Diga meu nome por Leticia Petra e Tany
Capitulo 2 - Conhecendo a concorrência.
16 de agosto.
Teria algumas horas de descanso antes de voltar para o segundo round, então decidi levar a Ana Clara até a nutricionista, seria o primeiro passo e um momento muito importante para ela. A esperei em frente à escola, esperando-a aparecer, o que não demorou. Ana entrou, parecia um pouco mais animada.
Apontei para o cinto e ela rolou os olhos.
— Verde combina com a sua pele. Destaca o seu cabelo bagunçado e os olhos castanhos escuros. – Zombou, apontando para o meu uniforme embaixo da jaqueta jeans.
— Cala a boca. – Minha irmã riu. — Me disseram que ela é uma ótima profissional e uma pessoa bem gentil.
Dei partida.
— A mamãe me mandou mensagem mais cedo... – Ana torceu o beiço. — Ela quer que eu vá com ela até o shopping comprar o presente do papai e um vestido, barrou qualquer outra roupa. É obvio que não vou usar.
— Às vezes me pergunto o motivo da mamãe ser assim conosco. – Parei no sinal. — O vovô e a vovó não são assim. A tia Lu é tão gentil.
A minha mãe era uma incógnita para nós.
— Não sei como o papai e ela, sabe... – Aspirei o ar com calma. — Ele é tão legal e até mesmo defendeu o Luke.
— Não vamos mais falar dela, hoje é só sobre você. Estou muito orgulhosa, Ana... – Ela já havia passado por muita coisa.
Coisas que ninguém deveria passar.
— Obrigada por estar indo comigo, Lara. Você sim é uma mãe pra mim. – Aspirei o ar com calma, segurando o choro.
— Sei o quanto é importante, Ana. Jamais te deixaria sozinha nessa... – Chegamos em frente à clínica. — Você poderá contar comigo pra tudo. Pra tudo, Ana Clara.
— A reciproca é verdadeira. Acho que ainda vamos sair do armário juntas. – A seriedade do momento foi quebrada.
Olhamos para a outra, rindo em seguida.
— Vamos entrar, palhaça...
Deixamos o carro, a clínica foi indicada por Antonella, que rasgou elogios ao lugar e ela nunca errava. Entramos e não havia ninguém, pois o horário era de almoço para a maioria, então seriamos atendidas rapidamente. Chegamos à recepção e atrás de um balcão preto, havia uma atendente, mas ela nem ao menos percebeu a nossa presença, pois uma idiota descaradamente estava flertando com ela.
— Você não presta, Yas... – Rolei os olhos.
— Aí, me magoou, Gabi. – É sério isso?
A recepcionista estava visivelmente se derretendo.
— O cabelo dela é legal. – Ana cochichou.
A ruiva, que estava de costa para nós, aparentava ter a mesma altura que eu, corpo esbelto, a pele parecia ser extremamente bem cuidada. Usava roupas de academia e os fios vermelhos estavam presos em um rabo de cavalo.
— Deve ser de farmácia... – Aquilo já estava me irritando. — Com licença, temos uma hora marcada. Troquem de número e deixem pra flertar em outro momento. Pode ser? Eu agradeço se agilizarem.
A recepcionista levantou, assustada, porém a ruiva apenas se virou lentamente e por todos os deuses, ela era muito bonita.
Fiquei momentaneamente desnorteada.
— Uau... – Ana soltou.
— Gostei da dica. – Sua voz firme soou debochada. — Você vai me dar o seu número, não é Gabi?
Dá para acreditar na audácia dessa mulher?
— Gabi, a paciente... – Uma mulher loira e muito bonita, surgiu por uma porta e parou de falar assim que nos viu. — Boa tarde.
Ela olhou para a ruiva e depois novamente para nós.
— Você deve ser a Ana Clara. – Ela apontou para mim.
— Não, ela é a Ana Clara. – Minha irmã estava estranhamente muda.
— Ah, entre, por favor. Você é a acompanhante dela? Se quiser, também pode entrar. – Sua voz era mansa.
— Eu aceito, muito obrigada.
Ana e eu entramos na sala e eu senti o olhar da ruiva sobre nós. Por um momento, a achei familiar.
— E você, me espera mais um pouco e se comporta. – A nutricionista a advertiu.
— Pode deixar... – A ruiva respondeu, cínica.
— Muito prazer, eu sou a Rafaela. Sentem, por favor... – Fizemos o que ela pediu.
— Sou a Lara, irmã da Ana...
— É um prazer, meninas... – Ela sorriu. — Então, Ana, o que a trouxe aqui?
Olhei para a minha irmã.
— Bem, eu estou abaixo do peso ideal. Queria chegar a um peso normal da forma correta. – Rafaela a ouvia com atenção. — Preciso de ajuda.
A loira sorriu.
— Vamos fazer alguns pequenos testes, recolher alguns dados. Pode ser? Fique de pé, por favor...
Rafaela passou a fazer os testes em uma muda Ana Clara, o que eu estranhei muito, pois Ana fala pelos cotovelos, porém deixaria para perguntar depois. Ela retirou algumas peças do uniforme da escola e nesse momento, notei um certo desconforto.
— Ei? Não precisava ficar com vergonha. – Rafaela falou, com um tom gentil e acolhedor. — Não estou aqui para julgar qualquer coisa. A única coisa que farei é te ajudar a chegar no seu objetivo. Tudo bem?
Ana balançou a cabeça em positivo, retirou a parte de cima do uniforme.
— Obrigada pela confiança, Ana. Posso te chamar assim? Só Ana?
Minha irmã sorriu.
— Pode sim. Posso te chamar de Rafa? – Ergui a sobrancelha.
Então é isso...
— Claro! Eu adoro o apelido...
Rafaela continuou tirando as medidas, finalizando logo em seguida.
— Então, você tem um metro e sessenta e cinco, está pesando quarenta e cinco quilos. Nossa meta será alcançar os cinquentas e cinco. Tudo bem?
Ela continuou a conversar com a Ana, explicou várias coisas e a aconselhou a frequentar a academia ao menos três vezes na semana, para que o processo fosse ainda mais completo. Por fim, voltaríamos na semana seguinte.
Nos despedimos e novamente, a Antonella acertou em cheio.
Ao passarmos pela recepção, não avistamos mais a ruiva xavequeira. Ainda bem, pois eu não fui com a cara dela. Sem noção, dando em cima de alguém em seu local de trabalho.
— Você viu como a Rafaela é bonita?! – Ana falou assim que entramos no meu carro.
— Ana, ela deve ser uns sete anos mais velha. Você só tem dezessete. – Ela deu de ombros.
— São só números, Lara...
— Não inventa, Ana, ela foi extremamente profissional.
— Será que ela tem namorado ou namorada?
Eu estava falando sozinha.
Liguei o carro e quando pisei no acelerador, ouvi um grito estridente. Imediatamente, desliguei o motor e deixei o veículo, atordoada.
— Merda! Porr*!
Ah, não. Eu não atropelei a ruiva tarada.
— Lara, você passou por cima do pé dela. – A mulher estava sentada no chão, retirando o tênis.
Me agachei para ajudar.
— Não encosta...
— Foi sem querer, eu não vi você. – Tentei me justificar. — Me deixa ajudar.
— Pois deveria prestar mais atenção. Caralh*, o meu pé... – Uma das unhas havia sido levemente esmagada.
Não, levemente não, estava um horror e sangrava muito.
— O que aconteceu? – A nutricionista saiu da clínica. — Yas...
— Foi sem querer, eu não vi de onde ela saiu... – Tremia levemente, era a primeira vez que atropelava alguém.
— Vamos leva-la ao hospital, Lara... – Ana me olhou assustada.
— Eu a levo, não se preocupem... – Rafaela falou.
— Mas, é o mínimo que eu posso fazer. Eu posso ajudar, eu sou...
— Parem de trocar gentilezas, essa merd* tá doendo. Não importa quem, só me levem, por favor...
— Me dá as chaves do seu carro, Yas... eu vou te levar. – Rafaela a ajudou ficar de pé.
Ela abriu a porta de um Jeep azul e não demorou nada para as duas deixarem o estacionamento da clínica. A minha cara queimava de vergonha.
— Vamos sair daqui... – Me enfiei no carro.
— Será que ela vai ficar bem? – Ana perguntou assim que deixamos o local.
— Foi só um negocinho. Ela estava fazendo manha...
— Aquele sangue todo não pareceu manha. Espero que ela fique bem... você tem o número da clínica? Me dá, que mais tarde mandou uma mensagem perguntando.
— Tá aqui no porta luvas...
Eu estava nervosa, foi a primeira vez que tive um acidente com o carro. Meu Deus, que ela não morresse de infecção.
”Lara, pelo amor de Deus, olha o exagero. Você é cirurgiã, é claro que aquilo não foi tudo isso.”
Deixei Ana em casa e voltei para o hospital, ainda pensando no ocorrido. Contei a Antonella o que aconteceu e é claro, ela riu da minha cara. Só pude ter um pouco de descanso quando a minha irmã me mandou uma mensagem, dizendo que havia falado com a recepcionista e que a ruiva tarada estava bem.
— Doutora? Tudo certo pra cirurgia.
— Obrigada...
Teria um paciente com correção dos pés. Era a quinta cirurgia dele e em breve, não precisaria de mais nenhuma. Depois de quatro horas, terminamos e ele foi liberado para o quarto, ficaria em observação.
Fui para o vestiário, pois precisaria de um banho.
— Antonella, você tá bem? – Me aproximei dela, que estava sentada no chão.
Quando ela me olhou, percebi que não estava nenhum pouco bem.
— O que aconteceu? – Sentei no chão e a trouxe para mim.
— Perdi um dos meus pacientes, Lara. O Luan se foi, a cirurgia... não deu certo.
Senti o meu coração ficar apertado.
— Eu tinha tanta esperança... – Antonella passou a chorar baixinho.
Fiquei ali com ela, não sei dizer quanto tempo. Ainda recordo da primeira vez que isso aconteceu. Era uma menininha, ela havia nascido com alguns problemas e infelizmente, morreu após a cirurgia. Antonella me ligou aquele dia, ela chorou por horas.
Mesmo após seis anos, ela ainda mantinha a sua humanidade.
Percebi que ela havia pego no sono, então improvisei um travesseiro, peguei uma das mantas e a cobri. Tomei um banho rápido e como teria um tempo para descansar, me deitei ao seu lado, ali mesmo no vestiário.
2 dias depois.
18 de agosto.
Hoje haveria uma espécie de apresentação para o conselho do hospital, formado por médicos mais experientes e antigos, a maioria faz parte desde a fundação. As minhas “concorrentes” estariam ali, então me preparava para dizer algo decente. Fui até o refeitório comer alguma coisa e então avistei a Nicole, a filha do Patrick.
Resolvi dizer alguma coisa.
— Bom dia. – Falei com certa animação.
Mas mudei de expressão assim que ela me olhou com cara de poucos amigos.
— Bom dia. – Me arrependi no mesmo momento. — Vai mesmo se submeter a isso?
— Como é? – Olhei ao redor.
— Ah, Lara, você tá longe de ser qualificada pro cargo. Você e aquela... esquisita não se enquadram. Por que não desistem logo? Eu sou a mais preparada pra assumir a diretoria. Pode deixar, farei um trabalho magnifico.
Pisquei algumas vezes, incrédula do que ouvi.
— E por qual motivo você se acha a mais qualificada? – O meu tom era baixo, mas nada amistoso.
— Tenho mais experiencia e bem, a Yasmin, você sabe... – Nicole ficou de pé. — É sapatão, isso não vai pegar bem.
A mulher saiu, me deixando parada sem acreditar no que acabei de ouvir. Olhei ao redor, sentindo o meu peito doer em raiva, mas tentei me acalmar e não cair naquele jogo sujo. Ela iria engolir o que acabou de dizer.
Parece que acabei de ouvir a minha mãe falando.
— Não vai ser assim. Não mesmo...
Passei no banheiro para me recompor, arrumei o meu cabelo e a minha roupa. Caminhei pelo corredor, avistando um pequeno movimento na porta da sala de reuniões.
— Pronta? – Nem havia visto o meu pai.
— Pronta. – Lhe dirigi um sorriso.
Como seria se eu contasse a ele sobre a minha sexualidade? Ele me aceitaria, eu sei que sim. O meu pai é um ser humano maravilhoso, mas ainda não quero perder o fio de esperança em ter uma boa convivência com a minha mãe.
”Como eu sou patética, uma cirurgiã, com vinte e nove anos, ainda morria de medo da aceitação alheia. Totalmente patética.”
Preparei o meu melhor sorriso e quando entrei na sala de reuniões, não acreditei nos meus olhos. A vida só podia estar me sacaneando. É isso que chamam de Karma?
— Lara, lembra da minha filha mais velha? A Yasmin. – O meu olho esquerdo passou a tremer igual a pinscher raivoso.
Sorria...
Como não associei? A nutricionista a chamou de “Yas”, ainda tem o bendito cabelo vermelho.
— Lara, quanto tempo. Uns dez anos? – A cretina ficou de pé, sorrindo.
Olhei para o pé que eu havia passado por cima e ele estava enfaixado. Ela sabia quem eu era desde a clínica?
— Yasmin... nossa, sim, uns dez anos? – Ela, inesperadamente, me puxou para um abraço.
“Que porr* é...”
— Surpresa... – Ela sussurrou em meu ouvido. — Chatinha.
Chatinha? Essa mulher...
— Deveria ter passado por cima dos dois... – Me afastei e sorri. — Que bom vê-la, você está ótima. Você machucou o pé?
Yasmin ergueu a sobrancelha esquerda e eu apenas sorri, me deliciando.
— Vamos sentar? Hoje precisamos tomar importantes decisões. – Patrick falou sério.
Ele havia mudado bastante, isso é visível.
Sentei ao lado do meu pai, o mais longe possível de Yasmin, que ainda assim, estava me encarando com cara de idiota. Um sorrisinho irritante enfeitava aquele rosto... horroroso.
— Essa reunião é só pra apresentar as meninas oficialmente. O nosso diretor irá se aposentar, um descanso merecido. – Houve breves aplausos. — Eu já havia trago o nome da minha filha Lara e agora oficializo. Que seja uma escolha justa, sem interferências.
Meu pai ficou de pé.
— O dia de hoje foi escolhido somente para a apresentação e também caso haja mais alguma indicação, sintam-se à vontade.
— Eu indico a minha filha Yasmin, ela tem uma bagagem com administração e sei que pode ser uma ótima escolha. – Alonso falou. — É uma mulher integra e certamente irá somar ao hospital.
Yasmin sorriu, assumindo uma postura mais séria.
— A minha indicação é a Nicole, tá há anos no hospital, conhece como ninguém cada camada deste lugar. Além de ser formada em administração em Havard, é extremamente qualificada. Sou suspeito pra falar, mas verdade seja dita. – Esqueceu de homofóbica e narcisista.
— Todos terão bastante tempo pra analisar, até mesmo averiguar por conta própria a conduta das candidatas. – Meu pai encerrou. — Alguém quer acrescentar alguma coisa?
— Eu.
Patrick arrumou o jaleco.
— Foquem principalmente na conduta e caráter, acho que alguém que tenha ambos impecáveis será a escolha ideal. Nosso hospital é referência, um dos melhores de Minas Gerais, sem escândalos ou quaisquer sujeiras. Se assim querem que permaneça, escolham alguém de caráter ímpar.
Ele olhou para a Yasmin no fim da frase. Ela apenas ergueu a sobrancelha, não abaixando a cabeça.
— Dito isto, encerramos por aqui. Vejo a todos em algumas semanas. – Alonso falou.
Os membros vieram nos cumprimentar e aos poucos foram deixando a sala.
— Vocês três podem conversar um pouco. – Péssima ideia, papai. — Devem sentir saudades, brincavam juntas. Dava gosto de ver...
— Isso, filha, vou voltar pra atender os meus pacientes, então te vejo depois. – Alonso beijou a testa da filha. — Tô orgulhoso.
Eles deixaram a sala, ficando um clima para lá de pesado.
“Que ótimo! Minhas concorrentes são uma tapada e uma homofóbica. Tem como ficar melhor?”
O olhar que Nicole me dirigia, eu o conhecia perfeitamente bem e a historinha de caráter impar do Patrick também. Não é a primeira vez e não será a última, entretanto, não me afeta mais. Apenas me divirto as custas dessas pessoas rasas.
Sou perfeitamente resolvida com a minha sexualidade desde sempre.
— Preciso ir. – Fiquei de pé com certa dificuldade. — Foi um prazer.
Se passou dois dias desde o incidente e o meu pé ainda doía bastante. Lara fez um belo estrago.
— Você nunca ligou pro hospital, por qual motivo entrou nessa? – Peguei o meu blazer e o coloquei.
— Não vejo motivos pra te explicar alguma coisa. – Olhei para Nicole.
— Isso será fácil demais. – Ela levantou, sorrindo como uma hiena. — Uma filhinha de papai e uma devassa como concorrente. O conselho vai escolher a mim, eles não vão querer uma pessoa inexperiente como você, Lara, ou uma pessoa com gostos duvidosos como você, Yas. Pegaria mal pro hospital.
— Pra você é Yasmin. O único gosto duvidoso que vejo aqui são suas escolhas de roupa. – Mentira, ela estava impecável. — Preciso ir, a minha cota de ouvir abobrinha chegou ao fim.
— Cuidado com o que fazem por aí, tudo pode ser usado contra vocês. – Nicole sorriu, deixando a sala como se o mundo pertencesse a ela.
Aspirei o ar com calma.
— Cobra... – Ouvi a chatinha resmungar.
A encarei, me divertindo com a sua expressão. Até os dez anos, por causa da amizade entre nossos pais, Lara e eu brincávamos juntas. Até mesmo a azeda da Nicole, mas como tudo muda, as coisas entre nós também.
— Eu sei que sou muito bonita, mas isso já tá ficando assustador. – Somente naquele momento notei que estava viajando e a encarava.
Limpei a garganta.
— De fato, é uma mulher belíssima, pena que é uma chata. – Dei de ombros.
— Ora, chata é você, Yasmin. Virou uma insuportável... o que tem de bonita, tem de metida. – Ergui a sobrancelha.
— Hum... então você me acha bonita? – Lara fechou e abriu a boca várias vezes. — Tá tudo bem admitir, chatinha.
— Lara?
Olhei para a porta.
— Olá, Ana... – A menina franziu o cenho.
Ela era tão pequena quando a vi pela última vez. A semelhança entre ambas era surpreendente.
— Você é a mulher gata da clínica. – O jeito espontâneo da garota me fez sorrir. — Como tá seu pé? Aliás, o que tá acontecendo?
— Ela é a Yasmin, filha do Alonso... – Lara respondeu.
— Ah, que idiota! Como não percebi. Faz tanto tempo que não te vejo. – Ela veio até a mim, me abraçando. — Uns dez anos?
— Só pode ser brincadeira. – A chatinha ficou de pé, saindo da sala.
— Não liga pra Lara. Como ficou seu pé? Tentei falar com o pessoal da clínica, mas eles só disseram que você estava bem e não deram mais nenhuma informação.
— Ainda tá um pouco inchado, mas nada que os dias não melhorem... – Saímos da sala, caminhando pelo corredor. — A última vez que te vi, você era só uma pirralha. Agora tá da mesma altura que eu.
Ana sorriu.
— E olha que ainda tô em fase de crescimento. – A leveza da garota melhorou o meu dia. — Vai morar em BH agora?
Continuei conversando com a Ana por vários minutos, diferente da irmã, ela é uma menina muito gentil e boa de papo. Trocamos de números com a promessa de fazer algo juntas.
— Nossa, que mulher maluca. – Rafaela me serviu um copo com suco.
— Ela sempre se achou melhor que todo mundo, mas hoje ela se superou. Deixou bem claro que vai usar o que tiver ao seu favor pra conseguir o cargo. – Fomos até a sala.
— Ter alguém assim na direção do hospital não é perigoso, Yas? Acha que essa mulher pode fazer algo grave contra você?
Franzi o cenho por um momento.
— Sinceramente, aprendi a não duvidar de nada. – Olhei as horas. — Vamos, quero chegar antes dos amigos da tua mãe.
Seguimos para um bairro mais afastado do centro, poucos minutos de distância da casa da Rafa. Ao longe podíamos ver o pequeno alvoroço e uma música em volume considerável. Eu adorava vir aos aniversários da dona Marta, pois eram sempre muito divertidos.
— Yasmin, minha filha, que saudade... – Ganhei um abraço caloroso.
— Vamos nos ver com mais frequência, tia Marta, agora voltei pra valer. – Beijei a sua testa. — Aqui, o seu presente.
— Obrigada, minha filha... aposto que sei o que é.
— E eu? Estou aqui, tá mãe?! – Rafa rolou os olhos.
— Ciúmes só destrói, Rafaela. – Cutuquei a onça.
— Yas, cabelo de fogo...
— Seu Marcelo... – O pai de Rafaela me deu um abraço de urso.
— Agora pronto, os três estão reunidos. Eu mereço...
Depois de alguns minutos, os tios e primos de Rafaela chegaram. Muitas conversas paralelas, o sertanejo tocando, as crianças correndo. Olhei para a minha amiga, que dançava com o tio.
Tomei um gole da cerveja que estava muito gelada. Lembrei outra vez de Nicole, precisaria conversar com o meu pai sobre. Aquela raiva, todo aquele ataque sem sentido, tudo tão intenso por conta de um simples cargo.
Me parecia algo mais profundo.
— Ei, o seu cabelo é de verdade? – Uma menininha parou a minha frente.
— É sim... – Ela franziu o cenho, parecendo não acreditar.
— Você parece a princesa Merida, mas com o cabelo liso. – Ela apontou para a própria blusa.
— Ela é bem mais bonita, mas você é bem mais linda que ela. – A pequena sorriu.
— Bia, vem comer bolo. – Uma das primas da Rafa a chamou.
— Tchau, tia...
— Tchau, Bia... – Ela saiu correndo.
O meu celular vibrou e uma mensagem com uma proposta quase irresistível surgiu na minha tela.
— A mulher do shopping...
— Credo, Rafaela...
Ela sorriu.
— Você pode ir, Yas... minha mãe já está bem chapada. – Olhamos para onde a dona Marta estava.
Ela cantava em um microfone imaginário junto de umas das convidadas. Um cordão de flores artificiais enfeitava o pescoço de ambas. Aliás, de todos os convidados. O seu Marcelo estava cochilando em uma cadeira.
— Prefiro ficar. – Levei o copo aos lábios. — Vou esperar que um de seus tios comece a chorar lembrando da ex.
Rafa riu.
— Você recusando sex* é um verdadeiro milagre. – Ela sentou ao meu lado.
— E você? Quando vai sair do celibato? – Rafa gargalhou.
— Você sabe que não sou de sex* casual, Yas.
— Mas também não abre espaço pra ninguém entrar no seu coração. Faz quanto tempo? Cinco anos? – Ela aspirou o ar ruidosamente.
— Não é proposital, sabe... virou automático. Criei barreiras, bloqueios. – Minha amiga se ajeitou na cadeira, olhando para o céu.
— Aquela filha da puta deixou marcas. Se eu a encontrasse, arrancava fio por fio daquela cabeça oca. – Rafa riu.
— Acho que ela ficou com medo depois que você mandou dois caras na casa dela... – Ela me olhou.
— Deveria ter ido pessoalmente. Sorte dela que eu estava longe...
Paula foi uma cretina com a Rafaela, elas namoraram por dois anos e durante esse tempo, ela fez o que quis com a minha amiga. Traições, chantagens emocionais e até mesmo brigas violentas.
Foi um dos momentos mais difíceis da vida da Rafa.
— Ainda lembro dela me ligando chorando, dizendo que era pra deixar aqueles caras longe dela. Você conseguiu traumatiza-la, Yas... até mudar de estado, ela mudou.
Não consegui segurar a risada e fui acompanhada por minha amiga.
Quando o relógio marcava uma da manhã, deixamos a casa de dona Marta. Deixei a Rafa em sua casa e fui para a dos meus pais. Começaria a trabalhar no hospital em breve, então decidi que passaria pelas dependências no dia seguinte, olhar tudo com mais calma.
Acordei muito cedo, tomei café com pressa, chegando as sete e meia no hospital. Depois de conversar um pouco com o diretor, ele me delegou algumas funções para ir conhecendo como tudo funcionava, pois mesmo que o cargo não fosse meu, trabalharia na parte administrativa.
— Ah, bom dia. O diretor, ele já chegou? – Tirei a minha atenção do notebook.
— Ele saiu faz alguns minutos, mas não deve demorar. – A mulher se aproximou, extremamente bela. — Somente ele pode te ajudar? – Perguntei.
— Você deve ser a Yasmin. – Franzi o cenho. — Me chamo Antonella.
— Prazer, Antonella. E como você sabe o meu nome? – Ela sorriu.
— Você alugou um triplex na cabeça da Lara. – Ah, claro.
— Você é amiga dela?
— Melhor amiga... – Ela estava vestida com o uniforme do hospital. — Bom, volto depois. Bem-vinda, Yasmin. É bom ter mais alguém pra azucrinar a cabeça da Lara.
Ela piscou, deixando a sala.
— Então tá... – Ri sozinha.
Alguns minutos depois, o diretor Claudio entrou na sala, trancou a porta. Ele parecia um pouco nervoso.
— Preciso falar com você. Sei que posso confiar em você, o seu pai é um homem muito honrado, então certamente você também deve ser. – Eu não estava entendendo nada. — Me escute com atenção.
Ele sentou no pequeno sofá.
— Não estou saindo da direção do hospital porque quero, mas sim porque estou sendo chantageado. – Ergui a sobrancelha, saindo de onde estava para sentar ao seu lado.
— Do que você tá falando? Quem está chantageando o senhor? – Que história maluca.
— O Doutor Patrick, ele tem algumas informações pessoais sobre mim, ameaçou usa-las caso eu não deixasse o cargo e agora tá me ameaçando pra pôr a filha no meu lugar, dar a ela o meu apoio.
Passei a mão sobre a nuca, totalmente bestificada com a informação.
— Senhorita Yasmin, tome muito cuidado com eles. Por favor, converse com a senhorita Lara, ela precisa saber aonde está se metendo. – Levantei, a minha cabeça começou a trabalhar.
— E por qual motivo não contou isso ao meu pai ou ao Joaquim? Eles poderiam fazer algo.
— Não, eu não posso fazer isso. Senhorita Yasmin, desculpe tocar nesse assunto, mas eu tenho certeza que desde que assumiu sua sexualidade, deve ter vivido momentos dolorosos. – O homem a minha frente abaixou a cabeça. — Sou um homem que cresceu no meio da religiosidade e desde muito cedo aprendi que ser como eu sou é um pecado.
Ele me encarou, os seus olhos estavam marejados.
— Sou casado, tenho filhos e acabei por me descuidar. O senhor Patrick tá usando isso, ele sabe o quanto isso me prejudicaria.
— Filho da puta...
— Só tome cuidado, não abaixe a guarda diante deles. Os dois são muito ambiciosos... – Era insano demais.
— E isso tudo por causa do cargo? – Como pode?
— A diretoria é o início, eles dois têm planos bem mais ousados. – Aspirei o ar com calma.
— Entendo...
— Espero que o conselho escolha a senhorita ou a Lara, somente assim nada de ruim acontecerá.
Ele ficou de pé, indo até a porta e a destrancou.
— Eu conto com a senhorita.
Apertei a minha nuca, tentando pensar com clareza. O que faria com aquela informação? Deveria conversar com o meu pai? Não, se ele souber irá confrontar o Patrick e o diretor será exposto.
Merda!
Peguei a minha bolsa, saindo da sala, pois precisava conversar com alguém de confiança a respeito do que acabei de ouvir. Cheguei à clínica que Rafaela trabalha e esperei na recepção, havia uma paciente com ela. Depois de alguns minutos, ela me mandou entrar.
— O que aconteceu?
Respirei fundo e passei a narrar tudo o que o diretor me contou.
— É muita informação, Yas. Você vai contar isso a Lara? Afinal, ela deve estar sendo vigiada, sei lá. Pode estar correndo perigo.
— Eu realmente não sei se ela vai acreditar em mim. Não somos lá melhores amigas. – Apontei para o meu pé.
— Mas a gravidade desse assunto anula qualquer rivalidade entre vocês. Se eles estão usando da sexualidade do diretor pra chantageá-lo, então certamente irão usar isso contra você também.
— Talvez a melhor opção seja a chatinha... – Aspirei o ar com calma. — Vou ter que falar com ela.
Passei as mãos no rosto.
— Use o seu charme de quem não vale nada. – Fuzilei Rafaela. — O que?
— Não funcionaria, a toda perfeição certamente deve ser hetero. – O telefone tocou.
— Oi, Gabi... sim, pode pedir para ela entrar. – Rafa me encarou. — A irmã da sua concorrente vai entrar. Talvez você consiga falar com ela...
— Com licença... – Ana entrou. — Yasmin, que bom te ver.
Ele veio até a mim e me abraçou.
— Bom dia, Rafaela.
— Bom dia, Ana Clara...
— Eu vou indo. – Algumas ideias povoavam a minha cabeça. — Ana, queria conversar com você.
— Estarei livre à noite, Yasmin, você pode me ligar depois das seis.
— Ótimo... – A abracei brevemente. — Vou deixa-las.
Deixei a sala da Rafaela com a mente a mil, ainda sem acreditar que estava mesmo envolvida naquilo. Sempre achei o Patrick estranho, mas jamais imaginei que ele seria capaz de algo tão baixo. A sociedade deles não estava em um bom momento? Uma voz chata me dizia que deveria conversar com o meu pai e contar tudo, entretanto, o diretor Claudio não merecia nada daquilo. A única forma de tudo se resolver será se a Lara ficar com o cargo. Ela viraria a minha chefe, porém, não seria pior do que a Nicole, que deixou muito claro que me despreza até o último fio de cabelo.
— Onde fui me meter?
Fim do capítulo
Boa tarde, lindas.
Resolvemos adiantar um cap pra vocês.
Beijos e apreciem com moderação.
:)
Comentar este capítulo:
Lea
Em: 22/10/2022
Ana Clara é a minha preferida,a garota tem atitude, não baixa a cabeça nem para a mãe. Vai dá uma investidas na Rafaela,com certeza.
Rafaela parece ser,a pessoa mais doce da estória. Com certeza não vai aceitar as investidas da Clara(se isso vir a acontecer),ela é muito certinha! Bom, é o que parece!
Yasmin é doidinha, pregadora,aparenta ter um coração enorme;assim com a sua família!
Lara é uma pessoa boa,tem que parar de ser submissa á sua mãe. Joaquim parece.ser um homem de caráter!
*
Se for pelos históricos de estória que já li da senhorita (ou Sra),com certeza essa promete!. Gosto muito da sua escrita!
Bom fiinal de semana!
Resposta do autor:
Que felicidade saber que tá acompanhando mais uma estória, fique com a gente até o fim, tem muita coisa boa pra rolar, prepara o coração. Ana é uma menina maravilhosa, ela ainda vai te surpreender muito.
Logo postaremos mais, um abraço.
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