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A tragicomédia de Morgana por shoegazer

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Palavras: 4120
Acessos: 771   |  Postado em: 08/10/2022

Isabeça Gutierrez

Atualizando um pouco sobre os meus dias desde que aluguei o apartamento: não aconteceu nada de interessante, além do fato que o técnico de informática que o Alexandre – esse é o nome do porteiro da parte da manhã – me indicou está configurando meu notebook, comprado ontem. Ele anda me salvando de muitas situações, principalmente sobre indicações de lugar pra comer. Quando não como nos arredores, peço por uma maravilha chamada delivery.

Como preciso de uma rotina, a minha é basicamente acordar, tomar café ou tomar fora, pegar pelo menos quinze minutos de sol matinal, vagar sem rumo pela cidade, almoçar, ler até a metade da tarde e escrever alguma coisa. De noite, leio mais um pouco até dormir. Desde que cheguei, as únicas pessoas as quais tenho mais contato são o pessoal da portaria, que me auxiliam com lugares pra comer, dicas de onde ir, um cumprimento de bom dia, boa tarde ou boa noite. Tirando isso, a última vez que conversei de fato com alguém foi com Isolda que, a propósito, ficou super entusiasmada por termos um lugar pra ficar, mas que ficou triste de eu não poder visita-la por ter violado outra regra e ter ficado em castigo disciplinar mais uma vez.

“Mas em breve estarei contigo”, disse ela, me prometendo mais uma vez “e cozinharei pra nós. Não está passando fome, né?”

— Todo dia é essa animação? – diz o técnico rindo enquanto a tela preta corre palavras rapidamente em branco. Ele está se referindo à minha vizinha que está ouvindo o que acho ser alguma cantora pop que não conheço no último volume.

Descobri que, nesse perímetro, só mora eu e ela. Nunca a vi, mas sei toda a sua rotina. Ela acorda tarde, sai, e quando chega, pela metade da tarde, coloca música alta, na grande maioria pop e cantarola do seu jeito, vez ou outra brigando com uma Alexa, mas quando dá certa hora da noite, por volta das sete, oito horas, o silêncio é absoluto. Não reclamo porque me faz sentir menos sozinha, e também mão sei se ela percebeu que tem gente que mora ao lado dela. Sei que vez ou outra ouço ela chegar com alguém, mas a pessoa logo vai embora.

— Quando não tem eu até estranho.

Depois de uma hora, ele vai embora. Ofereço café, mas ele recusa, então tomo sozinha com o resto do pacote de bolacha. Com o computador pronto, posso passar meus rascunhos dos últimos dias pra ele. Escrever a mão é cansativo, faz eu gastar o dobro do tempo do que eu podia fazer digitando, sem contar na dor na mão.

Transcrevo minhas anotações até o começo da noite, que, para minha surpresa, falta energia.

— Caralh*! – ouço o angustiante grito da minha vizinha ao ter sua sessão de karaokê privado interrompida.

O que quase grito também, já que detesto ficar no escuro. Apesar de estar com bateria, desligo o notebook, procuro pelo meu telefone e ligo a lanterna, abrindo a porta. Pela cara, foi geral, mas vou descer pra conferir. Ainda bem que lembrei de comprar um pacote de velas pra emergência.

No corredor, ouço o clique da porta ao lado, e quando ilumino o local onde ouço o barulho, escuto seu grito novamente.

— Puta que pariu! – ela recua assim como eu – De onde tu saiu?

Puta que pariu digo eu, porque como essa mulher é alta! Sério, se ela não tiver uns dois metros, é quase isso. Ela é magra, com o rosto sisudo pelo pouco que posso ver, usa uma camiseta de banda gasta, as mãos compridas sujas de tinta, o cabelo curto até mais ou menos a orelha, escuro.

— Eu... – tento dizer por conta do choque anterior – sou sua vizinha.

— Nossa, que cagaço – ela coloca a mão no peito, respirando devagar – Espera, disse que é minha vizinha? – concordo e ela cerra as sobrancelhas – Desde quando?

— Vai fazer uma semana.

— Como é que eu... – ela respira ofegante – como não nos conhecemos?

Dou de ombros. Não tinha como ela saber, afinal nossas rotinas são diferentes e não tem nada no meu apartamento que avise que alguém mora ali, como uma placa ou tapete pro lado de fora, diferente do dela, que é todo na temática do Star Wars.

— Nossa, eu... – ela estende a mão, mas logo recua – tô toda bagunçada. Péssimo jeito de me apresentar.

— Morgana – gesticulo levantando a mão, e ela ri.

— Isabela. Isa, se preferir – ela sopra pra cima na intenção de tirar o cabelo do rosto – não estou te incomodando com o som alto?

Nego com a cabeça, e ela expira, agora mais controlada.

— Desculpe, é que estou fodida – ela balança a cabeça aturdida – quer dizer, nervosa. Preciso finalizar uma obra pra amanhã de manhã e agora, estou aqui pensando em como vou dar um jeito de trabalhar no escuro.

Olho para dentro de casa, e logo me vem uma ideia.

— Já volto.

Vou até a despensa e pego o pacote de velas, entregando-as para ela, que olha surpresa.

— Bah, guria! – ela sorri – Tu me quebrou um galhão agora.

Ela pega a metade, e me devolve a caixa.

— De nada.

Será que estou sendo grosseira em não continuar a conversa? Não tenho mesmo o que acrescentar além disso. Ela precisava de uma coisa que eu tinha, e a dei. Pronto. Ela me olha como se esperasse mais alguma coisa, mas me presto a apontar para baixo.

— Vou lá ver o que aconteceu.

— Valeu mesmo, viu?

Sigo descendo as escadas. Segundo Sérgio, foi problema no reator e eles vão demorar cerca de duas a três horas até arrumar o problema. Subo e minha vizinha não está mais lá no corredor. Acendo umas três velas das restantes no hack e volto a leitura do meu livro novo.

O silêncio é estranho demais. É um ruído que invade sua cabeça de uma maneira desconfortável, e você tenta a preencher da maneira que puder, dando margem pras suas inseguranças tomarem as vozes que não precisam.

Depois de um tempo, ouço um barulho de música bem baixo, e ela cantarolando no mesmo tom. Pode parecer inusitado, mas me sinto melhor assim do que como estava.

*

Hoje está um calor infernal. Apesar de estar com minha regata branca e shorts com estampas de abacaxi que são praticamente minha roupa mais leve, nem mesmo eles e o ventilador de teto ligado são capazes de aplacar isso.

Acho que tenho que sair um pouco de casa. Esse negócio de ficar só digitando, editando e lendo está me deixando pilhada. Mal saio de casa, e ando dormindo mal. Acordei hoje ia dar onze horas, sabe por quê? Porque antes de dormir vi a Valentina de novo, e não gosto nem um pouco disso. É um sinal que as coisas podem começar a degringolar de um jeito ruim.

Pego meu exemplar de Coriolano e, quando abro a porta, ouço passos no corredor. Isabela, minha vizinha, se aproxima com sua sacola de pano cheia de pincéis, papéis a tiracolo, além dos fones de ouvido alto a ponto de dar pra ouvir o ruído. Na outra sacola tem compras, e ela também está usando uma regata, só que listrada e um bermuda folgada. Os braços dela são repletos de tatuagem, assim como seu colo. Ela cantarola distraída olhando pro telefone, e isso me faz lembrar que esqueci de perguntar se ela tinha entregado a tal obra. Questão de educação, boa vizinhança, não sei como faz essas coisas.

Ela levanta o olhar, e dá de cara comigo. Me recepciona logo com um sorriso.

— Vizinha! – ela diz tirando os fones de ouvido – Calor da porr* hoje, né? Pensei que fosse derreter no caminho pra cá.

Nisso eu tenho que concordar, então só aceno com a cabeça.

— Está saindo ou chegando?

— Ia sair, mas... – não estou a fim de derreter nesse calor. O suor e a quentura em vez de ajudar estressa mais e, além do mais, duvido que aqui por perto tenha uma piscina ou coisa assim – acho que vou deixar pra mais tarde.

— Não quer me acompanhar, então? – ela levanta as compras– Estou te devendo uma, se não fosse por ti... – ela procura a chave repleta de chaveiros de pontos turísticos – estaria muito ferrada.

Educação ou está fazendo isso por fazer? Não sei se sei identificar, mas se for o jeito dela de dizer obrigada, aceito. Ela abre a porta, e gesticula para que eu a siga. No corredor de entrada já me deparo com papel de parede composto de várias linhas em um estilo bordado, antigo, de cor marrom. As lâmpadas, diferente das minhas, são fluorescentes, amareladas. Ela coloca as sacolas em cima da mesa. A construção é parecida com o do meu, com a cozinha no mesmo lugar, a divisão também, a porta de correr. Na cozinha tem o indispensável: uma geladeira bege, pequena, um fogão envelopado, um armário no canto, uma bancada nas quais ficam outros itens da cozinha, assim como outro armário que fica embaixo da pia. A sala consiste no sofá, outro tapete felpudo e uma televisão pequena de tela plana. Atrás dela, uma estante com alguns souvenirs, mais fotos, alguns troféus.

O quarto deve ficar ali, próximo da entrada, assim como o banheiro. Na parte do lavatório, diferente do meu, tem uma máquina de lavar pequena com alguns adesivos colados, além do varal ser daqueles que sobem.

Porém, o que deixa aconchegante na casa são os itens que complementam o visual da casa. Placas, escritos, pinturas, bandeiras, personalidades, lembrancinhas, tudo ali mantido de maneira única, mas não caótica.

— Por favor – ela gesticula enquanto pega algo no armário – fique à vontade. Gosta de chimarrão?

Sento no sofá, do lado de uma almofada da Frida, e continuo analisando o redor. São tantas coisas espalhadas pela casa que é difícil se perder. Ela é uma acumuladora?

— Nunca tomei... – respondo a esmo, procurando uma resposta para minha pergunta.

— Então quer um café? Um... – ela abre a geladeira, olhando para o interior da porta – Chá gelado?

Concordo, mergulhando um pouco mais no sofá. Diferente de onde eu vivo, esse aqui é realmente macio. Dormiria fácil num desse.

E até se perguntariam porque eu aceitei vir para a casa dela sendo que só nos vimos uma vez. Deve ser pelo fato de que nos últimos dias, por culpa da acústica péssima entre os apartamentos, saiba mais dela do que só no primeiro contato, e tenho certeza que ela sabe o mesmo de mim. Que a nova vizinha é silenciosa e não sai de casa, e que também não tem amigos.

Ela entrega o chá gelado pra mim em um copo comprido de vidro, e volta para o fogão para esquentar a água e arrumar a cuia com o chá que ela vai tomar. Como ela vai conseguir tomar isso nesse calor que eu estou me perguntando. Logo depois, pega a travessa que está em cima da mesa e a coloca dentro do forno, e nisso, começa a tirar os itens da sacola. Folheio o livro despretensiosa, e ela olha de relance.

— O que está lendo? – diz ela olhando pra uma maçã antes de voltar o olhar pra mim novamente.

— Nesse caso, relendo – e mostro a capa – Shakespeare.

Ela para por um instante o que está fazendo, e ri, balançando a cabeça como se lembrasse de uma piada antiga, e volta a guardar os itens na geladeira.

— Você gosta?

— É meu autor preferido – digo tentando esconder a empolgação de falar de uma coisa que gosto – acho que já li quase tudo dele.

— Eu só conheço Romeu e Julieta e Hamlet... – Isabela coça o rosto e depois joga o cabelo pra trás, procurando ligar o ventilador – Não é esse que o filho quer vingar a morte do pai e é toda uma viagem filosófica?

— Basicamente, isso mesmo.

— Conheço uma pessoa que... – e o sorriso de uma piada antiga volta, mesmo ela tentando esconder – gostava muito desse livro. Ela se identificava com o príncipe, coisa assim.

— É uma das melhores obras, se não a melhor, e... – cerro os olhos – Essa pessoa se identificava com ele? – e dessa vez eu que dou um riso surpresa – Quer dizer que ela ficou cega por uma vingança que a enlouqueceu?

— Bom... – ela começa a despejar o pó dentro da cuia – basicamente isso, mas teve um final feliz, acho.

— É o que acontece quando Hamlet vai pra terapia pra lidar com o luto.

Juro que não falei com a intenção de ser engraçado, mas Isabela começa a gargalhar, cruzando os braços.

— Bah, guria, tu arriou agora, viu?

Dou um gole no chá gelado. Não reconheço bem o gosto, mas é refrescante e isso que importa. No finalzinho ele tem um sabor levemente cítrico e encorpado, o que me faz realmente gostar dele.

O cheiro de algo assado começa a transparecer no ambiente, e Isabela se vira pra mim, apoiada na bancada.

— É daqui, Morgana?

Ela lembrou do meu nome, o que já acho incrível. Pigarreio, e dou mais um gole no chá.

— Não, eu... Morei muito tempo fora, voltei há poucas semanas.

— Legal, e morava aonde?

É melhor você nem saber. Espera, eu lembro de ter ensaiado as respostas para essas perguntas... Eu não tenho que mentir, mas não preciso expressar diretamente para não assustar as pessoas, e qual era a melhor resposta mesmo?

— Tirei um período sabático – que se repetiu por sete anos, mas não vem ao caso. Quando não adentramos no assunto, as pessoas não se sentem à vontade para questionar, e é exatamente o que acontece aqui.

— Interessante... – a água começa a ferver, e ela se vira para tirar do forno – Gosta de fazer o que, então? Além de ler.

— Eu escrevo – coloco o copo no chão, esfregando os dedos um contra os outros – mas faço mais roteiros, peças, quase não escrevo romances.

— Sério? – ela arqueia as sobrancelhas enquanto o cheiro do chá mate invade o ambiente – Isso explica porque quase não te vejo fora de casa. Deve estar trabalhando em alguma coisa, não é?

— É, isso mesmo.

— E você produz pra alguém? – ela começa a mexer o chá dentro da cuia – Pra alguma produtora, que eu digo.

Não, meus manuscritos nunca viram a luz de fora da clínica.

— Não – digo pressionando os lábios – ainda não.

Ela faz um barulho entre os dentes, e continua balançando o chá contra a água.

— Sei bem como é péssimo formar uma rede de contatos... – Isabela dá um gole no canudo de ferro no chá, e me questiono novamente como ela consegue fazer isso – eu queria desistir todos os dias.

Imagine para mim que sequer saio de casa e interajo com o público.

— Você tem que puxar saco dos superiores, ir a eventos que não gosta, falar com pessoas que detesta... – ela suspira, e vejo pequenas gotas de suor se formar em seu rosto – isso sem contar os diversos nãos que recebe, ou quando é um cara velho que te humilha ou dá em cima de ti.

Sinto-me encorajada com esse discurso. Inspirada para voltar para onde estava e, de preferência, nunca mais sair.

— Já tem um editor?

Nego novamente. Ela deve estar pensando que estou brincando com a cara dela, mas ela meneia com a cabeça e dá outro gole no seu chimarrão.

— Eu tenho uma amiga que mexe com isso, se tiver interesse... Te passo o contato.

Eu não tenho estima o suficiente pra mostrar meus escritos pra ninguém, estimada vizinha. Na verdade, ultimamente não tenho estima nem para colocar a cara para fora do apartamento, e o que estou fazendo ainda não está pronto, mas...

— Seria ótimo, eu agradeceria muito.

Não é o tipo de coisa que se recusa. Além de ser uma gentileza, aprendi que tenho que permitir certos avanços nas coisas que faço, e essa pode ser uma delas. A oportunidade de mostrar isso pra uma profissional, que pode dar o parecer crítico dela.

Mas se ela negar e falar que o que faço é um lixo, vou estar preparada pra isso?

Vou procurar não pensar nisso agora. Ela sorri e volta a beber o conteúdo, e vejo que só ela está falando comigo e eu respondendo. Sobre permitir avanços, acho que puxar assunto está entre um deles.

— E você? O que gosta de fazer?

— Quando não estou me estressando com o trabalho, fico assistindo filme – ela caminha até o sofá, sentando no encosto dele – curte? Ou não é muito sua vibe?

— Assisto, mas não sou o tipo de pessoa que entende. O que tiver passando, pra mim está bom.

— Isso é ótimo – ela diz com um riso sarcástico – dizer que é cinéfila é o mesmo que dizer que é uma chata pretensiosa que se acha melhor que os outros.

— E você é isso?

— Infelizmente – Isabela faz uma cara desgostosa, dando um gole no chá e indo até o forno – eu estudei Cinema por um tempo, a propósito.

— Sério? – arqueio as sobrancelhas – E como é?

— Larguei na metade do curso pra virar artista plástica – ela dá com os ombros – seis por meia dúzia, mas pelo menos nessa área sou menos triste.

Então ela é uma artista. Já desconfiava quando ela falou da pintura, mas podia ser qualquer coisa.

— Mas não me considero bem uma artista – ela pega o pano de prato e abre o forno, pegando a travessa. O cheiro de pão e biscoito preenche o ambiente de uma vez – sou mais uma pessoa que usa a arte como forma de escapismo e tem a sorte de trabalhar com ela. Ou azar, dependendo da ótica.

Ela dispõe a travessa no centro da mesa, em um suporte de madeira.

— Vamos comer?

Isabela me serve mais chá gelado, e sinto que eu o podia tomar todo dia, mas quando olho para a travessa, não é pão e nem biscoito que está nela.

— O que é? – aponto, e ela realmente parece animada com a pergunta.

— Cuca – ela responde já cortando um pedaço enquanto a fumaça sobe – experimenta, você vai gostar.

A espécie de bolo tem recheio de chocolate e, na primeira mordida, sinto que é amor à primeira mordida. Ela derrete na minha boca, tanto que exprimo minha satisfação.

— Nossa, isso é muito bom.

— Tá tri bom – ela ressalta, dando uma rápida garfada no seu – se pudesse, comia numa talagada.

Já deu pra perceber que alguém tem muito orgulho de suas origens. As minhas, no entanto, se perderam há muito tempo.

Quando terminamos, insisto em lavar a louça, mas ela ignora meus pedidos.

— Nada disso, se senta aí enquanto conversamos e... – ela faz uma pausa e vira na minha direção, com a esponja já na mão – Gosta de ouvir alguma coisa em especial?

Nego com a cabeça, e ela pressiona os lábios, pensativa.

— Então, Alexa! – um dispositivo oval na cor preta se acende na bancada – Coloca... Marina and The Diamonds. Nossa, ela nem usa mais esse nome, mas só reconhece se falar assim. Do tanto que peço pra tocar ela, já devia saber.

Tocando as músicas de Marina and The Diamonds no modo aleatório no Amazon Music.

 — Alexa – mais uma vez o aparelho se acende – volume três. Desculpe, viu, Morgana? Só consigo fazer as coisas ouvindo alguma música, mas acho que isso não é nenhuma novidade.

A música toca bem baixo, e reconheço aquela voz. Vez em sempre ela coloca essa cantora mesmo, e ouso dizer que é uma das que ela canta com mais animação. Bem que dizem que o futuro é agora. Isso é basicamente um robô que atende até os comandos. A última vez que estive fora da clínica, pelo que lembre, era uma máquina que transformava água suja em limpa. Agora temos robôs dentro de casa que tocam música e falam contigo.

E o abuso de chá gelado me deu vontade de ir no banheiro.

— Posso usar seu banheiro?

— Claro – ela aponta pro cômodo junto ao corredor – chegou no meu quarto vai ter uma porta do lado da cama, é lá.

Peço licença e me dirijo ao local apontado. Abro a porta adornada por um pôster de filme em preto e branco e adentro no recinto. O quarto é o espaço mais íntimo de um indivíduo, então só vou entrar, ir no banheiro e...

Me desculpe, mas a curiosidade é maior.

O quarto dela é repleto de tantas coisas as quais não consigo identificar de primeira. É ainda mais carregado que o resto da casa, e o que me chama logo atenção são as várias fotos coladas próximas da cama, assim como um pano estampado com alguma divindade a qual não consigo reconhecer, mas possivelmente é indiano. Um quadro incompleto está no canto do quarto, assim como uma mesa repleta de tinta, pincéis e outros materiais de pintura. Livros abertos ao lado complementam a visão, assim como o banco gasto em frente ao quadro. Algumas luzinhas também se encontram próxima da janela, e seu quarto tem um tom predominantemente terroso, eu diria assim pelo menos.

E uma bandeira LGBT acima da janela. Sim, as cores do arco-íris balançando conforme o vento passa. Ah, legal.

Vou no banheiro, que tem um cheiro de incenso misturado a produtos de limpeza. Vejo minha aparência no espelho e agradeço por não ter um onde moro, lavo as mãos com sabonete de lavanda e saio. Encaro aquela bandeira mais uma vez, além das fotos. Tem uma pessoa que se repete mais do que as outras. Umas fotos são só dela, outra são delas juntas em várias ocasiões, e pelo que dá pra perceber, idades diferentes.

Cabelos ondulados volumosos castanhos que caem pelo rosto notavelmente sardento, os sinais que descem pelo corpo – pelo menos o que dá pra ver na camiseta sem manga – os óculos, um sorriso sugestivo por detrás do batom vermelho escuro em seus lábios. Sua pose é da mão apoiada no queixo encarando a pessoa que está tirando a foto. Usa um saião estampado, as pernas cruzadas, os braços também tatuados, mas com outras temáticas.

Com todo respeito, ela é bem bonita. E agora estou envergonhada por estar violando a privacidade de alguém assim. Balanço a cabeça negando em repreensão a mim mesmo, e volto pra cozinha.

Será que é namorada dela?

“Isso não é bem da sua conta, Morgana.”

Eu sei, mas formam um casal bonito, a propósito. Agora, estou me questionando se é ela que vem visita-la vez ou outra. Na verdade, sinto que já estou intrometida demais e devo ir embora seguir com minha vida.

— É... eu já vou indo.

— O quê? – ela diz surpresa – Mas já? – e olha pela janela – Ainda está cedo.

— Tenho umas coisas pra resolver – como caminhar sozinha, ler sozinha e voltar pra casa adivinha como? Sozinha – mas eu agradeço pelo lanche, estava maravilhoso.

E pela oportunidade de que eu pudesse agir como alguém que pode interagir com outras pessoas normalmente, e não uma reclusa esquisitona que não dá pra ouvir sequer os passos.

— Espera – ela enxuga as mãos no pano de prato, e tira um folheto da mochila, entregando-o para mim – como não sei quando vou te encontrar de novo, vou estar organizando uma exposição. Aparece lá.

Olho para o folheto e o guardo no livro, concordando com um aceno. Pela data, vai ser depois de amanhã.

— Eu comparecerei.

— Obrigada – ela dá um sorriso torto – tem certeza que já quer ir? Não quer nem um pedaço de cuca?

Fico em silêncio, com vergonha de falar que sim, e pelo visto, ela entende. Vira-se, corta um pedaço generoso e o embrulha em papel alumínio, entregando em minhas mãos.

— Até lá, então.

Ela me leva até a saída e acena assim que me despeço. Depois que fecha a porta, vou para o meu apartamento, deixo o pedaço embrulhado dentro da geladeira e saio para o que tinha planejado mais cedo.

E tento ignorar o fato de que, agora, com um compromisso social, nem roupa para isso tenho.

Fim do capítulo


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Comentários para 5 - Isabeça Gutierrez:
Marta Andrade dos Santos
Marta Andrade dos Santos

Em: 12/10/2022

É um dia de cada vez Morgana.

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