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Inflamável por HumanAgain

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Palavras: 7697
Acessos: 366   |  Postado em: 13/11/2022

Notas iniciais:

Tem violência nesse capítulo. Tome cuidado caso o leia.

Capitulo 19 - Os inimigos nos cercam

O som das folhas se quebrando a cada passo era suficiente para perturbar a paz. O chilrear dos grilos e o piar dos sabiás eram a trilha sonora perfeita para o desastre. A cada sombra de árvore que se erguia na imensidão da mata, Arien sentia sua janta voltando pelo esôfago; tudo era motivo o bastante para crer que o fim estava próximo, e qualquer mínimo desconforto gerava uma explosão desordenada de medo e angústia em seu interior. 

“Vão me matar”, ela pensava. “E eu não fiz nada de errado. Nada.”

Narael, a maldita Narael, não parecia mais tranquila. Um cheiro de queimado intenso irradiava de seu corpo, e as ondas de calor que emanavam de seu ser se constituíam na única razão pela qual Arien não havia congelado ainda. Seu interior estava — literalmente — em combustão, temendo pelo encontro com os homens da morte. 

Mas, afinal, por que Arien se importava? Narael nada mais era que uma grande idiota. Uma idiota que a havia arrastado para uma cilada sem precedentes, e ainda tivera a ousadia de trocá-la tão rápido quanto um estalar de dedos. Não. Ela não merecia o seu amor e muito menos sua compaixão.

Se ao menos Serpente estivesse ali para consolá-la…

— Vai ficar tudo bem — sussurrou Merit, tentando confortar Arien. — Você é mais forte que isso, minha querida.

Arien assentiu. Era um pouco desconfortável pensar que Merit sabia de tudo o que estava ocorrendo em sua mente, mas, ao menos, ela não era mal intencionada. Narael, como era de se esperar, seguiu fingindo que a garota Eran não existia; como se não tivessem trocado beijos, como se não tivessem passado uma noite juntas. Como se Arien fosse nada mais que um completo lixo descartável. 

Ou, talvez, ela estivesse atenta a outra coisa…

— Eu escutei um barulho — disse a garota do fogo. 

Merit franziu o cenho. Pôs os cabelos para trás, deixando os ouvidos livres, e pediu com as mãos para que as meninas cessassem seu caminhar. Cada mísero ruído seria captado pela bruxa da mente. 

E não deu outra: O farfalhar das folhas secas era algo intenso demais para ser uma simples obra do vento. 

— Eu também estou ouvindo — A mulher levou as mãos ao punhal que carregava na cintura. — É melhor vocês se esconderem. 

Arien sentiu a garganta se apertar. Merit tinha um punhal e as habilidades de batalha aprendidas com seu pai. Narael tinha o fogo ao seu favor. E ela? O que poderia usar para se defender? 

Nada poderia ser mais cruel do que isso. 

— Onde eu posso me… — A garota Eran tentou emitir algumas palavras, mas Merit tapou a sua boca de prontidão; com o barulho se tornando mais intenso, o melhor era não se arriscar. 

Sem emitir um som sequer, Merit apontou para uma árvore — indicando que aquele era o caminho a ser seguido por Narael — e, veloz como um guepardo, se escondeu com Arien atrás de uma moita. 

A jovem conseguia ouvir sua circulação rugindo em seus ouvidos. A cada gota de suor frio que escorria, seus batimentos cardíacos se tornavam mais intensos. Um mísero passo em falso e se tornaria um alvo, apenas mais uma vítima da cruel guarda real. E, se isso acontecesse, quem se importaria? Quem iria velar por uma Eran?

O barulho se tornou mais alto. A mais preparada cavalaria estava a caminho. O pensamento de que talvez Serpente estivesse encrencada cortou a respiração de Arien, mas, por hora, ela precisava se preocupar com si mesma. Não passaria segura por aqueles impiedosos guardas se desse um passo em falso. 

Como imaginava, em cerca de alguns minutos, os homens estavam ali: Dois guardas com uma arma no coldre e uma lanterna nas mãos, vasculhando todos os cantos com olhares de lince. A mão de Merit se tornou mais forte ao redor da boca de Arien; a marca do urso Kantaa brilhava em seu braço quase em sincronia com a águia Eran. 

— Me parece que não tem nada por aqui, Darter — Um homem já maduro, com seus quarenta anos e marcas do tempo no rosto, disse a um segundo elemento, este bem mais novo. O mais velho trazia uma medalha no peito e parecia particularmente sanguinário. 

— Eu tenho certeza que ouvi algo vindo deste lugar. — O rapaz, contudo, tinha os ouvidos mais apurados. — Alguém está se escondendo aqui. 

— Deve ter sido apenas um animal. — O mais velho deu de ombros e conduziu o cavalo para o lado oposto. — Vamos voltar. Leosandre está nos esperando lá na frente. 

— Khadrian — O jovem puxou as vestes do mais velho. — Está sentindo esse cheiro?

Arien deu-se ao luxo de focar em qualquer outra coisa que não fosse sua morte iminente. Folhas queimadas: Foi isso que chegou às suas narinas. Vinha da árvore onde Narael estava escondida. 

Ah, não, pensou. Não agora. 

— Estou. — Khadrian dilatou as narinas. A cabeça careca, as orelhas enormes e a expressão mal-encarada o deixavam parecido com um ogro. — Alguém está tentando fazer uma fogueira por aqui.

Narael sentiu suas pernas ficarem úmidas com a urina liberada. Suas mãos estavam pegando fogo, e por mais que as balançasse para que se apagassem, nada era capaz de extinguir as chamas. 

Claro. O único pensamento capaz de fazer seus poderes se conterem era o rosto de Arien; ela não iria pensar naquela insensível novamente, contudo. Não havia motivos para trazer de volta o rosto da ex-amante à tona; seu orgulho ainda era maior. 

Infelizmente, o cheiro do acidente com as calças se misturou ao fogo e tornou sua situação ainda mais delicada.

— Darter, alguém mijou aqui. — Khadrian era um verdadeiro cão farejador. Conseguiria identificar qualquer mísero cheiro a quilômetros de distância. — Está sentindo esse fedor de beco abandonado?

— Não — Darter não compartilhava das mesmas habilidades que seu comparsa. — Mas, se você diz… 

Ambos trocaram um olhar cúmplice, onde a mensagem era clara. Com uma lanterna em cada mão, Khadrian e Darter desmontaram de seus cavalos, vasculhando cada centímetro daquela selva sangrenta. A pulsação de Merit era tão forte que chegava nos ouvidos de Arien, e quase que instintivamente a mulher mais velha levou suas mãos ao punhal que carregava na cintura. 

Teria que lutar. E isso apavorava a jovem Eran. 

Arien percebeu seu frágil castelinho de areia ruindo pouco a pouco, conforme o feixe de luz lambia os arbustos ao seu lado. Era Darter quem se movia para o arbusto onde a Kantaa e a Eran estavam escondidas, e ele parecia incrivelmente próximo.

Dado momento, o inevitável aconteceu. O garoto jogou o feixe de luz na cara de Merit e revelou não só uma bruxa desorientada, mas também uma jovem apavorada. 

— KHADRIAN! — gritou o menino. Não era mais velho que Arien, mas parecia não ter medo de ceifar uma vida. — TEM PESSOAS AQUI! 

Khadrian bufou com suas narinas espessas e tirou a arma do coldre. Atirou duas vezes, não para acertar Merit ou Arien, mas para lançar um sinal de aviso. Ele queria assustá-las, queria forçar sua rendição.

Aquilo poderia funcionar com Arien, a jovem Eran sem habilidades sobrenaturais que jamais havia presenciado uma guerra com seus próprios olhos, mas não Merit. Merit era habilidosa o suficiente para aprender a lidar com um ogro mal encarado e um menino mimado que possuía metade de sua idade.

— Muito bem, vocês estão encrencadas. — Com suas mãos imensas e cascudas, Khadrian afastou as folhas que cobriam Arien e Merit, e a moça Eran notou que ele carregava uma arma extra na cintura. — Não sei qual de vocês é a Eran, mas é melhor que digam onde esconderam a princesa Narael. Rápido.

Arien engoliu em seco. Seja qual fosse sua atitude, estava morta. Era um beco sem saída, uma luta vã. Fugira até ali apenas para ser entregue à polícia de Loenna de forma tão cruel e simplória…

Laeran. Só poderia ter sido ela.

Ao contrário do que se poderia imaginar, Merit sustentou uma gargalhada persistente, encenando um vilão de teatro. Arien quis implorar para que a bruxa mantivesse seus impulsos para si mesma, mas a mulher mais velha parecia saber o que estava fazendo.

Parecia. E a moça contava com isso. 

— Você está preocupado com Narael, Khadrian? — Ela conduzia a situação como se não estivesse encrencada. — E se eu te disser que estamos com Yoleh?

As pupilas de Khadrian se dilataram. As mãos que seguravam a arma vacilaram, e o homem perdeu completamente a cor; sua pele corada estava, agora, pálida como papel. 

— Como sabe o nome da minha esposa? — rugiu.

— Já disse, estamos com ela. — Merit conduzia a situação com maestria. Arien não tinha certeza se era seguro jogar desta forma; contudo, optou por colocar tudo nas mãos da outra, porque não tinha estabilidade emocional para formular um plano. — Invadimos sua casa nas montanhas de Rhemi Gaspez. Ela estava lá com seus três filhos, amamentando Kaleo. 

— O QUE FEZ COM MEUS FILHOS, SUA KANTAA MALDITA? — A este ponto, a luz da lua cheia já havia iluminado a marca de urso que Merit trazia no braço. 

— Você nunca saberá, Khadrian. — Merit sorriu de maneira sádica. — Gyed chorou bastante quando raspamos seus cabelos loiros para fazer tapetes. 

Era o bastante para Khadrian. Inflamado de ódio, o homem se pôs a atirar desesperadamente. Para seu azar, Merit fora bem treinada pelo pai, e abaixou-se no minuto certo, levando Arien consigo ao chão. 

Os tiros desordenados do guarda não demoraram até esvaziar a munição do revólver. Khadrian tremia feito bambu, sua cabeça estava completamente vermelha. Merit conseguira mexer com seu psicológico, mas a que custo? 

— Darter, volte para os outros. Peça para que procurem meus filhos. Devem estar em algum lugar daquele casebre — cuspiu, desesperado por respostas. 

— Mas, Khadrian… — O jovem ainda tentou argumentar, mas o mais velho não permitiu. 

— DARTER, SE VOCÊ NÃO FOR AGORA, EU ESVAZIO O PENTE DESSE REVÓLVER EM VOCÊ. — E apontou para a arma extra na cintura. — É UMA URGÊNCIA.

— Mas esta Kantaa… E a garota Eran… — Darter perdeu a fala. Khadrian era temido por toda a guarda real, Merit sentiu isso pela maneira como o jovem pronunciava as palavras.

— EU DOU CONTA. TENHO MAIS DE 25 ANOS COMO SOLDADO. — O homem apontou seu dedo gordo para a casa de Merit. — VÁ.

Darter obedeceu. Não queria criar problemas com um homem de alta patente feito Khadrian. Correu até seu cavalo e disparou feito um cometa até o ponto apontado pelo colega; agora, eram três contra um. 

Khadrian lambeu os lábios, pronto para mais uma chuva de tiros em Merit e Arien, mas quando se voltou para o local onde as havia encontrado, elas não estavam mais lá. Irado, o homem arremessou a arma para longe e retirou o segundo revólver do coldre. 

— Eu vou encontrar vocês, vagabundas. — O xingamento de baixo calão era a cereja do bolo. — Não adianta se esconder. Eu sou um homem de alta patente na guarda real, abaixo apenas de Lenrah Moran. Sou conhecido como o destruidor, mastigador de inimigos, palito os dentes com ossos de Eran, Kantaa e Saphira. 

Atrás da árvore onde Merit e Arien estavam escondidas, a bruxa escutava absolutamente tudo com seu ouvido apurado. 

— Eu sei disso — resmungou, num tom quase inaudível. 

Arien ergueu seus olhos para a mulher. Por um momento, agradeceu pela sua capacidade de ler mentes, porque não precisou erguer a voz para fazer perguntas. 

O que faremos se ele nos encontrar? pensou, encarando os olhos da sua protetora. 

Merit deu de ombros, indicando que não sabia. Tal atitude só deixou a garota Eran ainda mais temerosa; para acalmá-la, a mais velha tirou o punhal da cintura e deixou que Arien o tomasse nas mãos.

O que eu vou fazer com isso? perguntou, ainda nos pensamentos. Não sei lutar. É melhor que fique com você. 

Arien, infelizmente, não tinha a capacidade de ler mentes. A comunicação foi plenamente satisfatória quando Merit tirou de dentro do vestido uma faca de carne, quase tão afiada quanto o punhal.

Você acha que pode dar certo? continuou Arien, transparecendo pânico em seu olhar. 

Merit fez um sinal com as mãos, deixando claro que havia entregado tudo para os céus. Bem, era a única chance de sobrevivência da garota Eran; Ela teria que contar com a sorte. 

— Vocês ainda estão tentando fazer uma fogueira? — Khadrian cerrou os punhos e permitiu-se sorrir. Naquele momento, Arien se lembrou de que Narael estava com elas. — Burras. Muito burras. Eu vou encontrar vocês, e sei que estão, precisamente… 

O homem surpreendeu Narael atrás de uma árvore. A princesa gritou; havia sido encontrada. Uma chama subiu de seu polegar, iluminando tudo num raio de um metro. 

— Narael Wuri? — Khadrian pareceu confuso ao focalizar seu rosto. — O que está fazendo aqui? 

Narael trincou a mandíbula. No mesmo segundo, pensou em Arien e o fogo se apagou, mas já era tarde demais. 

— A rainha Loenna vai ficar feliz em saber que está sã e salva! — Khadrian a agarrou pelo braço. — Venha conosco. Não se arrisque perto dessas criaturas vis!

O guarda conseguiu arrastar a garota por alguns metros. Conforme, contudo, ele apertava suas mãos cascudas em torno do braço da menina, Narael se lembrava do que havia se livrado: Aulas chatas, cobranças excessivas, controle quase militar, sua mãe e Loenna a forçando a ser o que não queria…

E, instantâneamente, se deu conta de que esses dias de pura adrenalina haviam sido os melhores — e mais livres — de toda a sua vida. 

— Nem morta — murmurou a moça, por entre os lábios. 

Concentrou toda a sua força para formar uma bola de fogo intenso, e a jogou contra Khadrian. O homem fora pego de surpresa, gritando alucinado; seu rosto se consumia num carnaval de cores quentes e vibrantes. 

— Uau… — sussurrou Arien, de seu esconderijo. — Isso é simplesmente incrível. 

O fogo não durou muito. Quando ele se apagou, porém, o rosto de Khadrian estava em carne viva; pedaços de pele chamuscados se penduravam na massa grotesca que era seu rosto, e um olho pendia logo abaixo de seu nariz. Era um circo dos horrores, a coisa mais feia que Narael já havia visto na vida. 

O homem, porém, não cedeu. 

— Você é uma traidora, Narael. — E tirou a arma do coldre, apontando-a para a jovem Wuri. — Se juntou a esses crápulas. 

Narael estava receosa de disparar mais uma chama. Não queria fazer mal a ninguém, apesar de tudo; e ver o amálgama de carne morta que o rosto de Khadrian havia se tornado a paralisava.

Não queria se tornar um monstro, alguém tão cruel quanto Loenna. Mortes sanguinárias eram para ditadores tiranos, não para meninas de dezenove anos que tentavam se encontrar no mundo.

— Se me matar, Loenna não ficará nada feliz. — Ainda era a sucessora da rainha, apesar de tudo. 

— E quem está aqui para provar o que aconteceu? — Khadrian sorriu com escárnio. Havia sido bem treinado para suportar a dor, supôs Narael. 

No milissegundo que se seguiu, Narael viveu o maior dilema de sua vida. Matar alguém e tornar-se uma assassina? Padecer sob a arma de Khadrian? O homem a havia visto nascer! Não era justo que ela encerrasse sua vida de forma tão cruel, mas também não era correto que ele fizesse o mesmo com ela. Uma atitude teria que ser tomada, e não havia muito tempo a perder…

Para a sorte da jovem, Merit apareceu para salvar sua honra — e sua vida. Cravou a faca de carne com toda a força nas costas de Khadrian, obrigando-o a soltar um grito estridente e um tiro torto. Narael conseguiu se desviar com facilidade, e quando o homem desabou no chão, Merit desferiu mais uma facada, desta vez contra sua jugular. 

Mesmo um homem treinado rigorosamente com disciplina militar não resistiria a um golpe em sua veia vital. Khadrian desfaleceu num mar vermelho de sangue, engasgando-se em sua própria desgraça. 

Narael observou o cadáver perder a cor pouco a pouco. Suspirou em alívio por não ser a pessoa responsável por trazer a morte para ele; contudo, ver uma das pessoas que a pegaram no colo tendo um fim tão trágico ainda lhe trazia um certo incômodo. 

— Você acha que estamos no caminho certo? — A pergunta de Narael era destinada a Merit, mesmo que Arien tivesse a acompanhado, tremendo enquanto segurava o punhal. — Quero dizer… O homem morreu… 

— Narael, às vezes precisamos fazer escolhas — respondeu Merit. — Se eu não o matasse, ele iria matar você. É por isso que… 

Contudo, não foi capaz de terminar seu raciocínio. A poucos metros dali, as mulheres escutaram um grito característico: Era Darter. 

— Khadrian, eles estão mortos! — berrou o mais novo. — Eu trouxe Leosandre. O encontrei escondido, atrás de uma árvore, e…

Não fora dado tempo para que as fugitivas se escondessem desta vez. O cavalo de Darter se aproximou com Leosandre a tiracolo e, ao ver o corpo de Khadrian estirado no chão, banhado de sangue e sem vida, Darter teve a plena ciência de que lidava com inimigos. 

Tirou a arma do coldre, sendo acompanhado por seu colega. 

— O que vocês fizeram com Khadrian?

***

Serpente foi ao chão antes mesmo que o guarda mal-encarado apertasse o gatilho. Seus sentidos aguçados deram preciosos milissegundos de vantagem, o que garantiu a preservação de sua vida. 

Contudo, ainda estavam lidando com fogo. Seis guardas preparadíssimos, ela contou. Cada um deles contra uma mulher de cinquenta anos e um menino pouco treinado de vinte e um; era uma luta desigual, e tanto Serpente quanto Darian tinham ciência disso. 

Se, para Serpente, aquilo era como uma injeção de adrenalina diretamente na veia, Darian já não mais sabia o que fazer para se manter são. Seus batimentos estavam acelerados, sua nuca transbordava de suor a despeito do frio que fazia lá fora; jamais esteve em uma situação de vida ou morte tão delicada. 

— REAGE, DARIAN!! — Como nada é tão ruim que não possa piorar, o garoto tinha que lidar com um fantasma egocêntrico gritando palavras de incentivo. — EU NÃO QUERO PERDER O MEU AFILHADO ESPIRITUAL!

— Leosandre, o que fazemos com o espírito? — Rente ao guarda que liderava a expedição, estava um menino. Dezoito anos, no máximo. Embora estivesse em vantagem, a simples presença de Julien parecia fazê-lo tremer.

— Nada, Kevu. — Para a sorte de Serpente e Darian, Leosandre distraiu-se por um segundo, com a intenção de responder ao seu comparsa. Isso permitiu que ambos saíssem da mira do guarda cruel. — Ele irá sumir assim que aniquilarmos estes aventureiros. GUARDAS! ARMAS EM RISTE!

Cada um dos seis guardas, incluindo Kevu — Que tremia assustadoramente — ergueu seus revólveres para a dupla. Serpente, no entanto, já estava preparada; tirou um punhal da cintura e o empunhou com afinco.

— Darian — murmurou ela, por entre os dentes. — Não deixe fazerem nada com você. 

O garoto engoliu em seco. Não tinha certeza se conseguiria cumprir aquele comando. Quando Julien se aproximou, o rapaz sentiu seu almoço voltar pela garganta.

— Você está mais branco que eu — sussurrou o morto. — Tem certeza de que sou eu o fantasma?

— Cale a boca, Julien — grunhiu, atento a cada uma das miras que apontava para si. 

— ATIRAR! — ordenou Leosandre. 

Uma rajada de balas foi ao encontro de Serpente e Darian. A ladra empurrou o garoto para trás, fazendo-o se desequilibrar e cair atrás da mesa do jantar. Foi a sua salvação; cada um dos projéteis passou a milímetros de seu corpo franzino, sendo que um por pouco não acertou sua cabeça. Mais uma vez à salvo, pensou. Mas até quando?

O grupo de guardas se dividiu. Três deles, incluindo Leosandre, focaram em Serpente, enquanto os outros três — dentre eles, Kevu — dirigiram-se a Darian. O garoto tentou se levantar e correr, mas Serpente não estava mais ali para protegê-lo. Ele teria que se safar sozinho desta vez. 

— DARIAN, CORRE! — Julien se esgoelava. Os guardas se aproximavam empunhando as armas, encurralando Darian, fazendo do menino um alvo fácil. — VOCÊ VAI MORRER!

A cabeça do garoto estava a mil. Era um beco sem saída; os guardas pareciam dispostos a fazer de Darian uma peneira. O rapaz nunca havia estado em uma guerra, não sabia como proceder. Encarou o ambiente com o canto de olho e notou que tanto Serpente quanto os guardas que estavam consigo haviam sumido. 

Ele não era muito religioso, mas, afinal, estava diante de um fantasma berrando em seu ouvido. Ciente de que não teria como sair dessa batalha vivo com seus próprios dotes, Darian começou a rezar. 

E Julien notou que teria de fazer algo. Ainda que falhasse, ainda que não fosse capaz de salvar seu afilhado; berrar para que o garoto tomasse uma atitude por si próprio não era muito eficiente.

Sem pensar muito, o fantasma atirou-se de uma só vez ao corpo de Darian, torcendo para que aquilo desse certo. 

A relva de disparos veio logo em seguida, e o menino franzino conseguiu se esquivar de todos eles enquanto rolava pelo chão de madeira. Quando abriu os olhos, não era mais Darian que habitava aquele corpo: Era Julien. 

Não havia tempo para vacilar; O homem, que outrora fora um guerreiro muito experiente, se dirigiu à gaveta de talheres. Para a sua infelicidade, não havia nenhuma faca de carne por lá, mas um rolo de macarrão estrategicamente posicionado parecia gritar seu nome. Era o único utensílio potencialmente útil presente por ali, de forma que Julien não teve escolha.

Mais um disparo, e desta vez o morto teve sorte; um tiro torto de Kevu passou chiando por sua orelha esquerda. Os outros dois guardas atiraram em seguida, mas Julien foi mais esperto: Com toda a habilidade adquirida em anos de treinamento, abaixou-se no momento certo. As balas sequer chegaram perto de seu crânio.

Era a hora de Julien Regin atacar; aproveitou-se da instabilidade emocional de Kevu para aproximar-se, com a velocidade de um raio, e atingi-lo com o rolo de macarrão na cabeça. O homem desmaiou no mesmo segundo; A arma deslizou no chão como se estivesse ensaboado, e o fantasma precisou desviar de mais dois disparos antes de alcançar o objeto. 

Agora, sim, eles estavam de igual para igual. 

— Vocês vão comer chumbo, seus filhos da puta. — Julien empunhou o revólver. Com Kevu nocauteado, havia ainda dois homens em campo: Um baixinho musculoso de pele oliva e cabeça raspada, e um alto e magricelo, com uma espessa juba cobrindo-lhe a cabeça. — Vão aprender que não se mexe com Julien Regin dessa forma. 

Quando apertou o gatilho, o guerreiro foi certeiro; acertou o baixinho no ombro e por pouco errou o pé do cabeludo. O homem que fora atingido deixou sua arma cair, e quando se abaixou para recuperá-la, levou outro tiro. Desta vez, o projétil acertou sua cabeça. 

Um mar vermelho de sangue tingiu o assoalho, e os miolos do musculoso se espalharam pela sala. Seus olhos inexpressivos confirmavam sua morte, e Julien se deu ao luxo de limpar o suor da testa com as costas da mão. 

O cabeludo tremia mais do que Kevu, e Julien teve a impressão de sentir cheiro de urina. Ainda assim, o homem disparou contra o guerreiro, que mais uma vez desviou-se das balas com maestria. Não era a primeira vez que fazia isso; antes de ser morto, Julien era conhecido por sua exímia habilidade em esquivar-se de tiros. 

O cabeludo tentou disparar mais uma vez, mas teve uma infeliz descoberta: Sua arma estava sem balas. 

Julien, como não poderia deixar de ser, sorriu.

— Acho que agora quem está com a vantagem sou eu. — E empunhou a arma, orgulhoso de si mesmo. 

O cabeludo — Que, agora, era possível confirmar: Realmente havia urinado nas calças — virou-se de costas e se pôs a correr, mas Julien não deixou barato. Três tiros nas costas do rapaz derrubaram-no de prontidão, e mais uma vez o vermelho tingiu o chão.

Morto. Como seu colega musculoso, não havia vida naquele corpo. Julien deu-se ao luxo de assoprar a fumaça que escapava da arma, completamente satisfeito pelo seu desempenho naquela batalha. Até que não foi tão difícil, pensou. 

— V-v-você p-p-pensa q-q-que a-a-acabou? 

Um toque gelado surpreendeu-o pelas costas. Julien ergueu as mãos para o alto, em sinal de rendição, e virou-se de costas. Era Kevu, branco feito uma folha de papel, empunhando um revólver contra Julien.

Droga. Havia se esquecido do homem que nocauteara. 

— V-v-v-você e-e-está m-m-morto, s-s-seu K-k-kantaa m-m-maldito — Embora estivesse em vantagem, Kevu não conseguia pronunciar uma palavra sem gaguejar. — D-d-dê a-a-adeus à s-s-sua v-v-v-vida m-m-medíocre.

Julien ergueu as sobrancelhas. Se questionou o porquê do garoto não atirar; notou que ainda havia uma arma em suas mãos e, portanto, partir para o ataque não seria tão fácil. Principalmente para um rapaz tão jovem e tão cheio de medo.

Seria triste tirar a vida do rapaz, mas não via outra alternativa. 

— Meu amigo fantasma está atrás de você. — E apontou, ainda com as mãos erguidas. 

Kevu sentiu todo o seu corpo gelar. Virou-se de prontidão e atirou para o nada, completamente aterrorizado. 

Para o seu azar, aquele vacilo não seria perdoado por Julien. O guerreiro apontou sua arma para o crânio do rapaz e apertou o gatilho, fazendo mais um mar de tinta vermelha correr por aquele casebre. Kevu despencou de sua própria altura, batendo com o rosto no chão, tinto pelo seu sangue; mais uma vida que ia-se embora, e o fantasma não estava nada feliz em tirá-la. Teria problemas no mundo dos mortos quando retornasse, se retornasse. 

Finalmente deu-se ao luxo de relaxar. Percebeu que cada um dos seus músculos doía; sentou-se em uma cadeira com manchas vermelhas recém feitas e tomou um copo d'água para si. Apesar do cansaço, a adrenalina da batalha era recompensadora; há muito tempo não se envolvia em uma luta dessa robustez.

Mas nem tudo estava acabado, afinal. Ainda tinha que se encontrar com Serpente, e torcer para que a mais velha continuasse viva. 

***

Serpente praguejou baixinho quando percebeu que nem todos os guardas a haviam seguido. Embora temesse por sua vida, temia ainda mais pela vida de Darian; o garoto era muito jovem, e jamais havia estado em uma guerra de verdade. Contudo, agora não havia tempo para retornar. Era luta ou nada. 

Ciente de que não poderia fugir para sempre, correu até uma mata densa, onde era capaz de se esconder melhor. Não poderia se permitir sentir o peso da idade; os passos compassados dos guardas chegavam aos seus ouvidos, e logo teria de lutar. Tirou o punhal que guardava na cintura e tentou conter a respiração ofegante. Roubar é muito mais fácil do que fugir de uma polícia sanguinária, pensou a ladra. 

Em menos de trinta segundos, os guardas chegaram ao seu campo de visão, esbaforidos. Mesmo com metade da idade de Serpente, não conseguiam ter o mesmo preparo físico; contudo, a vantagem numérica ainda faria diferença.

A mulher torceu para que os homens ultrapassassem seu esconderijo, sem sequer notar que ela estava amoitada por ali, mas Leosandre — sempre aquele desgraçado — chamou a atenção do grupo:

— Esperem. — E cessou seus passos implacáveis. — Estou sentindo cheiro. Cheiro de gente.

Serpente se reprimiu baixinho por não ter tomado banho no dia anterior. Todavia, não havia tempo para arrependimentos; apertou a empunhadura do punhal com força e espremeu seus olhos, buscando usar a escuridão em seu favor. 

— Procurem por ela — Ordenou Leosandre. — Quero a cabeça daquela vagabunda na minha mesa de cabeceira. 

A mulher não pôde evitar de sorrir; Leosandre não era o primeiro que colocava sua cabeça a prêmio. E também não seria o primeiro a falhar miseravelmente.

Um jovem levemente musculoso de aproximadamente 30 anos foi quem mais se aproximou do esconderijo de Serpente, para seu azar. A ladra deslizou a ponta da língua pelos lábios, mirou o punhal no lugar que desejava atingir…

Só teria uma chance. Caso errasse, estaria morta. Ciente disso, Serpente lançou a arma, fazendo-a reluzir com a luz do luar. 

E ainda não havia perdido sua exímia pontaria. O punhal acertou em cheio a jugular do homem, estourando-a quase silenciosamente; os demais guardas só notaram o que havia acontecido quando o colega berrou desesperadamente, engasgando-se com o próprio sangue. Desabou no chão logo em seguida; Leosandre e o guarda restante tentaram ajudá-lo, mas já era tarde demais. 

O terceiro guarda, um moço de pele escura com no máximo vinte anos, viu o colega desfalecer à sua frente. Suava frio, seus cabelos crespos estavam completamente encharcados. Não era ele quem preocupava Serpente, já que Leosandre ainda estava de pé, mas o líder a surpreendeu:

— Eawil, eu vou… — Os lábios de Leosandre estavam cinzas. Ele não transparecia, mas os mínimos sinais denunciavam seu pavor. — Vou procurar por ali.

— Mas, Leosandre… — O jovem estava em pânico. Não queria ser abandonado numa mata densa junto com uma assassina habilidosa. — Ela está por aqui… O lançamento veio desses arbustos…

— Eu vou procurar por ali — reforçou Leosandre, fingindo-se de surdo. — Esquadrinhe essa área. Qualquer coisa, me avise.

E disparou como um gatinho assustado para o meio das árvores. Serpente teve vontade de rir; o imponente Leosandre, o homem que comandara toda a operação, era um covarde? 

Uma pena para Eawil, nesse caso. 

— LEOSANDRE! — Em vão, Eawil chamou pelo nome do amigo. — LEOSANDRE, NÃO ME DEIXE SÓ! 

Berrou com intensidade máxima, até que suas cordas vocais não aguentassem mais. Contudo, Leosandre não voltaria. Serpente sabia que não, e Eawil também era munido dessa certeza. Embora soubesse que era um pedido em vão, o homem seguiu berrando, e só cessou seus gritos quando ouviu uma movimentação ao seu lado. 

Esquadrinhou a área com seus olhos. Notou que a arma do colega morto não mais estava no chão; de Serpente, não havia sinal, mas ela certamente havia passado por ali. E, agora, Eawil não fazia ideia de onde ela estava. 

— Eawil? — Ele ouviu, de algum lugar longínquo. — Que nome esquisito. Ainda bem que minha mãe foi mais criativa. 

O guarda apontou a arma em riste. Não sabia identificar de onde vinham aqueles dizeres, mas estavam próximos demais para que o homem se sentisse seguro.

— APAREÇA! — Tremendo, Eawil apontou a arma para todos os cantos que foi capaz de identificar uma mísera movimentação. Para a sua infelicidade, Serpente não estava em nenhum deles. — APAREÇA E LUTE FEITO MULHER!

Serpente deixou escapar uma risada. 

— Ainda bem que, ao que tudo indica… — disse. — Eu sou uma cobra. 

Cansada daquele teatrinho patético, Serpente finalmente disparou. Mirou no peito de Eawil, para que o homem sofresse menos. Não foram necessários mais projéteis; o guarda foi impulsionado para trás e, quando caiu ao chão, já estava sem vida.  

Havia poucas coisas que Serpente se orgulhasse mais do que de sua pontaria. 

Finalmente a salvo, a mulher pôde abandonar seu esconderijo. Ajoelhou-se na frente de Eawil e tomou seu pulso, apenas para garantir que não teria mais surpresas. Como imaginou, a morte do homem foi confirmada. Restava, agora, apenas dar fim a Leosandre. 

Não seria fácil encontrá-lo, porém, porque um covarde sempre encontra os melhores locais para se esconder. Serpente pôs seus ouvidos para trabalhar, mas apenas identificou passos. E passos leves demais para pertencerem a um homem corpulento como Leosandre. 

Tudo foi explicado quando Darian apareceu por trás de uma árvore, sem um arranhão sequer. Serpente suspirou em alívio; não queria que nada acontecesse ao filho de sua amante. 

— Você está aí, Darian? — chamou. — Venha, me ajude a encontrar Leosandre. Não quero ter mais problemas com esses caras.

— Darian? — perguntou o rapaz, e Serpente notou que a sua voz estava alterada. Ela mais se parecia com…

— Julien? — concluiu a mulher. — Você está no corpo do garoto?

O guerreiro assentiu, rodopiando o revólver que havia trazido consigo. Lançou um beijo para Serpente com a ponta dos dedos. 

— Yes, baby. Eu aniquilei aqueles filhos da puta como se fossem feitos de papel. — A arrogância de Julien conseguia sobrepor até mesmo suas notáveis habilidades de guerra. — Ao que tudo indica, você levou a melhor também. 

Serpente assentiu. 

— Parece que não é só você que sabe lidar com guardas inconvenientes. — Piscou. 

— Pois é. Pelo visto, combinamos. Sabe que eu sempre preferi as mulheres mais velhas? — Julien lançou no ar. Serpente, que não era boba, captou a mensagem.

A mulher, no entanto, soltou uma demorada gargalhada.

— Não adianta, Julien. — Mas, apesar de tudo, achava graça na ousadia do morto. — Os céus se colidirão com a terra antes que eu decida me deitar com um homem.

— Uma pena. — Julien deu de ombros. — Mas você realmente mandou bem aqui. Onde está o terceiro filho da puta?

— É quem eu estou tentando encontrar. — Serpente recuperou o punhal. Embora o revólver fosse notoriamente mais eficiente, o companheiro de anos ainda tinha seu valor. — O covarde fugiu assim que eu matei o primeiro guarda. Estou buscando por ele, porque não quero mais proble…

E, no mesmo exato segundo, um clarão iluminou a mata. Vinha da direção oeste, logo atrás do casebre. Julien e Serpente não sabiam qual era a razão daquele fogo, mas sabiam muito bem quem o havia emitido. 

***

Narael não precisou de muitas sinapses para concluir que estava encrencada. Com Khadrian morto à sua frente, com metade do rosto incinerado, Darter logo fez as conexões necessárias. A garota tentou se defender, mas o guarda foi mais rápido.

— Você se juntou a eles — cuspiu, raivoso. — É tão baixa quanto a Eran que trouxe para cá. 

Apontou a arma para a jovem Wuri, fumegando de ódio. Leosandre tomou um tempo para tirar o revólver do coldre, mas logo estava com a pistola em riste. Narael poderia impedi-los, claro que poderia; era capaz de invocar uma bola de fogo, queimá-los até os ossos, safar-se do destino cruel que estava para encontrá-la. Contudo, ao olhar nos olhos de Darter, não conseguiu. 

O homem estava na guarda real desde os sete anos, num projeto para que crianças se envolvessem com os assuntos do reino desde cedo. Narael, que naquela época era livre, lembrava-se de escapulir de noite para brincar de soldadinhos com o futuro guarda. Ele fora a primeira pessoa por quem Narael teve uma leve queda, embora a paixão tivesse se esvaído com o tempo. Se afastaram quando os treinos de Darter se intensificaram e os de Narael começaram, mas, ainda assim, ela não conseguia se esquecer dele. Não poderia queimá-lo como se o rapaz não fosse nada. 

Já Leosandre… Já na segunda metade dos seus trinta, o homem era uma muralha. Tentara inúmeras vezes ter algo com Aya, mas a enfermeira delicadamente recusou. Embora não fosse muito presente na vida de Narael, ela se lembrava do consolo que o homem prestou quando, aos seus quinze anos, teve um pesadelo horrível envolvendo monstros e criaturas das trevas. Ele não era uma pessoa ruim, era um humano como todos os outros. Incinerá-lo seria tão difícil quanto.

Para a sua infelicidade, os guardas não pareciam compartilhar de suas reflexões. Sem nenhuma piedade ou compaixão pela princesa Wuri — O treinamento militar removia deles qualquer sentimento, pensava ela. — Darter e Leosandre atiraram para matar. Um mirou o seu peito, e o outro a sua cabeça. 

Teriam acertado, se não fossem os reflexos de Merit a salvar sua pele na última hora. Empurrando a moça com o seu corpo, Narael saiu da mira dos implacáveis guardas de Loenna. Mas, é claro, tudo tem um custo; a princesa acabou por torcer seu tornozelo, mas isso não era o pior. O tiro de Leosandre passou zunindo pelos ouvidos da bruxa, já o de Darter…

O projétil do jovem acertou Merit bem em seu peito. A mulher berrou de dor e desmontou no mesmo exato segundo; sangue escorreu por seu corpo e, aos poucos, a Kantaa perdia sua cor. Já com os olhos fechados, Narael sentiu sua garganta apertar com a dolorosa percepção do que acontecia à sua frente.

Merit estava morta. 

E Arien, que até o momento se mantinha escondida em um arbusto solitário, berrou de espanto. Foi seu erro; os guardas logo se deram conta de onde a garota se refugiava.

— Darter, segure a princesa. — ordenou Leosandre. Narael tentou se levantar e fugir, mas uma agulhada intensa tomou toda a sua perna. Não conseguiria se livrar desta vez. — Eu vou atrás da Eranzinha. 

Darter agarrou Narael pelos braços e, notou ela, o garoto era realmente muito forte. A moça Wuri tentou se livrar de suas mãos, em vão; os braços de Darter eram como verdadeiras algemas.

Arien tentou fugir, mas Leosandre foi mais rápido. Puxou a garota Eran pelos cabelos e a prendeu sob seu corpo. Tudo estava arruinado: A mulher mais velha estava morta, Narael estava dominada por Darter enquanto Arien se via presa por Leosandre. Iriam morrer em cerca de alguns segundos, e não havia nada que pudesse ser feito. Ah, se ao menos ela tivesse coragem de lançar uma chama contra aquele guarda cruel… Se Narael pensasse nele como um monstro, e não como um antigo amigo…

— Não adianta se debater, mocinha. — Leosandre era muito maior que Arien. A disputa era desigual. — Está tudo acabado para você. 

Arien chorou. Tinha medo. Seu coração retumbava contra o peito; não havia ninguém para salvá-la desta. Nem mesmo o punhal que Merit lhe entregara tinha qualquer serventia, uma vez que a garota o perdera num momento de irracionalidade. 

— Me mate, então — rugiu. — Mas faça isso ser indolor. 

Leosandre, ao contrário do que Arien gostaria, sorriu de maneira sádica. Ele não iria matá-la de forma rápida; a torturaria até seu último fio de cabelo. 

Mas, quando o homem se pôs em ação, a jovem notou que estava errada. Leosandre não iria torturá-la; o que ele faria seria algo muito pior. 

Quando o homem começou a tirar suas calças, Arien soube que estava diante do pior momento de sua vida. Sem nenhuma delicadeza, o homem rasgou o vestido que a garota utilizava. Arien berrou, implorou para que ele não fizesse aquilo, mas tudo parecia em vão. Leosandre estava decidido.

E Narael percebeu o que estava acontecendo. Suas pupilas se dilataram, a cena passou por seus olhos como um filme de terror. Achava que aquele tipo de violência só acontecia nas histórias macabras que Eliah contava para que a filha tomasse cuidado, mas tudo era real. Era a pior coisa que um homem poderia fazer com uma mulher.

Não existia mais dúvida. Leosandre não era um humano; era um monstro terrível e cruel. E não havia impeditivos para que Narael fizesse o que tinha de fazer. 

Repleta de ódio e pavor, uma chama amarelada brotou da mão direita da princesa. Darter, no susto, a largou, o que deu liberdade para que a garota alimentasse seu fogo com a força de sua indignação. Antes que Leosandre pudesse fazer qualquer coisa contra Arien, um mar de chamas atingiu em cheio o guarda sisudo, consumindo-o por inteiro. 

Arien também estava dentro do fogo, mas não foi atingida; as chamas pareciam não ter efeito com ela. Já com o abusador, ao contrário, a combustão engolia seu corpo como se fosse feito de papel. Leosandre soltou um grito rasgado e persistente, até que a vida fosse tirada de si. Mesmo depois de morto, o corpo retorcido do homem continuava sendo devorado pelo fogo, fazendo de seu cadáver nada mais do que carvão.

Quando as chamas de Narael se apagaram, o que restava de Leosandre eram apenas cinzas. Nenhum sinal de que o guarda havia existido; Narael encarava Arien, e Arien encarava Narael. Nenhuma palavra foi dita, mas havia muito naquela troca de olhares. 

Darter, apavorado, subiu em seu cavalo e bateu em retirada. Trotando intensamente, o homem desapareceu em meio à selva. Não voltaria ali, não enquanto estivesse diante de uma tocha humana. E Narael suspirou em alívio ao ver que não teria que adicionar em sua consciência mais um assassinato. 

Contudo, ainda havia uma mulher morta entre elas e o peso daquela perda atingiu Narael como uma bigorna. Logo voltou-se ao corpo de Merit e pensou no quanto a mais velha havia se sacrificado para que as garotas pudessem estar sãs e salvas até ali. Imediatamente, uma lágrima escorreu de seu olho; não era assim que ela queria que as coisas terminassem. Não com alguém que foi tão gentil e solícita. 

Como contaria a notícia para Serpente? Como contaria para Darian? Merit merecia um velório honrado, não apenas o abandono de seu corpo em uma floresta escura. Loenna dissera que todos os Kantaa eram ruins, mas aquela mulher provava o exato oposto. Não era justo, não com Merit… 

— Ei. — A voz de Julien foi ouvida. — O que está acontecendo? 

Narael virou-se de imediato. Darian e Serpente estavam à sua frente, completamente empapados de sangue e suor. Julien estava com eles, tão compenetrado quanto jamais havia se visto. O olhar de Serpente se perdia no corpo de Merit, e ela não parecia nem um pouco feliz. 

— Narael… — Pela primeira vez em muito tempo, a garota Wuri notou que a ladra falava sério. — Não me diga que… 

A jovem confirmou com a cabeça. Não queria ser a pessoa a dar aquela notícia. 

Darian parecia sem expressão. Não queria crer. Ajoelhou-se ao lado do cadáver de Merit e se pôs a chorar, não poupando lágrimas. A mulher que o criou estava morta, e não havia nada que ele poderia fazer para trazê-la de volta.

— Mãe… — Seus olhos estavam vermelhos. Ele estava prestes a desabar. — Mãe, por favor, não me deixe, mãe…

Num pranto cruel, Darian resfolegava. Serpente levou suas mãos às costas do garoto e ajoelhou-se junto da bruxa. Mordia o lábio, sentia-se completamente derrotada. Do que adiantava ter vencido tantos inimigos se não era capaz de salvar quem importava?

Contudo, antes que a ladra derrubasse suas primeiras lágrimas — juntando-se a Darian no luto melancólico — uma tosse viera para acalmar os corações da dupla.

Era Merit, despertando do desmaio a que fora submetida. Ainda estava viva; Serpente rascunhou um sorriso delicado quando a bruxa abriu os olhos.

— Alguém… — Rouca, Merit balbuciou algumas poucas palavras. — Alguém tem água?

Darian enxugou as lágrimas e olhou aliviado para a mãe ferida. Suspirou em conforto; não seria hoje que se tornaria órfão.

— Você me assustou, sua desgraçada — disse Serpente, num tom divertido. Merit também abriu um sorriso com o restante da força que havia em si.

— Eu não vou te deixar em paz tão cedo, mulher. — Piscou, ainda com a voz sôfrega.

— Mas é claro que não. — Serpente se abaixou para dar um selinho leve nos lábios da Kantaa. — Darian, você e Julien podem buscar álcool, gaze, pinça, linha e agulha? Preciso extrair a bala e suturar esse machucado, ela está perdendo muito sangue.

— E água — pediu Merit. — Muita água.

Darian assentiu, partindo para o rumo do casebre com Julien. Teria muito o que explicar sobre a incorporação do fantasma em seu corpo, mas no momento só precisava salvar a mãe.  

— Estão todos bem? — Uma vez passado o susto, finalmente Serpente pôde desviar suas atenções para o restante do grupo.

Arien assentiu. Ainda estava em choque, mas apenas o fato de estar viva — e com a dignidade preservada — já era motivo o suficiente para comemorar. 

— Acho que sim. — Narael também estava aliviada. Não queria perder Merit. 

— Ótimo. — Serpente sorriu. — Acho que podemos então discutir sobre onde iremos agora.

Narael sentiu um formigamento pelo seu corpo. Novamente naquela fuga desvairada? Para que? 

— Não podemos ficar na casa de Merit? — sugeriu. 

— Se você quiser ser presa, fique à vontade — debochou Serpente. — Nós precisamos migrar, Narael. Eles já sabem nossa localização.

Como sempre, Serpente estava certa. E Narael odiava admitir isso, mas de fato precisaria se afundar ainda mais na floresta sangrenta.

— Onde encontraremos um bom local para nos refugiar? — Arien se manifestou. — Aqui temos água, comida e segurança. Não sei se teremos isso em outros pontos da floresta. 

— Não precisamos… — Merit tossiu. — Não precisamos ficar na floresta. 

Três pares de olhos voltaram-se para a bruxa. Se Merit estava sugerindo que as garotas não mais ficassem na floresta, então era porque estava sugerindo que o grupo voltasse para as cidades.

E, se este era o caso, então ela certamente estava louca. Arien era uma criminosa procurada, com a cabeça a prêmio; se lidar com os guardas de Loenna era difícil, imagine então lidar com toda uma população ensandecida pelo prêmio que Arien representava. Era um campo minado.

— Não… Não podemos. — A garota Eran disse, tentando buscar sanidade em Merit. — Eu sou procurada pela polícia. Todo mundo vai querer me entregar para ganhar uma boa quantia… 

— Não se ninguém te reconhecer. 

Serpente encarou Merit com curiosidade. Sorriu ao perceber o plano da bruxa; de fato, ambas estavam em perfeita sintonia.

— Merit, você é um gênio — respondeu. Naquele mesmo instante, Darian voltou com o material pedido. 

— O que isso significa? — Narael ainda não havia captado o plano. 

— Significa que iremos tornar vocês duas as pessoas mais irreconhecíveis de Carmerrum. — E tomou os objetos da mão do rapaz. — Mais tarde eu explico. Por enquanto, Narael, pode me ajudar aqui?

 

Narael deu de ombros. Estaria encrencada de qualquer forma, afinal. A fuga implacável havia apenas começado. 

Fim do capítulo


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Comentários para 19 - Capitulo 19 - Os inimigos nos cercam:
Lea
Lea

Em: 18/11/2022

Que capítulo eletrizante. Não seria justo a Serpente morrer por uns guardinhas a essa altura do campeonato!

Quase que choro..... 

Merit foi quase... E Arien,nossa que momento desesperador!!!

Narael pensa demais,,ela arrumou toda essa confusão,ela que arrume!! 

 


Resposta do autor:

Eu jamais mataria nenhuma das minhas lésbicas de meia idade hahahahaah

 

e sim, Narael precisa parar de refletir muito

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