Capitulo 30
ELISA
Ágata havia prometido comparecer ao treino da tarde, mas após um almoço maravilhoso, ela estava com muito sono, talvez efeito colateral dos remédios. Decidimos que o melhor seria ela ficar em casa e dormir um pouco.
Gabi me deu carona até em casa. No caminho, não conversamos, apenas ouvimos música. A garota parecia pensativa e eu estava meio sonolenta. Não queria ter deixado Ágata sozinha, mas ela insistiu que eu não deveria faltar ao último treino.
Observei a garota ao lado. Atenta a direção, Gabi parecia alheia a minha presença. Os olhos verdes nem piscavam e ela tinha aquela expressão séria de quando se concentrava nas jogadas em quadra.
Ela não me enganava. Sentia algo por Ágata, eu conseguia ler todos os sinais. Naquela manhã pude observar o modo apaixonado como às vezes Gabi olhava para Ágata, mesmo ela tentando disfarçar aqueles olhares furtivos. Sem falar da preocupação além da conta e dos cuidados com ela. Eu precisava ser cautelosa com Gabi. Aquela garota tinha tudo para ser traiçoeira. O que será que ela escondia sob aquele semblante sério?
Quando chegamos, Gabi parou o carro na entrada de minha casa, mas antes de eu descer, ela pediu um minuto para falar.
-- Escuta, Elisa, sobre o treino de hoje. Eu quero que dê tudo certo entre nós em quadra. Precisamos ganhar esse campeonato.
-- Eu sei, Gabi. Eu também quero ser campeã.
-- Então, o que acha de selarmos um acordo -- Propôs ela -- Vamos deixar nossas diferenças de lado e dá o nosso melhor.
-- Tudo bem, eu concordo.
Gabi assentiu e pareceu satisfeita com minha resposta. Despedimo-nos com um até logo falado às pressas. Quando desci do carro, Gabi foi embora cantando pneus.
Em casa, Becca me esperava.
-- Aquela era a Gabi? -- Perguntou Becca, espantada.
-- Olá, Becca -- Falei -- Sim, era a Gabi.
-- E o que você estava fazendo no carro dela, Lisa. Pensei que a odiasse.
-- Essa é uma longa história, Becca. -- Suspirei -- Estávamos com a Ágata.
-- Ah, estavam com aquela garota. Devia ter adivinhado. -- Disse Becca, sem esconder o desapontamento -- Eu soube que ela se machucou, e não vai poder jogar, é verdade?
-- É verdade, Becca.
Ela notou meu semblante sombrio ao constatar isso. E não voltou a mencionar Ágata.
-- Então, qual é a da Gabriela?
-- Desculpe, Becca, não quero falar sobre ela agora. -- Disse eu, encerrando de vez o assunto.
-- Tá tudo bem, falar sobre aquela arrogante também não me interessa. -- Disse Becca, resignada -- Eu estava te esperando para fazermos algo juntas hoje. Mamãe chegou de viagem e está acabando com o que me resta de sanidade.
-- Tia Drica chegou? -- Perguntei, animada -- Estou com saudades dela.
-- Pois pode ficar com ela para você - Replicou Becca, impaciente.
Balancei a cabeça negativamente. Becca nunca teve uma relação muito saudável com a mãe. Embora tia Drica fosse uma mulher muito divertida e cheia de vida, sempre fora uma mãe negligente com os cuidados com a única filha. Quando pequena, Becca se apegara a babá a qual considerava como sua mãe de verdade. Há alguns anos quando ela morreu, Becca ficou de coração partido. Só eu sabia o quanto minha amiga havia sofrido. Durante muito tempo, Becca dormiu comigo. Até se acostumar com o fato de que não teria mais a velha Nana, como ela a chamava, para colocá-la para dormir todas as noites.
A lembrança dessas noites em que a pequena Becca se aninhava para dormir junto a mim sempre me emocionava. Eu era a única pessoa no mundo na qual Becca permitia ver sua fragilidade.
-- Becca. Está tudo bem?
Ela parecia tensa.
-- Por que não é mais como antes, Lisa? -- Questionou ela, triste -- Só queria passar um tempo com você. Antigamente mesmo com todas as suas ocupações, você sempre encontrava um tempo para sairmos, conversamos.
Eu devia imaginar que ela reclamaria disso, ultimamente esse vinha sendo o único discurso de Becca. Tentei me colocar em seu lugar. Ela tinha razão não era mais como antes, algo havia mudado. Mas nossa amizade vinha sobrevivendo, mesmo aos tropeços. Era uma vida compartilhando alegrias e tristezas. Amigos são o elo que temos com o nosso passado, mesmo que nós esqueçamos quem somos de verdades, eles nunca esquecem. Precisamos deles para manter nossa lembrança viva.
-- Desculpe, Becca. Você tem razão. -- Falei, me sentindo culpada -- Eu vou reparar isso, ok?
-- Tudo bem, Lisa. Eu também não tenho ajudado. De agora em diante, prometo ter mais paciência e vou tentar não implicar com a Ágata.
-- Isso seria realmente bom. -- Disse, sorrindo.
Por mais difícil que fosse acreditar naquilo, eu tinha que dá mais uma chance para minha amiga.
-- O que vai fazer hoje à tarde? - Quis saber Becca.
-- Tenho treino no colégio.
-- Imaginei -- Comentou Becca -- Que horas?
-- Às três.
Becca se ofereceu para me dá uma carona. Assim poderíamos conversar um pouco mais. Convidei-a para assistir ao treino e ela aceitou. Becca não tinha vontade alguma de ficar em casa com sua mãe fazendo alarde sobre como sua viagem pela Europa havia sido divertida.
-- Não que ver um monte de mulher suando em shorts minúsculos seja minha ideia de diversão, mas qualquer coisa é melhor do que passar uma tarde inteira com minha mãe. -- Argumentava Becca, enquanto descíamos do carro e nos dirigíamos às escadarias do colégio.
Quando chegamos ainda faltavam alguns minutos para as três horas, mas algumas meninas já se aqueciam. Sem dúvida, ansiosas com o jogo decisivo que se aproximava.
Gabriela já estava devidamente vestida e dava voltas em torno da quadra. Quando ela nos viu fez questão de passar perto de nós.
-- Trouxe uma mascote, Elisa? -- Perguntou ela olhando com desdém para Becca que fez questão de lhe responder com um gesto obsceno.
Gabi apenas sorriu descaradamente e continuou sua corrida.
Becca foi sentar-se em um lugar no alto das arquibancadas enquanto eu segui na direção do vestiário para trocar de roupa.
O treino foi intenso, mesmo assim tentamos nos resguardar ao máximo para evitar que uma das meninas pudessem se machucar. Gabi estava muito concentrada no treino, auxiliava a treinadora na condução do esquema tático com o qual iríamos jogar e conversava com a capitã Natália.
Gabi era atacante de ponta o que exigia bastante dela, precisava está pronta para defender, recepcionar e principalmente atacar. Como levantadora, eu distribuía as jogadas. Ensaiei alguns lances com Gabi que recebia minhas bolas e soltava o braço para quadra adversária, com grande força.
Ágata também era atacante, embora não possuísse a força de Gabi, ela era muito rápida. O time adversário raramente defendia seus ataques. Agora que Ágata estava machucada, Mary recuperou sua posição no time. Ela não era tão boa quanto Ágata, mas ainda assim era uma jogadora aplicada.
Após o treino me senti mais confiante, talvez mesmo sem Ágata, tivéssemos uma chance, mas para isso precisávamos manter o espírito de equipe vivo.
Exausta, tomei um banho rápido no vestiário.
Becca conseguiu assistir ao treino inteiro sem ir embora o que me impressionou bastante.
-- Você estava maravilhosa, Lisa -- Disse ela, empolgada -- Mal posso esperar pelo jogo.
-- Obrigada, Becca.
-- Minha mãe ligou. Me intimou a ir jantar com ela. Não quer vir comigo, Lisa. Só com você para suportar esse calvário.
-- Lamento, Becca. Vou para a casa da Ágata, ela precisa de mim.
-- Ah, claro. Eu devia ter imaginado. -- Disse Becca, decepcionada. -- Então, Lisa. É mesmo oficial, você e ela?
-- Sim, Becca. Estamos namorando. -- Confirmei -- Não está feliz por mim?
-- Se você estiver feliz com isso, Lisa. Eu também fico feliz.
Becca não me convenceu, mas preferi não discutir e deixar as coisas como estavam. Becca ainda precisava aprender a lidar com aquela parte de minha vida. E isso era algo que ela precisava fazer sozinha.
***
Meus pais não fizeram objeção quando pedi a eles para dormir aquela noite no apartamento de Ágata. Mamãe havia ficado bastante preocupada com ela quando soube do ocorrido e pediu para convidá-la para ir visitá-los assim que possível.
No caminho para o apartamento de Ágata pedi a Roberto para passar numa floricultura. Na ansiedade em buscar Ágata no hospital havia me esquecido de comprar flores para ela. Para me redimir, escolhi um lindo buquê de lírios, sua flor favorita. Levava comigo também alguns DVDs de filmes, entre clássicos e novos que sabia que Ágata iria gostar.
Subi as escadas, ansiosa. Mochila nas costas e lírios nas mãos, toquei a campainha. Não demorou a porta se abriu e Ágata me olhou com aquele mar negro que eram seus olhos.
Tomei um susto ao adentrar o apartamento.
Havia flores por todos os lados, milhares delas, de todos os tipos e formas. Com tristeza olhei para os lírios que trazia em minhas mãos. Pareciam tão insignificantes diante daquela imensidão de flores.
-- Estou me sentindo uma idiota -- Murmurei.
-- São pra mim? -- Perguntou Ágata, sorrindo.
-- Sim -- Falei -- Mas acho que você não precisa...
Ágata pegou os lírios de minha mão e disse:
-- São lindos. Obrigada.
Sorri, tímida. Ágata procurou um lugar para por as flores. Já recuperada de meu embaraço perguntei:
-- Quem mandou tantas flores?
-- Gabriela -- Respondeu Ágata.
Suspirei fundo.
-- Já devia ter imaginado...
-- E ela mandou um bilhete -- Disse Ágata me entregando um pedaço de papel.
“Não sabia de que tipo de flores você gostava, então comprei a loja toda.”
E mais embaixo assinado com a mesma letra bem desenhada o nome Gabriela Duarte.
-- Ela está apaixonada por você. -- Falei, em um tom amargo. -- Só assim para ela fazer uma loucura dessas.
Ágata pareceu espantada com minha afirmação, mas não a contestou.
-- Então você já sabe disso? - Questionei.
-- Desconfio. -- Disse ela.
-- O que você sente por ela, Ágata?
Ágata pareceu incomodada com minha pergunta. Eu não conseguia esconder minha irritação.
-- Elisa...
-- Desculpe, Ágata - Disse, com algum vestígio de bom senso -- Eu estou sendo dura com você sem propósito.
Ela me encarou e disse, com sinceridade:
-- Não é sem propósito, Elisa. Entendo o que está sentindo. Não posso negar que gosto da Gabi, mas quero que saiba que é totalmente diferente do que sinto por você.
-- E o que você sente por mim? - Perguntei, só para ter certeza.
Meu coração estava a mil.
Diminuindo a distância entre nós, Ágata ficou a centímetros de mim.
-- Será que você não sabe? -- Sussurrou ela, aproximando seu rosto do meu.
-- Sim, eu sei -- Murmurei em resposta -- Mas eu preciso que você diga...
-- Eu amo você, Elisabete Freitas -- Disse ela, sem rodeios.
Fiquei sem palavras e não consegui pensar em mais em nada a não ser em beijar seus lábios vermelhos.
Ágata passou a mão engessada desajeitadamente em volta de minha cintura. Quando fez isso, ela riu sem graça. Também sorri, encantada com a delicadeza com que ela me abraçou como se eu fosse algo muito precioso. Deixei-me ser envolvida por ela que me beijou com carinho. Sua língua quente sugava o que me restava de sanidade.
Ela afastou sua boca da minha e começou a beijar meu pescoço, arrancando-me suspiros e palavras desconexas.
Ágata parecia querer explorar meus pontos sensíveis. E ela estava fazendo isso muito bem, pois meu corpo inteiro se arrepiava a cada toque de sua boca cálida em minha pele. Quase enlouqueci quando ela passou os lábios na minha orelha dando pequenas mordiscadas.
-- Você tem um gosto maravilhoso -- Disse ela, ofegante após interromper aquela sessão irresistível de carícias.
-- Onde aprendeu a fazer isso? -- Perguntei puxando ar para recuperar o fôlego.
Ela baixou o olhar, envergonhada e deu um sorrisinho tímido.
-- Como está o braço? -- Indaguei, preocupada.
-- Incomoda um pouco. Mas dá para aguentar. O ruim é tentar fazer as coisas com um braço só.
Ela fez uma careta, demonstrando sua insatisfação com aquilo.
-- Ah, pedi pizza -- Disse ela.
-- Que maravilha. Adoro pizza. Você pediu de que?
-- Bem, eu não sabia do que você gostava, então...
Arregalei os olhos.
-- Ágata, quantas pizzas você pediu?
-- Bem, algumas... - Disse ela, sem graça -- Talvez eu tenha exagerado...
-- Por falar em exageros -- Falei olhando todas aquelas flores - O que vamos fazer com tudo isso?
-- Pensei muito e tive uma ideia.
-- Qual?
-- Segredo. - Disse Ágata, fazendo mistério.
-- Qual é, não vai me contar? - Protestei.
-- Só se você me der mais um beijo.
-- Com todo prazer -- Falei, praticamente me atirando sobre ela.
E de repente nada mais ao redor existia.
Fim do capítulo
Olá, chegando praticamente a metade da história ;)
Comentar este capítulo:
Sem comentários

Deixe seu comentário sobre a capitulo usando seu Facebook: