Capitulo 50
ÁGATA
Ele não tinha parentes conhecidos. Era um homem solitário. Johnny me ajudou nos preparativos para o funeral. No enterro, compareceram além de mim: meu primo, meus tios e Elisa. Becca também apareceu, segundo Elisa ela ficara bastante abalada com o a morte de seu Antônio embora mal o conhecesse. Eu ainda não sabia o que Becca havia ido fazer em meu apartamento. Na verdade, nada em relação à Becca me importava mais. Tentamos contato com Gabriela, mas desde que ela deixara o shopping não tivemos mais notícias suas.
Eu estava triste com a morte repentina de seu Antônio. Fiz questão de dizer algumas palavras no seu velório, relembrar o quanto ele era um bom homem e homens bons não devem ser esquecidos. São cada vez mais raros. O mundo sempre fica mais triste quando as pessoas boas se vão.
Antes de voltar para casa, pedi a Elisa para me acompanhar pelo cemitério. Há poucos jazigos ficava o túmulo de meus pais e meu irmão. Tio Bóris e a esposa também vieram deixar flores para eles assim como Johnny. Becca também se reuniu a nós perto do túmulo de minha família, mas ela ficou alguns passos atrás observando. Enquanto Elisa permaneceu ao meu lado, segurando minha mão.
HENRIQUE R. HOFMANN
05 de março de 1964 - 25 de abril de 2007
ALICE AGNES HOFMANN
30 de janeiro de 1966 - 25 de abril de 2007
HENRY HOFMANN
14 de maio de 1989 - 25 de abril de 2007
Meus tios e Johnny foram embora juntos. Elisa me convidou para tomarmos um café em uma padaria, o convite foi estendido a Becca. Mesmo relutante ela aceitou. Nós três ficamos sentadas em um silêncio constrangedor enquanto comíamos. Até que Elisa me surpreendeu, ao dizer:
-- Sabe, Ágata. Becca quer conversar com você. Foi por isso que ela esteve no seu apartamento.
-- Certo. Eu estou aqui, pode falar o que quiser -- Disse, sem me esforçar em fazer contato visual com Becca.
-- Sendo assim é melhor eu deixar vocês a sós um instante -- Sugeriu Elisa.
-- Não, Elisa. Fica -- Ouvi Becca pedir -- Você pode ouvir o que tenho a dizer, não é segredo.
Eu ia fazer coro ao pedido de Becca para Elisa permanecer conosco, mas em vez disso deixei que ela tomasse sua decisão.
-- Não se preocupem vou estar logo ali no balcão paquerando com aqueles pãezinhos que parecem super deliciosos e calóricos.
Dizendo isso, ela nos deixou. Permaneci calada esperando, eu não tinha nada a dizer a ela. Só aceitei falar com Becca em consideração a Elisa.
-- Você me despreza, não é?
-- Se ao menos pensasse em você, eu poderia te desprezar*.
Becca engoliu em seco.
-- Você tem todos os motivos do mundo para me odiar, Ágata.
-- Já disse, não perco mais meu tempo pensando em você, Becca. Pode fazer o que quiser da sua vida, desde que não se meta mais na minha.
-- É por isso que eu precisava falar com você. Eu quero pedir desculpas, Ágata. E dizer que eu não vou mais me meter na sua vida. Nunca mais.
-- Isso só pode ser algum tipo de piada, não é? Não acredito nas suas desculpas, Becca.
-- Não precisa aceitá-las, já me sinto melhor somente em dizer isso para você. Eu precisava dizer, Ágata. Estou tentando... estou tentando...
-- Mudar? -- Interrompi -- Boa sorte com isso, Becca. Porque não é fácil mudar.
-- Eu sei -- Falou ela, triste -- É a coisa mais difícil do mundo. Tia Marta me disse isso, ela está me ajudando.
-- A mãe da Elisa é uma mulher muito sábia, devia mesmo aprender com ela -- Aconselhei.
Becca assentiu. Só então a encarei, ela parecia mesmo diferente. Mas, só o tempo poderia dizer se haveria ou não salvação para ela.
-- O que aconteceu com você para você querer mudar? -- Perguntei.
-- Por que acha que aconteceu algo? -- Retrucou, na defensiva.
-- Sossega, Becca. Não precisa me dizer o que aconteceu. Espero que um dia você encontre o que tanto procura em sua vida.
Ela ficou em silêncio um instante, depois disse:
-- Obrigada, Ágata.
Um pouco depois Becca foi embora. Elisa sentou-se novamente ao meu lado e segurou minha mão. Ela não perguntou nada e me senti agradecida por isso. Essa era uma das vantagens de ter alguém que compreende você apenas pelo olhar.
***
Retornamos ao prédio, agora totalmente vazio, sem ninguém a zelar por seus corredores mal iluminados e inúmeros quartos não habitados. Agora só restavam fantasmas, assim diria Elisa em sua crença no sobrenatural.
Já não bastasse o clima de luto que tomava conta de nós, Elisa e eu ainda teríamos que nos incumbir de uma melancólica tarefa. Precisávamos reunir os poucos pertences que seu Antônio havia deixado e dá uma finalidade para eles. O quarto de seu Antônio possuía somente uma cama com um criado-mudo e um armário. Os móveis pareciam ter muitos anos de uso. Antes de tocar em qualquer um deles, fiquei sem ação. Elisa já especulava por onde poderíamos começar, até que me viu parada ali e perguntou:
-- Qual o problema, Ágata?
-- Nada. É que... eu não sei, isso que estamos fazendo parece tão desrespeitoso...
-- Amor, acho que entendo o que você quer dizer -- Falou ela, compreensiva – Mas, alguém tem que fazer isso e ainda é melhor que sejamos nós que o conhecemos do que um total estranho...
Assenti.
Elisa abriu o armário, cuidadosamente. Havia roupas, um par de sapatos e alguns vidros de perfume vazios. Encontramos uma mala já gasta onde colocamos as roupas e os objetos que íamos encontrando. Achamos também remédios para pressão alta e problemas do coração.
-- Ele nunca disse que problemas cardíacos -- Falei -- Se eu soubesse disso, eu poderia ter tentado ajudá-lo.
-- Você não tinha como saber, Ágata.
-- Você tem razão, mesmo assim, faz a gente pensar depois que tudo acaba que se poderia ter prestado mais atenção.
-- Eu entendo. As coisas que deixamos de fazer adquirem mais importância.
Continuando com nossa missão, abrimos as gavetas do criado-mudo. Numa delas havia muitos papéis, entre faturas e cupons fiscais. Juntamos tudo dentro de uma caixa de papelão. Encontramos um envelope já bastante amarelado pelo tempo, datava de fevereiro de 1961.
-- Devemos abrir? -- Especulou Elisa.
-- Vá em frente. Afinal, já estamos mesmo invadindo o que foi a vida de alguém.
Encorajada por mim, Elisa abriu o envelope. Dentro havia uma foto muito desgastada pelo tempo e uma carta direcionada a uma mulher chamada Maria José. A foto era de um homem jovem de pé ao lado de uma linda moça de cabelos pretos.
-- Este é seu Antônio? -- Suspeitei.
-- Pela data bem pode ser ele.
-- E essa mulher. Será a tal Maria José?
-- Talvez. Posso ler a carta?
Elisa então leu aquelas linhas, algumas já apagadas. Quem escreveu parecia triste, dizia o quanto amava Maria e que nunca esqueceu seu sorriso “pois seu sorriso Maria era mais do que as estrelas no céu. Hoje as estrelas não brilham, pois você não está mais aqui. Você foi para longe, não tive dinheiro para acompanhá-la, nunca fui um homem de posses. Em qualquer lugar que vou levo apenas a sua lembrança que é a coisa mais valiosa que tenho...”
A carta era longuíssima e todo seu teor era de angústia. Aquelas palavras nos tocaram profundamente. Quando Elisa terminou de ler, nos olhamos sabendo o que significava para nós aquela triste história.
-- Quem ia imaginar que seu Antônio amou assim alguém? -- Disse Elisa, quebrando o silêncio.
-- Talvez por isso ele nunca tenha casado, esperando a moça voltar, a tal Maria.
-- Isso é tão triste -- Disse Elisa, comovida -- Ágata, será que vamos acabar assim?
-- Eu não sei, meu bem.
-- Eu não quero, Ágata. Não quero que a gente termine assim.
-- Nem eu, Elisa.
-- Eu não vou deixar você ir -- Disse ela, convicta.
-- Sempre vou voltar para você, Elisa.
-- Promete?
-- Sim. Eu quero ficar com você. Não vou te perder, Elisa.
Abraçamo-nos sob escombros de um amor há muito perdido no tempo.
-- Às vezes as pessoas perdem umas as outras, Ágata. Eu não quero isso para nós porque eu sei que nunca haverá alguém como você. Ninguém jamais será como você.
-- Nós vamos encontrar uma maneira de ficarmos juntas, meu amor.
Nenhuma de nós duas queria ter o mesmo destino de Antônio e Maria ou de Rick e Ilsa.
***
Mais tarde, Gabriela apareceu. Ela recebera o recado sobre a morte de seu Antônio e estava chocada com o que acontecera. Contamos a ela com detalhes como encontramos seu Antônio já sem vida.
-- Quer dizer que Becca encontrou o homem morto! -- Exclamou Gabi -- Aquela garota é um ímã para tragédia! Sério eu não conseguiria ficar muito tempo no mesmo ambiente que ela.
-- Escuta, Gabi -- Cortou Elisa -- Por onde você andava, hein?
-- É mesmo, não conseguimos te encontrar. Liguei até para os seus pais, eles não sabiam de você. Estava com a Thaís? Vocês se acertaram?
-- Eu ainda consegui encontrá-la deixando o shopping -- Contou Gabriela -- Após dois tapas e um arranhão no pescoço, consegui convencer Thaís a entrar no carro comigo. Deviam ver a garota estava irada comigo.
-- Bem feito -- Alfinetei -- Depois que você armou aquele escândalo merecia até mais.
-- Tá, Ágata. Eu sei que você adorou isso. Quer ou não que eu continue contando?
Fiz silêncio e deixei que a morena continuasse seu relato.
-- Então, eu fiz o que vocês disseram. O que era certo. Pedi desculpas por aquele comportamento que tive no shopping, expliquei o porquê fiz aquilo, mas mesmo assim ela não parecia disposta a me perdoar. Então, eu me toquei que não se tratava apenas do que aconteceu no shopping, ela estava chateada com o modo que terminamos. Então, conversamos sobre nós, sobre porque não havia dado certo. Eu abri o jogo, contei toda a verdade, que era apaixonada por...
Gabriela lançou um olhar constrangido para Elisa e continuou:
-- ... por outra garota, e conversa vai, conversa vem, ela acabou me consolando...
-- Ela consolou você? -- Perguntou Elisa, intrigada.
-- Gabi, você quer dizer que você... que vocês...
-- Ei, calma aí. Não me olhem assim, eu não fico com ninguém desde seu aniversário, Elisa e isso já tem meses. Por isso, vocês não podem me julgar... -- Defendeu-se ela -- Eu não sou de ferro, tá bom?
-- Gabi você fez isso? Você vai magoar a garota. Ela é apaixonada por você -- Afirmei -- Isso é um erro.
-- Qual é, Ágata. Ela sabia muito bem o que estava fazendo e confessou que há muito tempo queria isso.
-- Ágata, Gabi tem razão -- Interrompeu Elisa -- Olha, as duas já são bem crescidinhas e podem resolver isso como adultas.
-- Gabi? Adulta? -- Falei, incrédula.
-- Que voto de confiança você me dá, Ágata. -- Ironizou Gabi -- Elisa, vou eleger você como minha nova melhor amiga. Como diz aquele filme que vocês gostam? Este é o começo de uma bela amizade.
-- Tá, Gabi. Desculpe. Só não quero que as coisas acabem mal para você. Eu já disse que quero te ver feliz.
-- Ágata, não se preocupe. Eu já te disse que eu vou ficar bem. Eu não tenho nada do que reclamar da minha vida. Ela é ótima. E só tenho o que agradecer. Acredita em mim agora?
-- Sim, Gabi. Acredito. -- Falei -- Então como ficou as coisas entre você e a Thaís. Tem volta?
-- Ainda é cedo para dizer, mas vamos nos ver novamente mais tarde.
-- Isso é ótimo! Tenha mais juízo dessa vez.
-- Juízo? Ih, Ágata. Juízo demais atrapalha. Minha filosofia é curtir a vida -- Disse Gabriela -- E vocês duas como estão as coisas?
Elisa e eu nos entreolhamos, cúmplices.
-- Estamos bem. -- Disse Elisa -- O único problema, você sabe, Ágata vai para longe. Canadá.
-- Canadá? Ágata, por que logo Canadá? Isso é nos confins do mundo.
-- Porque meus avós ainda tem parentes lá. Eles querem retornar as origens.
-- Em outras palavras, coisas de gente antiga. -- Sentenciou Gabi -- E você Elisa, também vai, né?
-- Eu ainda não sei. -- Falou Elisa, aturdida.
-- Não seja boba, Elisa. Quer um conselho? Faz logo as malas e não deixa a Ágata dando sopa por aí. -- Determinou Gabriela, sem esperar resposta -- Eu já vou indo. Vou deixar vocês namorarem em paz. Tchau!
Sem dizer mais nada Gabriela saiu e no deixou a sós.
-- Você implica demais com ela. -- Falou Elisa.
-- E ela implica comigo. E com você também. Gabriela é assim.
-- É, eu sei. Espero que ela dê certo com a Thaís, aquela é uma garota de ouro.
-- Eu estava enchendo o saco dela só para ver se ela se toca logo disso.
-- Espero que sim -- Desejou Elisa -- Quanto ao que ela falou sobre eu ir para o Canadá, talvez ela tenha razão, afinal de contas essa é uma ideia possível, não é, Ágata? E se eu for com você...
*Parafraseando o filme Casablanca
Fim do capítulo
Desculpem a demora! Esses dias não tive como postar! Obrigada pela paciência!
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