Inflamável por HumanAgain
Capitulo 14 - Treinamento não é brincadeira
Durante o almoço, Arien e Narael não se falaram.
Enquanto Serpente e Merit pareciam cheias de assunto, ignorando completamente o espírito que se sentava à mesa, as duas jovens sentiam como se algo dentro delas estivesse errado; Parte porque uma alma penada juntava-se à mesa, parte porque havia tópicos que elas não queriam mencionar. Darian, como era de costume, comia em silêncio, correndo seus olhos de Julien para Narael e Arien, formulando muitas coisas em sua mente, mas incapaz de dizer nenhuma.
O fantasma tentou quebrar o gelo por algumas vezes, sem sucesso.
— Então… — Julien mordiscou o canto da boca. — Está quente, não está?
Darian apenas assentiu com a cabeça e as garotas permaneceram estáticas, saboreando o ensopado de batatas como se ele fosse a única coisa existente ali. O homem bufou.
— Que piada. Eu não sinto calor nem frio, estou morto. — E deu de ombros. — Mas vocês sentem, não sentem?
Ninguém respondeu. Julien se sentia patético, um intruso no meio da refeição. Nem mesmo seu afilhado espiritual, Darian, parecia querer dar prosseguimento às suas investidas frustradas de fazer aquela atmosfera menos pesada.
Sabendo que era o tópico sensível naquela mesa, Julien cruzou os braços e fez bico, tal como uma criança. Se fosse para ser assim, ele preferia continuar no plano espiritual.
O silêncio não durou muito, contudo, porque Merit logo terminou sua refeição e limpou a boca com as costas da mão; Serpente já tinha sua cumbuca vazia, e o assunto entre as duas parecia ter se encerrado.
— Muito bem. — Ela chamou, atraindo a atenção da Narael e Arien. — Acho que todos terminaram o almoço.
Na cumbuca de Darian, ainda sobrava uma boa porção do ensopado de batatas, mas o garoto não estava com muita fome. Merit seria capaz de ler sua mente para saber disso, então o rapaz não se importou em manifestar-se.
— Nós iremos prosseguir lá para fora, onde Narael e Darian irão treinar seus poderes. — E olhou para os dois, percebendo uma careta da Narael. — É isso mesmo, mocinha. Não vou deixá-la incendiar minha casa.
— Eu não disse nada. — Resmungou a moça.
— Mas pensou. — Merit levantou-se, jogando a cumbuca suja de ensopado na pia. — Venham comigo, é mais fácil aprender a controlar seus poderes de barriga cheia.
Darian não questionou. Deixou sua refeição inacabada em cima da mesa e Julien, naturalmente, o acompanhou. Narael observou o fantasma por alguns segundos, e, tentando se convencer de que aquilo era completamente normal — Definitivamente não era. — Seguiu Merit até a floresta.
Naquele dia, o sol estava excepcionalmente forte. Narael teve que levar uma de suas mãos à testa para suportar a claridade; Darian parecia mais ocupado olhando para as flores brancas no chão.
— Muito bem. — Merit assoviou. — Eu preciso que vocês me escutem. Os poderes são como cães. Parecem incontroláveis no começo, mas ao entendê-los melhor, você consegue usá-los ao seu favor.
— Eu nunca tive um cão. — Disse Narael.
— Nem eu. — Completou Darian.
— Eu conheci alguns cães quando era adolescente. — Julien pendia em cima de uma árvore. Ele conseguia se separar de Darian, mas não podia ir para muito longe. — Não pareciam criaturas muito fáceis de se controlar.
— Foi uma metáfora. E você, fique quieto. — Merit apontou para Julien. — Bem, a primeira coisa a se fazer é compreender os seus poderes. Entenda de onde eles vêm, como eles se comportam.
— Eu só senti os meus poderes uma vez. — Comentou Darian.
— Eu os sinto quase o tempo todo. — Contrapôs-se Narael.
Merit bufou. Ela jamais havia treinado ninguém antes. Essa não seria uma tarefa fácil.
— Tentem trazê-los à tona agora. — Disse, ríspida. — Sem incendiar minha casa.
Narael e Darian se entreolharam. A mensagem implícita naquela troca de olhares era nítida: Como trazer à tona algo tão incontrolável e imprevisível quanto seus poderes? Narael já havia tentado, e Darian sequer sabia que era um mago até a manhã daquele dia.
A garota fechou os olhos. Sentou-se na grama, tentou invocar o fogo dentro de si; Mas seu interior estava tão frio quanto uma pedra de gelo. Apertou os olhos, tentou se concentrar no vento e no canto dos pássaros; Nada.
Não era tão simples quanto Merit fazia parecer.
— Eu não consigo. — Disse Narael, por fim. Merit suspirou fundo.
— Sinta raiva. — E fechou as mãos com um sentimento intenso. — Medo. Tristeza. Angústia. Mas sinta alguma coisa.
Não é assim que funciona, pensou a jovem Wuri. A única coisa que sentia, no momento, era vergonha por aquele momento deplorável a que estava submetida.
— Aya está presa. — Disparou Merit. — A este ponto, possivelmente está morta.
E a mente de Narael se dirigiu àquele jantar com Loenna, em que Aya fora presa por ir contra seus desmandos. Naquele segundo, percebeu que Merit possivelmente estava certa; E se Aya estivesse morta? Todos os momentos que passou junto com a enfermeira vieram à sua mente e uma onda de calor tomou conta de seu corpo.
Ela sabia que sentimento era aquele. Medo. Preocupação. Tristeza.
E uma chama solitária brotou de seus dedos; Merit sorriu.
— Seus poderes são emocionais. — E bateu palminhas. — Eles aparecem quando você deixa extravasar alguma emoção.
— Isso significa que eu devo aprender a ser uma pedra de gelo para controlar isso aqui? — Narael estava incrédula. Abrir mão de seus sentimentos era algo a que ela não estava disposta, e sequer sabia se conseguiria.
— Não. — Merit balançou a cabeça. — Você deve ter uma chave de controle. Algo que a faça se sentir tranquila, em casa. Meus poderes também são emocionais, mas eu consigo controlá-los pensando na minha mãe. Por que não tenta?
Narael assentiu. Respirou fundo, seu coração palpitando de preocupação por Aya.
— Se eu pensar na minha mãe… — E ergueu as sobrancelhas. — Esse foguinho aqui some?
— É o que se espera. — A própria Merit não estava certa, mas tinha boas esperanças. — Pense no aconchego de sua mãe. Em sua casa, no seu quarto…
Narael fechou os olhos. Pensou em Eliah.
Imediatamente, surgiram em sua memória todas as vezes em que a mulher lhe repreendeu por não participar das aulas. A sua devoção à rainha Loenna, a convicção de que um dia Narael seria sua herdeira… E o vestido que ela havia picotado.
O que antes era uma pequena chama, tornou-se uma bola de neve grande e monstruosa. Darian se assustou, e Narael soltou um grito.
— SUMA, FOGO! — Ela berrou. — SUMA, AGORA! DESAPAREÇA!
E correu com a mão ardente durante todo o perímetro da cabana, gritando para si mesma, torcendo para que algo funcionasse. Felizmente, ali perto havia um lago, onde Narael mergulhou sua mão.
Suspirando fundo, a garota limpou o suor da testa. Fumaça saía do lago e, quando Narael ergueu sua mão, ela estava fria. Não havia mais chamas crepitando das pontas de seus dedos.
Darian, Julien e Merit apareceram às suas costas; Os dois primeiros olhavam tudo com curiosidade, e a última balançava a cabeça de um lado para o outro, em negação.
— Sua chave de controle não é sua mãe. — Merit suspirou fundo. — Vamos precisar encontrar qual é, nesse caso.
— Vai ser difícil? — Narael franziu o cenho.
— Só deus sabe. — Merit parecia um pouco decepcionada consigo mesma. — Darian, é a sua vez. Nem todos os magos possuem poderes emocionais. Acredito que este não seja o seu caso.
— E… — Ele ainda tinha dificuldades para se entender. — O que faz meus poderes se manifestarem?
Merit olhou para Julien, que estava quieto. Não era de seu feitio permanecer calado, mas desta vez o fantasma não tinha nada a acrescentar; Exceto, é claro…
— Lembro de pouca coisa do outro plano. Pouquíssima. — E coçou a nuca. — Mas agora me vêm à mente… Um portal. Você abriu um portal. E eu atravessei.
E essa era uma informação bastante útil. Merit abriu um sorriso e deu palminhas para o ar.
— Darian, tente abrir esse portal novamente. — Disse, animada. — Você não poderá invocar outro padrinho espiritual, mas talvez possa trazer outro espírito de volta.
— Mas… — Ele sequer sabia como começar. — Eu não…
— Tente. — Merit estava mais feliz do que nunca. — Eu sei que você consegue, meu filho. Como trazia seus amigos imaginários, se lembra? Vamos lá, não deve ser tão difícil…
Darian tentou forçar sua mente. Pensou em coisas que o irritavam, porque poderia ser um mago como Narael, mas nada aconteceu. Ele teria que relaxar o corpo e voltar ao momento em que trouxera Julien de volta.
No que ele pensava? Em estar morto. Em conectar-se com o lado de lá. Talvez fosse esta a resposta; Darian contraiu os punhos, espremeu suas palpebras e aguardou até que sua mente fosse transportada para o mundo espiritual.
Mas nada aconteceu. Quando abriu os olhos, Narael, Merit e Julien o encaravam com curiosidade, esperando que ele contasse os detalhes de sua tentativa.
— Nada. — E balançou a cabeça, frustrado. — Acho que vai ser difícil para mim.
— Vocês precisam de um descanso. — Disse Merit, um pouco chateada. Sabia que levaria tempo até que os dois entendessem a si mesmos, mas estava contando com a sorte; Ao que tudo indicava, não seria tão fácil quanto ela imaginou. — Vamos tomar uma água. Logo voltamos aos nossos treinos.
***
Arien observava o escaldante sol das três da tarde. Os passarinhos caminhavam de um lado para o outro, cantando como se fosse seu último dia, e a garota gostaria de poder entendê-los. Ela precisava de alguém para desabafar, alguém que pudesse lhe dar bons conselhos. Talvez a mãe natureza fosse essa pessoa, mas Arien não estava certa disso. Era impossível obter respostas da goiabeira imponente com quem conversava havia meia hora.
E, enquanto observava os próprios pés, Arien escutou um balido de dor ao seu lado. Era como se um animal tivesse acabado de ser predado; Imediatamente, seus sentidos ficaram a postos. Embora não escutasse o rugido de nenhum animal selvagem, todo cuidado era pouco.
Agarrou um pedaço de madeira ao seu lado e caminhou pé ante pé, cuidadosa como se estivesse carregando porcelana. Estava longe da barraca de Merit, ali seus gritos não seriam ouvidos. A mata densa engolia seu corpo franzino e o sol fazia intensas gotas de suor escorrerem por sua testa.
O balido desapareceu. Era como se o animal tivesse morrido. Arien envolveu seus dedos ainda mais fortemente no galho, sentindo o chão aos seus pés tremer. O cheiro forte de sangue invadiu suas narinas e ela tinha certeza de que um cabrito havia topado com o predador errado naquele dia.
Quando abriu a grama densa no local onde o cheiro era ainda mais acentuado, Arien permitiu-se relaxar. Serpente retirava do cabrito morto um punhal cheio de sangue, e encarava o animal com um sorriso de triunfo; Provavelmente seria a sua janta naquele dia.
— Serpente? — Ela chamou, alisando os cabelos cacheados com a mão.
A mulher logo se virou para a garota e ostentou um belo sorriso. Ela e Arien haviam criado uma relação de confiança mútua, mesmo que se conhecessem há poucos dias.
— Oi, Arien. — Disse ela. — Eu estava caçando a nossa janta de hoje. Você quer me ajudar?
— Eu… — E mordeu os lábios. — Gostaria de conversar com você. Mas acho que está ocupada agora…
— Que nada. Eu posso deixar isso para mais tarde. — Serpente guardou o punhal na cintura e limpou as mãos cheias de sangue na blusa preta. — O que você quer conversar, Arien?
Arien voltou seu olhar para o chão. Estava constrangida; Serpente tinha se tornado sua maior inspiração, mas ainda assim ela se sentia envergonhada de tratar daquele assunto com alguém.
— Eu… — Como ela introduziria tal tema? — Acho que nós somos iguais.
Serpente abriu um sorriso brincalhão.
— Eu acho que não. Ninguém é igual a ninguém. — Disse. — Podemos ser iguais em um ou dois aspectos, contudo. Você quer conversar sobre quais seriam eles?
A ladra, no entanto, provavelmente já sabia a que Arien se referia. Ela era muito inteligente e perspicaz.
— Quando você se apaixonou por uma mulher pela primeira vez… — A jovem esfregava os próprios braços. — Como se sentiu?
Serpente estava leve como uma pena. Apesar de ainda não ter dito uma palavra, a garota Eran sabia que ela a compreendia.
— Eu era uma jovem cheia de medos e incertezas. Como você. — A mais velha sentou-se no chão, e Arien a acompanhou. — O que você sente sobre isso?
— É como se algo estivesse errado. — Arien abraçou os próprios joelhos. — Eu amo Narael como nunca amei ninguém. E isso soa esquisito… Eu deveria amar homens, não deveria?
— E você consegue se interessar por homens? — O sorriso de Serpente era tenro. — Falo não apenas no sentido sentimental… Mas no sentido carnal.
Arien fez que não com a cabeça.
— Como eu imaginei. Também não consigo. — Retornou a mais velha. — E eu sempre soube disso, desde que era uma jovem de quinze anos.
— Você já tentou? — Questionou Arien.
— Mais do que você imagina. — O olhar de Serpente perdia-se ao longe. — A primeira vez que eu me deitei com uma mulher foi um borbulhar de emoções muito intenso. Eu sabia que a amava, e que aquilo fazia parte de mim. Eu sabia que era diferente das outras garotas, que eu não amava rapazes. No início, não me incomodava tanto, mas após algum tempo… — E uma pausa dramática se seguiu às suas palavras. — Ela começou a fazer daquilo uma questão. E eu a internalizei. Tive nojo de mim, o mais completo asco. E tentei sair com homens, achando que talvez eu perderia o gosto pelas garotas.
— Mas não deu certo. — Concluiu Arien. Serpente fez que não com a cabeça.
— Eu não sei quando percebi que estava indo contra a minha própria natureza. Que aquilo era um ato de auto-ódio. — Continuou ela. — Lembro apenas de torturar-me com homens dia após dia, deitando-me com eles e perguntando o que diabos eu estava fazendo e por que eu fazia aquilo. Quando estavam dentro de mim, eu apenas torcia para que chegassem ao seu ápice o mais rápido possível, porque aquilo era um imenso martírio. Eu não aproveitava um mísero segundo do ato; Em uma ocasião, deixei que um homem se deitasse comigo, e no dia seguinte me senti péssima. Eu chorei o dia inteiro, Arien. Eu chorei o dia inteiro, porque me sentia violada.
— Deve ter sido horrível. — Arien sentia-se mal por Serpente. Ela contava tudo com uma mágoa tão grande; Poucas coisas eram capazes de aborrecê-la como essa mágoa do passado havia feito.
— Era. Mas foi por um período curto de tempo. Logo eu percebi que aquilo me fazia mal, e se me fazia mal, eu não deveria continuar. — Um sorriso voltou ao seu rosto. — Algumas coisas não são escolhas. Ser mulher e amar mulheres está tão ao meu controle quanto minha altura ou minha cor de pele. Aceitar isso foi doloroso num primeiro momento, mas hoje em dia… Eu sinceramente não quero ser diferente.
Arien sorriu. Queria, um dia, aceitar sua própria natureza com a mesma naturalidade que Serpente o fazia.
— Me diga, Arien… — Logo Serpente se voltou à jovem Eran. — Você se orgulha?
— Me orgulho? — Arien estava um pouco confusa. — Por que eu me orgulharia disso?
— Porque é o que você é. — E abriu ainda mais o sorriso. — Se você está esperando a aprovação do mundo, eu sinto muito, mas você não terá. Eles dirão que há algo de errado contigo, e eu sei disso, porque já fui uma jovem cheia de dúvidas também. Mas isso não pode te derrubar, Arien. Você é uma mulher que ama mulheres e isso é incrível, é maravilhoso. Se você não sentir orgulho de si mesma, alguém te dirá para sentir vergonha. E você não pode deixar que transformem uma parte de sua natureza em algo para se envergonhar.
— Você se orgulha? — Insistiu a garota Eran.
— Muito. — As palavras de Serpente eram tão naturais quanto a luz do dia. — Faz parte de mim. É quem eu sou. E odiar uma parte de mim é como me odiar.
Arien abriu um sorriso. Nunca havia pensado sobre isso, mas agora que Serpente mencionara, pensou que sentia um grande orgulho de si mesma. Era como se tivesse reprimido uma parte de seu ser por tanto tempo, e agora que a verdade havia saído à tona, ela era muito grata por ser quem ela era.
— Como eu devo conversar com Narael? — Afinal, não sabia o que a amante pensava de seu amor por ela. Será que se culpava? Se julgava? Ou encarava tudo isso na mesma placidez que havia em Serpente? — Para que ela… Você sabe…
— Isso é algo que eu não posso te dizer. — Serpente riu. — Mas, se quer saber o que eu faria, seja sincera. Abra seu coração para ela. É assim que eu normalmente faço.
— E dá certo? — Os olhos de Arien brilhavam intensamente.
— Nem sempre. Mas é melhor do que me enganar. — Respondeu Serpente. — De qualquer forma, alguém que não entenda os seus sentimentos não te merece. Saiba disso, garota.
Arien sentia-se muito grata por ter alguém como Serpente ao seu lado. Sem que pensasse muito no que fazia, a garota abraçou a mais velha, envolvendo seus braços no corpo da mulher de forma tenra.
— Obrigada… — Ela reprimiu um choro, desta vez de alegria. Serpente afagou seus cachos escuros.
— De nada, minha querida. — Disse. — E lembre-se: Não tem nada de errado com você. Não deixe ninguém te convencer do contrário.
A moça Eran permitiu que uma lágrima saísse de seus olhos. Os conselhos de Serpente eram preciosos e não seriam jamais esquecidos enquanto a moça estivesse viva.
***
Quando Merit dispensou Narael e Darian, o sol já se punha no oeste. Deveria ser em torno de seis da tarde e a jovem estava com o estômago gritando por comida; Darian parecia igualmente cansado, com o suor da testa empapando seus cabelos louros.
Com poucos avanços, Narael sabia como liberar seus poderes, mas não como contê-los. Isso poderia ser desastroso; Se deixasse que suas emoções tomassem conta de si, um acidente horrível viria a acontecer.
Mas não podia reclamar, porque Darian, apesar dos inúmeros esforços, não havia conseguido sequer entender de onde vinham as suas manifestações. Tentou trazer novos espíritos à superfície, mas nenhuma de suas tentativas foram frutíferas, e tudo isso acompanhado do deboche de Julien.
Aquele fantasma era realmente inconveniente.
Quando adentraram a cabana, o cheiro da comida atingiu em cheio o inconsciente de Narael; Na cozinha, Serpente picava tomates para enfeitar a carne de cabrito assada, e Arien punha a mesa, colocando uma colher e um garfo junto de cada cumbuca. A jovem Eran assobiava, feliz como Narael jamais a havia visto.
E isso acalentava seu coração.
Merit teve uma surpresa agradável; Ao ser agraciada com o cheiro do cabrito assado, percebeu que tinha em sua casa não apenas uma ladra, mas uma boa cozinheira. Caminhou até Serpente, que havia terminado de preparar a janta, e presenteou-lhe com um abraço pelas costas.
— Não sabia que tinha talento na cozinha. — Sussurrou Merit, beijando a bochecha da mulher. Serpente exprimiu um risinho.
— Poderia ter lido esta parte da minha mente. — Alfinetou, divertida. — Soube que você voltaria cansada do treino. Resolvi me antecipar.
E Merit a presenteou com um beijo úmido, fazendo Arien sorrir e encher-se de coragem para o que tinha a dizer para Narael.
Darian estava batendo boca com Julien sobre algum assunto irrelevante, fazendo com que a tensão entre as garotas fosse ainda mais forte. A Eran umedeceu os lábios; Percebeu que Narael estava evitando seu olhar. Sem saber se tinha permissão para isso, a jovem acariciou as mãos da menina Wuri e sustentou no rosto um olhar tenro.
— Eu… — Arien estava se sentindo particularmente corajosa aquele dia. — Preciso confessar uma coisa.
Narael forçou-se a encarar Arien nos olhos. Não sabia como se sentia, não ainda. Confrontar a realidade era amedrontador.
— Desde a primeira vez que eu te vi… — E não tirou seus olhos do rosto da garota. — Eu soube que me interessava por garotas. Eu soube que havia algo diferente em você, algo que meus olhos não captavam em nenhum rapaz. Tentei reprimir este sentimento, Narael, mas não deu certo, porque…
E limpou a garganta, interrompendo-se por um breve minuto.
— Porque eu te amo. E estou certa disso, embora não saiba se é recíproco. — Arien deslizou os dedos pelas palmas de Narael. — Se você não sentir o mesmo, eu vou entender. Mas, naquela noite que passamos juntas, eu tive ainda mais certeza do que eu sinto. E quero ser sua, para sempre.
Narael sentia-se em choque. Seu coração palpitava em busca de palavras, mas todas lhe fugiam à mente. O fogo dentro de si estava agitado, intenso. E, ao observar a beleza do sorriso da Eran, a garota soube que sentia o mesmo.
Ela queria Arien assim como Arien a queria.
— Eu também quero ser sua.
E, dito isso, Arien a puxou para um beijo delicado, deixando que suas línguas entrelaçassem uma com a outra, selando o amor que há tanto tempo havia guardado para si. E, enquanto percebia o corpo ardendo em chamas sem que uma faísca sequer deixasse seu ser, Narael se deu conta de uma coisa.
Era ela. Arien era a sua chave de controle.
Fim do capítulo
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