Inflamável por HumanAgain
Capitulo 12 - Às crianças roubadas, os mortos.
Narael não conseguia dormir.
O som das chamas engolindo a floresta lhe tomava a mente. O cheiro da madeira queimada ainda não havia abandonado suas narinas; Enquanto o relógio na parede da cabana fazia tic-tac, tudo o que vinha à sua cabeça era o fato de que ela era um monstro.
Havia se metido em confusões não apenas uma vez, e tudo por conta de seus malditos poderes. Quantas mais até que ela finalmente aprendesse a se controlar?
Tudo o que ela queria era ser uma garota normal, talvez a filha de um súdito qualquer. Não a herdeira de Loenna Nalan. Não uma tocha humana. Apenas uma garota comum, que vive, se diverte, paquera os rapazes, sonha. Tudo isso havia sido tirado de si de maneira avassaladora, e agora ela era um perigo para todos que a sondavam. Se impressionava que Arien continuasse ao seu lado, embora soubesse dos riscos que isso representava.
Suspirou. Os roncos de Darian ecoavam pelo quarto, o que não era ruim; Impedia que Narael estivesse solitária com os próprios pensamentos. De qualquer forma, ela não conseguiria pregar os olhos, não após o incidente na floresta.
Desviou seu olhar para Arien. Ah, a doce Arien… Ela, agora, estava em risco, e a culpa era toda de Narael. Sua pele escura refletia a suave luz da lua, e seus cachinhos castanhos caíam sobre sua testa, revelando a mulher mais bonita que Narael conhecia. Permitiu-se sorrir; A presença de Arien, naquele momento, era o que tornava tudo isso suportável.
E, de súbito, a garota Eran abriu seus olhos. Narael levou um susto ao perceber que a amiga não estava dormindo.
— Acordada? — Perguntou a menina, encarando a jovem Wuri com seus olhos cor-de-chocolate.
— Sim. Não consigo parar de pensar no incidente na floresta. — Narael esfregou os próprios antebraços. — E você? Também está com insônia?
— Ele — E apontou para Darian. — Não me deixa dormir. Mas está tudo bem, é melhor assim. Afinal, não sabemos se é seguro confiar em Merit…
— Ou em Serpente. — Observou Narael.
Arien assentiu com a cabeça, embora a garota Wuri soubesse que a amiga confiava mais na ladra do que era recomendável. De uma só vez, a moça levantou-se de seu colchão e se deitou ao lado de Narael, colando seu nariz com o dela; A respiração de Arien estava, agora, quebrando em seu rosto, e a moça inexplicavelmente gostava disso.
— Acho que podemos ajudar uma a outra nesse momento. — Com a presença de Arien, todas as preocupações de Narael iam embora, mas daquele jeito… Tão próxima… Era como se tudo em sua mente virasse um completo emaranhado. — Você é o meu lugar seguro, Narael…
Sem pensar muito, a garota levou sua mão à nuca da amiga. Encarou Arien por alguns longos segundos. Sabia que queria algo mais, que sua mente brincalhona ansiava para que o mísero espaço entre as bocas de ambas fosse selado, mas não tinha coragem para isso. E se Arien não quisesse? E se tudo desse errado? Narael jamais havia beijado uma garota. Jamais pensou que houvesse a possibilidade de se interessar por garotas. O coração batia mais forte, as pernas tremiam e as mãos suavam; Nem mesmo ela sabia o que esperar daquele momento.
E Arien parecia prestes a tomar a iniciativa, quando um grito cortante invadiu o quarto e desfez todo o clima.
Esse grito era de Merit.
— AH! SERPENTE! — Ela berrava. — MEU DEUS, SERPENTE!
Narael se levantou, num pulo. Seu coração não parava de bater, mas desta vez era o mais completo pavor que se instaurava dentro dela. Arien, nitidamente menos chocada, franziu a testa. Algo estava acontecendo ali, disso não tinha dúvidas.
— Era a Merit. — Atestou a jovem Eran, coçando a própria testa. Narael anuiu.
— Será que Serpente fez algo com ela? — Se a ladra fosse uma assassina perigosa, elas seriam as próximas vítimas. — Acha que devemos acordar Darian?
— Talvez a vilã seja Merit, e Serpente tenha apenas se defendido. — Tendenciosa, Arien levantou a hipótese. — Se for o caso, Darian está envolvido.
Embora confiasse levemente mais em Merit do que em Serpente, Narael não podia negar a possibilidade da amiga estar certa. Seu corpo queimava com a incerteza; Fumaça escapava da ponta de seus dedos e a moça temia causar mais um acidente.
Os gritos não cessavam. Merit gritava escandalosamente, como se Serpente estivesse torturando-a de maneira cruel. Ao que tudo indicava, elas teriam que lutar.
— Vou pegar facas na cozinha. — E abandonou o quarto, procurando fazer o mínimo de barulho possível.
Narael esperou que a amiga chegasse, e ela trazia em mãos dois instrumentos de cozinha; Uma faca e um rolo de macarrão.
— Só achei uma, mas acho que isso serve. — E entregou a faca para Narael. — Vamos ver o que está acontecendo.
E, a passos curtos, Narael e Arien se dirigiram para a origem dos gritos, que não cessaram por um minuto sequer. Talvez Serpente fosse realmente sádica, ou Merit bastante perigosa.
A porta do quarto onde as duas mulheres mais velhas estavam se encontrava entreaberta. Narael fez um sinal para que Arien se mantivesse em silêncio e caminhou, pé ante pé, até o local. Pela fresta magra, a garota conseguiu espiar o cenário à sua frente; Embora estivesse escuro, a luz da lua iluminava o suficiente para que a jovem Wuri pudesse enxergar.
E, comprimindo os olhos, Narael viu: Merit estava nua, de barriga para cima, deitada na cama. No rumo de sua pélvis, estava Serpente, também nua, com o rosto entre as pernas da bruxa, e a garota percebeu que ambas estavam…
Bem, elas não estavam exatamente brigando. Narael relaxou seus músculos e sentiu seu corpo inteiro esfriar.
— Está tudo bem. — Ela se sentia um pouco patética. — As duas só estão… Bem…
E não soube explicar; Um rubor tomava conta de suas bochechas. Arien franziu o cenho, tomou o lugar de Narael e, ao espiar o que as duas mulheres mais velhas faziam, sorriu.
— Merit é bastante escandalosa. — Sussurrou, para não atrapalhar o momento de sua anfitriã. — Acho que podemos devolver isso para a cozinha.
Narael assentiu, envergonhada. Sem se preocupar com o barulho — Os gritos de Merit suplantavam qualquer ruído. — as duas deixaram os instrumentos em seus devidos lugares.
A garota estava prestes a voltar ao seu quarto, querendo se esconder de todo o mundo, quando Arien a puxou pelo braço. Em seu rosto, via-se um largo sorriso.
— Acho que podemos voltar ao que estávamos fazendo. — E deslizou as mãos pelos cabelos lisos de Narael.
A palpitação voltou. Era como se uma chama estivesse se acendendo dentro da garota — E provavelmente estava mesmo.
— E o que estávamos fazendo?
Arien abriu um sorriso tenro e, sem mais delongas, a beijou.
***
A janela sem cortinas de Merit não tardou a deixar entrar os raios de sol tímidos que eram costumeiros das oito da manhã. Embora a bruxa não estivesse particularmente dispsota a acordar cedo naquele dia, Serpente incrivelmente tinha uma predileção quase que mágica pelas alvoradas. Gostava de sentir o calor ameno do sol fraco no rosto e ouvir o canto dos passarinhos.
Quando Merit despertou, o céu já denunciava oito e meia. Serpente debruçava-se sobre a janela, apreciando os sons que a natureza fazia. Eles lhe eram muito caros.
— Sol maldito. — Balbuciou Merit, deslizando os dedos pela raiz de seus longos cabelos louros.
— Bom dia, Merit. — Serpente sorria serenamente. — Dormiu bem?
— Perfeitamente bem. — Respondeu a loira, ainda um pouco grogue. — Meus sonhos não foram tão incríveis quanto a noite, entretanto…
Serpente abriu o sorriso e soltou uma risadinha. Ainda estava nua e as nuances de seu corpo eram destacadas pela parca luz do sol.
— Então você gostou, é? — E virou-se para Merit. Era uma pergunta retórica; Serpente queria ouvir as palavras diretamente da boca da outra. Merit fez que sim.
— Você gosta de dominar as suas parceiras, não é? — Merit ergueu uma sobrancelha. — E não foram poucas as que você levou para a cama…
— Ah, não, o que eu disse sobre me ler? — Serpente repousou as mãos sobre a cintura, mas não desmanchou o sorriso.
— Tudo bem. — Merit ergueu as mãos em sinal de rendição. — Nada de leituras. Mas vai ser um tanto quanto difícil, você é tão interessante…
Serpente dirigiu-se à cama e, gentilmente, deslizou as costas das mãos pelas bochechas de Merit.
— Eu tenho certeza que conseguimos conhecer melhor uma a outra sem você precisar usar os seus poderes. — Disse, lançando uma piscadela. Em seguida, levou seus lábios aos da loura, roubando dela um selinho e posteriormente um beijo lento e suave.
— Já agradeço a eles por terem me feito descobrir que você aprecia a companhia feminina. — Tão logo o beijo se encerrou, Merit aproximou sua boca do ouvido de Serpente e sussurrou baixinho. — Eu jamais descobriria sozinha.
— Não há nada como o toque, o cheiro e o gosto de uma mulher. — A morena devolveu os sussurros. — Não concorda comigo?
— Com certeza. — Merit deslizou as mãos pelas madeixas escuras de Serpente. — E eu, particularmente, não vejo nada de interessante em homens. Não é para menos que nunca me deitei com um.
Serpente ergueu a sobrancelha. Estaria Merit achando que ela era tola o suficiente para não saber como a reprodução humana funciona?
— Merit, você não precisa mentir para mim… — A voz de Serpente ainda era mansa e entorpecida. — Eu mesma estive com homens antes de entender que as mulheres me atraíam…
— Eu não estou mentindo. — Desta vez, Merit foi ríspida. — Jamais estive com um homem e tenho ânsias em me imaginar com um.
Serpente correu os olhos pela expressão facial da parceira. Ela não parecia estar mentindo.
— Darian…? — E não foram necessárias mais palavras. Apenas o nome do filho faria Merit entender a que Serpente se referia.
A bruxa suspirou fundo e manteve-se calada por um longo minuto, como se estivesse se decidindo entre contar ou não a verdade. Com um suspiro longo, porém, a loira finalmente se rendeu:
— Darian não saiu de mim.
Aquela era a resposta esperada, mas ainda assim Serpente não a compreendia. Lançou um assovio; Se Darian não havia saído de Merit, saíra de quem? Como ele havia parado ali?
— Bom… — Merit não parecia estar disposta a contar o restante da história, mas Serpente tinha suas artimanhas para convencê-la. — De algum lugar ele saiu.
E, diante de tal insinuação, Merit nada pôde fazer além de morder os próprios lábios.
— Eu poderia te dizer que Darian foi abandonado na minha porta. Que eu não sei de onde ele saiu. Mas eu estaria mentindo, porque eu sonho até hoje com o rosto de seus genitores. — E, agora, Merit não mais encarava Serpente. Seus olhos voltavam-se para as próprias mãos, entrelaçadas tão firmemente umas nas outras que abaixo dos dedos se via pequenas manchas avermelhadas. — É uma longa história…
— Tenho tempo. — Serpente insistiu, e Merit suspirou fundo.
— Foi há alguns anos atrás. Três de setembro de 1883. — Começou ela. — Eu não menti quanto a ter ido para a cidade beber. Eu… Tinha um problema com álcool na época. — O olhar da bruxa era distante. — Você sabe, eu era sozinha, renegada pela minha família por conta de algo que eu não podia controlar… Sabia de informações terríveis sobre meu pai… Recorri à bebida. No começo, era algo que eu conseguia controlar… Mas, com o tempo, foi se tornando um terrível vício. Eu não conseguia estar sóbria.
— Imagino a sua dor… — Compadeceu-se Serpente com a história de Merit. A loira sorriu e voltou seu olhar para a parceira por alguns segundos, apenas para trazê-los de volta às suas mãos no momento seguinte.
— Naquele dia, eu sabia que era meu aniversário de vinte e oito anos. E havia um bar na antiga cidade dos Kantaa, que eu frequentava com certa frequência, porque eles sempre permitiam que eu pagasse limpando o chão. Pois bem, eu pedi uma dose da bebida mais forte que eles tinham e me pus a beber em uma das mesas. — Contou Merit, segurando as lágrimas dentro dos olhos. — Mas meus ouvidos sempre foram muito bem treinados. É uma sina. E, na mesa ao lado, um homem comemorava com os amigos o nascimento de seu primeiro filho.
— Darian. — Concluiu Serpente. Merit fez que sim.
— Eu não sabia quando exatamente a criança havia nascido. Ele dissera que o menino viera ao mundo no dia anterior, dois de setembro, mas eu li sua mente e soube que ele havia nascido perto da meia noite. Se, por acaso, a criança tivesse vindo às 23:59, então ele não teria maiores problemas. Mas se esse acontecimento tivesse sido à 00:01 do dia três de setembro… — A expressão de Merit tornou-se sombria. — Ele seria como eu. E não teria paz, porque os Kantaa não toleravam bruxaria. Então eu, bêbada, decidi que iria roubá-lo.
— Roubar uma criança? — Serpente por pouco não se pôs a rir com a ideia, mas sabia que não era o momento mais propício. Merit fez que sim.
— Eu estava bêbada! — Alegou Merit. — Bem, eu li o homem e soube onde ele morava, e que ele guardava uma chave embaixo do tapete. Fui até lá, abri a porta e encontrei a mãe da criança dormindo. Eu encarei seu rosto minutos antes de fazer qualquer coisa; Eu estava prestes a separar uma mãe de seu filho. Mas minha mente embriagada e o medo de que essa criança passasse pelo mesmo que eu me deram coragem. Roubei Darian e decidi criá-lo como meu filho, acolhendo-o em qualquer manifestação sobrenatural. Seus pais biológicos jamais me descobriram.
— Mas ele não tem poderes. — Observou Serpente.
— Não. — Concordou Merit. — Darian nasceu antes da meia noite. Mas eu não tinha como saber, tinha? De qualquer forma… Ele deu um novo sentido para minha vida. Graças a Darian, eu larguei o álcool. Não fui eu quem o salvou, foi ele quem o fez.
— Você deveria contar a ele. — Em alguns raros momentos, Serpente falava sério; Este era um deles. — Não é justo que o garoto viva tanto tempo sem saber que não é seu filho biológico.
— Eu vou contar. — Merit esfregou uma mão na outra. — Só me dê tempo, sim? Eu tenho medo de como ele reagirá. Darian é um bom rapaz, mas às vezes sinto que ele queria ter nascido em uma família usual…
— Todo mundo gostaria. — Serpente sabia bem como era esse sentimento. Era filha de uma prostituta com o homem mais rico do país na época e jamais fora assumida por este; Fora criada por uma organização rebelde secreta e achou que sua mãe estivesse morta dos nove anos aos trinta e dois. — Darian é um pouco tímido, mas ele gosta de você. Se você explicar com carinho, talvez ele entenda que o que você fez foi por amor.
Merit fez que sim e, com um suspiro, voltou-se a Serpente novamente.
— Espero que esteja certa. — E deu-lhe um selinho, que não demorou muito a evoluir para um beijo.
***
Darian despertou particularmente cedo naquele dia; Tudo o que pudesse fazer para evitar interação social, ele faria. E, naquela manhã, certificou-se de que estaria de pé antes das sete. Quando se levantou, encontrou as duas hóspedes de sua mãe, Arien e Narael, nuas no chão da cozinha. Aquilo bagunçou seus pensamentos de tal forma que o rapaz sequer teve disposição para fazer seu café; Fingindo que não havia visto nada, Darian correu para a porta de saída e decidiu ficar a sós com os passarinhos e seus pensamentos.
Eles já haviam despertado e entoavam uma doce melodia que apenas a natureza sabia como reproduzir. Quando um espécime azulado cantou para um espantado Darian, o garoto assoviou de volta. Nisto, três passarinhos se juntaram ao grupo e os cinco — Darian mais as quatro aves — compunham uma singela música que apenas os ouvidos mais treinados conseguiam apreciar.
E Darian, naquele momento, conseguiu organizar seus pensamentos. A ele, satisfazia um tempo sozinho, de forma que apenas um jovem Kantaa e a natureza conseguiam se conectar. Aquele dia, particularmente, estava sendo bastante turbulento.
Não que Darian não tivesse contato com pessoas, longe disso. A mãe já hospedara alguns aventureiros que por ventura perdiam-se na floresta em sua casa, e não era raro que Merit retornasse à cidade para uma noitada em que frequentemente uma mulher desconhecida acabava por adentrar em sua casa e compartilhar com ela a cama. Darian já estava acostumado aos hóspedes inoportunos de Merit Kantaa, mas isso não fazia com que ele se sentisse menos… Sozinho.
Para Darian, cultivar relações com qualquer um que não fosse sua mãe era extremamente difícil. Nunca tivera amigos de verdade, durante a infância sua única companhia eram os amigos imaginários. Os hóspedes em sua casa iam e vinham, mas ele ainda assim não conseguia criar laços com nenhum. Sabia que eles partiriam no dia seguinte e, assim, deixariam o garoto sozinho. As próprias relações afetivas da mãe eram tão efêmeras que Darian não sabia como ela suportava; Ele queria mais do que algo que se esfacelaria em vinte e quatro horas.
E era por isso que tinha dificuldade de se aproximar das pessoas reais e facilidade de estar com seus amigos imaginários. Os amigos de mentira estariam ali no dia seguinte, as pessoas de verdade não. Uma vez, aos nove anos de idade, um guerreiro hospedou-se em sua casa e, meses depois que ele havia partido, Darian conseguiu criar um amigo imaginário igualzinho a ele e assim criar uma amizade. A razão para isso? O garoto não sabia.
Sua falta de habilidades sociais nunca lhe incomodaram… Até o momento. Darian observava aquela garota, Narael… E sentia coisas estranhas por ela. Sim… Sentia vontade de conhecê-la, de saber quem ela era de verdade. A achava muito bonita. Estaria Darian interessado em Narael em um nível afetivo?
Ele torcia para que não. Era um garoto esquisito que cantava com os passarinhos e não sabia dizer três palavras sem gaguejar. E, além do mais, Narael claramente já estava apaixonada por alguém, como a cena na cozinha lhe demonstrara. Ela não iria querer Darian, de forma alguma.
Além de ser um garoto com péssimas habilidades sociais e que cantava com os passarinhos, o Kantaa tinha um estranho fascínio pela morte. Sempre que via sua mãe matar um animal para comer, o garoto fazia de tudo para estar perto de seu abate; Não por causa da violência, mas para sentir a energia do fim da vida. Entre os livros que Merit havia roubado do seu pai, estava uma tal de bíblia. Darian gostava de estudar as partes que se referiam ao destino depois da morte. Lhe aprazia pensar no que existiria depois da última batida do coração; Um mundo totalmente repleto de almas passadas que já cumpriram seu destino na terra.
Pensar nisso confortava o seu coração. Ele se sentia menos sozinho. Gostaria de estar morto, não que não gostasse de sua vida, mas talvez interagisse melhor com os mortos do que com os vivos. Era loucura pensar que teria amigos entre os que já se foram? Darian não queria martelar em sua mente essa possibilidade, porque chegaria à conclusão de que sim.
Enquanto o jovem Kantaa conjecturava sobre a vida após a morte, um espectro azulado translúcido começou a brotar do chão. O garoto rapidamente deu-se conta do que estava acontecendo e saltou para o lado, assustado; A imagem azulada subia vagarosamente, inicialmente sob a forma de uma massa disforme, mas aos poucos era modelada no formato de um homem.
Darian observava o espectro ajustar sua silhueta; Era um homem com cerca de 25 anos, alto, musculoso, maxilar bem demarcado, lábios grossos, cabelo cacheado e nariz pontudo. O Kantaa deslizou os olhos pela figura que se formou à sua frente e, para ele, não havia dúvidas; Era um espírito.
O homem parecia mais confuso que o garoto; Estava nu, de olhos fechados e deitado na grama. Dado momento, a alma despertou; Abriu seus olhos, arregalou suas órbitas. Apalpou o pescoço vertiginosamente, e Darian suspeitava que seu pescoço estaria relacionado com a maneira como ele havia morrido.
— O que está acontecendo? — E, num susto, o espírito notou que estava nu. — O QUE VOCÊ ESTÁ FAZENDO, SEU TARADO?
— N-nada. — Darian deu um passo para trás. — Eu só… Você está morto, senhor.
O espírito pareceu não notar de imediato. Esticou os próprios braços, os observou de diferentes ângulos; O azul translúcido que os cobria não negava. Aquele homem estava morto.
— Eu morri, então. — Bufou o homem. — Bem, foi esse o destino que escolhi para mim. Você me trouxe de volta?
— E-Eu… — Darian olhou para baixo. Não sabia o que havia feito, mas quem senão ele seria responsável pela emersão daquele espírito? — Eu acho que sim…
— Legal. — O espírito sorriu calorosamente. — Vou poder rever minha mulher e filhos. Qual o seu nome, menino?
— D-Darian. — O jovem Kantaa não era muito falante. — Darian Kantaa
Imediatamente, o fantasma arregalou os olhos e se pôs em posição de combate, com os punhos fechados. Aparentemente, os Kantaa não eram bem quistos por ele.
— Kantaa? Ei, espere um minuto… — Como se tivesse vindo à sua mente uma ideia confusa, o homem desmontou sua guarda. — Você não é magro demais para ser um Kantaa?
Foi a deixa para que Darian se sentisse subitamente mal com seu corpo. Notou, naquele mesmo minuto, que suas camisas eram muito maiores que ele e suas pernas, finas como graveto.
— Eu não sou um Kantaa clássico. — Conseguiu dizer, ainda um pouco envergonhado. — Não treino até meus músculos explodirem como um deles faria.
— Tanto faz. — O homem deu de ombros. — Eu estou morto, não estou? Que mal você pode me fazer, Kantaa?
— Eu não quero lhe fazer nenhum mal. — Explicou Darian. — Eu não sei porque te trouxe de volta. Eu sequer sei como… Aliás, qual o seu nome?
O fantasma sorriu com o canto da boca.
— Meu nome é Julien. — Ele respondeu. — Julien Regin.
Fim do capítulo
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Lea
Em: 18/11/2022
Então realmente o Darian pode se comunicar com os mortos.
Merit então de fato o salvou. Ele tem poderes!
Narael e Arien não ficaram só nos beijos. As Garotas não perdem tempo!
Resposta do autor:
Elas são espertas hahahaha
no que será que esses poderes de Darian irão se reverter, hein?
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