Júnior acordou no dia seguinte ao show com uma dor de cabeça que parecia que duas mãos comprimiam seu cérebro, acarinhou a nuca, com uma ressaca como nunca havia sentido antes. Abriu a geladeira procurando a garrafinha de água, encontrando-a vazia no lixinho do quarto da pousada, sem mais nada a fazer, encheu um copo com água da torneira, pegando um comprimido dentro da necessaire, tomando o remédio em um gole só.

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- Juro, nunca mais bebo na vida... – Coçou os olhos e viu que uma criatura estranha o acompanhava na cama, parecia um bicho de pelúcia, no entanto, absurdamente exótico – Mas era só o que me faltava – cheirou sentindo um perfume adocicado, analisou e achou que parecia mesmo um coelho alienígena – de onde essa estranha criatura, saiu? – Estava absorto quando escutou o barulho forte do chuveiro e uma voz feminina cantando Marisa Monte.

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Bem que se quis

Depois de tudo

Ainda ser feliz

Mas já não há

Caminhos pra voltar

E o que que a vida fez

Da nossa vida?

O que é que a gente

Não faz por amor?...

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- Pelo amor de Madonna, será que fiquei com uma racha? Era só o que me faltava... – Mal terminou de falar e a bartender saiu do chuveiro ainda cantando a mesma música.

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- Oi, está melhor?

- Sim, acho que estou, talvez um pouco tonto, me desculpe ser indiscreto, mas...nós...é... bem...como é seu nome mesmo?

- Francis, e claro que não rolou nada, continua puro da mesma maneira que ontem. Hahahahah...não se preocupe, jamais iria abusar de um donzelo tão gente boa.

- É... obrigado, então.

- Olha tenho que ir, aparece no DecBar, trabalho por lá no fim de semana que vem, espero que cuide do Rossato como prometeu.

- Quem?

- O Rossato, o coelho que adotamos ontem...ah esquece... – Falou balançando a mão num tanto faz.

- De onde ele veio? Digo, o Rossato.

- Daquela maquininha que tinha na saída do show – Francis conversava, enquanto colocava a mesma roupa do dia anterior, guardou a calcinha em uma sacola de supermercado na bolsa, vestindo uma cueca box que Júnior reconheceu como dele. Em seguida pousou  um beijo estalado no rosto do rapaz se despedindo, deixando o cheiro do seu perfume no ar.

- Te espero na semana que vem brother...

- Bandida, podia ter colocado um pouco menos do Eros – Falou mencionando o perfume que usava, ouvindo a risada da moça que encheu o quarto.

- Arrivederci, Dom Quixote.

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         Após um banho renovador, Júnior pegou a agenda, seguindo a programação que havia anotado para o domingo, vestiu uma bermuda floral, uma camiseta branca e havaianas da mesma cor, ficou bem mais informal do que gostava, mas, achou que o visual combinaria com o estilo da cidade. Tomou um café light com frutas, suco e um pãozinho, enquanto olhava seu itinerário.

       Armação aos domingos parecia ainda mais sossegada, sobretudo perto da hora do almoço. Muitos turistas haviam partido pela manhã, de forma que a rua parecia menos movimentada do que o dia anterior. Olhou os pescadores que retornavam ao mar, passando com cuidado pela barreira de pedras que dava o nome da cidade. Poucos nativos aproveitavam a praia quando chegou na barraca, embora o dia estivesse nublado, o mormaço de alguma maneira era agradável para os turistas que vinham da serra, por exemplo.

      Júnior permaneceu no alambrando olhando o mar, até ver que Duda havia chegado, estacionando o Jeep verde na entrada da barraca, os cabelos lisos e castanhos balançavam ao vento, quando desceu, reparou que usava apenas uma saída de praia amarela com um biquini rosa por baixo. Sem dúvidas era uma bela mulher.

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- Bom dia Duda, podemos conversar hoje?

- Entra aqui, vamos conversar na cozinha – Duda avisou que faria um café, agachou pegando a cafeteira italiana, colocando em cima da bancada, em seguida puxou uma mesinha desmontável com duas banquetas.

- Senta aí... – Falou observando o rapaz de cima a baixo – pelo jeito você tem muito mais curiosidade sobre a vida de Dany do que os pais dela.

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O café estava delicioso, Júnior soprou o liquido escuro, tomando quase em um só gole. Olhou a xícara azul com bolinhas prateadas, admirando a beleza do objeto. Duda recostou na bancada, observando o sorriso que vinha do seu interlocutor.

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- Obrigado pelo café, estava delicioso.

- De nada, saiba que geralmente eu não falo da vida dos meus amigos – Respondeu, enquanto colocava mais um pouco de café para si, servindo novamente Júnior – Então, o que deseja?

- Conversar, apenas conversar.

- Se for para falar de Dany, eu não tenho muito a dizer, se está interessado em pegar quem matou, sugiro que dê meia volta e procure os inúmeros amantes, aliás, as amantes também, ela saiu com tanta gente que acho que pode ser qualquer um.

- Inclusive você, não é verdade? – Duda olhou irritada, mas, não deixou de responder.

-É, inclusive eu, mas, não foi o caso, se quer um conselho vá atrás dos casamentos que ela terminou, das pessoas que tinham inveja do seu talento, enfim, é tanta gente que é a mesma coisa de procurar uma agulha no palheiro – Júnior não me moveu, muito embora fosse esse o seu maior desejo, só respirou fundo para continuar – Acho que você não me entendeu. Não estou contra você, nem está na minha lista de suspeitos, depois desse piti vejo que não é mesmo a assassina.

- E posso saber porquê? Acha que não tenho capacidade de matar?

- Não, está apenas com o orgulho ferido. Veja, quem matou sua amiga fez com requintes de crueldade, premeditou e executou esse plano, essa pessoa jamais teria esse tipo de reação tão genuína quanto a sua.

- Você é da Polícia?

- Não. Sou um investigador particular, trabalho por minha conta, quero descobrir quem matou a Dany, e de alguma forma ajudar as minhas amigas que são policiais – Duda relaxou um pouco, sentando na banqueta, falando mais relaxada, embora mantivesse uma expressão sisuda.

- Os pais nunca ligaram para Dany, vinham raramente, família rica, sentiam vergonha, mesmo que ela fosse boa em tudo que fazia, uma sumidade, isso não importava, ela nunca foi suficiente para eles. Mas, sinceramente, não sei se quero ajudar você.

- Eu vou desvendar esse crime de qualquer jeito, com sua ajuda pode ser que não leve tanto tempo, mas, sem você é certo que conseguirei. Depois, não é a mim que está ajudando, no final das contas, você vai ajudar a própria Daniella, a não ser que sua mágoa seja tão grande que considera que merecia morrer. O pior de tudo, é que o assassino está solto por aí, provavelmente caminhando entre nós – Uma expressão triste tomou conta do rosto de Duda, Júnior sabia do seu relacionamento íntimo com a vítima, e tentou mexer com o seu emocional para que ela se abrisse de alguma forma.

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- Você tem como conseguir? – Falou deixando que as lágrimas descessem, embora discretas.

- Eu vou Duda, mas, se você me ajudar, juro que vai ser muito mais fácil.

- Espero que essa não passe de uma promessa jogada ao vento.

- Acredite, vou fazer todo o possível para colocar esse assassino atrás das grades.

- Está quase na hora do almoço, vamos sentar na barraca e pedir alguma coisa para comer – Júnior escolheu uma Peixada, insistindo em pagar - Você e Dany tiveram um relacionamento longo?

- Nos víamos todos os finais de semana durante três meses, as vezes viajávamos, eu sabia da sua fama de pegadora, vamos falar assim, mas, sei lá, pensei que talvez comigo, ela fosse fazer diferente...tinha dias que sentávamos lá na prainha, perto do paredão, se for ver, por lá tem uma prainha de águas claras, não tem barracas e ficávamos ali, conversando, namorando. Um dia simplesmente ela não veio, mandou uma mensagem terminando tudo...

- Ela também ficava com homens?

- Sim, dizia que essa coisa de atração é uma coisa relativa, que não depende de sex*, nem de rótulos.

- Entendi, eu sou gay, sabe? Admiro as mulheres, mas, não sinto atração, parece que falta algo.

- E se eu te falasse que sou uma mulher trans, no caso, eu teria p*nis, você mudaria de opinião a meu respeito?

- E tem? – Duda deu uma risada, observando que um senhor da mesa ao lado, olhava para ela assustado.

- Por acaso, não tenho, mas, a possível presença de um falo pra ti, mexeu contigo?

- Não, eu gosto do masculino de uma forma mais profunda.

- Pois é, Dany não tinha isso, ela gostava de gente, é isso que dizia, aí quando conheceu a tal Vivi, pronto, conseguiu entender um pouco mais da sua relação com a sexualidade, gênero...tudo enfim.

      Após o almoço pediram uma Banana flambada com sorvete de creme, Júnior aproveitava todas as brechas que tinha para perguntar de Dany.

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- Quando ela morreu, estava brigada com ela?

- E quem disse que alguém conseguia ficar com raiva daquela coisinha por muito tempo? Ela era terrível, tinha um sorriso e um jeito de falar que cativava.

- E Dany não falou mais profundamente de alguém que se relacionou?

- Falou que engravidou uma mulher casada, mas, não me disse de quem se tratava, ai de repente, do nada, falou que tinha se apaixonado por alguém, que enfim ia casar e formar uma família, tínhamos combinado de conversar perto do ano novo, mas, ela foi morta antes...no fundo, na época até que fiquei feliz, achando que Daniella podia ter finalmente se apaixonado e ia se aquietar.

- Que legal, é uma pena que tiraram esse sonho dela.

- Confesso que fiquei na curiosidade de saber quem era esse namorado ou namorada, sei que era alguém que ela ia assumir nas festas de final de ano, mas, como falei, ela não teve essa chance.

- Quem sabe essa pessoa a matou? Duda, me ajuda, você pode me dizer os seus suspeitos e as motivações? – Falou pegando um caderno para anotar uns rabiscos – pode ser importante, preciso saber.

- Ela queria trans*r com mulheres, homens, lésbicas, trans e no final faria uma análise de tudo o que sentiu, passou...não sei pra que, brincava dizendo que ela para o TCC dela, mas, claro que era um deboche.

- Ela conseguiu sair com todos esses?

- Sim... – Duda foi interrompida por uma chuva de aplausos, Júnior olhou ao lado, e era Ayana, a cantora estava usando um vestido de praia branco de renda e por baixo um biquini da mesma cor, sorria e ao mesmo tempo acenava para as pessoas que lhe olhavam meio distante. Junto a ela estava uma jovem de cabelos raspados ao lado, encobrindo o rosto com uma grande franja.

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- Posso pôr o nome da cantora da lista? soube que sua pupila a superava em tudo.

- Esquece, era uma ligação linda, de mãe e filha. Ayana sofreu tanto com a morte de Dany, e ela chorava e chorava, pedindo para o tempo que se revertesse trazendo a Daniella viva, nunca vi alguém rezar para tantos deuses de religiões diferentes, acho que ali se abriu uma fenda no coração dela. Pronto, naquele instante, ela também morreu um pouco, e acabou se perdendo no meio do caminho, acredite...a sordidez de uma morte bruta, endurece qualquer um.

- Entendo – E essa palavra realmente não era da boca pra fora – E quem é essa jovem que a acompanha?

- Pietra, uma espécie de faz tudo, filha de uma amiga de infância de Ayana, que nunca aceitou esse relacionamento aberto, digamos assim.

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         Júnior observou algo que considerou curioso, Ayana parecia não se importar com as pessoas das mesas em volta que tentavam se aproximar, ao contrário, evitava o olhar de qualquer um, parecendo não se importar com os fãs. Com um aceno Pietra pediu o cardápio, fazendo os pedidos como se estivessem em um mundo alheio a tudo.

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- Ainda não falou dos homens que Daniella ficava...

- Creio que só tem um que considero mais relevante, o Dante, jogador de Polo Aquático, pelo que a Dany me contou, o rapaz ficou muito bolado por ter ficado com ela, eles trans*ram, mas, meia hora depois já estava arrependido de ter feito. Eles combinaram de não contar nada a ninguém, mas, como vê, a história vazou e toda cidade soube.

- E acha que ele ficou com raiva ao ponto de matar?

- Não, é bom um boyzinho mimando, ele voltou para o Rio onde mora e o assunto foi dado como encerrado, ele voltou por aqui com uma namorada nova quando a Dany foi assassinada na cidade vizinha.

- Mas será que ele não quis uma nova aproximação, e foi preterido?

- Aí é com você meu caro Holmes... – Júnior sorriu, já tinha bastante material para pensar.

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         Conversaram sobre assuntos triviais, quando viram que Ayana e Pietra saíram de mãos dadas sob os aplausos dos fãs. Entraram em uma BMW azul marinho com um segurança, acenando para as pessoas que falavam de como era simpática.

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- Esses fãs são cegos mesmo, a mulher só deu um até logo muito do mixuruca e já estão se rasgando por ela – Duda riu concordando com a colocação.

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...: ♫ MÚSICA DO CAPÍTULO ♫:...

Bem que se quis - Marisa Monte

Fim do capítulo