Inflamável por HumanAgain
Capitulo 5 - No ninho das águias
A verdade é que matar seus compromissos para visitar Arien não fora uma tarefa tão trabalhosa quanto Narael pensou que seria. Ela havia esquecido que o dia cinco de março era aniversário de Loenna, feriado nacional. Portanto, suas aulas haviam sido canceladas.
Contudo, como sempre acontecia nesta data, a rainha promovia um baile para seus súditos. Tecnicamente, Eran, Kantaa e Saphira não eram proibidos de participar, mas seriam hostilizados se o fizessem; Arien, desta forma, não estava presente.
Havia um inconveniente: Eliah esperava que Narael estivesse do início ao fim das festividades para que estivesse familiar com elas. Narael não se importava, seu aniversário era em setembro e tinha certeza que, quando fosse rainha, não iria promover bailes apenas para comemorar um número a mais em sua idade. Deixaria as festas com aqueles que gostam delas ㅡ Não tinha dúvidas de que em seu governo teriam vários.
Nos jardins da mansão Nalan, as pessoas bebiam, comiam e festejavam. E Narael já tinha seu plano formado; Enquanto os festeiros se divertiam, a jovem importunou a mãe com uma puxada em seu vestido.
ㅡ Mãe… ㅡ Chamou ela, ao passo em que Eliah roubava alguns doces da mesa.
A mãe de Narael virou-se de sobressalto; todos os doces que ela escondia entre o pano do tecido foram ao chão.
ㅡ Inferno. ㅡ Resmungou a mulher. Tinha já seus 48 anos e, aprumada para a festa de Loenna, estava muito bonita. ㅡ O que você quer, Narael?
ㅡ Eu estou me sentindo entediada. ㅡ Era verdade. ㅡ Queria sair um pouco para caminhar ao léu, nas ruas. ㅡ Era mentira.
Eliah fuzilou a jovem com o olhar. Obviamente ela não deixaria as vontades da garota serem cumpridas de maneira tão fácil, mas Narael tinha uma carta na manga.
ㅡ Querendo fugir de novo, Narael? ㅡ A mãe estava decepcionada. ㅡ Você está tão bonita. Por que não procura um rapaz para dançar?
De fato, Narael havia se aprumado para a festa; A jovem era bastante vaidosa e gostava de se ver bem no espelho. Não apenas o vestido de Aya a havia lhe dado uma beleza singular, mas também a maquiagem que fizera questão de aplicar antes de descer para o baile.
ㅡ Não quero perder tempo com esses homens. ㅡ A maioria deles mal sabia dançar e eram péssimos conquistadores. ㅡ Por favor, mãe…
ㅡ Você sabe que não, Narael. ㅡ Eliah era de fato inflexível. ㅡ É necessário para sua iniciação como rainha que você frequente a todas as festas…
ㅡ Loenna permitiu que eu saísse. ㅡ Era sua carta na manga.
A verdade é que Loenna pouco interessada na presença de Narael estava; Quando a jovem perguntou para a rainha se poderia abandonar a mansão Nalan por alguns minutos, Loenna parecia muito mais interessada em trocar cortejos com um rapaz de 25 anos ㅡ Que provavelmente só estaria empenhado em levá-la para a cama e nada mais, mas havia grandes chances de que este fosse o intuito da rainha Nalan também. ㅡ e permitiu a saída de Narael apenas para se livrar da garota. De qualquer forma, Narael tinha o seu aval.
ㅡ Ela… ㅡ Eliah estava sem palavras. ㅡ Permitiu, é?
A jovem Wuri fez que sim. A simples menção ao nome de Loenna fazia Eliah tremer da cabeça aos pés.
ㅡ Neste caso, minha filha, você pode ir. ㅡ E ela sequer precisava ter contado a verdade; Eliah não iria checá-la. ㅡ Mas volte logo, tudo bem? As festividades são importantes para a formação de uma nova rainha.
Narael, certa de que demoraria muito tempo na casa dos Eran, assentiu para a mãe e prometeu voltar em menos de uma hora. E seguiu seu caminho.
A boa memória da garota a permitia saber onde os irmãos de Arien residiam; Lembrava-se de dois dias antes, onde havia trazido o corpo de Júnior para aquela casa simples e confortável. Havia guardado seu endereço: Rua Jorwon Sweri, 891. Era curioso, Narael morava hoje naquela que havia sido um dia a residência de Morius e seus filhos.
Não era muito longe dali, apenas alguns quarteirões. Quinze minutos caminhando e a garota chegaria; Quentin Nalan era, afinal, um ovo. Conhecida outrora como cidade dos Eran, hoje em dia os fundadores da cidade tinham liberdade apenas quando o povo não estava presente: Eram odiados em toda a sua essência.
Narael ouvira histórias terríveis dos Eran e de seus crimes do passado. Diziam que matavam à revelia, desprezavam o povo e exploravam os mais pobres. Acreditava de fato que isso fosse verdade, mas será que depois de alcançada a igualdade, era justo que lhes fosse tirada toda a sua humanidade?
Deu de ombros. Não cabia a ela fazer essa reflexão. Não estava no lugar dos que foram explorados, maltratados e humilhados por anos. Nascera em berço de ouro e num país mais justo; Mas que lhe doía o coração ver pessoas sendo ostracizadas apenas por seu sobrenome, doía.
E, finalmente, a menina chegou ao seu destino; A casa dos irmãos Eran. Havia um falcão pintado na porta, demonstrando que os antigos donos da cidade ainda tinham orgulho de serem quem são. Era uma casa simples, bem cuidada, relativamente pequena; Contudo, parecia ser um lugar agradável de se morar. Hesitou por alguns segundos; Mas, após um longo minuto de reflexão, Narael bateu na porta, fazendo o ruído mais alto que podia.
Uma janela foi aberta a um metro da porta. Era Júnior, com um olho completamente inchado e o outro em estado deplorável. Não parecia se lembrar de Narael; Correu o olhar enfraquecido por toda a sua extensão, com a desconfiança estampada em suas feições.
ㅡ Quem é você? ㅡ Era praticamente um rosnado. ㅡ Não é uma Eran.
ㅡ Não. ㅡ Disse Narael. ㅡ Eu sou amiga de Arien. Vim visitá-la.
ㅡ Amiga de Arien? ㅡ Júnior estava desconfiado. Era quase como se duvidasse que a irmã tinha amigas. ㅡ De onde você a conhece?
ㅡ Daquele domingo em que vocês foram espancados. ㅡ Não havia forma delicada de se dizer isso. ㅡ Eu te carreguei da praça central até aqui. Você não se lembra porque estava desacordado.
Júnior estreitou o olhar. Narael não havia sido convincente.
ㅡ O que quer da nossa família? ㅡ Retornou ele. ㅡ Sei que não gostam da gente. Tome o que quiser de nós, mas eu não vou deixá-la machucar Arien.
ㅡ Eu não quero machucar a sua irmã. ㅡ Prometeu Narael. ㅡ Pergunte a ela. Já conversamos antes e ela pode confirmar que vim em paz.
Era tão triste se dar conta de que o Eran teria de ser desconfiado ao extremo para manter a segurança de sua família. Júnior, ainda receoso, fuzilou Narael com o olhar.
ㅡ Eu vou perguntar a ela. ㅡ Respondeu, por fim. ㅡ E é bom você estar falando a verdade.
Narael fez que sim. Júnior fechou a janela e sumiu por alguns minutos; A jovem supôs que teria se retirado para consultar a irmã.
Cerca de cinco minutos mais tarde, um barulho de chave sendo passada na porta pôde ser ouvido; O belo falcão dourado se abriu e deu lugar a um carrancudo Morius, que caminhava com o auxílio de muletas, tendo o corpo todo roxo.
ㅡ Arien disse que conhece você. ㅡ Mas Júnior não abandonava a rispidez; Sua antipatia por Narael era visível. ㅡ Mas tome cuidado com o que você vai fazer. Por nossa irmã, nós daremos a vida, se for preciso. Ela está vindo.
Narael, certa de que não queria arrumar confusão com os Eran, assentiu com a cabeça e adentrou a casa de Morius Eran Jr.
Mal havia pisado na sala e um cheiro forte de cigarro invadiu suas narinas; Logo se deparou com um terceiro Eran, este que lia um jornal enquanto fumava. Estava entre 25 e 30 anos e tinha, assim como seus irmãos, pele amorenada e cabelos cacheados, que orbitavam sua cabeça como se fossem uma coroa. Ele era muito bonito, e talvez Narael houvesse passado tempo demais o encarando.
O irmão de Arien percebeu.
ㅡ O que é? ㅡ Era tão bonito quanto era grosso. ㅡ Perdeu algo aqui?
ㅡ Não! Eu… ㅡ Narael gaguejou. ㅡ Desculpe. Estou procurando por Arien.
O Eran mal-humorado abriu a boca para dar uma contra-resposta, mas Arien imediatamente surgiu das sombras e presenteou Narael com um apertado abraço.
ㅡ Narael! Você veio! ㅡ Ela estava feliz a níveis imensuráveis. ㅡ Fiquei com medo que fosse desistir. Mas você está aqui!
ㅡ Você conhece essa garota, Arien? ㅡ O homem do jornal soltou um fio de fumaça pela boca.
ㅡ Conheço, Lochiar. ㅡ Os instintos infantis de Narael queriam mostrar o dedo do meio para o Eran, mas ela se conteve. ㅡ Ela é minha amiga. Narael, esse é Lochiar, meu irmão. Ele é um pouco mal-humorado.
“Deu para perceber”, pensou a jovem.
ㅡ Espero que você não nos traga problemas. ㅡ E Lochiar voltou a se concentrar no jornal. ㅡ Se machucar Arien, nós vamos até o inferno atrás de você.
E mais uma vez Narael se viu fazendo que sim. O que afinal tinha de errado com os Eran que todos achavam que a garota era uma ameaça para sua irmã?
Só então a jovem Wuri teve tempo para analisar a sala dos irmãos de Arien. Era de tamanho médio, aconchegante; Algumas prateleiras com livros estavam nas laterais, dois sofás vermelhos preenchiam o espaço e no centro estava uma mesa com um vaso de flor. Havia um tapete marrom debaixo de seus pés.
Mas, certamente o que mais atraiu a atenção de Narael fora o imenso quadro que estava pendurado na parede; Uma bela pintura. Nela se via um homem branco, alto e magro, de cabelos pretos e cavanhaque, junto a uma mulher negra, de cabelos crespos escuros, olhos penetrantes e um corpo gordo e baixo; Ambos traziam um falcão em linhas douradas estampadas nas roupas. Senhor e senhora Eran.
ㅡ São seus pais? ㅡ Aproveitando que Lochiar não mais voltava sua atenção para Narael, a jovem se pôs a fazer perguntas para a amiga.
Arien fez que sim.
ㅡ Meu pai, Morius, foi morto na guerra. ㅡ E tocou com três de seus dedos a gravura de seu pai na sala. ㅡ Eu estava para completar dois anos de idade. Não tenho lembranças dele.
ㅡ E sua mãe? ㅡ Narael não lembrava de ter ouvido Arien mencionar a mãe durante suas conversas.
A garota suspirou fundo.
ㅡ Saraen, minha mãe, morreu três anos depois. ㅡ Arien mordeu os lábios. ㅡ Ela se matou por sentir falta do meu pai. Não tenho lembranças nítidas dela, eu tinha cinco anos de idade quando tudo aconteceu. Mas meus irmãos dizem que ele era rígido e protetor, e ela doce e amorosa.
ㅡ Eu… ㅡ Narael diminuiu o tom de voz para que Lochiar não a ouvisse. ㅡ Ouvi algumas coisas terríveis de Morius.
ㅡ Bem… ㅡ Arien, ríspida, parecia profundamente ofendida. ㅡ E eu ouvi coisas terríveis de Loenna Nalan. Acho que nós estamos quites, então.
Logo Narael se deu conta de que aquilo não deveria ter sido dito. Droga, iria perder sua amiga por um deslize bobo. Difamar para Arien o seu próprio pai? Se alguém dissesse algo parecido de Digan, a jovem não teria dúvidas que lhe daria um soco nos dentes.
ㅡ Desculpe! ㅡ Apressou-se Narael em dizer. ㅡ Tenho certeza de que Morius foi uma ótima pessoa. Muito melhor do que Loenna. Eu…
ㅡ Está tudo bem, Narael. ㅡ Arien suspirou. ㅡ Meu pai tinha seus defeitos. O poder o corrompeu e ele achou, por um momento, que podia fazer o que quisesse. Mas, o que ninguém nega, é que foi um bom marido para minha mãe e um excelente pai para meus irmãos. Eu queria poder tê-lo conhecido de verdade… Para muitos, ele foi um vilão, mas para nós ele é um herói.
E, nisso, Narael mordeu o lábio inferior. Ansiava ter conhecido o pai tanto quanto Arien; Nisto, ambas estavam no mesmo barco.
ㅡ Também não conheci meu pai. ㅡ Ela admitiu. ㅡ Sou filha de Digan Wuri. Ele morreu na guerra quando minha mãe ainda estava grávida. Entendo o seu sentimento…
ㅡ Não. Você não entende. ㅡ Disse Arien, soturna. ㅡ Você não entende porque seu pai é um herói nacional. Meu pai é um vilão, todos o pintam como monstro sem se preocupar que ele tinha dois lados. Digan Wuri é o nome de uma cidade de Carmerrum, Morius Eran foi jogado no esgoto da história.
Constrangida, Narael manteve-se em silêncio. O barulho das páginas viradas do jornal de Lochiar podia ser ouvido; Como será que era viver sendo filha de Morius Eran após a revolução? Ninguém jamais havia se perguntado. Nem Narael, nem ninguém.
ㅡ Bom, eu vou te levar ao meu quarto! ㅡ Quase como se quisesse esquecer aquele assunto sombrio, Arien desviou os rumos da conversa. ㅡ Tem várias coisas legais lá, você vai ver!
Narael estava suficientemente satisfeita por não ter perdido a amiga com sua falta de tato; Assentiu com a cabeça e seguiu uma saltitante Arien pelo caminho até seu quarto, que invariavelmente passava pela cozinha.
Ali, um terceiro homem, também de pele amorenada e cabelos cacheados, lavava pratos na pia. Este aparentava ser um pouco mais velho que Lochiar, certamente já havia atingido a marca dos 30, e não havia se atentado à presença de Narael até o momento.
ㅡ Oi, Ashlor! ㅡ Cumprimentou Arien. Ashlor desligou a torneira, limpou o suor da testa e lançou um sorriso para a irmã.
ㅡ Oi, Arien! ㅡ Disse ele. ㅡ Quem é a garota?
ㅡ Ah, essa é a Narael. ㅡ Narael, tímida, ergueu uma mão e cumprimentou o homem. ㅡ Ela é minha amiga.
ㅡ Prazer em conhecê-la, Narael. ㅡ Este parecia ser o mais simpático dos irmãos. ㅡ Toda amiga de Arien é minha amiga também. Mas, se você machucá-la…
ㅡ Você vai até o inferno atrás de mim. ㅡ Até agora, já pode-se contar um exército de três atrás de Narael. ㅡ É, eu fiquei sabendo.
ㅡ Que ótimo. ㅡ Ele sorriu. ㅡ Divirtam-se, meninas. Se precisarem de mim, eu estou aqui.
ㅡ Obrigada, Ashlor! ㅡ Disse Arien, com entusiasmo. ㅡ Ashlor é o meu irmão mais legal. Ele disse que, se um dia eu namorar, poderia contar a ele.
ㅡ Pelo menos ele não me odeia. ㅡ Murmurou Narael. E, a este ponto, isso já era um grande feito.
ㅡ Nenhum deles te odeia. ㅡ Narael duvidava um pouco. ㅡ Vem, vou te mostrar o meu quarto.
E, ao abrir o quarto, Narael se deparou com uma cama solitária, uma mesinha de cabeceira, um abajur e um pequeno guarda-roupa. Havia também uma penteadeira de frente para a cama, embora Arien não aparentasse ser muito vaidosa.
ㅡ O que quer me mostrar? ㅡ Parecia ser um quarto comum. Nada de muito espetacular.
ㅡ Isto aqui. ㅡ E, pondo-se na frente de Narael, Arien abriu o guarda-roupas.
Lá haviam vários vestidos, um mais belo que o outro. Era um verdadeiro arco-íris de roupas, ali tínhamos vestimentas azuis, vermelhas, verdes; Pérolas, flores, babados, rendas. Era uma verdadeira festa para Narael.
ㅡ Como você está bem vestida… ㅡ Arien levou uma mão aos cabelos. ㅡ Achei que gostaria deles. Parece ser uma pessoa vaidosa.
ㅡ Eu sou. ㅡ E ela não tinha certeza se deveria orgulhar-se daquele aspecto de sua personalidade ou não. ㅡ Mas eu não sabia que você gostava de vestidos.
ㅡ Eu não gosto de usá-los. ㅡ O estilo despojado de Arien denunciava; Ela preferia as roupas casuais. ㅡ Mas eu gosto de fazê-los.
Narael piscou duas vezes. Então Arien era uma costureira?
ㅡ Não sabia que você costurava. ㅡ O acabamento das vestimentas era impecável, notou Narael.
ㅡ Bom, temos que fazer algo para ganhar a vida, afinal. ㅡ Brincou Arien. ㅡ Não temos problemas com dinheiro. Meus irmãos trabalham numa metalúrgica e todo o lucro da fábrica é repartido entre os funcionários. Já eu trabalho de costureira, e quando não vendemos os vestidos, podemos levá-los para casa.
ㅡ Deve ser interessante. ㅡ Narael nunca havia trabalhado. Seus dias se resumiam a ser fantoche de Loenna Nalan e suas aulas estúpidas.
ㅡ Eu gosto do meu trabalho. ㅡ Ela disse. ㅡ Pegue um vestido para você. Tenho quase certeza de que alguns são do seu tamanho.
Narael piscou. Aquilo seria… Um presente?
ㅡ Você está me dando um vestido? ㅡ Narael adorava vestidos, e os de Arien eram lindos.
ㅡ Estou. ㅡ Disse ela. ㅡ Vamos, escolha um. Um presente meu para você.
Era tudo o que Narael precisava. Sorriu, e com entusiasmo se pôs a remexer os vestidos que havia no guarda roupa. A maioria deles, é verdade, era de uma numeração muito pequena para a garota, mas alguns eram de uma confecção maior e não teriam problemas em se ajustar ao seu corpo.
Por fim, Narael escolheu um belo vestido vinho de cetim; Ele cheirava bem, cheirava como Arien. Observou-o por alguns segundos e acreditou que ele se ajustaria ao seu corpo.
ㅡ Muito obrigada, Arien. ㅡ Narael não conseguia esconder a sua felicidade.
ㅡ De nada. Esse vestido vai ficar ótimo em você. ㅡ Disso, Narael não tinha dúvidas. ㅡ Espero que você esteja feliz.
E a jovem estava prestes a agradecer, quando ouviu uma voz desconhecida irrompeu da sala:
ㅡ Cheguei, família! ㅡ Acompanhando a voz, ressoou o bater de uma porta. ㅡ Fiz as compras do mês. E aí, Lochiar, tudo bem?
ㅡ Você leu as notícias hoje? ㅡ Pelos pressentimentos de Narael, Lochiar nunca estaria bem humorado. ㅡ Só desgraça. Não tem como estar bem.
ㅡ Você é muito mal-humorado. ㅡ Constatou o óbvio. ㅡ Vou levar essas compras para a cozinha… Venha, Ethel.
Então havia uma segunda pessoa com ele. Narael escutou uma risada de criança vinda da sala.
ㅡ Quem são? ㅡ Perguntou a Arien.
ㅡ Na sala? Meu irmão Kyedar e meu sobrinho Ethel. ㅡ Respondeu ela. ㅡ Ethel tem sete anos. Ele é filho de Kyedar e mora conosco desde que a idiota da mãe se recusou a ficar com ele pelo fato do garoto ser meio Eran.
ㅡ Ela… Rejeitou o filho? ㅡ Narael sabia que alguns homens faziam isso; E os considerava tão errados quando a mulher que havia feito o mesmo com Ethel.
ㅡ Precisamente isso. ㅡ Arien nitidamente não gostava daquela mulher. ㅡ Ela sequer aparece para lhe dar feliz aniversário. Abandonou Ethel completamente e agora ele é um menino sem mãe.
Narael reservou um tempo para digerir a informação que lhe estava sendo fornecida. Ethel fora rejeitado apenas por ter sangue Eran; A marginalização social da família de Arien era real e cruel.
ㅡ E aí, Ashlor? ㅡ Cumprimentou Kyedar.
ㅡ Tio Ashlor! ㅡ Definitivamente era uma voz de criança.
ㅡ Bom dia, Kyedar. Bom dia, garotão. ㅡ Havia entusiasmo no tom de voz de Ashlor. ㅡ Estamos com visitas.
ㅡ Visitas? Muito me surpreende. Somos os monstros cruéis e sanguinários da cidade. ㅡ Brincou ele. ㅡ Quem é, a tia Myrtha?
ㅡ Por incrível que pareça, não. ㅡ Narael escutou o som da torneira sendo desligada. ㅡ Vá até Arien, ela vai saber te explicar melhor.
ㅡ Amigos novos! ㅡ Era a voz de Ethel ao fundo.
Narael sentiu um frio na barriga ao escutar os passos de Kyedar se aproximando do quarto de Arien; Tinha medo de ser rejeitada por mais um membro da família da amiga. Teria de se apresentar novamente para mais um Eran e soar amigável desta vez.
Quem apareceu primeiro, contudo, foi Ethel. O garoto estava sorridente e saltitante e, ao vislumbrar Narael, gritou para o pai:
ㅡ Olha, papai! ㅡ E apontou para a jovem. ㅡ Ela é bonita.
Kyedar adentrou o quarto de Arien em seguida. Não estava menos entusiasmado; De todos os irmãos, era o único com a pele branca, mas os cabelos cacheados se mantinham. Pelas impressões de Narael, era mais velho que Ashlor, mas mais novo que Júnior; 35 anos, talvez.
ㅡ Ela é sim, Ethel. ㅡ Confirmou Kyedar. ㅡ Muito bonita.
Narael sentiu-se corar. Não esperava receber aquele elogio, principalmente vindo de um homem tão belo.
Voltando a Ethel, era uma criança adorável. Tinha a pele branca como o pai, cabelos igualmente cacheados e seus olhos eram castanhos; Praticamente uma cópia em miniatura. Não tinha a marca Eran nos braços, talvez uma tentativa da família em evitar que fosse hostilizado. Ele trazia em suas mãos uma batata que havia pegado da feira e a deu nas mãos de Narael.
ㅡ Isso é pra você. ㅡ E o garotinho sorriu. ㅡ Presente.
ㅡ Ah. ㅡ Apesar de ser um presente um tanto quanto inusitado, Narael sorriu. Somente o seu gesto já era um sinal de carinho. ㅡ Obrigada. Eu vou guardar com carinho, viu?
Tanto Kyedar quanto Arien riram da ação de Ethel. Talvez o cozido com esta batata fosse mais especial do que com as outras.
ㅡ Qual o seu nome? ㅡ Continuou o menininho, ainda animado. ㅡ O meu nome é Ethel.
ㅡ Prazer em conhecê-lo, Ethel. ㅡ Narael cumprimentou a criança. ㅡ Eu sou Narael.
ㅡ Você não é uma Eran, é? ㅡ Kyedar também parecia hospitaleiro. Ele e Ashlor eram anfitriões melhores que os outros dois irmãos.
ㅡ Não. ㅡ Respondeu Narael à esta pergunta pela segunda vez. ㅡ Eu sou filha de Digan Wuri.
ㅡ Você deve ter muito orgulho disso. ㅡ Sorriu Kyedar. ㅡ Dizem que ele morreu lutando contra os Kantaa.
ㅡ Meu pai foi um homem incrível e valente. ㅡ Narael tinha muito orgulho de suas origens. A parte de si que vinha de Digan era sua melhor parte. ㅡ Uma pena que tenha morrido tão jovem.
ㅡ Homens valentes partem cedo. É, infelizmente, uma regra da vida. ㅡ Respondeu Kyedar, pesaroso. Narael concordou. ㅡ O que você faz da vida, Narael?
ㅡ Eu não faço nada. ㅡ E era com muito pesar que admitia isso; Preferia ter um trabalho a ser exposta àquelas aulas insuportáveis. ㅡ Estudo para ser sucessora de Loenna Nalan.
Kyedar arregalou os olhos; Estático, ele cerrou os punhos. Era como se Narael acabasse de dizer algo que não deveria.
ㅡ Você o que? ㅡ Cada palavra era, agora, proferida com desprezo.
ㅡ Estudo… Para ser sucessora de Loenna Nalan. ㅡ As palavras saíam de Narael com dificuldade; Não era preciso ser um gênio para descobrir que dizer a verdade havia sido uma péssima ideia.
ㅡ Arien, você perdeu a cabeça? ㅡ Kyedar voltou-se para a irmã. ㅡ Você trouxe a filha de Loenna Nalan para dentro de nossa casa?
ㅡ Eu não sou fi… ㅡ Apressou-se Narael a corrigir, mas o Eran não permitiu.
ㅡ Cale a boca, você! ㅡ Toda a simpatia do homem havia se esvaído por entre seus dedos. ㅡ Vamos, Arien, me responda. Que ideia foi essa?
ㅡ Ela é minha amiga, Kyedar! ㅡ Arien se impôs. ㅡ Eu já tenho 22 anos e não sou uma criança. Não é justo que vocês fiquem me controlando como se eu tivesse sete!
ㅡ Se você tivesse noção, isso não seria necessário. ㅡ Kyedar estava furioso. Seu rosto estava vermelho como um pimentão. ㅡ Você sabe quem é Loenna Nalan, Arien? Você sabe o que ela pensa de nós?
ㅡ Narael é diferente. ㅡ Tornou Arien a desafiar.
ㅡ Diferente é o meu p… ㅡ Kyedar reprimiu-se para não proferir um palavrão. ㅡ Essa mulher cortou a cabeça do nosso pai e a exibiu para uma multidão de pessoas. Ela diz com todas as letras que não terá problemas em nos matar se não seguirmos suas regras. E você me traz a filha dela para nossa casa?
ㅡ Eu não sou… ㅡ Novamente Narael tentou corrigir a informação incorreta, mas Kyedar estava furioso demais para isso.
ㅡ CALE A BOCA! ㅡ Esbravejou ele. ㅡ Você vai tirar essa mini Nalan daqui AGORA, Arien. AGORA.
Imediatamente, Ashlor apareceu na porta do quarto. Havia uma sujeira de geléia no canto de seus lábios.
ㅡ O que está acontecendo aqui? ㅡ Perguntou ele, atento ao berreiro.
ㅡ A nossa irmã teve a BRILHANTE ideia de trazer a filha de Loenna Nalan para casa. ㅡ Resmungou Kyedar. ㅡ O que você tem a dizer sobre isso, Ashlor?
Ashlor emitiu um “tsc tsc” com a boca e balançou a cabeça horizontalmente. Narael, desta vez, não teve ânimo para corrigir a informação.
ㅡ Isso foi uma péssima ideia, Arien. ㅡ Sereno, porém não escondia seu descontentamento. Esse era Ashlor. ㅡ Tire essa garota daqui antes que Lochiar descubra e resolva matá-la. E, de preferência, não a veja mais, antes que ela mate você.
ㅡ Eu jamais… ㅡ E, como se não houvesse aprendido das primeiras vezes, Narael tentou se manifestar. Mas ela obviamente não seria ouvida ali.
ㅡ CALE A BOCA! ㅡ Kyedar tornou a berrar. Estava fora de controle. ㅡ Saia daqui antes que sua mãe ache que nós a sequestramos e queira nos matar por isso. Você está nos colocando em perigo.
Narael e Arien se entreolharam. A criança, assustada, apenas corria os olhinhos pela cena e escondia-se em um canto do quarto, preocupada com o que aconteceria a seguir. Diante das circunstâncias, só havia uma decisão a ser tomada.
ㅡ Eu vou te acompanhar até a saída, Narael. ㅡ Disse Arien, repousando o braço pelos ombros da garota.
Narael suspirou fundo. Passou por entre Kyedar e Ashlor e, ainda em alto e bom som, conseguiu ouvir a voz do mais novo:
ㅡ Evite dizer para Lochiar e Júnior que isso aconteceu. ㅡ Ele era o solucionador de conflitos. ㅡ Eles vão ficar irados.
E, ao finalmente alcançar a saída da casa de Arien, as moças se entreolharam mais uma vez, mas a Eran parecia constrangida; Não esperava que aquilo fosse acontecer. Certamente, aquela humilhação a que havia exposto Narael não estava em seus planos.
ㅡ Eu não queria que isso tivesse acontecido. ㅡ Arien alisou os próprios braços. ㅡ Mil desculpas, Narael…
ㅡ Tudo bem. ㅡ Não estava exatamente tudo bem, mas não era culpa de Arien; Nem por um segundo. ㅡ Foi bom antes do seu irmão surtar. E eu ganhei um vestido novo.
Arien emitiu um sorriso de canto de boca.
ㅡ Ainda somos amigas? ㅡ Ela parecia extremamente preocupada com a resposta desta pergunta.
ㅡ É claro. ㅡ E desta amizade Narael não queria se desfazer. ㅡ Nós somos tão amigas que...
E, então, veio uma ideia maluca em sua mente.
ㅡ Você pode vir à minha casa quando quiser. ㅡ Disse, sem pensar muito.
Arien arqueou as sobrancelhas.
ㅡ Quando eu quiser? ㅡ O sorriso não cabia em seu rosto. ㅡ Pode ser… Na próxima sexta?
ㅡ É claro. ㅡ E Narael esperava dar a Arien uma recepção melhor do que os Eran haviam dado a ela. ㅡ Eu estarei lá para recebê-la.
ㅡ Eu vou adorar, Narael! ㅡ Arien apressou-se em abraçar a jovem. ㅡ Obrigada pelo convite! Eu vou… ㅡ E abaixou o tom de voz. ㅡ Dar um jeito de enganar meus irmãos e aparecer lá.
ㅡ Estarei esperando por você. ㅡ Loenna e Eliah eram particularmente intransigentes, mas Euler, Lenrah, Fowillar e a doce Aya de certo seriam extremamente bem receptivos. ㅡ Até breve, Arien.
ㅡ Até. ㅡ Despediu-se a jovem Eran, partindo o abraço.
Fim do capítulo
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