Inflamável por HumanAgain
Capitulo 10 - A bruxa da floresta
Logo Narael descobriu que lidar com os mosquitos seria o menor dos seus problemas.
Serpente havia trazido as duas para a mata mais densa de Carmerrum, conhecida gentilmente por “floresta sangrenta”. Desde muito jovem ela ouvia pavorosos boatos sobre a selva: Diziam-lhe que por lá a luz não penetrava, os animais não eram amigáveis e até mesmo as plantas eram meticulosamente planejadas para matar, abarcando mais de cem espécies altamente venenosas e letais que nem mesmo os mais experientes botânicos se atreviam a estudar. Mas isso não era o que mais preocupava a jovem Wuri; De antemão, eram conhecidas as histórias sobre criminosos cruéis que se refugiavam na floresta para escapar da polícia. Talvez Serpente fosse relapsa demais para temer um assassino em série, um torturador ou os tipos mais cruéis que habitam Carmerrum, mas Narael não estava disposta a encará-los de perto.
― O sol está se pondo. ― Notou a mais velha, como se estivesse fazendo uma grande constatação. ― Logo isto aqui ficará um imenso breu e não será possível enxergar um palmo à frente dos olhos. Vocês sabem fazer fogueiras?
― Não. ― Grunhiu Narael, impaciente.
― Eu posso ajudá-las neste quesito, mas vamos precisar encontrar um lugar seguro para dormir. ― Observou Serpente. ― É interessante que vocês aprendam, porque quando eu não estiver aqui…
― VOCÊ VAI EMBORA?
E, com um grito estridente, Narael soltou uma chama avermelhada pelo indicador. O fogo acertou uma tora de madeira e a incendiou, iluminando a região por um raio de pelo menos dez metros.
Serpente assobiou.
― Me parece que vocês sabem fazer fogueiras, no final das contas. ― Completou ela, sorrindo com o canto da boca.
― ISSO NÃO É UMA PIADA. ― Uma fumaça acinzentada subia das mãos da garota. ― Você não pode nos deixar na floresta sangrenta sozinhas e simplesmente ir embora. Estamos rodeados por bichos, plantas venenosas, criminosos cruéis e mosquitos. Além disso… ― Narael apontou para a própria camisola. ― Esta é a minha camisola preferida, e ela está arruinada pelo barro. Eu não estou com paciência para as suas gracinhas, Serpente.
― Eu estou tentando ajudar. ― Com os braços cruzados, Serpente parecia pouquíssimo abalada pelas palavras duras de Narael. ― Este lugar não é tão ruim assim. Fui criada nas ruínas de um albergue que ficava por aqui. Os revoltosos de Carmerrum, antes de tomarem o poder, se refugiaram por aqui. Eu poderia deixá-las à mercê da polícia, sendo uma de vocês oficialmente uma criminosa procurada, mas eu não vou fazer isso. Tenho cinquenta e dois anos, idade o suficiente para que eu saiba o que estou fazendo.
Narael suspirou fundo. Já sentia o cheiro de queimado e predizia a desgraça se uma chama sua saísse de controle. Ela não podia se estressar, não enquanto fosse uma tocha ambulante e instável.
― Você não me parece saber o que está fazendo. ― Retornou Narael.
― Certo, você parece ter planos melhores que os meus. ― Disse Serpente, sugestiva. ― Diga-me, Narael. O que eu posso fazer para ajudá-las?
E Narael, antes tão irada e falante, calou-se no mesmo segundo. Era um sabor amargo, mas infelizmente ela precisava engoli-lo e admitir que Serpente estava fazendo o melhor que podia para as três. Em qualquer outro lugar, elas poderiam ser denunciadas e presas; Na selva, ao menos, estavam a salvo da polícia de Loenna.
― Uma casa… ― Murmurou Arien, que até o momento havia se mantido calada.
― Eu adoraria, Arien… ― O tom da voz de Serpente era gentil. Apesar de tudo, ela não soava irritada ou ofendida. ― Mas como podemos achar uma casa no meio desta floresta?
― Não. ― Arien balançou a cabeça para os lados. ― Tem uma casa. Ali. Atrás daquela árvore.
Narael esticou o pescoço para o lado. Havia um casebre de madeira posicionado em frente a um lago; Não era muito grande, tinha aproximadamente o tamanho de um quarto da mansão Nalan, e ninguém saberia dizer se estava ou não habitado.
Juntas, as três caminharam em direção à moradia. Ela parecia ter saído diretamente de um livro de terror; Tinha algumas marcas do tempo e a luz escassa fazia com que soasse ainda mais aterrorizante.
Aquela seria ou a sua salvação, ou a sua ruína.
― Nós podemos pedir ajuda. ― Sugeriu Narael.
― Será que é uma boa ideia? ― Perguntou Arien, toda delicada, parecendo-se com um gatinho assustado. Pensar que a rainha Loenna havia cogitado a hipótese dessa garota querer matar Narael era simplesmente impensável para ela.
A jovem Wuri mordeu o lábio, aflita. Não lhe parecia a melhor das ideias, mas elas definitivamente precisavam de ajuda; Não poderiam ficar na sombra de Serpente para sempre.
― Eu acho que vocês pensam demais. ― Foi justamente Serpente quem deu o primeiro passo. ― Queria ter sido assim nessa idade. Me evitaria muitos conflitos.
E sorriu, dando um passo à frente. Em seguida, bateu na porta de madeira envelhecida e já corroída pelos cupins; Se alguém morasse lá, certamente esse alguém não se preocupava com a possibilidade de ter a porta arrombada.
― Ô de casa! ― Serpente gritou. ― Tem duas jovens e uma velha gagá aqui fora. Precisamos de ajuda.
Silêncio. Nada mais que o mais mórbido silêncio. Até o farfalhar das folhas sendo atingidas pelo vento era perceptível. Narael, Arien e Serpente aguardaram um minuto. Dois. Nada.
― Bem, não tem ninguém lá. ― Serpente deu de ombros. ― Se os ratos e as baratas não as incomodarem, vocês já têm um local para dormir…
E, quase que como uma ironia do destino, a porta de madeira roída se abriu no minuto seguinte, de uma só vez. A pequena cabana de madeira revelava uma bela mulher; Alta, pele branca, já com seus cinquenta anos, cabelos louros e olhos azuis cintilantes. Ela vestia algumas roupas desgastadas pelo tempo debaixo de um avental e tinha um urso pardo marcado em um dos ombros. Era uma Kantaa.
Outrora, ainda em sua hegemonia, os membros da família Kantaa, Eran e Saphira se identificavam com uma marca no braço ou nos ombros. Eles faziam isso para se diferenciar do povo, que agora os dominava; Via-se que essa mulher viveu antes da revolução liderada por Loenna Nalan, e portanto nascera em épocas fartas para Kantaa, Eran e Saphira. Narael retraiu-se, com medo; Quem garantiria que ela não iria querer vingança? Arien, sendo uma Eran, também não era muito simpática à mulher. Kantaa e Eran eram inimigos naturais.
A mulher, no entanto, abriu um sorriso assim que as vislumbrou; Parecia disposta a acolhê-las, apesar de tudo.
― Vocês estão com fome? ― Perguntou ela. ― Eu estou fazendo um ensopado para mim e para meu filho. Não querem entrar? Tem para todo mundo!
Arien e Narael se entreolharam. Em sua mente, se formava a mesma pergunta: Aquilo estava estranho demais. Uma Kantaa com uma cabana no meio da floresta as convidava para entrar e comer? Soava como uma armadilha…
― Não é uma armadilha. ― Como se lesse mentes, a Kantaa respondeu aos questionamentos de Narael e Arien. ― Sei que soa suspeito, mas eu quero apenas ajudar.
― Nós… ― Narael estava constrangida. Imediatamente um cheiro de queimado subiu da grama abaixo de seus pés. ― Nós não dissemos nada.
― Não? Ah, de fato. Mas ninguém consegue esconder nada de mim, querida. ― E isso soou mais ameaçador do que deveria ter soado. ― Meu nome é Merit. Merit Kantaa, como vocês já descobriram, e é a razão pela qual tem medo de mim. A porta da minha casa está aberta, se desejarem entrar.
Serpente lançou um meio sorriso travesso.
― É gentil da sua parte. ― Ela não parecia tão preocupada quanto Arien e Narael. ― Oferecer sua casa para estranhos.
― Obrigada, Serpente. Ou Gillani, como preferir.
E, naquele momento, o sorriso de Serpente se desmanchou; Suas sobrancelhas se curvaram e ela parecia confusa.
― Você me conhece? ― Serpente não havia se apresentado para Merit; Como poderia ela saber tanto seu apelido quanto seu nome?
― Ah, meu pai era um general de guerra Kantaa. ― Disse ela, esfregando as mãos. ― Você deu trabalho para eles, mulher. Eles também deram trabalho para você, não deram? Você quase morreu.
― Mas como você sabe meu apelido? Como sabe que não estou morta? ― Para Serpente, aquilo não fazia sentido algum. ― Você me conhece. De onde?
― Garanto que não. ― Merit sorriu. ― Assim como não conheço Narael ou Arien… À propósito, você deveria contar que é tia de Arien.
Serpente e Arien se encararam. A jovem parecia extremamente perdida, embora a mais velha já tivesse uma parca noção à que Merit se referia.
― Tia? ― Arien, com sua voz meiga e delicada, expressou sua indignação. ― Eu e Serpente nos conhecemos há um dia.
― Sim, mas ela é filha do seu avô. ― Revelou Merit, sem rodeios. ― Monvegar Eran, que é pai de seu falecido pai, Morius Eran.
― Eu… ― Narael piscou algumas vezes. ― Não sabia disso.
― Ninguém sabia. ― Serpente trincou os dentes. Merit tinha informações demais. ― Essa é uma parte da minha vida que eu prefiro ocultar. Como essa informação chegou até os ouvidos desta Kantaa, eu não sei…
― Ah, eu sei de mais coisas do que você imagina. Como eu disse, ninguém consegue esconder nada de mim. ― E voltou o seu olhar para o chão, embaixo dos pés de Narael. ― Narael, tome cuidado com a grama. Sei que você é capaz de incendiar coisas.
E aquilo foi simplesmente a gota d’agua para que a pouca paciência da jovem se esgotasse com Merit.
― Bem, estou começando a achar que você sabe demais. ― Narael não lidava bem com o fato de ter poderes. Era muita ousadia da parte de Merit achar que poderia tocar nesse assunto sendo uma desconhecida. ― O que está acontecendo? Quem te passou toda essa informação?
E, em sinal de rendição, Merit ergueu os braços; Se não revelasse seu segredo logo, as garotas rapidamente se revoltariam contra ela.
― Tudo bem, essa é a parte em que o mágico revela seu truque. ― Apesar disso, a mulher parecia estar se divertindo com a situação. ― Eu sou capaz de ler a mente das pessoas.
Esclareceu as dúvidas que as três tinham, mas ainda assim não fazia sentido nenhum. Havia alguém no mundo capaz de ler mentes?
― E… ― Narael ergueu uma sobrancelha. ― Você aprendeu a ler mentes onde?
Merit soltou uma risada debochada e a jovem estava tão confusa que sequer conseguia se sentir ofendida.
― Entrem. ― Chamou Merit. ― Eu vou explicar-lhes melhor lá dentro.
E assim fizeram; Serpente, Arien e Narael, todas para dentro da cabana malcuidada no meio da floresta.
Havia uma mesa com uma única cadeira no centro, um caldeirão suspenso acima de uma fogueira e uma janela solitária acima de um armário repleto de cumbucas e colheres. Ao lado do armário, havia uma solitária pia, em que um menino igualmente loiro e de olhos azuis limpava uma cumbuca de madeira. Apesar de um tanto quanto rústica, a casa de Merit não era suja como as meninas imaginaram que seria; Parecia ser um local bastante organizado.
― Bem vindas, meninas. Este é Darian. ― E apontou para o garoto que limpava cumbucas na pia. Ele lançou um sorriso tímido e acenou para as três. ― Ele é meu único filho. Um dia eu fui à cidade, em um bar, fiquei muito bêbada, e…
― MÃE! ― Darian repreendeu, vermelho. ― Todo mundo sabe como se fazem os bebês.
Serpente emitiu uma risadinha.
― Acontece. ― Disse ela, simplesmente.
― Bem, tanto faz. ― Merit deu de ombros. ― Darian é minha criança. Ele parece ser bem jovem, mas completa 22 anos em setembro. Vocês sabiam que até os 12 ele tinha amigos imaginários? ― Darian olhou feio para a mãe, mas Merit não parecia constrangida. ― Eu geralmente não leio sua mente, porque ele detesta. A última vez que fiz isso, para saber o que meu menino queria jantar, Darian estava pensando em beijar e…
― MÃE! ― E o garoto enrubesceu ainda mais. ― Ninguém quer saber disso.
― Você realmente gosta de cortar o meu barato. Está bem. ― Merit revirou os olhos. ― Bem, sejam bem vindos à minha humilde casa. Darian, sirva um pouco de sopa para eles, por favor.
Darian assentiu, mas estava um tanto quanto retraído. Não parecia ser uma pessoa que gostava de contato social.
— Bem… — Merit puxou a cadeira solitária que havia no centro da cozinha. — Espero que gostem da… Ah, Arien, o cheiro não é dos melhores, mas eu garanto que o gosto é melhor do que isso.
— Você… — Arien piscou. — Poderia parar de me ler, por favor?
— A mim também. — Disse Narael, enquanto recebia de Darian uma cumbuca de sopa.
— Acho que nenhuma de nós quer ser lida. — Atestou Serpente, por fim. Merit deu de ombros.
— Que pena. É divertido ler vocês. E… Uau, Narael, eu não tenho certeza se "bonita para sua idade" é um elogio, mas eu vou considerar como se fo… — Narael olhou feio para Merit. — Tudo bem, tudo bem. Nada de leituras. Pois bem, onde estávamos?
— Você estava nos explicando onde aprendeu a ler mentes. — Arien recebeu mais uma cumbuca de Darian e sentou-se ao chão.
— Ah, sobre isso… — Merit se levantou e ergueu o dedo indicador. — Eu tenho um livro que vai lhes ajudar a entender. Espere um segundo.
Com passos ruidosos, Merit se afastou, deixando Darian a sós com as garotas. Ele deixou uma última cumbuca de sopa com Serpente e repousou seu olhar sobre todas, uma de cada vez, e parecia apavorado. Narael optou então por quebrar o silêncio:
— Ela sempre faz isso? — E Darian levou um susto ao notar que a palavra havia sido dirigida a si.
— N-não exatamente. — Com a mãe, o garoto falava com naturalidade. Com Narael, contudo, ele parecia envergonhado. — A-acho que ela gostou de vocês.
Mas a tensão não desapareceu no ambiente até Merit voltar com um grande e empoeirado livro.
A Kantaa o colocou sobre a mesa de centro e assoprou a poeira sobre a capa; Parecia ser parte de um acervo muito velho e antigo.
— Pronto. Aqui está. — Merit disse enquanto limpava o suor da testa, e Serpente foi a primeira a dirigir-se ao livro grosso. — Tudo o que vocês precisam saber. Eu roubei esse livro do meu pai… Ele nem o lê mesmo.
Receosa, Serpente abriu o livro. Não lhe foi muito útil; Tudo o que conseguiu assimilar foram alguns desenhos malfeitos e palavras escritas em uma língua estranha.
— Eu não sou uma grande conhecedora de idiomas… — Serpente coçou o próprio couro cabeludo. — Mas não reconheço a língua aqui escrita.
— E não vai reconhecer mesmo. — Merit esfregou as mãos. — É uma língua muito antiga, já não é mais usada há duzentos anos. É a língua dos magos.
Narael franziu o cenho e Arien quase cuspiu a sopa para fora.
— Mas você a compreende? — Questionou Serpente, e Merit assentiu.
— Alguns Kantaa muito antigos estudavam a língua. Generais de guerra, principalmente. Meu pai era um deles, e me passou este conhecimento. — Explicou Merit. — Eu não sei como andam as gerações Kantaa atuais, mas eu espero que esse conhecimento não tenha se perdido. Parece inútil, veja bem, já que não existem mais magos…
— Magos? — A este ponto, Narael sentia que sua cabeça iria explodir. — Existiram magos de verdade? Achei que era coisa de livro...
— Não para os Kantaa. — Afirmou Merit. — Poucos sabem sobre nossa verdadeira história. No começo dos anos 1700, existia em Carmerrum uma pequena aldeia de magos. Eram poucos, apenas 300. E cada um deles tinha um poder diferente: Alguns controlavam a água, outros o fogo, alguns tinham poder de hipnose, outros domavam animais com facilidade… Eram formidáveis. Está tudo nesse livro, cada detalhe.
— E o que isso tem a ver com os Kantaa? — Foi a vez de Arien se manifestar.
— Ah, criança, mal sabe você… — O olhar de Merit era de pura empolgação. — Os Kantaa estão intimamente ligados aos magos…
— Sério? — A Eran não se continha de curiosidade. — Os Kantaa eram magos?
— Não. — Merit balançou a cabeça horizontalmente. — Os Kantaa odiavam qualquer tipo de bruxaria. Estudaram os magos a séculos a fim de aniquilá-los.
Arien murmurou um "Oh" silencioso.
— Um pouco rude, eu diria. — Retrucou Serpente.
— Então os magos foram aniquilados? — Narael estava decepcionada. Esperava um fim mais positivo para essa história. — Pela sua família?
— Precisamente. — Mas o sorriso não abandonava o rosto de Merit. — Foi em 1720 que os Kantaa organizaram uma expedição para destruir a civilização de trezentos magos que havia em Carmerrum. Eles, pegos de surpresa por um exército altamente equipado e treinado, não conseguiram se defender diante da investida. Li em documentos antigos, não foi encontrado um mago vivo.
— É uma história bem triste. — Murmurou Arien, cabisbaixa. — Eu sinto muito pelos magos.
— Mas nós temos um desfecho interessante para essa história, meus queridos. — Os olhos de Merit brilhavam. — O que eu acho que nenhum Kantaa estúpido se atentou após roubar todo o acervo intelectual dos magos foram às pequenas letras no fim da página 447.
E Merit abriu o livro até a tal página. Trazia alguns desenhos perturbadores de pessoas sendo atravessadas por espadas e lanças; Na página seguinte, a 448, se via algumas imagens espirituais e Narael deduziu que se tratava de reencarnação.
— Você vai ter que traduzir para nós. — Disse Serpente, após esquadrinhar os olhos pela página.
— Claro! — Merit deslizou os dedos sobre os escritos vermelhos no rodapé da página. — Basicamente aqui quer dizer que, no ano de 409 a.C, um sábio teve uma visão, em um dia ensolarado e blá, blá, blá… E previu que toda a nação de magos seria extinta por homens que se chamavam de ursos.
— Os Kantaa! — Concluiu Arien, feliz.
— Sim, minha querida! — Merit saltitou e espalmou as mãos umas nas outras. — A destruição dos magos já estava prevista havia mais de dois mil anos.
— E o que exatamente isso tem a ver com o seu poder de ler mentes? — Narael já estava ficando impaciente. Sentia-se como se estivesse sendo enrolada.
— Você não me deixou terminar, criança. — Repreendeu Merit. — Isso não é tudo na visão. O sábio também previu que, após a destruição dos magos, suas almas reencarnariam em pessoas do mundo todo; Estas almas viriam junto com seus poderes, e seis deles renasceriam em Carmerrum; Isso aconteceria uma vez por ano, até que os trezentos magos houvessem renascido para terminar de cumprir sua função na terra, e seu nascimento seria exatamente no dia em que os magos foram exterminados… O que, segundo os arquivos Kantaa, foi precisamente no dia… Três de setembro!
— Três de setembro! — Exclamou Narael. Ela reconhecia muito bem aquela data. — É o meu aniversário!
— Pois é. — Disse Merit. — Também é o meu.
E a realidade veio para Narael como um dolorido baque. Juntou os pontos: Se tal dia era marcado como a reencarnação dos magos, e ela tinha poderes misteriosos com o fogo… Seria ela um destes renascimentos?
— Eu sou um deles! — Gem*u Narael com a descoberta. Arien imediatamente notou seu espanto e abraçou seu ombro, numa tentativa de consolá-la.
— Sim, Narael, você é. — Merit fechou o livro. — Isso não é legal?
Narael estava prestes a dizer um sonoro e firme não — Ainda se lembrava com riqueza de detalhes de como seus poderes a haviam feito incendiar seu quarto. — Mas Serpente se pôs na frente antes que ela tivesse outra explosão emocional e incendiasse mais alguma coisa por engano:
— E Darian? — O filho de Merit era tão silencioso e retraído que, por vezes, nem se parecia que estava lá. — Lembro-me de você ter dito que seu aniversário era em setembro…
— Ah, Darian não tem poderes. — Respondeu Merit. — Ele nasceu no dia dois. Não é um de nós.
— E como os Kantaa lidaram com os seus poderes? — Tornou Serpente a perguntar. — Achei que tinha dito que eles não suportavam qualquer tipo de bruxaria…
Imediatamente, a expressão de Merit não era mais tão animadora; Ela não parecia estar confortável em tratar daquele assunto, como se ele lhe trouxesse lembranças ruins.
— Eu tentei esconder meus poderes dos Kantaa assim que eles começaram a se manifestar, aos vinte anos. — E sua voz era carregada de dor e amargura. — Mas fui tola e acabei contando. Eu não conseguia controlá-los naquela época, de forma que acabei descobrindo mais do que eu deveria… E não sabia lidar com tanta informação. Era horrível, nada mais era uma surpresa para mim, e eu sabia de coisas perturbadoras sobre as pessoas… Coisas que eu preferia não saber. Isso inclui meu pai. Aos vinte e três, contei para uma amiga que se revelou não tão minha amiga assim… E os Kantaa descobriram que eu era uma bruxa.
— Bruxa? — Perguntou Arien, para dissipar o clima pesado. Narael estava tão chocada com a descoberta sobre si mesma que parecia prestes a chorar.
— É como os Kantaa chamam tudo o que eles não entendem. — Merit deu de ombros. — Enfim, fui considerada um ser maligno e perseguida pelas autoridades, e tive que fugir para cá. Meu irmão me ajudou a construir essa barraca, onde vivi sozinha até o nascimento de Darian… Soube mais tarde que ele foi executado por prestar auxílio a uma bruxa. — E nisso, o olhar de Merit se voltou para Narael. — Não deixe eles descobrirem quem você é, minha jovem. Eles não entendem.
E foi quando Narael efetivamente se pôs a chorar. Arien, comovida com seu pranto, a abraçou forte e a instigou a comer mais um pouco de sopa; A maga do fogo, entretanto, não parecia estar com fome.
— Bem, por hoje é só isso, minhas jovens e Serpente! — A expressão de Merit mudou radicalmente, desta vez transparecendo a animação inicial. — Vocês tem lugar para dormir? Não adianta mentir para mim, porque eu sei a resposta! Bem, vou arrumar um lugar para vocês deitarem. Duas de vocês podem ficar com o Darian e uma fica comigo, no meu quarto…
— Mãe. — Repreendeu Darian. — Você não pode hospedar todo mundo na nossa casa.
— Eu posso e eu vou. — Disse Merit, ríspida, respondendo ao filho. — Ignorem o Darian. Vou arrumar um lugar para vocês dormirem e um cobertor que as proteja do frio. Aqui é como coração de mãe, sempre cabe mais um.
E saiu em direção ao quarto, deixando Arien, Narael e Serpente sozinhas com Darian. Serpente riu, sentou-se na cadeira solitária que havia na cozinha e cruzou os braços.
— Isso vai ser divertido. — Disse ela, por fim.
Fim do capítulo
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