Capitulo 5
ELISA
Meus pais não gostaram de eu ter ficado fora até tão tarde na sexta-feira. Para compensar passei o fim de semana inteiro com eles. Mamãe estava de folga do trabalho e decidimos ir para praia. No sábado à noite jantamos juntos. Quem não gostou nada disso foi Becca, ela ficou chateada, pois planejava me levar para sair e conhecer alguns amigos dela. Devo dizer que não fiquei nem um pouco frustrada por perder, como Becca havia dito: “uma balada incrível”.
Prometi a Becca que poderíamos deixar para outra ocasião. Eu ainda me sentia em dívida com ela por passar a maior parte do tempo com Ágata. Mas eu não podia evitar, desde que ela entrou em minha vida, algo em mim mudou. Não conseguia mais ver as coisas como antes, meu modo de ver o mundo passou a ser diferente. Agora eu entendia o quanto eu era egoísta e que o mundo não girava em torno das minhas necessidades narcísicas de perfeição. O mais importante de tudo é que percebi que existem pessoas que por algum motivo não se deixam ser amadas.
Apesar de adorar a companhia de meus pais, não consegui me divertir muito no fim de semana. Fiquei pensando em Ágata, sozinha naquele lugar frio. Pensei no retrato partido, naquela família feliz que não mais existia. Deles só restou Ágata e ela parecia está tão despedaçada quanto aquele porta-retratos. Acho que seu orgulho não permitia demonstrar o quanto ela era infeliz pela tragédia de sua vida. Ela precisava de amor, precisava ser amada. Disso eu sabia, mas será que Ágata entendia isso? Ela afastou a família que lhe restava. Mas agora ela tinha uma amiga e eu não iria desistir fácil, eu não iria desistir dela.
***
Meus pais eram maravilhosos, sempre foram apaixonados pela vida e um pelo outro. Papai parecia muito sério no trabalho, mas era um homem espirituoso e divertido. Mamãe é que costumava ser arrogante às vezes, mas era só o jeito dela para chamar atenção. Mas os dois se davam muito bem juntos. Eles pareciam dois adolescentes em início de namoro. Às vezes, eu achava que era a adulta daquela casa, outras vezes eu tinha certeza que sim. A verdade é que embora minha mãe quisesse me proteger de todos os males do mundo, eu tinha autonomia para tomar minhas decisões, eles confiavam em mim, pois sempre fui certinha e nunca lhes dei trabalho. Eles tinham suas responsabilidades profissionais e a paixão um pelo outro. Mutuamente, tínhamos amor e respeito.
No domingo, minha mãe me chamou para uma “conversa franca”, como ela dizia. Começou, como sempre perguntando dos namorados. Eu disse que não tinha novidades nessa área.
-- Tudo bem, não precisa falar sobre isso se não quiser. Afinal, você tem suas amigas para fofocar. Mas lembre-se que estou aqui para lhe dá qualquer dica se precisar.
Refleti por um momento o que minha mãe queria dizer com “dica”, mas achei melhor não saber.
-- Ok, mamãe.
Mamãe sorriu e acariciou meus cabelos, tinham a mesma cor clara dos dela. E meus olhos eram os seus, mas sem olheiras tão profundas.
-- Tem trabalhado muito, mamãe, devia descansar mais. -- Disse, séria.
-- Diga isso para os meus pacientes, eles não podem esperar, filha.
Eu admirava a dedicação de minha mãe, ela não trabalhava por dinheiro, meus avós tinham-lhe deixado uma pequena fortuna. Às vezes, passava noites inteiras trabalhando na emergência de um hospital e chegava em casa exausta. Sua satisfação estava em ajudar, salvar vidas. Óbvio que ela adorava sua profissão, adorava o desafio.
-- Então, seu pai me contou que o jogo foi maravilhoso, eu adoraria ter ido, filha.
-- Foi ótimo, mamãe. As meninas são sensacionais.
Contei a ela sobre cada lance do jogo, depois conversamos sobre o colégio e ela me falou sobre seu trabalho. Certa hora, mamãe perguntou séria:
-- Escuta, filha. Há algo lhe preocupando?
-- Por que você acha isso?
-- Ontem na praia você não entrou na água e ficou calada a maior parte do jantar, isso não é típico de você.
Decidi contar à minha mãe sobre Ágata, ela ouviu a história toda e quando terminei, mordeu o lábio, pensativa.
-- Não vai falar nada, mamãe?
-- Eu me lembro de quando aconteceu -- Ela disse -- Foi há alguns anos, você era só uma criança.
-- Você lembra-se do acidente, mamãe? -- Perguntei, surpresa – Você pode me contar?
Ela suspirou fundo.
-- Foi horrível. Na época todo mundo ficou chocado com o que houve com a família Hoffman, os jornais não falavam sobre outra coisa. Eu estava terminando minha residência de urgência em medicina e vi quando a criança chegou ao mesmo hospital em que eu estava, a pobre garota já quase sem vida. Todos fizeram o possível para salvá-la, apesar de o trauma ser muito grave. Lembro que cheguei em casa aquela noite e a encontrei dormindo, Elisa. Você parecia um anjo. Abracei-lhe e dei graças a Deus por você está bem, em segurança, enquanto aquela garotinha da sua mesma idade estava lutando pela vida.
Fiquei comovida e chorei nos braços de minha mãe. Ela perdera meus avós quando tinha dez anos de idade, foi um grande choque para ela. Mas mamãe teve a sorte de ser criada por seus tios que a adotaram como sendo filha deles. Tenho certeza que ela entendia bem o que Ágata havia passado.
-- Admiro o que está fazendo, filha. Para mim não há satisfação maior que devolver a vida a alguém, mas sabe, há várias formas de se fazer isso. Não é apenas curando uma ferida, há outras, mais profundas que ficam gravadas para sempre.
-- Obrigada, mamãe.
-- Eu que agradeço, filha, por dividir isso comigo. Você devia convidar a garota para vir aqui, diga que quero muito conhecê-la.
-- Vou convidá-la, prometo.
Fim do capítulo
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