Capitulo 16
ÁGATA
O mundo continuava o mesmo, você diria, mas para mim não. Algo diferente estava acontecendo comigo. Não na superfície, mas ali naquele recôndito lugar da alma na qual as grandes transformações do ser humano verdadeiramente acontecem. Meu coração, minha alma eram até então apenas cacos de vidro ou escombros de edifícios outrora imponentes. Minha vida era um pequeno caos de rostos e vozes desconhecidas, de lugares vazios. Agora, havia um rosto, uma voz, um corpo. Havia alguém real a preencher os meus sentidos.
Passei grande parte daquele sábado relembrando os acontecimentos do dia anterior. Deitada em minha cama, olhava para o teto, o pensamento longe. De repente, me lembrei do convite de meus tios para jantar com eles. Eu iria recusar, mas achei que não devia. Eles sentiam-se solitários agora que meu primo estava morando longe. Além do mais, as palavras de Elisa me fizeram pensar sobre minha própria solidão. Eu precisava de algum modo “voltar para o mundo”. A vida me chamava, me desafiando a reconhecer o prazer que se pode obter dela quando simplesmente aceita-se que existe um lugar para você no mundo.
Levantei-me da cama e fui me arrumar para o jantar. Depois do banho, olhei-me atentamente no espelho. Observei minha pele muito branca, os olhos grandes, os cabelos pretos. Algumas pessoas haviam dito que eu era bonita. Fiquei pensando no que Elisa devia pensar de mim. Ela estava sempre tão deslumbrante. Eu quase não usava maquiagem, a não ser quando pintava os olhos de preto. Olhei para meu guarda-roupa, talvez estivesse na hora de mudar um pouco.
Fui recebida com muito carinho por meus tios. Tia Viviane me abraçou fortemente. Fazia um tempo que não a via. Ela sofria de uma doença crônica que fazia com que tivesse dores terríveis, havia desistido de trabalhar e agora era dona de casa. Uma pessoa maravilhosa, essa era Tia Viviane. Tio Bóris era muito dedicado a ela, sempre estava ao seu lado nos dias mais difíceis.
O jantar foi muito agradável. Tia Viviane era uma mulher muito inteligente, entendia de diversos assuntos. Enquanto eu saboreava sua comida, observei as olheiras, as rugas no rosto bonito. A doença a envelhecera bastante. Apesar disso, tia Viviane sempre sorria. Era um exemplo de superação. Lembrei com tristeza como eu estava desistindo fácil da vida, enquanto outras pessoas lutavam desesperadamente para sobreviver a mais um dia. Para presenciar mais um nascer do sol.
Após o jantar, tia Viviane me convidou para conversarmos em seu quarto enquanto tio Bóris se encarregava de lavar os pratos. Ela se deitou na cama e suspirou fundo. Notei seu cansaço.
-- Precisa de algo, tia? -- Perguntei ajudando-a a apoiar-se num travesseiro.
-- Não, querida. Obrigada.
-- Tudo bem. -- Disse eu.
Tia Viviane segurou em minha mão.
-- E você, está precisando de algo, Ágata?
-- Na verdade, tem algo tia, mas é bobagem não sei se devo chateá-la com isso.
-- Qualquer coisa que diga respeito a você me interessa. -- Disse ela.
-- Jura que não vai rir? -- Perguntei com receio.
-- Isso depende, o que você tem de tão engraçado para me contar?
-- Não é nada.
-- Diga o que está lhe incomodando, querida. Pode confiar em mim.
-- Tia, você acha que sou bonita?
Tia Viviane sorriu. Depois me olhou com seriedade.
-- Você é linda, Ágata. Como sua mãe era.
-- Minha mãe... -- Falei, pensativa.
-- Sim, sua mãe. Você é tão linda quanto ela era.
-- Verdade?
-- Sim, e você devia saber disso, querida. Mas nunca me deixava cuidar de você, lembra? Sempre tão rebelde. Nunca a vi com os vestidos que lhe comprei... Deveria usá-los. É alta, tem pernas bonitas. Deveria mostrá-las mais. Sabe, na sua idade eu adorava me arrumar, os rapazes ficavam loucos. Bons tempos aqueles, mas que não voltam mais.
-- Rapazes? -- Perguntei. -- mas eu não estou pensando em rapazes...
-- Tem certeza de que ninguém está mexendo com esse coraçãozinho?
Tia Viviane acariciou meu rosto. Acho que corei. Eu não estava acostumada a ter esse tipo de conversa com ela, eu sempre fugia.
-- Eu não sei, tia. Talvez...
-- Hum, isso já é alguma coisa. Mas é tudo que eu conseguirei que você me fale, não é? Vou lhe ajudar querida, o que acha de irmos ao shopping fazer compras nesse fim de semana?
-- Você quer me dá um banho de loja, tia? Como nos filmes americanos. -- Falei, já estava começando a me divertir com aquela ideia.
-- Acho que seria um programa legal, querida. Nunca fizemos algo assim. O que acha?
-- Eu topo. – Disse, animada -- Mas tem certeza que a senhora está em condições de bater perna por aí, tia?
-- Querida, não aguento mais ficar nessa casa. Já estou começando a sufocar com os cuidados do seu tio. Eu preciso sair, ver gente, ver vida.
-- Entendo. Então está combinado.
Conversamos durante mais um tempo até que tio Bóris apareceu. Trazia o remédio de tia Viviane. Eles me convidaram para dormir lá, mas preferi ir para casa.
No dia seguinte, tive uma tarde agradável com tia Viviane. Ela entendia de moda. E me presenteou com muitas roupas, acessórios e sandálias, sapatos. À noite em casa experimentamos tons de maquiagem até encontrar um que combinasse com minha pele. No fim do dia eu estava exausta. Descobri o quanto era cansativo ser mulher.
***
Na segunda pela manhã, eu caminhava tranquilamente pelo corredor da escola quando avistei Elisa vindo em minha direção. Eu nunca a havia visto tão chateada. Contou-me uma história absurda sobre Gabriela e um olho roxo e sobre isso ter sido culpa minha. Eu a olhava totalmente confusa.
-- Eu sou totalmente sincera com você, Ágata, mas você não me dá abertura. -- Falava Elisa.
Eu ainda tentava compreender aquela situação, não conseguia raciocinar direito e não sabia o que responder a Elisa. Impaciente, ela deu as costas a mim e foi embora, do mesmo modo peremptório em que havia surgido.
Não entendia a reação exagerada de Elisa, ela queria que eu fosse mais sincera com ela. Mas em relação a que? A Gabriela? O que aquela louca estaria espalhando sobre mim. Eu não havia tocado num fio de cabelo dela. Resolvi que precisava tirar aquela história a limpo. Procurei por Gabriela em toda a escola. Quando a encontrei, puxei-a para um canto bruscamente. Reparei em seu olho roxo, estava realmente feio.
-- O que você quer? -- Perguntou ela. -- Veio machucar o outro olho?
-- Que história é essa, sua maluca? -- Questionei -- O que você anda inventando sobre mim, hein?
-- Esqueceu o que fez comigo?
-- Eu não fiz nada e você sabe disso.
-- Não sei não -- Disse ela, irônica.
-- Escuta aqui, por que você está fazendo isso comigo? Isso tudo é porque eu te rejeitei, é isso? É por vingança?
-- Pense o que quiser -- Disse Gabriela -- mas de agora em diante fique longe de mim.
-- Não sabe o prazer que terei nisso -- Disse eu.
Ela me olhou com ódio mortal. Depois saiu pisando forte.
Ainda não era nem meio-dia e eu já estava cansada de brigas. Mas ainda precisava enfrentar Elisa. Ela estava sentida comigo por não ter confiado a ela a história de Gabriela. Eu gostaria de ter falado sobre isso, mas tive receio do que ela poderia pensar sobre mim. Não queria que Elisa achasse que eu estava dando confiança à investida de Gabriela. Eu tinha muito vergonha de falar sobre isso com Elisa, mas era chegada a hora. Precisava reconquistar a confiança de minha amiga.
Minha primeira tentativa de falar com Elisa foi um fracasso retumbante. Ela me ignorou totalmente antes do treino. As coisas com Gabriela só pioraram, principalmente quando ela acertou uma bolada em mim de propósito. Isso foi o suficiente para me fazer partir para cima dela. Eu não gostava de violência, mas ela estava pedindo isso. As meninas e a treinadora tiveram que interferir. Em consequência disso, fomos suspensas.
-- Isso é tudo culpa sua -- Dizia Gabriela para mim enquanto nos dirigíamos ao vestiário.
-- Culpa minha? Você que começou tudo isso.
- Nada disso teria acontecido se você não tivesse me dado um fora. -- Falou ela, séria.
-- Eu nem ao menos gosto de você -- disse eu -- nem ao menos gosto de...
Fiquei calada.
-- De mulher? -- Perguntou ela. -- Quanto a isso você pode dizer qualquer coisa, mas eu não acredito.
-- Não me importo com o que você acha ou deixa de achar contanto que me deixe em paz. -- Falei -- Por que você não retira logo essa história absurda e podemos voltar a jogar.
-- Não vou retirar nada. -- Disse ela, impassível -- Quer dizer, não se você tiver algo que me interesse. E você sabe muito bem o que eu quero.
-- Você está me chantageando? Não desiste mesmo, não é? Esqueça não vou me rebaixar ao seu nível.
Não estava gostando do rumo daquela conversa, então ignorei Gabriela. Tomei um banho rápido e troquei de roupa. Mas não fui para casa, sentei em uma arquibancada e observei as meninas terminarem o treino. Fiquei triste por pensar em ficar longe das quadras.
Esperei para falar com Elisa. Dessa vez, não precisei chamá-la, ela veio até onde eu estava. Eu disse a ela que sentia muito por ser tão fechada e não dá abertura. Elisa, mais calma desde a última vez que falamos, foi bastante compreensiva. Sinto que estava lhe devendo a verdade e abri o jogo sobre Gabriela. Elisa disse que eu não poderia ceder às chantagens de Gabriela, e bolou um plano para vencê-la em seu próprio jogo. Senti-me melhor desabafando com Elisa. Foi como tirar todo o peso de cima de mim e dividi-lo com alguém.
Para minha surpresa, Elisa me convidou para conhecer sua casa no fim de semana. Sua mãe queria me conhecer.
-- Sério? -- Perguntei -- Você não poderia arranjar outro modo de me deixar mais constrangida, Elisa.
-- Eu poderia pensar em alguns -- Disse ela, espontânea. Fiquei bastante constrangida, eu não entendi de cantadas e se não conhecesse bem Elisa, pensaria que aquela era uma.
-- Falando sério, você vem mesmo? - Perguntou ela, ansiosa.
-- Claro que sim, me sinto honrada, Elisa. -- Falei, sentia uma felicidade indescritível com aquele simples convite feito com tanto carinho. E o que Elisa disse em seguida só me fez senti mais querida:
-- Você é que nos honra com sua presença Ágata, nunca se esqueça disso.
***
Com o apoio de Elisa, o problema com Gabriela não me amedrontava mais. No sábado, acompanhei o jogo da equipe do Yves Freitas versus a lanterna do campeonato. Das arquibancadas observei nossa equipe perder os dois primeiros sets. No intervalo para o terceiro set, não consegui mais ficar só observando, me aproximei do banco e passei algumas dicas para as meninas. Gabriela também parecia está impaciente e veio incentivar o time.
No terceiro set, nos recuperamos e vencemos por vinte e cinco a vinte e três. Isso foi o suficiente para levantar o moral das meninas que ganharam o quarto set e o tie-break. Depois do jogo a treinadora me chamou dizendo que Gabriela havia voltado atrás em suas acusações contra mim e garantiu a ela que de agora em diante ela não provocaria mais discussões desde que pudesse voltar ao time. A treinadora me fez prometer o mesmo.
Avistei Gabriela e a interroguei:
-- O que disse para treinadora é verdade?
-- É sim, Ágata. Mas não fiz por você e sim pelo time.
-- Já estava mesmo na hora de você assumir uma atitude madura. -- Disse eu.
-- Vê se me erra, garota. -- Disse ela.
-- E você não enche o saco.
-- Quer saber, Ágata. -- Falou Gabriela, descontraída. -- Fazemos um bom time em quadra. E eu amo esse esporte mais do que tudo. Esse time precisa da gente, independente da minha rixa com você. Portanto, podemos ficar em paz?
Gabriela me estendeu a mão. Olhei para ela, meio desconfiada.
-- Ei, eu não mordo. Juro.
Apertei sua mão.
-- Tudo bem, aceito suas desculpas -- Falei.
-- E quem disse que eu pedi desculpas...
E foi embora, não me deixando chances para responder. Aquela garota era um saco mesmo.
Procurei Elisa para dá a boa notícia que estava de volta ao time. Ela me abraçou feliz e me lembrou do compromisso do dia seguinte.
***
Meus tios também haviam sido convidados pelos Freitas para o almoço no domingo. Porém, Tia Viviane não passava bem, tinha enxaqueca e preferiu ficar em casa. Tio Bóris queria ficar com ela, mas tia Viviane insistiu para que ele me levasse.
Quando chegamos à residência de Elisa, fomos recebidos pelo mesmo segurança corpulento que eu havia visto naquela noite em que viera deixar Elisa em casa. Tio Bóris entregou o carro a ele que o guiou até a garagem. Observei o lugar. Era lindo. Havia um grande jardim florido como eu imaginara e uma piscina. Mas nada de cachorros.
Elisa veio nos receber. Cumprimentou tio Bóris e depois a mim. Ela me olhou surpresa. Nesse dia eu estava usando um dos vestidos que tia Viviane me dera. Elisa fez um comentário sobre eu usar sempre roupas pretas. Não entendi muito bem se era um elogio. Vendo que eu estava confusa, ela me tranqüilizou.
Elisa nos levou até seus pais. Eu já conhecia o diretor Roger, mas a mãe de Elisa, Marta, era a primeira vez que eu a via. Era uma mulher muito bonita, tinha cabelos e olhos claros como os de Elisa.
- Muito prazer em conhecê-la, Ágata. - Disse Marta, me abraçando - Nossa como você é linda, menina.
Sorri, envergonhada com o elogio da mãe de Elisa.
-- Bóris, sua sobrinha é realmente encantadora. -- Disse ela.
-- É que você ainda não a viu com os números, Marta. -- Falou tio Bóris, orgulhoso.
Becca a amiga de Elisa apareceu. Olhou-me estranho.
-- Liguei inúmeras vezes para mamãe -- Disse Becca -- Ela está a caminho.
-- Tudo bem, querida -- Disse Marta -- Vamos esperá-la antes de servir o almoço.
Tio Bóris e os pais de Elisa ficaram conversando enquanto Becca foi fazer mais uma tentativa de contato com sua mãe. Elisa me levou para conhecer o restante de sua casa.
Achei tudo muito bonito. Era um ambiente agradável no qual vivia uma família feliz. Elisa me levou até seu quarto. Deveria ser do tamanho de meu apartamento. As paredes de seu quarto eram repletas de estantes com grandes coleções de livros e DVDs. Fiquei admirada com tanta coisa.
-- Nossa Elisa seu quarto é demais.
-- Você gostou? -- Perguntou ela, animada -- Sabe, demorei anos para deixá-lo do jeito que eu queria.
-- Posso ver? -- Pedi, apontando para as estantes.
-- Claro. Fique à vontade.
Observei seus Box de Dvd. Ela possuía toda a coleção de filmes de diretores como Woody Allen, Alfred Hitchcock e até mesmo de Quentin Tarantino. Olhei seus livros, havia clássicos da literatura universal e outros mais contemporâneos.
-- Uau! Você tem esses? -- Perguntei, admirando sua coleção de livros de Harry Potter.
-- Claro. Cresci com eles. Adoro.
-- Também gosto muito -- Falei. -- E este “O jardim secreto” de Frances Hodgson Burnett, um dos meus livros favoritos.
-- Mamãe lia para mim quando eu era bem pequena. -- Disse Elisa.
-- Sabe, às vezes acho que sou como a Mary Lennox. Ambas ficamos órfãs. E acho que fiquei meio amarga e mau-humorada como ela. -- Confessei.
-- E já encontrou seu jardim secreto? -- Perguntou Elisa.
-- Talvez -- Respondi.
Após um tempo, percebi Elisa um pouco distante. Disse a ela para não se sentir culpada pelas coisas que tinha. Éramos muito diferentes, é verdade. Elisa tinha tudo: família, amigos, dinheiro, inteligência... E acho que por isso, sentia-se na obrigação de ser feliz. Disse que ela devia aproveitar o que lhe foi dado da melhor maneira possível. Quanto a mim, ela estava me ajudando apreciar a vida.
--... e realmente acho que é sincera quando pede para que eu não vá. -- Dizia eu -- Mas não quero que faça nada por caridade, só quero que goste de mim pelo que eu sou, nada mais.
Elisa me olhava com profundidade.
-- Isso não será difícil, pois já gosto de você do jeito que é. -- Disse ela, sincera.
Fiquei emocionada. Prendi meu olhar no seu. Naquele momento, senti-me como que enfeitiçada por uma atmosfera mágica. Fui-me aproximando aos poucos de Elisa. Não sei o que teria acontecido se Becca não tivesse aparecido.
A mãe de Becca havia chegado. Achei-a uma verdadeira perua. Becca havia a quem puxar, isso era fato. Era uma mulher nada discreta. O que fazia com que ela fosse uma figura bastante engraçada. No fundo me diverti ao ver como Becca ficava sem graça ao lado da mãe.
Após o almoço. A mãe de Elisa mostrou interesse em conversar comigo em particular. No início, fiquei um pouco nervosa em estar com ela a sós.
-- Ágata, tem algo que eu gostaria de lhe contar. -- Começou Marta, medindo as palavras.
-- É sobre a Elisa? -- Questionei, apreensiva.
-- Não, querida. É sobre você. Sabe, há muitos anos queria te reencontrar novamente.
-- Me reencontrar? Não estou entendendo, senhora Freitas.
-- Me chame apenas de Marta. Esse negócio de senhora me deixa velha.
-- Tudo bem -- Concordei.
-- Ágata, eu gostaria de lhe contar algo que acho que pode ser importante para você. Faz parte de sua história. Eu estava no hospital no dia em que você sofreu o acidente.
-- Como? -- Perguntei, espantada. -- A senhora estava lá?
-- Senhora de novo?
-- Desculpe, Marta. Mas é que isso me pegou de surpresa. Eu não imaginava...
-- Também me surpreendi quando Elisa me disse que era sua amiga. Achei muita coincidência. Fico feliz que sejam amigas. Elisa gosta muito de você.
-- Também gosto muito dela. - Disse eu.
A mãe de Elisa me contou tudo o que acorreu naquele dia no hospital. De alguns detalhes eu sabia, pois haviam me dito. Mas era interessante saber disso pelos olhos de Marta.
-- Eu admiro muito você, Ágata. Apesar do que passou, você está aqui e é uma menina linda, inteligente. Tenho certeza que seus pais ficariam muito orgulhosos de você, eu teria muito orgulho de tê-la como filha.
-- Obrigada, Marta. Isso é muito importante para mim.
-- Eu que agradeço a amizade que tem com minha filha. Elisa fala em você o tempo todo. Nunca a vi tão empolgada com algo desde que fundou o clube de matemática.
Não pude deixar de sorrir.
Quando fui para casa naquele dia, pensei em como minha vida estava diferente. Desde que me tornei amiga de Elisa, as coisas mudaram. Mais do que uma amizade, um sentimento novo estava crescendo dentro de mim. Eu ainda estava pensando naquilo que eu quase deixara acontecer no quarto de Elisa. Eu iria beijá-la e isso teria sido uma loucura, Elisa talvez nunca mais olhasse na minha cara novamente.
***
Nos dias que se seguiram as coisas só ficaram mais confusas. Percebia que Elisa me olhava diferente às vezes, enigmática. Não sabia o que estava se passando com ela. Não sabia nem o que estava se passando comigo mesma. Ainda assim, nossa amizade já estava em um novo patamar. Agora, tirávamos muitas brincadeiras uma com a outra. E eu me permitia algo novo: sorrir à toa.
Quem não conhece a solidão das noites em claro, acordado, lembrando o cheiro, o toque, o som da voz de alguém, não sabe o que é tormento. E aquelas foram noites de tormento. Eu sempre gostara da solidão, mas agora achava o apartamento vazio, frio, lúgubre. Faltava o calor de alguém.
Becca continuava não gostando de me ver com Elisa. Ela me encarava pelos corredores, olhando feio. Mas na frente de Elisa era um anjo. Eu estava sempre com um pé atrás. Tinha medo do que Becca pudesse aprontar comigo. Por isso, decidi manter os olhos bem abertos com ela.
Depois que Gabriela e eu voltamos ao time, não tivemos mais dificuldades em obter boas vitórias. As arquibancadas estavam cada vez mais lotadas. Havia uma galera que comparecia aos jogos gritando meu nome. Eu morria de vergonha. O pior era o assédio dos fãs do esporte. Nos corredores do colégio me paravam para elogiar meu desempenho em quadra. Já estávamos nas semifinais, em breve poderíamos competir pelo título.
Houve uma semana em que Elisa estava estranha. Meio distante. Fiquei preocupada e com medo de ter feito algo que ela não gostasse. Por isso perguntei-lhe o que estava acontecendo. Ela explicou que era devido à proximidade de seu aniversário.
-- Entendo, eu também sempre detestei aniversários. -- Disse eu.
-- Não é apenas isso -- Disse Elisa -- é que as coisas estão mudando rápido demais. Falta pouco para a escola acabar, é um momento decisivo em nossas vidas.
Elisa estava certa isso também me assustava. Não tanto quanto não saber se ainda a veria novamente após a escola.
Elisa gostaria de ser professora. Achei que isso combinava com ela. Eu sempre quisera ser jornalista como meus pais. Mas quando ela me perguntou o que eu gostaria de fazer após a escola não foi isso que respondi. Na verdade, antes de conhecer Elisa eu queria ir embora para longe da cidade em que meus pais viveram. Agora, eu não tinha mais certeza.
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
Sem comentários

Deixe seu comentário sobre a capitulo usando seu Facebook: