Capitulo 61
ALGUNS ANOS DEPOIS...
Aquela seria uma noite particularmente fria de março, desde cedo já começara a ventar. Notava-se pelo balanço das árvores, a violência com que o vento movia suas folhas prenunciando uma tempestade iminente. Era início de noite, as pessoas queriam voltar para suas casas, mas o trânsito estava pesado.
Elisa parou o carro no semáforo, impaciente. Enquanto as luzes dos faróis não mudavam de vermelho para verde, ela relembrava o que havia acontecido há poucos minutos. Aquilo não poderia ter sido real, poderia? Não depois de tantos anos. Suas mãos ainda tremiam, não soubera como conseguira dá a partida no carro. Estava ansiosa para chegar em sua casa, estar com a família e se sentir segura novamente. Tinha medo, há muito tempo esquecera como era ter medo.
Ainda com o pensamento longe, Elisa não viu o sinal abrir. Um carro logo atrás não demorou a buzinar e chamar sua atenção. Imediatamente, ela arrancou, seguindo seu caminho. Dez minutos depois, ela chegou ao seu destino. Desceu do carro e ia adentrando a casa, quando parou de repente. Lembrou das compras no porta-malas.
Com as mãos ocupadas, Elisa girou a chave na fechadura com dificuldade. Já no hall foi acudida por uma pequena criaturinha de longos cabelos loiros que fez questão de carregar uma das sacolas. Ao vê-la, Elisa esqueceu por um momento o que a estava incomodando. A pequena se chamava Alice e há seis anos viera ao mundo iluminar a vida de todos. Quando Elisa e a garotinha chegaram à cozinha, puseram as sacolas sobre a mesa.
-- E o meu beijo? -- Perguntou Elisa.
Alice pulou em seus braços e deu um beijo estalado na bochecha da mãe.
-- Você demorou, mamãe.
-- Eu sei, querida. Onde está mamãe Ágata?
-- Mamãe A tá no quarto -- Informou a pequena.
-- Já tomou banho, Alice?
Ela fez que não com a cabeça, culpada.
-- Ainda não? Vem, vou te levar -- Disse Elisa, carregando a pequena nos braços -- Você devia estar pronta, seus priminhos estão chegando.
-- Mamãe A disse a mesma coisa.
Elisa carregou a filha escada acima. A menina falava sem parar. Elisa não entendia onde a pequena encontrava tanto assunto. Chegando ao quarto de Alice, a pequena se apressou ao banheiro jogando as roupas pelo chão mesmo sobre os protestos da mãe. Elisa recolheu as roupas e ofereceu ajuda a filha para o banho, mas ela recusou. Andava muito independente. Elisa decidiu deixá-la, após escolher um vestidinho para a menina e colocá-lo cuidadosamente em cima da cama.
No quarto ao lado, Elisa encontrou sua esposa Ágata já completamente vestida.
-- Você está linda! -- Elogiou ela colando seus lábios aos da mulher que amava.
-- Obrigada, amor. Mas por que demorou? As visitas já estão chegando, você não está pronta ainda e a Alice nem tomou banhou -- Disse Ágata, preocupada -- E o que estava faltando, você trouxe?
-- Calma, querida. A nossa sapeca já está no banho. Os aperitivos e as bebidas estão na cozinha e eu já estou indo para o banho também.
-- Desculpe. Ando uma pilha -- Falou Ágata, tocando o rosto da mulher à sua frente -- Sabe, já estava com muita saudade...
-- Ah, é? -- Sorriu Elisa, encarando aquele mar negro que eram os olhos de Ágata.
-- Sim, muita -- Respondeu Ágata, com a voz sedutora -- E sabe o que mais? Preciso de você para me ajudar em algo que só você pode fazer.
-- É mesmo? E o que seria? -- Quis saber Elisa, com olhos de cobiça postos sobre os lábios de Ágata.
-- Me ajuda a achar meus óculos?
Elisa deu um tapa no ombro de Ágata e disse, indignada:
-- Engraçadinha. Então, para isso que você precisa de mim?
-- Amor, só você sabe me fazer ver o mundo com outros olhos.
-- Pode parar, Ágata. Conheço seus truques.
Elisa avistou os óculos sobre a cômoda, bem à vista e os entregou à Ágata que ficou sem graça.
-- Obrigada. Não sabia que estavam aí.
-- Mas alguma coisa, madame? -- Perguntou Elisa, com uma ponta de sarcasmo.
-- Pensando bem, tem sim. Meu batom tá borrado?
-- Não, amor. Está ótimo.
-- Tem certeza? -- Perguntou Ágata, aproximando seu rosto ao de Elisa.
-- Amor, vamos nos atrasar ainda mais...
A mesma mulher que antes se preocupava apenas em não perder tempo agarrou Elisa, sugando seus lábios com vontade. Em seguida, Elisa afundou o rosto no pescoço de
Ágata, aspirando seu perfume e com a ponta do nariz percorreu toda a extensão de sua pele até chegar ao lóbulo de sua orelha esquerda que mordiscou de leve. De repente, elas ouviram um gritinho afobado vindo do quarto ao lado.
-- Parece que a pequena está aprontando -- Disse Elisa, recuperando o fôlego.
-- Vou ver o que ela quer -- Falou Ágata, relutando em se afastar de Elisa.
-- Corre lá, amor. Ah, e não se esquece de ajeitar o batom... borrou.
Ágata riu e saiu quase voando do quarto. Quando Alice estava com problemas suas “supermães” sempre corriam para socorrê-la.
No banho, Elisa lembrou-se da estranha cena no supermercado. Teria que contar a Ágata mais tarde. Ela entenderia.
Elisa saía do banho quando a campainha tocou e ela se deu conta do quanto estavam realmente atrasadas.
***
Ágata olhava o desastre que era o cabelo da filha.
-- Maria Alice Freitas Hofmann, onde conseguiu esse chiclete?
-- A Clarinha me deu na escola... -- Disse a menina, chorosa.
Ágata balançou a cabeça.
-- Calma, vamos dá um jeito.
Com cuidado, Ágata tentou retirar o chiclete do cabelo de Alice. Tentou por minutos, mas a goma de mascar continuava grudada nos fios louros. Ágata já estava quase desesperada quando ouviu a campainha tocar. Então se viu obrigada a tomar uma decisão desesperada.
***
-- Tia Sabrina! Tia Gabi! -- Gritou a pequena Alice quando Ágata abriu a porta para receber as visitas.
Primeiro ela pulou em Sabrina que tinha os mesmos cabelos dourados que ela. Em seguida, abraçou Gabriela que era alta e morena. Após ser bastante paparicada pelas tias e receber presentes, Alice voltou sua atenção para os primos, Léo e Ana que tinham quase a sua idade. Alice logo convidou os primos para brincar em seu quarto.
-- Não corram pela casa! -- Alertou Ágata.
A anfitriã conduziu as visitas até a sala de estar.
-- E Elisa? -- Perguntou Sabrina.
-- Já está vindo -- Informou Ágata.
Depois de alguns minutos, Elisa apareceu completando a alegria daquele encontro. Após o jantar, todos se reuniram em uma varanda no segundo andar. As crianças brincavam enquanto as mulheres sentaram-se sobre almofadas. Fazia frio e ainda ameaçava chover, por isso, todos se agasalharam. Elisa, Ágata e Sabrina bebiam, enquanto Gabi tomava suco de laranja.
-- Léo e Ana cresceram bastante -- Comentou Elisa, aconchegando-se nos braços de Ágata.
-- É verdade -- Concordou Sabrina -- A Alice também tá uma mocinha.
-- Uma mocinha muito esperta -- Falou Gabi -- Ela lembra a mim mesma nessa idade.
-- Esperta é eufemismo. Alice é impossível -- Falou Ágata, arrancando risada de todos.
-- Reparei no cabelo dela -- Gabi comentou -- Por acaso, ela mesma cortou?
Ágata tossiu, nervosa. Já Elisa disse, sem entender:
-- O cabelo dela? Alice vem cá um instante, meu bem.
Não demorou a menina veio até a mãe. Elisa examinou o cabelo da filha e constatou que uma parte havia sido cortada. Ágata, então, explicou o que acontecera.
-- Chiclete? -- Falou Elisa, impressionada – Alice você sabe que não pode mascar chiclete, prejudica seus dentes.
-- Eu sei, mãe -- Bufou a menina, impaciente -- Posso voltar a brincar agora?
-- Pode sim, querida.
Alice voltou a brincar com os primos.
-- Amor, o jeito foi cortar -- Desculpou-se Ágata.
-- Tudo bem. Essa menina nos surpreende a cada dia.
-- Filhos? Melhor não os ter? -- Disse Gabi -- Mas se não os temos...
-- Com sabê-lo? -- Completou Ágata.
Gabi assentiu e sorriu para Ágata.
Mais tarde, os pequenos ficaram com sono e foram colocados para dormir. As mulheres continuaram a beber e a conversar. Elisa e Sabrina já estavam ficando bêbadas. Ágata que bebera bem menos estava apenas levemente embriagada. Gabi era a única que estava totalmente sóbria.
-- Acho que devíamos jogar algo -- Sugeriu Sabrina, animada.
-- Esquece, tô mais para lá do que pra cá -- Disse Elisa.
-- O que você sugere, amor? -- Perguntou Gabi a Sabrina, com um sorriso. Conhecia bem sua mulher, em dado estado alcóolico ela poderia ser capaz de propor algo no mínimo inusitado.
-- Que tal “verdade ou desafio”?
Ágata riu. E disse:
-- Qual é, Sabrina. Não temos mais doze anos de idade...
-- Eu topo -- Elisa se empolgou.
-- Topa? -- Perguntou Ágata.
-- Por que não? -- Questionou ela -- Vamos, amor. Vai ser legal. Há muito tempo não fazemos nada divertido.
Após a insistência de Elisa, Ágata acabou concordando.
-- Também estou dentro -- Gabi se rendeu.
-- Ok. As regras vão as seguintes -- Disse Sabrina, animada -- Quem não dizer a verdade vai ter que tomar uma boa dose de Whisky.
-- Whisky não. Prefiro não misturar as bebidas – Disse Elisa que assim como Ágata tomava vinho tinto.
-- São as regras -- Determinou Sabrina -- É só dizer a verdade, aí você não vai ter que beber...
-- E no meu caso, qual vai ser o desafio? -- Perguntou Gabriela que há muito havia parado de beber.
-- Você pode tomar um gole do seu suquinho, Gabi -- Provocou Ágata.
-- Não enche, Ágata.
-- Pensamos em algo para você, amor -- Decidiu Sabrina -- Vamos começar?
As quatro mulheres sentaram-se em uma roda no chão, Sabrina pegou uma garrafa e girou no centro do círculo. Quando parou, a garrafa apontava para ela e Ágata.
-- Tudo bem. Eu faço a pergunta e você responde Ágata -- Explicou Sabrina.
-- Certo -- Concordou Ágata -- Mas pega leve, tá?
-- Esquece, Ágata -- Gabi falou -- Ela nunca pega leve.
-- Eu sou boazinha -- Defendeu-se Sabrina -- Minha pergunta é a seguinte, Ágata. Já traiu ou já pensou em trair Elisa?
Gabi riu. E disse:
-- Quero ver você sair dessa agora, Ágata.
Ágata não se deu abalar e respondeu:
-- Essa é muito fácil, Gabi. Não, nunca trai Elisa.
-- Mas pensou em trair? -- Rebateu Sabrina.
-- Também não.
Sabrina observou Ágata.
-- Acho que fala a verdade -- Sentenciou -- Então, não é dessa vez que você vai tomar uma.
-- Só um momento -- Interrompeu Elisa -- Posso questionar essa resposta?
As três olharam para Elisa, surpresas.
-- Amor, por acaso tá esquecendo daquela loira peituda que fazia faculdade com você?
-- Ágata e uma loira peituda? -- Disse Gabi, rindo -- Essa eu pagava para ver.
-- Calma lá. Não é bem assim -- Ágata protestou -- Naquela época estávamos dando um tempo. Você sabe disso, amor. E além do mais eu nunca transei com a Camila, foram apenas uns beijos. Ela sempre deu em cima. E eu só fiquei com ela porque estava triste por você ter me deixado.
-- Não estávamos dando um tempo. Eu apenas disse que precisava ficar longe uns dias. Você que entendeu errado, amor. E eu nunca gostei daquela loira oxigenada da Camila Miranda, ela só queria uma brecha para tê-la em sua teia.
-- Camila Miranda? A apresentadora do canal de esporte? -- Falou Gabi, impressionada -- Você pegou aquela gostosa, Ágata. Uau!
Sabrina não gostou nada da colocação de Gabi que teve que se desculpar com sua mulher.
-- Acho melhor passarmos a outra rodada -- Sugeriu Sabrina -- Se vocês estavam dando um tempo. Ágata não precisa beber.
Na segunda rodada, Sabrina ganhou o direito de perguntar novamente, mas dessa vez Elisa que teria que responder.
-- Elisa, tem algum segredo que esconde de Ágata?
Elisa olhou para Gabriela e depois para Ágata antes de dizer:
-- Bem, tem uma coisa...
Ágata não se sentiu confortável com a resposta de Elisa. Não poderia imaginar que a esposa estivesse guardando algum segredo dela. Mas, antes que Ágata pudesse perguntar algo, Gabi disse:
-- Acho que posso responder essa. Ágata, anos atrás quando Elisa e eu fomos resgatar Becca daquele lugar horrível em que ela se meteu. Bem, nós... nós nos beijamos...
-- O quê? Você e Elisa se beijaram? -- Perguntou Ágata, irritada.
-- Sim, mas não foi nada demais -- Explicou Gabi -- Precisamos fazer isso para entrar naquele lugar e...
-- Gabi -- Interveio Elisa -- Ágata já sabe disso.
-- Sabe? -- Disse Gabi, confusa. Depois olhou para Ágata enquanto esta caía na gargalhada -- Ora sua...
Gabriela ameaçou pegar Ágata, mas ela escapou. A morena correu atrás dela pela sala até alcançá-la.
-- Vocês duas podem parar agora -- Ordenou Sabrina, enquanto sua mulher se digladiava no chão com Ágata, como se fossem duas crianças.
As duas mulheres se recompuseram e voltaram para perto de suas respectivas esposas. Sabrina decidiu que deviam continuar, mas uma vez ela girou a garrafa. Agora Elisa faria uma pergunta a Gabriela, mas por mais que pensasse nada vinha a sua cabeça.
-- Amor, vai perder essa oportunidade de saber os pobres da Gabi?
-- Ágata, não pode dá ideias -- Protestou Gabi -- Deixa para quando for sua vez de perguntar.
-- Tudo bem. Eu já sei. Qual foi a sua maior aventura sexual?
Sabrina e Ágata riram. Gabi disse, séria:
-- Te conheci mais santa, Elisa.
-- Nunca fui santa, Gabi -- Disse Elisa, tomando mais um gole de vinho e arrancando mais risadas de Sabrina e Ágata.
-- Eu menos -- Rebateu Gabi -- Mas foi você que não aceitou meu convite para um “ménage à trois”...
-- Você não faz o meu tipo -- Brincou Elisa -- E não respondeu minha pergunta.
-- Bem, eu não sei qual seria a maior aventura que já tive.
-- Amor, deixa eu facilitar para você -- Pediu Sabrina -- Já convidamos uma profissional do sex* para nossa cama.
Ágata e Elisa olharam para ela, surpreendidas.
-- Sabrina, você aceitou esse tipo de coisa? -- Estranhou Ágata.
-- Como assim, ela aceitou? -- Falou Gabi, com indignação -- Por que você pensa que a ideia foi minha, Ágata?
-- E não foi?
-- Não, essa fantasia era minha -- Confessou Sabrina -- Gabi fez isso porque eu pedi.
-- Interessante -- Disse Elisa -- E isso não foi meio estranho?
-- Na verdade, foi tão bom quanto eu esperava. Vocês nunca fizeram algo assim?
-- Amor, Ágata e Elisa são muito caretas.
-- E somos muito felizes assim -- Falou Ágata, convicta -- O que também não significa que não pudéssemos experimentar se quiséssemos.
-- Duvido disso -- Retrucou Gabi.
-- Parem vocês duas -- Irritou-se Sabrina -- Parecem gato e rato.
-- Tudo bem -- Ágata cedeu -- Melhor irmos ver como estão as crianças.
-- Vou com você -- Ofereceu-se Elisa, mas quando tentou ficar de pé ela quase caiu.
-- Amor, desse jeito você não vai a lugar nenhum. Fica deitadinha aí que já volto.
Gabi também se ofereceu para ir junto, selando a trégua com Ágata.
-- Acho que estou tonta -- Disse Elisa a Sabrina quando elas ficaram a sós.
-- Também não estou legal.
-- Na próxima vez vou tentar não exagerar.
-- Elisa me diz uma coisa. O que você acha dessa implicância da Gabi com a Ágata?
-- Ah, Sabrina. Você sabe, elas sempre foram assim. As duas tem personalidades que não se batem. Já eu me dou muito bem com a Gabi.
-- Você acha isso? Já eu penso diferente. Para mim, isso é amor não correspondido.
-- Sabrina...
-- Eu não sou idiota, Elisa -- Disse Sabrina, amarga -- Quando comecei a ficar com a Gabriela ela me confessou que ainda amava Ágata. E mesmo depois de todos esses anos, eu sei que ela nunca a esqueceu. Algo nela fica diferente quando Ágata está conosco, algo que não sei explicar, mas que só alguém que conhece profundamente o outro consegue perceber.
-- Sabrina, Gabi te ama. Vocês têm duas crianças lindas.
-- Eu sei disso, Elisa. E eu também a amo, por isso sempre desejei tê-la por completo, mas tem essa parte importante dela que nunca me pertenceu que sempre pertenceu a Ágata.
-- Esquece isso, Sabrina. Gabi é sua mulher, ela escolheu passar o resto da vida com você.
-- Você não se importa, Elisa?
-- Sabrina, eu e Ágata somos muito felizes juntas. E não duvido do amor dela por mim do mesmo modo que você não deve duvidar da Gabriela. Além do mais, ela é uma mulher incrível com um senso de honra incomparável. Não vê a sua sorte em tê-la?
Sabrina respirou fundo. E falou, mais calma:
-- Você tem razão. Gabriela nunca me decepcionou. Sempre fez tudo por mim, pelas crianças...
-- Viu? Sua mulher é maravilhosa. Então porque ficar com essas desconfianças. Sabrina, isso não leva a nada...
***
Ágata deu um beijo no rosto da filha. Alice dormia a sono solto. Era o único momento em que a menina se calava. Ágata lembrou com tristeza as dificuldades da gravidez de Elisa, Alice era quase um milagre. A menina adorava os primos e sempre reivindicava um irmãozinho, mas após a conturbada gravidez de Elisa, dificilmente ela poderia ter outra criança. Já Ágata descobrira que não podia ter filhos, os médicos haviam explicado que seu problema surgiu ainda como sequela do acidente que vitimou sua família. Agora, elas falavam em adotar pelo menos mais duas crianças. Ágata iria colaborar com um projeto voltado a crianças que haviam sido abandonadas pela família. Ela já conquistara reconhecimento em sua profissão, sentia que era hora de retribuir toda a sorte que havia tido na vida.
Após constatar que a filha estava bem, Ágata encontrou com Gabriela no corredor.
-- E Léo e Ana?
-- Dormindo como anjinhos.
-- A Alice também.
-- Já está tão tarde -- Disse Gabi -- Acho melhor leva-los para casa.
-- Por que não dormem aqui? Os meninos já estão instalados e Sabrina tá meio bêbada...
-- Meio bêbada, Ágata. Acho que ela está mais que isso para falar sobre o lance da profissional do sex* -- Gabriela falou, envergonhada.
-- Eu sei, isso me surpreendeu, não esperava algo assim da Sabrina...
-- Mas, esperava de mim, não?
Dessa vez foi Ágata que ficou envergonhada.
-- Desculpe, Gabi. Não achei que isso fosse te magoar. Sabe, não estou entendendo você, sempre foi muito aberta...
-- Eu que peço desculpas, mas me incomoda o fato de que você pense que eu ainda sou tão inconsequente como quando você me conheceu.
-- Gabi, eu sei o quanto você é responsável -- Disse Ágata -- Admiro muito você.
Gabi sorriu e falou:
-- Obrigada, Ágata. Você sabe o quanto é importante para mim.
Ágata segurou a mão de Gabriela entre as suas, mas a morena a largou imediatamente.
-- Acho melhor voltarmos -- Falou ela.
-- Gabi, não foge. O que está acontecendo com você, talvez eu possa ajudar...
-- Não, Ágata. Você não pode, ninguém pode. Isso é algo só meu, entende?
Ágata compreendia ao que a amiga se referia e mesmo depois de tantos anos ainda se surpreendia em saber que os sentimentos de Gabi em relação a ela continuavam os mesmos.
-- Tudo bem. Vou deixar você lidar com isso sozinha. Mas, quero que saiba que não importa o que aconteça, eu sempre vou estar aqui por você.
-- Eu sei, Ágata. Vamos?
Ágata concordou e elas retornaram a varanda. Ágata aconchegou-se nos braços de Elisa e Gabriela sentou ao lado de Sabrina que a puxou para um beijo.
-- Acho que já chega disso -- Gabi falou, tirando o copo de bebida da mão de Sabrina que protestou.
-- Também acho que é melhor irmos dormir -- Sugeriu Ágata.
Elas se deram boa noite e Gabriela conduziu sua mulher para o quarto de hóspedes. Já Ágata levou Elisa nos braços até o quarto delas.
-- Minha mulher é tão forte... e sexy...
Ágata sorriu sem graça e colocou Elisa na cama. Logo, Elisa grudou seus lábios no de sua mulher e começou a tirar suas roupas.
-- Amor, precisamos conversar... -- Ágata interrompeu o beijo.
-- Eu estava pensando em fazer outra coisa agora.
-- Só depois que você me disser o que aconteceu.
Ágata podia ler nos olhos de sua esposa que havia algo a incomodava.
-- Você me conhece bem demais, não?
-- Conheço o bastante para saber que tem algo errado. Quando Sabrina perguntou se você tinha algum segredo, o que você ia falar? Qual era o segredo?
-- Não é bem um segredo. É só algo que aconteceu hoje que eu ainda não contei a você -- Confessou Elisa, sincera.
-- O que foi, meu bem? -- Murmurou Ágata, com a voz suave.
-- Mais cedo, quando fui ao supermercado. Eu acho que a vi, Ágata. Eu vi Becca...
Ágata arregalou os olhos, surpresa.
-- Você a viu? Como isso é possível? Não sabemos dela há anos...
-- Eu sei, por isso acho que foi apenas impressão minha. Talvez eu não a tenha visto realmente.
-- Você não chegou a falar com ela?
-- Eu estava lá fazendo as compras quando vi essa mulher, ela estava sozinha e quando olhei para seu rosto eu a reconheci, a reconheceria em qualquer lugar, mesmo que ela tivesse cem anos de idade... Eu devia estar com uma cara de surpresa, meus pés colaram ao chão e eu não consegui emitir nem um som. Mas ela fitou meus olhos e tenho certeza de que ela me reconheceu. Mas, meus pés não se moviam e então uma mulher apareceu com uma criança e chamou a atenção dela. Depois ela foi embora com eles e eu a perdi de vista. Quando me dei conta do que aconteceu já era tarde, mesmo que eu quisesse ter dito algo eu não podia mais... eu simplesmente congelei, Ágata.
Lágrimas começaram a cair do rosto de Elisa e Ágata a abraçou.
-- Calma, meu amor. Se realmente você viu Becca significa que ela está bem.
-- Eu sei. Espero que ela tenha perdoado a si mesma pelo que fez a mim e a ela.
-- Também espero o mesmo, meu bem.
Ágata aninhou Elisa em seus braços e ficou acariciando seus cabelos até ela dormir como muitas vezes já fizera. Lembrou-se do tempo que passou para Elisa se recuperar depois da tragédia que aconteceu em sua vida. Uma vez ela chegou a escrever uma carta dirigida a Becca na qual expunha todos os seus sentimentos e sensações sobre o que aconteceu. Guardou essa carta no fundo de uma gaveta e nunca mais voltou a pegá-la até que Ágata a encontrou. Talvez um dia ela chegasse às mãos de Becca. E as duas finalmente encontrassem a paz que mereciam.
Antes de fechar os olhos, Ágata pôde ouvir o barulho da chuva cair sobre o telhado concretizando as previsões de que choveria aquela noite e então ela se permitiu dormir tranquila. Amanhã seria um novo dia, Elisa e Sabrina possivelmente teriam uma tremenda ressaca. Mas, logo todos voltariam para suas rotinas normais. Alguns sentimentos continuariam escondidos em um lugar em que não pudessem fazer mal a ninguém, enquanto as mágoas do passado esperavam ser totalmente perdoadas.
Fim do capítulo
Bem, este é o último capítulo.
A história foi escrita entre 2012 e 2014. Fiz algumas alterações nessa versão final. Em breve irei postar minha primeira história, A garota da porta ao lado, que escrevi entre 2011 e 2012, também com alterações. E em seguida uma nova história que comecei a escrever e ainda está inacabada, mas pretendo terminar.
Na história "Ela vale milhões" já postada aqui, Ágata e Elisa fazem uma pequena aparição no capítulo 10, se não me engano.
Tem muitas referências as quais me inspirei para escrever esta história fora a própria música She will be loved, uma das principais muito citada foi o filme Casablanca que recomendo bastante!
Obrigada pela paciência nas postagens, espero que a leitura tenha sido boa, assim como para mim foi muito bom escrever.
Bjs e até a próxima!
Comentar este capítulo:
Lea
Em: 30/10/2022
Amei a estória! As superações e evolução das personagens foram inspiradas!
*
Bruna,você tem algum plano para fazer uma sequência dessa estória,ou algum capítulo bônus??
Resposta do autor:
Boa noite, Lea! Fico feliz que tenha gostado.
Até o momento não tenho planos de escrever um novo capítulo, como falei as personagens aparecem em uma outra fanfiction mas só de passagem, mas quem sabe um dia!!!
Obrigada por comentar a história! Bjs!
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kasvattaja Forty-Nine
Em: 17/10/2022
Olá, tudo bem?
Belo final e com todas as pontas soltas, amarradas. Todas conseguindo conquistar seus objetivos e com suas companheiras e família.
Parabéns pela finalização da história — com momentos fofos e tensos, pelo menos na opinião de Kasvattaja: ''profissional do sexo''? — e aguardando as outras.
É isso!
Post Scriptum:
''Toda ação humana, quer se torne positiva ou negativa, precisa depender de motivação. ''
Dalai Lama
Resposta do autor:
Obrigada, kasvattaja! Fico muito feliz que tenha gostado e obrigada por comentar! Ficaram alguns coisas subentendidas, na vida nem tudo temos a resposta sempre...
O "profssional do sexo" seria o mais correto em termos sociais, outros termos pejorativos não são mais utilizados, optei por deixar mais certinha algumas falas das personagens rsrsrs
Até a próxima! Bjs!
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Mille
Em: 16/10/2022
Muitos sentimentos guardados e a amizade prevalecendo.
Agora tem as crianças, Alice é muito sapeca.
Bjus e amei ler cada capítulo
Resposta do autor:
Obrigada Mille! A opinião de quem ler é sempre muito importante para quem escreve. Bjs e até a próxima!
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