Capitulo 48
ELISA
“Please don't try so hard to say goodbye”
(Por favor, não se esforce tanto para dizer adeus)
She Will be loved (Trecho)
Ágata não respondeu ao primo, prestava atenção à morena que começava a armar um escândalo. Dei um sorriso sem graça para Johnny, que ainda esperava por uma resposta. Passei a observar a cena que Gabriela protagonizava a algumas mesas à frente. Ela batia boca com a tal garota que estava com Thaís. Pareciam discutir seriamente até que a garota se cansou, pegou suas coisas e foi embora. Depois foi a vez de Thaís levantar e começar a discutir com Gabriela. Sem aviso, ela deu um tapa certeiro na morena e saiu visivelmente irritada, deixando Gabriela sozinha.
-- Parece que deu ruim. -- Observou Johnny, que também voltara sua atenção para a cena.
-- Eu disse que ela estava fazendo besteira. -- Atentou Ágata.
Gabriela retornou à nossa mesa, levava à mão ao rosto no lugar em que recebera o tapa.
-- A garota tem a mão pesada -- Constatou ela.
-- Você é doida! -- Exclamou Ágata, irritada.
-- O aconteceu, Gabi? -- Perguntei.
-- Como eu disse, fui só dá um oi.
-- É e acabou levando um tapa na cara. Deve ter merecido. -- Atacou Ágata.
-- Ok, eu mereci mesmo -- Reconheceu Gabriela.
-- E o que você ainda está fazendo aqui. Vá atrás dela e peça desculpas. -- Exigiu Ágata, resoluta.
-- Por que eu tenho que fazer isso? -- Indagou Gabriela.
-- Porque você é uma idiota. -- Retrucou Ágata. -- Ainda não aprendeu a pensar nos sentimentos dos outros.
-- Ágata tem razão -- Afirmei -- Você deve pedir desculpas a ela. Thaís é uma boa garota.
-- Ok. Eu vacilei. -- Ponderou Gabriela -- Melhor eu correr quem sabe ainda a encontro.
Gabriela se despediu de nós às pressas. Ágata ficara mais aliviada com a atitude dela.
-- Gabi precisa de um curso de sensibilidade -- Comentou Ágata.
-- Ela aprende. -- Falei.
-- É impressão minha ou vocês duas estão amiguinhas de novo? -- Indagou Ágata.
Dei de ombros, e falei:
-- Ela é legal.
Tive a impressão de que Ágata queria me perguntar algo, mas se queria não o fez. Ela voltou atenção novamente ao primo que não voltou a repetir a perguntar sobre nós. Conversamos sobre música. Johnny tinha um gosto musical punk rock. Ele também tocava guitarra. Ágata afirmou que o talento musical dos Hoffmann se restringia às investidas de Johnny nos acordes, pois ela era um desastre.
Johnny voltou para casa de seus pais em sua motocicleta já eu acompanhei Ágata até seu apartamento. Finalmente teríamos uma oportunidade de estar a sós novamente. Na portaria, cumprimentamos Seu Antônio que parecia cansado. Subimos as escadas em silêncio. Andávamos solenemente como alguém que caminha para o cadafalso.
Ágata abriu a porta de seu apartamento e me deixou passar. Depois girou a chave na fechadura, se a intenção era não deixar ninguém entrar talvez fosse inútil já que Gabriela também tinha as chaves.
-- Não se preocupe, ninguém vai nos interromper -- Falou Ágata, com seriedade, adivinhando meus pensamentos. -- Somos apenas eu e você.
Senti um arrepio percorrer meu corpo. Incrível como sua voz soara sexy mesmo se o que ela falara prenunciasse uma conversa séria e com consequências imprevisíveis.
-- Quer uma água?
-- Não, Ágata. Obrigada.
Fitei seus olhos negros. Ficamos nos olhando, sem ação. Meu cérebro gritava “diga alguma coisa”, mas meu corpo não obedecia.
-- Então -- Começou ela -- Precisamos conversar...
Ação e reação. Agora minha boca obedeceria, ainda assim não foi fácil quando as palavras finalmente saíram:
-- Tem razão. Eu estraguei tudo, Ágata. Sei que você ainda está muito ressentida. Eu entendo que o que eu fiz foi terrível.
-- Você partiu meu coração.
Engoli em seco.
-- Naquela noite, por que veio? -- Continuou ela, se referindo a noite em que fizemos amor.
-- Eu precisava te ver. -- Respondi, sincera.
-- Mas você havia dito para eu ir embora e sumir da sua vida... -- Questionou ela -- Teria sido mais fácil para mim te esquecer se você não tivesse vindo até aqui, Elisa.
-- Você queria me esquecer? -- Interroguei, com cautela.
-- Nem se eu quisesse, eu não poderia te esquecer, mas que alternativa eu tinha quando você mesma me pediu para fazer isso?
-- Eu estava errada, Ágata. Minha reação ao que aconteceu foi exagerada. -- Reconheci, com pesar.
-- Isso não teria acontecido se você tivesse acreditado em mim desde o começo. Ter me dado o voto de confiança que eu merecia. Você me chamou de sem-vergonha e me acusou de traição mesmo nada daquilo sendo verdade. Eu fiquei muito decepcionada, Elisa.
Ágata não mediu palavras e tinha certeza que ela tinha muitas outras coisas para desabafar, mas meu instinto de defesa falou mais alto e soltei o que estava engasgado em meu peito:
-- Isso não teria acontecido se você não tivesse dado tanta bola para Gabi.
Ágata me olhou, aturdida. Eu usara aquele argumento uma vez, na nossa última discussão.
-- Elisa, vamos começar com isso de novo?
-- Ágata, pode até ter sido ingenuidade de sua parte, mas você deu sim cabimento as investidas daquela garota. -- Acusei. -- E isso sempre me incomodou, fiquei em uma situação totalmente desconfortável.
-- Gabi é minha amiga e eu gosto dela. Eu não poderia me afastar de uma amiga.
-- Mas precisava ser tão carinhosa com ela? -- Tentei argumentar.
-- Elisa, não estou entendendo o porquê disso agora. -- Falou Ágata -- Gabriela também é sua amiga ou esqueceu-se disso?
-- Por que você a beijou?
Minha pergunta a pegou de surpresa.
Talvez soasse meio hipócrita de minha parte questionar isso já que eu mesma havia beijado Gabriela, mas por necessidade, para fugir de um lugar horrível. Só assim eu teria motivo para beijar alguém pela qual eu não estava apaixonada. O que me interessava era saber que motivo levou Ágata a fazer isso.
-- Gabriela te contou? -- Perguntou Ágata.
-- Contou ou era para ser um segredo?
-- Não, não era.
-- Então você admite que a beijou?
Ágata respirou fundo. Cruzou os braços sobre o peito e falou, com a voz controlada:
-- Eu a beijei logo após deixar sua casa, quando você me expulsou. Naquele momento nada mais me importava e Gabriela estava ao meu lado, eu precisava me sentir amada naquele momento por alguém. Eu estava muito magoada, Elisa. E ainda estou, não é o tipo de coisa que se esquece da noite para o dia.
Ficamos em silêncio. Agora eram as minhas atitudes que estavam novamente sendo postas sob acusação.
-- Eu fui covarde como você disse, Ágata. -- Reconheci -- Devia ter contado antes para minha mãe sobre nós. Eu devia saber que ela me apoiaria. Eu também tive medo de me magoar na nossa relação, sempre me protegi de tudo. Minha vida inteira foi previsível, cada passo foi devidamente programado. O que eu precisava fazer para atingir meus objetivos sempre foi muito claro para minha família e para mim. Até você aparecer, Ágata... Você foi imprevisível, quando entrou na minha sala de aula naquele dia eu não podia saber como a minha vida iria mudar...
Aproximei-me de Ágata, forçando-a a me encarar, a ver em meus olhos a verdade.
-- “Eu nunca estive no seu futuro” foi o que você disse para mim, Ágata. E eu, estive no seu?
Fiz uma pausa. Ágata estava muito séria.
-- Você me acusou de eu não ter pensado num futuro com você, Ágata. -- Continuei -- Mas, é você que vai para longe de mim...
Um silêncio profundo se fez presente entre nós. Naquele momento, seus olhos eram um enigma que eu não conseguia decifrar.
-- Gabriela também te contou isso, não foi? -- Ágata quebrou o silêncio.
-- Sim. Tornou-se comum eu descobrir coisas suas através dela.
-- Por favor, Elisa. Não seja irônica. -- Pediu Ágata.
-- Tudo bem. Mas, por favor, acaba logo com minha dúvida. -- Falei, quase suplicante -- É verdade?
Eu esperava uma resposta sincera, Ágata não se esquivaria de mim. Afinal, ela era a mais corajosa de nós. Eu tremia por inteiro esperando aquela resposta que selaria nossos destinos.
Continuávamos próximas uma da outra, ela segurou minha mão com carinho, tentando me acalmar. Com a voz suave, ela falou:
-- Deixa eu te contar uma história, meu amor. Talvez, no final você possa entender meu dilema. É sobre dois jovens que vieram de dois mundos diferentes. Eles se conheceram quando cursavam a faculdade de jornalismo. Dois jovens idealistas que participavam de passeatas e lutavam por seus direitos. Queriam um futuro melhor para seus filhos. Quando se encontraram, perceberam o quanto foi inevitável não se apaixonarem. Ainda jovens, eles casaram e tiveram dois filhos. Mas, antes disso, sofreram muito para ficarem juntos. A garota tinha pais que não os aceitava, porque o rapaz era de uma condição social inferior. Naquela época, isso era muito importante para os pais da garota que impunha obstáculos ao relacionamento deles. Mas, se duas pessoas querem realmente ficar juntas, elas superam todos os obstáculos. E eles seriam muito felizes, “até que a morte os separe”, como juraram. No dia do casamento deles, foi o cunhado da noiva que a levou ao altar, o pai da garota não compareceu. Ela morreu sem nunca voltar a falar com seus pais novamente...
Ágata tinha lágrimas nos olhos, ela estava visivelmente emocionada.
-- Seus pais...
-- Sim. Eles se foram -- Continuou ela -- Mas continuam vivos em mim, enquanto eu me lembrar deles. Meus avós pensaram ter perdido mamãe para sempre, mas eu sobrevivi e eles lutaram por minha guarda. Eu era tudo o que restava a eles. Eu tinha receio de me aproximar de meus avós, pelo que tinham feito aos meus pais, mas mamãe não me ensinou a odiá-los. Ela tinha um grande coração. Acho que mamãe morria de saudades dos pais que guardava só para si. Nunca lhe contei sobre o tempo que passei com meus avós, Elisa. Foi muito bom dá-lhes uma segunda chance. Eles já estão bastante idosos e eu lhes fiz uma promessa antes de voltar à cidade e estudar no Yves Freitas. Antes de conhecer você, Elisa.
-- Qual a promessa, Ágata? -- Perguntei, compreendendo que ela quisera chegar a esse ponto.
-- Prometi que quando terminasse a escola eu iria voltar a morar com eles. -- Revelou Ágata -- Quando vim para cá foi porque eu precisava de um tempo sozinha, colocar a cabeça no lugar. E também tentar me redimir com meus tios pelo o que eu havia feito com eles. Meus avós não são pessoas más, mas eles sempre evocavam a lembrança de mamãe e isso doía muito. Quando eu conheci você, Elisa, eu ainda estava meio revoltada com tudo. Você me ajudou nesse lento e difícil processo de recuperação. Então, uma coisa incrível aconteceu e eu me apaixonei por você, mais incrível ainda foi que eu fui totalmente correspondida. Tudo ia tão bem, era tão fácil te amar. Mas o futuro sempre foi nebuloso. Compreendi que você tinha seus próprios planos traçados, antes mesmo de nos conhecermos você já tinha um lugar para ir e eu não me encaixava nesse lugar. E meu futuro era simples: fazer a faculdade que meus pais fizeram. Entenda, o mesmo curso e a mesma faculdade.
-- Seus pais se formaram na Universidade Federal, não foi? -- Perguntei.
-- Isso mesmo. Mas meus planos não dependeriam só de mim. -- Explicou Ágata -- Há um tempo recebi uma ligação dos meus avós e eles me disseram que estão se mudando para o Canadá e querem me levar com eles...
-- Canadá? Mas isso é longe demais! -- Exclamei.
-- Eu sei, Elisa. Mas, entende a posição em que me encontro. Eu fiz uma promessa. Eu me sinto na obrigação de fazer parte da vida de meus avós. Apesar de tudo, minha mãe iria querer isso. Onde quer que ela esteja, ela ficaria feliz de ter sua família reunida.
-- Quando você pretendia me contar?
-- Eu ia contar, mas aconteceu toda aquela confusão e não pude esclarecer as coisas...
Num impulso, abracei Ágata com força. Enterrei meu rosto em seu peito. Ela envolveu seus braços em volta de meu corpo e me abraçou.
-- Você já tomou sua decisão? -- Perguntei.
-- Andei pensando e acho que não tenho muita escolha. Conversei sobre isso com meus tios e eles disseram que se for o melhor para mim, eu devia ir e ter a melhor educação que o dinheiro pode comprar.
-- Seria egoísmo se eu te pedisse para ficar?
-- Seria egoísmo se te pedisse para vir comigo?
O que acontece quando um objeto que não pode ser parado encontra um objeto que não pode ser movido? De fato, se tal configuração fosse possível, nada aconteceria. Será que seria assim entre mim e Ágata. Seguiríamos com nossas vidas como se aqueles meses não tivessem acontecido?
Fim do capítulo
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