo.

— Mas a gente não pode fazer isso – digo ainda mais aturdida – estamos em mais da metade das gravações, só...

Que merd* é que está acontecendo? Eu envio uma coisa, e ela faz outra? Eu enviei as modificações que me pediram, e quando chego aqui, tem mais delas? Estou mudando isso pra que, então?

— Ela está alegando que isso é pedido dos grandões, que querem diminuir a classificação indicativa pra chamar mais o público... – Olívia volta a falar.

— E que estamos dificultando o processo ao incluir essas cenas mais pesadas, que... – ele ri com ironia – Tem que deixar mais suave.

— Suave?! – digo entre os dentes – Isso aqui não nasceu pra ser suave.

— O Mateus falou que ia seguir o roteiro, aí ela falou que quem mandava nas gravações era ela, não outra pessoa, e eles começaram a discutir – Olívia gesticula para trás – só que eu e a Maria Alice acatamos com ele, e ela falou que ia falar contigo...

— Deixa que eu resolvo isso – seguro o roteiro com força contra as minhas mãos e dou as costas para eles, indo até Camille.

— E aí, você conseguiu...

— O que é isso, Camille? – levo o roteiro até ela, que olha apática. Será que ela pensa que não sei como funciona isso?

— Um roteiro?

— Você tá de palhaçada comigo? – abro-o e mostro as partes rasuradas – Como você faz isso e nem me pergunta?

— E eu preciso te perguntar sobre o que faço aqui dentro?

— Nós trabalhamos em parceria – aponto para meu peito – como eu não fico sabendo disso?

— Sim, você lá – ela pega o roteiro com força – e eu aqui, como sempre foi.

— Estava tudo indo bem, como, como... – balanço a cabeça ainda mais confusa – Como?

— Morgana, eu tenho liberdade criativa pra fazer o que quiser – ela leva as mãos para o ar – a gravação é uma adaptação do seu texto, não precisa...

— É claro que precisa! – digo em um tom mais alto – Roteiros servem pra ser seguidos!

— Tá, mas não quando esse roteiro só segue essa brutalidade contra pessoas LGBT – ela responde no mesmo tom – ninguém quer ver mais tanta tragédia!

— Camille, esse texto é ambientado na década de oitenta! – vejo os atores e outros membros se aproximarem – Como quer que seja tranquilo?

— Isso aqui é ficção, não realidade! – ela revira os olhos – E vocês não entendem que não é isso que o público quer ver?

— O público ou você? – Mateus logo comenta, mas Olívia gesticula para que ele pare.

— Isso aqui serve pra conscientizar, pra verem o que realmente acontece – levo a mão para o ar – tem que ser cru, direto no ponto, mesmo que machuque! Você leu o roteiro inteiro, como quer mudar a visão de agora?

— Porque os produtores estão com medo da reação do público – ele volta a falar – e ela é um pau mandado.

— Não se meta onde não foi chamado – Camille fala em um tom passivo agressivo, mas logo aponto pra ela.

— Não fale assim com ele, não é dona disso aqui.

— Como se você fosse – ela diz em um tom irônico – você é só uma roteirista que tem que se submeter ao que a produtora pedir tanto quanto eu.

Na verdade, eu tenho os direitos da história desde antes da adaptação. Uma diretora que se apossou da história como se fosse sua, atores descontentes, um clima pesado, comentários insinuantes e engano. Tudo isso sem sequer que eu soubesse disso, usando algo que trabalhei com tanto amor a troco do que um monte de engravatado acha que é o melhor pro público.

Não tenho psicológico pra isso, mas também não vou aceitar que joguem sujo comigo com algo que eu mesmo criei. Ela tem razão quando disse que roteiristas são ciumentos, porque acabei de perceber que eu sou.

— Bem, você tem razão – levanto as mãos como se me rendesse – eu sou só uma roteirista de nada, então...Já que a minha opinião não vale de nada, não tem motivos pra eu estar aqui, não é?

As pessoas ouvem aquilo sem entender bem o que quero dizer, mas logo prossigo.

— Então, vou pegar minhas coisas e pedir o desligamento da série.

Os olhos de Camille se arregalam, e os atores murmuram entre si. Dou as costas e vou até a saída, mas Camille me segue.

— Morgana, volta aqui! – ela caminha ao meu lado – Você não...

— Eu posso sim – dou passos cada vez mais pesados pra tentar mascarar que não quero olhar na cara dela – não só posso como vou fazer.

— Se você se desligar da série, a gente não vai poder prosseguir com a história, e como é que...

Paro de andar, e talvez lanço meu olhar mais revolto que poderia lançar pra alguém. Estou com tanta raiva que cerro minhas mãos com força. Eu odeio chantagem emocional. Passei a minha vida quase toda lidando com isso.

— “As pessoas dependem de ti, Morgana, não sei o que, você vai mesmo deixar todo mundo na mão? – reviro os olhos – Ah, por favor, esse jogo psicológico não funciona comigo!  Se eu não sirvo pra nada, por que tá com receio de que eu saia do projeto?

— Porque não podemos trabalhar sem a roteirista principal! – ela grita, batendo a mão na cabeça – Você perdeu o juízo?

Isso me dá vontade de rir, mas rir de querer gargalhar, e é o que acabo fazendo, deixando ela sem reação.

— Ah, eu perdi sim – concordo com a cabeça, e continuo a caminhar – e você, perdeu a humildade em que parte do projeto?

— Porque eu sei o que estou fazendo! – ela gesticula pro alto – Não eles! Você tem que...

— E você acha que eu não sei?! – falo no mesmo tom com ela – Eu pensei e revisei cada parte desse texto, Camille! Você pode até saber mais de público do que eu, mas com certeza não sabe mais da história do que quem fez!

Ela se cala, mas sei que está com tanta raiva quanto eu ao estar sendo contrariada.

— Ou a gente entra em um acordo – digo entre os dentes – ou todo mudo vai sair perdendo.

Ela bem sabe o que quero dizer. Se eu sair do projeto, mesmo sem ter todo o direito autoral dele – já que foi vendido boa parte pra empresa – ainda tenho o direito de outra adaptação, sem contar que ela bem sabe que eles preferem quebrar acordo com ela do que comigo, já que ela é a diretora de uma história, mas eu tenho contrato de outras.

Tenho que pagar pra ver até onde essa corda vai quebrar.

— Veremos isso na reunião de amanhã – e sai batendo o pé, mexendo no telefone. Os atores olham a cena de fundo, e Mateus me encara espantado ao se aproximar.

— Caralh*... – ele arqueia as sobrancelhas – você sempre foi fodona assim?

Nunca. Sou tudo, menos isso. Isso foi um pico de stress que me fez perder o controle da língua. Parece que lembro de respirar, e vou lentamente me apoiando em um banco, com a cabeça girando e a respiração pausada.

— Mog? – Olívia segura meu braço – Tá bem? Quer uma água?

— Estou, é... – Só não estou acostumada com conflitos assim. Que diabos foi que aconteceu aqui?

— Vamos lá pra dentro – ele apoia meu braço no dele, e vai me levando até a locação onde estávamos.

E eu pensando que os bastidores eram mais tranquilos.

 

Fim do capítulo

Notas finais:

E a tensão se acumula por aqui...


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Comentários para 23 - Divórcios compulsórios:
Marta Andrade dos Santos
Marta Andrade dos Santos

Em: 15/11/2022

Toma distraída quem mandou mexer onde não devia, e agora Camile?

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