Capitulo 2
ELISA
-- Lisa, você anda estranha. Vai me dizer ou não o que está acontecendo? -- Dizia Becca, preocupada. Estávamos numa lanchonete perto do colégio.
Resolvi abrir o jogo sobre o que estava me perturbando.
-- Becca, eu nunca me importei com essas coisas. -- Disse, sem saber por onde começar - mas essa garota nova, Ágata, ela é, ela é...
- Irritante? Eu sei, amiga. Mas não se preocupe, você tem muitas qualidades a mais que ela. Não vou nem enumerar, porque isso levaria a noite inteira.
- Não sei o que acontece comigo, Becca. Eu realmente não sei o que me incomoda, esse é o problema, eu não sou assim, nunca senti raiva de ninguém antes.
- Sei disso, Lisa. Seu coração é enorme.
Resolvemos mudar de assunto e esquecer Ágata o que não foi possível por muito tempo já que a própria apareceu e para completar vinha acompanhada de Renato.
-- Becca, olha quem vem lá. -- Comentei.
-- Ah, não! E parece que eles estão vindo para cá -- Falou Becca, alarmada.
E realmente eles se dirigiram até nós.
-- Elisa como vai? -- Cumprimentou Renato, abrindo um sorriso. -- Becca, linda como sempre.
Cumprimentamos Renato. Ágata estava ao seu lado, meio emburrada.
-- Lembram da Ágata?
-- Ah, sim. Lembramos -- Respondeu Becca -- Como vai, Ágata?
Ágata respondeu com um cumprimento educado.
-- Podemos sentar um pouco com vocês? -- Perguntou Renato.
Pensei em dizer que já estávamos de saída, mas antes que pudesse dizer qualquer coisa, Renato puxou uma cadeira para Ágata, outra para ele e sentou-se. Becca lançou um olhar indecifrável para mim. Para ela tanto quanto para mim era desconfortável ter Ágata ali, quando antes falávamos sobre ela.
-- Então, o que vocês estavam fazendo? -- Perguntou Becca.
Notei certo tom de desconfiança na voz de Becca. Conhecendo minha amiga, ela queria insinuar algo.
-- Bem, eu estava no colégio. -- Respondeu Renato -- Meu treino já havia acabado quando encontrei a Ágata saindo e pedi uma carona na moto dela.
-- Você tem uma moto? - Perguntei, impressionada, dirigindo-me a Ágata que me olhou, surpresa. Logo me arrependi por mostrar-me tão interessada. Já Becca me olhou espantada. Mas que diabos, a garota tinha um moto! O que poderia ser mais legal que isso?
-- Tenho sim. Gosto de motocicletas -- Respondeu Ágata -- Se um dia quiser podemos dá uma volta.
Ela disse isso com uma naturalidade que me espantou.
-- Eu? Quem dera, meu pai me mataria.
Renato interrompeu:
-- Ágata agora está no time de vôlei, não é?
Ágata assentiu. Depois perdeu o interesse pela conversa. Pediram algo para comer. Um pouco depois, Becca terminou seu lanche, e avisou que já íamos embora. Despedimo-nos e deixamos os dois sozinhos.
-- Desde quando você se interessa por motocicletas? -- Questionou Becca, enquanto íamos saindo da lanchonete -- Esse negócio é perigoso, você pode se machucar.
-- Pensei que você me conhecia melhor, Becca. Adoraria ter uma moto, mesmo morrendo de medo. E, afinal, nunca conheci ninguém da nossa idade que tivesse uma.
-- Ah, Lisa você curte tanta bizarrice que dessa tinha me esquecido -- Brincou Becca -- Ela te convidou para dá uma volta. Como se você não tivesse amor à vida.
Não pude deixar de rir.
-- O que será que o Renato quer com ela? -- Falou Becca, intrigada.
-- Não sei. Talvez aquilo que todos os homens querem, no fim das contas. -- Refleti.
-- Se eu fosse ele não perderia tempo.
-- Por que diz isso?
-- Ora, é óbvio, Lisa. Essa coca é fanta.
-- Você e seus estereótipos, Becca.
-- Mas dessa vez tenho razão. Não te disse? Aquela lá calça quarenta e quatro.
-- Calça quarenta e quatro? Becca e essas gírias? Isso pode ser ofensivo, sabia. Onde você aprende essas coisas?
-- Ora, na TV, onde mais? Você me entendeu muito bem, Elisabete Freitas. Ela namora garotas.
Pensei por um instante, digerindo aquela informação. Becca estava sempre a inspecionar a vida alheia. Para ela era uma diversão.
-- E o que isso tem de mais, Becca? -- Falei, repreendendo seus comentários maldosos -- Você nunca foi preconceituosa. Não que eu saiba.
-- Não sou mesmo. Desde que não venham dá em cima de mim, tá tudo ok. Sobra mais homem no mercado.
***
Durante algum tempo, vi Ágata apenas de relance. A garota chegava sem falar com ninguém e logo ia para o fundo da sala. Segundo Becca, o povo do fundão me odiava e ela não deixou de especular que Ágata fizera amizade com o pessoal de lá para debochar de mim. Claro que isso era mais uma das coisas da Becca que adorava dá cabimento para fofocas sem fundamento.
Comecei a achar Ágata uma garota realmente solitária. Pelo menos, no colégio ela não parecia falar com ninguém. Tivemos umas reuniões do clube de matemática nas quais Ágata chegava atrasada. Não gostava nada disso, principalmente por ela não pedir desculpas pelo atraso. Era como se ela tivesse fazendo um favor a nós, como seu tio havia falado mesmo? Ah, uma honra ela nos brindar com sua presença... Era eu quem presidia as reuniões e aquela atitude era intolerável. Uma vez, tratei de deixar isso bem claro para Ágata. Ela pareceu me ouvir, pois na semana seguinte, chegou na hora. Mas aquele seu comportamento de ser indiferente com tudo, me irritava cada vez mais. O desinteresse de Ágata por qualquer coisa se estendia às reuniões, enquanto todos davam palpites sobre o cronograma de estudo e discutiam as matérias do programa com bastante interesse, Ágata ficava calada. Nos treinos de vôlei, no entanto, ela era bastante esforçada. E aos poucos ganhava a simpatia das meninas e da treinadora.
Um dia, após o treino, quando eu arrumava minhas coisas para ir embora e as meninas já deixavam o vestiário, Ágata dirigiu-se a mim:
-- Gostaria de falar com você -- Pediu ela, com a voz firme.
-- Sobre o que? - Perguntei, escondendo a tensão. Fiquei bastante desconcertada diante dela, mas também estava curiosa quanto ao motivo de ela vir falar comigo -- Alguma dúvida sobre o clube de matemática?
-- Não. Está tudo muito bem. Mas não era sobre isso que eu queria falar. Na verdade, eu só queria dizer que você não precisa se preocupar comigo.
-- Mas eu não... -- Disse, envergonhada.
-- Olha, não precisa negar. Eu não quero roubar nada seu, não estou aqui por isso. Nem mesmo tenho interesse de estar nesse grupo de matemática. Acho até que você já percebeu isso...
Olhei-a intrigada e notei que apesar de sua voz firme, ela falava com cautela.
-- Então por que ainda está conosco?
-- Não tenho escolha. Sou meio que obrigada a participar, entende?
-- Não entendo, quero dizer, não acho justo você participar de algo sem está cem por cento comprometida -- Falei com sinceridade, depois perguntei: -- É por causa do seu tio? Quer dizer, não que isso seja da minha conta...
-- Bem, se estou lhe dizendo isso é porque reconheço sua dedicação à frente do grupo. Sem entrar em tantos detalhes, eu e meu tio temos uma espécie de acordo. Mas essa é uma longa história. - Disse Ágata, enigmática -- Prefiro evitar dá explicações sobre porque estou desperdiçando meu dom e tal. Já ouvi sermões demais na minha vida.
-- Tudo bem. Mas porque pensa que eu estou preocupada que você roube meu lugar?
-- Porque você está -- Disse Ágata com um sorriso, nunca a vira sorrir antes -- Parece que todo mundo nesse colégio a idolatra. Você é famosa por aqui.
Enrubesci.
-- Isso não é verdade, eles me odeiam...
-- Bem, isso é discutível. Ouvi muitas coisas. O fato é que você é a pessoa mais inteligente aqui.
-- Não sou tão inteligente assim -- Falei com modéstia, o que mais poderia dizer? -- E quanto ao vôlei? Você também se candidatou ao time porque foi obrigada?
-- Oh, não. Isso eu faço por prazer -- Disse Ágata me encarando.
Não desviei o olhar, por mais que estivesse intimidada por aqueles olhos negros e penetrantes.
-- Q-Que bom! -- Gaguejei -- Seja bem-vinda ao time.
Ágata manteve os olhos nos meus por mais uns segundos. Como alguém poderia ser tão confiante?
-- Obrigada -- Disse Ágata -- Melhor eu ir logo.
-- Espera! -- Disse de repente, antes que ela se fosse -- Gostei muito de conversar com você, obrigada por se abrir comigo, acho que devíamos fazer mais isso, quer dizer, conversar mais...
Ágata me olhou com interesse e caminhou em minha direção. Notei que assim de perto ela era mais alta, meio intimidante, mas ao mesmo tempo frágil.
-- Também gostei de conversar com você.
Sorri.
-- Foi um ótimo ponto de saque aquele seu -- Elogiei.
-- Que nada! -- Falou ela, era sua vez de ser modesta -- Sabe, aquele seu levantamento para a Gabriela foi impressionante...
- Sabe, Ágata, acho que esse é o começo de uma bela amizade...
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
Deixe seu comentário sobre a capitulo usando seu Facebook:
[Faça o login para poder comentar]