Capitulo 80
A Última Rosa -- Capítulo 80
Jessica dirigia pela orla, a brisa batendo no rosto servia para aliviar a tensão. Um pouco mais adiante ficou presa no tráfego de moradores que observavam atônitos os estragos sofridos pelo prédio do centro histórico e comercial da cidade. Ela não se incomodou com o trânsito. Estava rodeado por pessoas preocupadas, que temiam pelo futuro de Hills. O verão estava logo ali e os turistas não viriam para uma cidade devastada.
Desde que veio para Hills, para fugir de sua decepção amorosa, esteve trabalhando vinte e quatro horas por dia. Sentia-se filha daquela terra, irmã daquela gente.
Maya tocou a mão dela.
-- Eu sinto tanto pelos pequenos comerciantes. Muitos deles perderam tudo e não conseguirão se reerguer.
Jessica balançou a cabeça tristemente.
-- Espero que tenham seguro. Mas mesmo assim, se os turistas não vierem no verão, a falência será iminente.
Estava quase fazendo o retorno para fugir do congestionamento, quando um casal parado em frente a um restaurante chamou sua atenção.
-- Aquele não é o restaurante que comemoramos o aniversário do Pepe ano passado?
-- Sim, aquele casal são os donos. Que dó! -- disse Maya, com pesar.
Jessica manobrou o carro para entrar no estacionamento. Não sabia bem por que estava fazendo aquilo.
-- O que vai fazer, Jess?
-- Ainda não sei, apenas sinto vontade de consolá-los.
O restaurante estava dentro do roteiro turístico da cidade, num bairro nobre, e muito frequentado pelos turistas.
Ao aproximarem-se, Jessica notou que os funcionários estavam reunidos, aparentemente, todos sabiam de sua participação no resgate das meninas, porque fizeram uma espécie de fila para cumprimentá-la e dar-lhe tapinhas nas costas.
-- Obrigado! Agiu como uma heroína ao parar o carro para ajudar as meninas -- disse um rapaz loiro, em voz alta, como se fosse o porta-voz de todos os presentes -- Estamos contentes em poder agradecer-lhe pessoalmente.
-- Obrigada! -- Jessica fez um gesto com a mão e sorriu para todos, porém, seu sorriso morreu quando viu uma senhora ruiva chorava, sendo consolada por outro funcionário que tocava seu ombro com carinho. Enquanto secava o rosto com as costas da mão, seus olhos extremamente azuis encontraram os de Jessica.
-- Desculpa, menina. Sei que deveria ser forte, mas trabalho há tantos anos nesse restaurante que não me imagino fora dele. Como vou alimentar meus meninos?
Ela balançou a cabeça, achando engraçado ser chamada de menina.
-- Não precisa se desculpar, eu entendo -- Jessica estava visivelmente emocionada -- Eu gostaria muito de ajudar...
-- Vai ajudar? -- a voz da mulher ecoou longe, em poucos segundos uma multidão se aglomerou ao redor de Jéssica.
Maya olhou para ela de cara feia.
--Tem noção do que fez?
-- Mas, eu não fiz nada!
Jessica sentou-se na ponta da mesa, a cozinha era aconchegante, confortável e a comida que Valquiria preparava tinha um cheiro delicioso. Maya colocou um copo de caipirinha de morango e um pratinho de petiscos na sua frente.
-- Sabia que a Jessica vai financiar a reconstrução da metade dos prédios do centro de Hills?
-- Sério? -- Valquiria e Vitória disseram, ao mesmo tempo.
-- Sim, parece brincadeira, mas é sério -- comentou Maya, naquele momento, o sorriso no rosto dela dava lugar a uma expressão zangada revelada na testa franzida.
-- Não tenho culpa se fui mal interpretada -- um fumegante prato de macarronada foi colocado à sua frente. Só o cheiro da comida lhe deu água na boca.
-- Quer mais alguma coisa? -- perguntou Valquiria.
Jessica olhou para cima.
-- Sim, quero que você explique a sua amiga que eu não tive como dizer não à uma multidão de pessoas abaladas emocionalmente.
-- Tá certo! -- respondeu Valquiria -- Maya, a Jéssica pediu para eu explicá-la que ela não tinha como dizer não à uma multidão de pessoas descontroladas emocionalmente.
-- Pois, diga à Jessica que ela não me deve nenhuma explicação -- disse Maya, pressionando a mão contra a mesa -- Mas, às vezes, o melhor é ficar com a boca fechada. Ela não vai conseguir ajudar todo mundo -- Maya conferiu as horas em seu relógio, mordendo o lábio, com impaciência -- Vou subir para ver as meninas.
Assim que Maya saiu da cozinha, Valquiria virou-se para Jessica.
-- Ouviu o que ela falou, né?
-- Não -- respondeu Jessica, balançando os ombros -- O que ela falou?
-- Ela falou que você não vai conseguir ajudar todo mundo -- disse Valquíria, com muita paciência.
-- Eu posso não conseguir ajudar todo mundo, mas eu vou ajudar o máximo que eu puder. Esse é o meu povo, pessoas que perderam familiares, amigos. Pessoas que não tem nem onde dormir. Agora eu pergunto: Como posso virar as costas para tudo isso?
Valquiria baixou a cabeça por alguns segundos, e quando voltou a levantar, tinha os olhos brilhantes.
--Também quero ajudar, Jessica.
-- Eu também quero -- disse Vitória.
-- Podemos criar uma campanhas de arrecadação de roupas, alimentos não perecíveis, quentinhas, mantas, colchonetes e até mesmo abrigos para quem vivenciou de perto o desastre -- disse Valquíria, animada em ajudar.
-- O pessoal da empresa pode nos ajudar. Faremos uma carreata pelas ruas da cidade -- Vitória falou animada e olhou para Valquíria -- Passaremos pelos bairros menos atingidos, o povo com certeza vai colaborar.
-- Será ótimo, muitos estão precisando do nosso apoio e da nossa ajuda. Pode ser financeiramente, bens materiais e até mesmo um pouco de amor. Se vocês sentem no coração que querem ajudar, não tenham medo de o fazer. Ajudar o próximo é fundamental para que eles superem esse momento de dificuldade e voltem a sorrir -- Jessica baixou a cabeça e voltou-se para o seu prato -- Bem, agora deixem-me terminar o almoço. Ah, não se esqueçam que temos uma reunião de emergência marcada para hoje à noite.
-- Qual será o assunto tratado na reunião?
-- Vocês ficarão sabendo à noite. Não se esqueçam de chamar o Pepe, a tia Inês, o delegado, a Natália, o Capone...
A macarronada estava maravilhosa. Jessica saboreou cada garfada e já estava se preparando para comer a sobremesa quando não viu, mas sentiu a presença de Maya por trás de si com uma das meninas no colo.
-- A Valquíria me falou da reunião de emergência -- disse balançando o bebê.
Jessica empurrou a tigela com mousse de limão para longe, desistindo da sobremesa.
-- Precisamos agir, amor. Lembre-se o que a mulher lá do hospital falou.
Maya entregou a menina para Jessica e pegou uma xícara de café no balcão, antes de se sentar a seu lado.
-- Então, é sobre isso a reunião?
-- Sim, só vamos conseguir à tempo, com a colaboração de todos -- os olhos verdes adquiriram uma expressão de desafio -- Vou ligar para a tia Inês. Segura a Alexia pra mim.
Maya revirou os olhos.
-- Essa é a Alessia.
-- Claro... Claro que essa é a Alessia! Foi isso que eu disse.
Mais tarde...
Maya brincava com as meninas no sofá da sala.
-- Vocês foram muito boazinhas por deixar mamãe tirar um cochilo. Merecem um milhão de beijos na bochecha.
Uma batida na porta interrompeu suas brincadeiras.
Vitória saiu da cozinha e passou por Maya a passos largos.
-- Já vi que essa tarde será assim -- comentou, abrindo a porta.
-- Olá, menina -- Inês entrou e seguiu direto para o sofá, onde Maya estava sentada com os bebês deitados ao seu lado.
-- Aí está você, minha querida -- Maya se levantou e elas se abraçaram, riram e se sentaram -- Que bom que chegou mais cedo!
-- O Nilson vem direto da delegacia -- ela disse, enquanto se aproximava das meninas -- Anjinhos lindos da vovó!
-- Sente-se -- Maya mostrou a poltrona à sua frente.
Inês olhou para as meninas tão contentes em seus macacãozinhos, quentinhas no sofá, sentiu um nó na garganta. Pela primeira vez, tomava consciência da grandeza do que Jessica tinha feito naquela madrugada de tempestade: salvou duas vidas. Que meninas de sorte elas eram. Tinham agora uma família enorme e calorosa para tomar conta delas. Só esperava que de fato elas conseguissem às adotar, mas caso alguém da família as procurassem, que pudessem dar pelo menos a metade do amor e da segurança que tinham agora.
-- Quem é a Alexia?
-- A de cabelo mais clarinho -- falou Maya, acariciando o cabelo do nenê, que já chegava a formar até cachinhos -- E a que chora mais alto, também.
-- Ela vai fazer a primeira voz da dupla -- disse Jessica da porta -- Olá tia, tudo bem?
-- Tudo bem, minha filha -- respondeu, a jovem senhora -- Porque você acha que a Alexia fará a primeira voz?
-- Ela tem a voz mais aguda, enquanto a Alessia, tem o tom de voz mais grave.
-- A Jess cismou com isso tia!
Inês simplesmente sorriu, Jessica mostrou a língua para Maya e se virou para Inês.
-- Elas estão cada dia mais lindas, né tia! -- sentindo-se meio boba, ela pôs as mãos no bolso -- Sou tão mamãe coruja -- Jessica sorriu, e o brilho dos dentes muito brancos fez com que o coração de Maya batesse mais forte. Como conseguia ser tão linda!
-- Ai, amor. Eu entendo muito bem o que você sente. Às vezes eu mesma me confundo e tenho a impressão de ter dado à luz a estas crianças.
-- O que estamos fazendo é tão importante quanto dar à luz, meu brotinho de girassol. Devolvemos a vida a elas. Agora as meninas têm um lar, uma família linda, muito amor, carinho e proteção. Acredito que fizemos alguma coisa muito especial.
Maya olhou para ela e as lágrimas correram-lhe pelo rosto.
-- Estou tão contente que compartilhamos do mesmo sentimento, Jess -- Maya se jogou nos braços de Jessica, os olhos transbordando de amor e cumplicidade.
Jessica procurou os lábios de Maya e beijou-a com ternura.
-- Se for o desejo de Deus que alguém da família apareça para buscá-las, aceitaremos de coração, caso contrário, brigaremos até o fim pelos nossos direitos.
-- O cara tinha acabado de comprar uma Ferrari e estava louco para se exibir com seu novo carrão -- contou Pepe -- Na avenida principal da cidade, ele enfiou o pé no acelerador. Na sequência, um ciclista o ultrapassou.
Surpreso, o motorista novamente pisou fundo no acelerador. Mas de novo o ciclista o ultrapassou.
Irritado, o motorista acelerou ainda mais, chegando a 120 km por hora. Mas, para sua surpresa, o ciclista novamente o ultrapassou. O motorista pisou ainda mais fundo, atingindo incríveis 140 km/h. Mas acredita que o ciclista mais uma vez o ultrapassou?
Sem saber mais o que fazer, e curioso para saber como aquele ciclista conseguia correr tão rápido, o motorista parou no acostamento. O ciclista passou por ele, depois voltou, depois passou de novo, voltou de novo... Até que uma hora, finalmente, o ciclista parou ao lado da Ferrari.
-- Ufa! Ainda bem que o senhor parou o carro. Meu suspensório ficou preso no seu retrovisor.
Todos riram da piada, menos Jéssica.
-- Acho melhor deixarmos as piadas para outro momento e voltarmos à discussão do assunto em pauta -- ela disse, sentada frente à enorme mesa.
-- Quero aproveitar a reunião para dizer que o meu salário não está compatível com as minhas aptidões!
-- Eu sei, eu sei, Pepe! -- respondeu Jessica -- Mas não podemos deixar você morrer de fome, não é mesmo?
Pepe curvou as sobrancelhas e pressionou os lábios com firmeza.
-- Idiota! -- resmungou.
-- Bem -- começou Jessica -- A data do casamento está marcada para daqui a três semanas, está muito em cima, por isso precisamos da ajuda de vocês para que tudo saia perfeitamente.
-- Pensei que os preparativos para o casamento já estivessem nos finalmentes -- disse Inês, surpresa com a informação.
Ao notar que a senhora a olhava confusa, Maya esclareceu:
-- Já estava quase tudo pronto, dona Inês, mas tivemos que mudar os planos. É claro que muita coisa não precisará ser mudado. Eu já escolhi o vestido de noiva e a equipe que contratamos já havia tomado uma série de providências.
Inês ficou olhando fixamente para ela.
-- Porque mudaram os planos?
Jessica e Maya se entreolharam por um curto momento, até que Jessica respondeu, um pouco hesitante.
-- Nós vamos convidar todos os moradores de Hills.
No mesmo instante, um silêncio pesado tomou conta da sala. Todos a fitaram assustados. Vitória levantou a mão pedindo permissão para falar.
-- Pode falar, Vitória.
Ela desviou seus olhos de Jessica para olhar ao redor.
-- Não sei vocês, mas eu acho isso grande demais!
De repente, todos os presentes começaram a falar ao mesmo tempo, cada um tentando expor a sua opinião.
Maya respirou fundo e berrou:
-- Calem a boca!!!
Pepe cobriu os ouvidos com as mãos.
-- Credo, parece que tem um microfone na goela. O que eu penso é que se na festa de inauguração da empresa, que foram bem menos convidados, tivemos uma tempestade, no casamento provavelmente teremos um furacão.
-- Pepe!!! -- foi a vez de Inês berrar -- Não diga besteira.
-- Só estou sendo realista, tudo o que o casal aí faz, acaba em confusão
-- Eu também acho loucura... -- o delegado começou, mas foi interrompido por Jessica.
-- Respeito a opinião de todos... Que concordam comigo! Vamos continuar a reunião.
-- Somos um grupo democrático! -- bradou Pepe.
-- Mesmo um grupo democrático precisa de um lider para manter a ordem -- respondeu Jessica -- Então, Pepe... cala a boca.
-- Ainda não entendi, porque convidar toda a cidade? -- Inês franziu o cenho, preocupada.
-- Nós vamos mostrar à cidade que somos um casal como outro qualquer. Eles vão ter que entender que não há qualquer diferença entre as relações afetivas de homossexuais e heterossexuais. Que formamos uma família e que possuímos os mesmos direitos e deveres.
-- Vocês não precisam provar nada a ninguém, minha filha -- disse Inês, tocando a mão da sobrinha por cima da mesa.
-- Não, tia, não precisamos dar satisfação a ninguém, mas se for para conseguir o apoio da comunidade na adoção das meninas, faremos qualquer sacrifício.
-- Vocês duas são loucas -- comentou Valquiria.
-- A Maya vê gnomos, e a Jessica tenta capturá-los -- disse Pepe, causando risos em todos.
-- Engraçadinho! -- resmungou Maya -- Então, mãos à obra. Organizar uma festa de casamento dessa magnitude é um trabalho complicado.
"A DEMOCRACIA NÃO É PERFEITA, MAS NÃO HÁ NENHUM SISTEMA MELHOR.
A DEMOCRACIA NÃO GARANTE O PARAÍSO NA TERRA, MAS IMPEDE QUE O INFERNO SE INSTALE".
LEANDRO KARNAL
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
Mille
Em: 13/08/2022
Oi Vandinha
Tava com saudades, espero que esteja tudo bem contigo e sua família.
Jess ajudando os moradores será mais uma forma de ajudar a reconstrução da cidade que faz parte dela. E com a ajuda de todos logo conseguiram.
E esse casamento será o casamento, nada de furacão ne Pepe.
Bjus e até o próximo um ótimo final de semana
[Faça o login para poder comentar]
NovaAqui
Em: 13/08/2022
BOLSONARO SAI, DEMOCRACIA FICA!
Agora vamos ao casamento que vai para o Livro dos Recordes rsrs
Bom ver você de volta!
Sei que teremos alguma passagem no texto que nos fará rir
Obrigada pela dedicação e por nos presentear com suas histórias
Obrigada por sua alegria
Bom final de semana, Vandinha
Beijão ♥
[Faça o login para poder comentar]
Deixe seu comentário sobre a capitulo usando seu Facebook:
[Faça o login para poder comentar]