Capitulo 37
ÁGATA
Voltei a meu apartamento transtornada com toda a cena ocorrida. Peguei o colar que Elisa havia jogado aos meus pés e o apertei em minha mão. Fiquei sentada de cabeça baixa durante alguns minutos sem dizer palavra. Gabriela me observava com conformado silêncio. Esperava até eu estar pronta para falar alguma coisa.
Em uma última tentativa desesperada de solução para aquele problema, peguei meu celular e tentei ligar para Elisa várias vezes. Frustrada por não obter resposta, joguei o celular contra a parede com violência. O observei se despedaçar. Gabriela continuou sem dizer nada, mas me olhava com seriedade.
Diante do olhar dela, me vi envergonhada por aquela repentina explosão de raiva.
-- Desculpe -- Falei, com dignidade.
-- Não precisa pedir desculpas, Ágata. Ao contrário, eu que devo desculpas a você.
-- Você não tem culpa de nada, Gabi. Se alguém tem culpa nessa história toda é Becca. Eu também sou culpada por ter me deixado cair tão fácil na dela. Céus! Eu me sinto como se tivesse acabado de participar de uma cena tosca de novela com roteiro ruim.
-- Você se engana, Ágata. Tenho culpa sim. -- Confessou Gabriela, com tristeza -- Tem uma coisa que não disse para você.
Olhei para ela, surpresa.
-- Mais segredos? -- Falei, cansada -- O que é agora, Gabi?
-- Não é exatamente um segredo. É apenas algo que não te contei porque não queria incomodar você e Elisa. -- Falou a morena com cautela -- Acontece que nos últimos dias, Becca tem me stalkeado. Ela vem me perseguindo para onde quer que eu vá.
-- Becca tem perseguido você? -- Perguntei, incrédula.
-- Ela tem me provocado. Ficava jogando na minha cara que eu era uma idiota, que não consegui agarrar você e outros absurdos. -- Contou Gabi -- Olha, Ágata. Tentei evitá-la de todas as formas possíveis, mas ela sempre provocava. Depois as coisas ficaram ruins com a Thaís... A verdade é que fui fraca, eu tenho sofrido muito por você e chegou um momento em que não aguentei, precisava de algo forte. Por isso, a bebida. E, como você sabe, Becca estava lá. No fim das contas, ela teve a sua chance. Ela esperava por isso. Uma palavra certa num momento de fragilidade pode abalar até a maior das convicções. Ela me usou mais uma vez, Ágata.
-- Ela usou a todas nós, Gabi -- Falei, como se essa simples constatação pudesse amenizar as consequências disso -- E eu não culpo você.
-- Também não quero que se culpe por isso, Ágata. Você só fez o que achou que era certo e Becca contava com isso.
-- Fiz o que era certo e só me f... -- Parei de falar, evitando um palavrão -- Eu só não consigo aceitar que Elisa não acreditou em mim. Ela me conhece melhor do que ninguém... Não entendo, Gabi. Por que ela não quis acreditar em mim? Não é a primeira vez, quando falei sobre Becca, num primeiro momento Elisa hesitou. Ela custou a acreditar em mim. E agora isso novamente.
Aquilo magoava demais. Dedicar todo seu amor a alguém, ser sincero e abrir seu coração para no fim ser mal interpretado.
-- Ágata, Elisa sempre foi muito racional. E Becca deu todas as provas palpáveis para Elisa acreditar, mesmo se ela não quisesse acreditar. Provavelmente Becca deve ter tirado fotos da gente juntas. Com certeza ela fez isso. Porque era o que eu faria.
O que Gabriela falou fazia todo sentido do mundo para mim.
-- Mas e o que Elisa sente por mim, Gabi. -- Argumentei, esperançosa -- Será que ela não sabe em seu coração que eu nunca a trairia?
-- Mesmo assim, Ágata. O que são os mais sinceros sentimentos diante dos fatos mais cruéis?
-- Você tem razão -- Falei, deixando um pouco de lado meu desespero e me conformando com a crueldade dos fatos. -- Como eu posso conserta as coisas?
-- Isso é complicado, Ágata. Você precisa ser paciente.
-- Ser paciente e deixar que Becca termine de fazer a cabeça de Elisa? Não, Gabi. Dessa vez, preciso apelar para nosso amor. Não quero perder Elisa, mesmo estando magoada por ela não acreditar em mim, eu ainda acredito em nós.
Gabriela sorriu.
-- Admiro muito você, Ágata. -- Ela falou com os olhos brilhando -- É uma garota incrível.
-- Não, não sou Gabi. Sou apenas uma garota estúpida. -- Falei, amarga -- Quer saber, não vou deixar as coisas assim. Vou fazer algo e vai ser agora mesmo.
-- O que vai fazer?
-- Vou atrás dela -- Respondi -- Vem comigo?
-- Tudo bem -- Concordou Gabriela -- Pode contar com toda a minha ajuda, Ágata.
Imediatamente, trocamos de roupa. Gabriela não fazia ideia de onde estava seu carro, talvez ainda estivesse estacionado na boate. Então, ofereci minha moto para ela pilotar já que meu braço ainda não estava curado. A morena guiava minha motocicleta com destreza e logo chegamos à casa dos Freitas.
Fomos recebidas pela mãe de Elisa que não estava trabalhando naquela manhã. Ela foi muito gentil conosco e avisou que Elisa havia chegado da rua há pouco tempo e havia subido para o quarto com Becca. Gabriela se ofereceu para ficar conversando com Marta, e subi para o quarto de Elisa. Já conhecia aquele caminho muito bem.
A cara de espanto de Elisa só não era maior do que a de Becca quando adentrei o quarto. Notei o esforço desta última para manter a voz baixa, quando falou:
-- Que ousadia você vir até aqui garota.
Ignorei Becca e lancei um olhar para Elisa, seus olhos claros estavam marejados de lágrimas, mas ela parecia incapaz de dizer algo. Sentindo que aquela era minha chance, falei com a voz mais controlada possível:
-- Elisa, precisamos conversar. Por favor, ouça o que tenho a dizer. Se depois disso, você não quiser nunca mais olhar na minha cara, eu vou entender...
A expressão de Elisa era indecifrável. Becca respeitou o momento da amiga, e esperou que esta tomasse sua decisão. O seu silêncio estava elevando minha ansiedade a níveis astronômicos.
-- Becca, você pode nos deixar a sós por um minuto? -- Pediu Elisa, tentando manter a voz calma.
Mesmo contrariada e com ar aborrecido, Becca obedeceu e deixou o quarto.
Encaramo-nos durante minutos que pareceram séculos. Finalmente, me dei conta de que ela não falaria nada até eu me manifestar. Afinal, eu solicitara sua atenção.
Expliquei para Elisa todos os eventos da noite passada. O telefonema de Becca, a recaída de Gabriela e minha atitude de levá-la para casa. Elisa escutava com uma calma fria que me assustou em um primeiro momento. Nunca havia visto tanto ressentimento e dúvida em seu olhar. E pela primeira vez em muito tempo, não conseguia imaginar o que se passava na cabeça de Elisa. Talvez já fosse tarde demais. Becca havia triunfado sobre qualquer bom senso que ainda restasse nela.
-- Ágata... -- Disse Elisa, após uma pausa. E, depois, começou a falou com espantosa racionalidade: -- Sabe como me sinto agora? Como um juiz. Veja bem. De um lado, você e de outro Becca. Quem está falando a verdade, quem está mentindo? Sei que Becca é capaz de qualquer coisa. Disso não tenho dúvidas, conheço bem minha amiga. Por outro lado, conheço você ou achei que conhecia...
-- Elisa...
-- Por favor, não me interrompa, Ágata. Ouvi tudo o que você tinha a dizer, agora é a vez de você me ouvir.
Engoli em seco e fiquei em silêncio. Elisa continuou:
-- Mesmo que você fosse culpada, eu poderia até perdoá-la um dia, se você admitisse ser culpada. Entenderia seus motivos se me dissesse que foi fraca, que se deixou seduzir ou qualquer outra desculpa que você tivesse me dado. Mas você diz que é inocente, vítima de um ardil de Becca. Existem provas que apontam sua culpa. Poderiam até ser provas forjadas, quanto a isso, não sei. Só posso contar com sua palavra. E sua palavra sempre foi valiosa para mim, Ágata.
-- Então acredita que falo a verdade? -- Perguntei, com esperança.
-- Eu não disse isso, Ágata. -- Respondeu Elisa -- Sabe, quando vi aquela foto de vocês duas se beijando, um dos meus maiores medos veio à tona. A verdade, Ágata, é que não importa se vocês ficaram ou não. Isso só me fez perceber que sempre haverá pessoas entre nós. Porque tenho certeza de que se você não estivesse comigo, era com Gabriela que estaria.
Protestei veementemente contra isso, mas Elisa me fez calar e escutar o que ainda tinha a me dizer.
-- Ágata, por favor. Ouça. -- Pediu ela -- Tive ciúmes dela desde o início e não sem motivos. Você me deu motivos. Sua atenção com ela, o carinho entre ambas, mesmo depois de tudo o que ela fez com você... Ágata eu não quero nunca ter que passar por uma situação como a de hoje novamente. É doloroso demais.
-- Elisa, você não vai mais precisar passar por isso. Eu prometo. -- Falei, me aproximando dela.
-- Não faça promessas que não pode cumprir, Ágata -- Respondeu ela, se afastando de mim.
Aquela afirmação me magoou profundamente. Não esperava algo assim vindo dela.
-- Então, é isso. Você está acabando nosso namoro?
Apesar de perceber uma sombra de dúvida em seu olhar, Elisa respondeu que sim. Espantei-me com a decisão dela. E pensando ser aquela uma decisão frágil, insisti dizendo que a amava, mas ela me pediu para ir embora de sua casa e consequentemente de sua vida.
Elisa havia revelado seu medo maior de me perder para outra pessoa. Medo compreensível quando somos guiados pelos ciúmes. Eu também tinha meus medos e minhas suspeitas que sempre preferi guardar só para mim. Aquele foi um momento de elas virem à tona com toda força. Quando falei meu tom era frio e amargo:
-- Lembra quando perguntei se você estava preparada para contar a seus pais sobre nós? – Perguntei olhando diretamente para ela -- Mesmo que seu caráter lhe impelisse a ser sincera com eles, você tinha medo de contar. Eu sabia disso, Elisa. Percebia seu medo. E sabe qual era o meu medo? De que você nunca contasse a eles. E sabe porque? Porque no fundo eu sabia o quanto você é covarde, Elisa. Você não está me deixando por temer que eu esteja me apaixonando por outra pessoa. Você está fugindo de mim, porque é covarde. Apesar do amor que sente, você não consegue aceitar que um relacionamento cedo ou tarde vai te trazer sofrimento. Mas se esquece que a vida é assim, Elisa e que é preciso assumir riscos. Gabriela tem essa coragem, até Becca assume os riscos, mas não você, Elisa. Agora vejo com toda clareza que você não é a Rainha dos Tolos, você é a Rainha dos covardes...
Elisa me olhou assustada. Ela parecia não estar me reconhecendo. Mas também não fez esforço para se defender e diante da apatia dela, continuei:
-- Sabe o que mais? Naquela noite que fomos até o terraço do meu prédio, eu queria mais do que tudo fazer amor com você. E embora não tivesse dúvidas de que você me amasse, eu tive medo, Elisa. De algo que eu nem sabia o que era. Talvez dessa parte de mim que dizia que você não estava preparada para me aceitar totalmente em seu mundo perfeito. Mundo no qual eu nunca poderia pertencer. E hoje isso só ficou mais óbvio para mim. Eu não me encaixo no seu mundo, Elisa. Becca sim. É por isso que você sempre prefere acreditar nela, porque Becca tem um lugar certo em sua vida. Não importa que seu caráter seja duvidoso, que ela seja manipuladora, afinal, ela sempre fez parte de sua família, Elisa. E de acordo com seus valores, não se abandona família. Mas onde eu fico no meio disso tudo? Sou apenas uma garota pela qual você não esperava se apaixonar... Você chegou a pensar em como seria o futuro junto a mim, Elisa? Porque não mencionou isso nem uma vez. Pois a verdade é que mesmo que inconscientemente eu nunca estive no seu futuro...
-- Ágata...
-- Não diga nada. Agora é a minha vez de dizer algo que você já me disse hoje: Adeus, Elisa!
Dizendo isso saí do quarto da garota que amava. Tinha chegado ali determinada a fazer dá certo, mas diante da fraqueza de Elisa, vi que ela não estava preparada para isso. Talvez nunca estivesse.
Encontrei Gabriela e Becca na sala fazendo companhia a mãe de Elisa. Era uma cena muito estranha, mas o dia estava repleto de cenas inconsistentes e aquela era só mais uma delas. Despedi-me de Marta com a certeza de que muito provavelmente não a veria tão cedo, talvez nunca mais a não ser por um acaso do destino. Desde que deixei o quarto de Elisa minha decisão sobre meu futuro já estava tomada.
-- Ágata, está tudo bem? -- Perguntou Gabriela, quando deixamos a casa dos Freitas.
Num impulso, puxei Gabriela para perto de mim e a beijei. Pega de surpresa, a morena demorou a corresponder ao beijo. Seus lábios eram cheios e deliciosos. Eu a beijava com fúria, devorando-a. Tentando de alguma forma calar aquela dor sufocante em meu peito. De repente, ela interrompeu o beijo se afastando de mim.
-- Ágata, porque fez isso? -- Perguntou ela, confusa.
Respirei fundo e afastei uma lágrima que teimou a cair.
-- Desculpa Gabi, mas por favor, não diz nada. Só me leva daqui. Me leva para bem longe...
Fim do capítulo
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