Quem sabe eu ainda sou uma garotinha

Esperando o ônibus da escola sozinha

Cansada com minhas meias três quartos

Rezando baixo pelos cantos

Por ser uma menina má

Quem sabe o príncipe virou um chato

Que vive dando no meu saco

Quem sabe a vida é não sonhar

.

         Malandragem enchia o carro com seus acordes, enquanto Marília dirigia feliz a caminho de Armação das Pedras, deixou as janelas abertas, permitindo que o vento entrasse bagunçando os cabelos, a policial havia escolhido dirigir seu próprio carro em detrimento de um carro ostensivo, tudo para dar a entender que estava de férias, assim, se esbarrasse com o assassino, ele jamais diria que era uma policial em investigação. Dirigia o Fiat Cinquecento verde água, que recebeu a alcunha de Cassinha, em homenagem a sua cantora favorita. Cantava em altos brados, balançando o corpo no ritmo, até finalizar a música com a mesma pergunta "Quem sabe eu ainda sou uma garotinha?".

         Já estava mais adiante, quando "Devolva-me" de Adriana Calcanhotto passou a tocar no som, a música rasgava um pouco o coração, lembrando o fim do seu namoro, uma lágrima escorreu pela face, caindo na blusa floral em tons pasteis que havia escolhido apenas antes de pegar o carro. Já tocava "Esquadros" da mesma cantora quando recordou o último diálogo.

.

- Por favor, não me deixa, não sei como vou levar meus dias sem teu cheiro, sem a tua presença, sem teus beijos - Implorou com os olhos vermelhos de tanto chorar.

- Não adianta, eu não quero mais entendeu? Te dei três anos da minha vida, me desculpa, como iria aguentar tanto tempo sem sex*?

- Mas você sabia desde o começo, eu sou assexual romântica, não menti, não te enganei, falei que só conseguia ir até os beijos, nada mais.

- Bom, podia se esforçar um pouco mais, não é Lila?

- Ia ser bom apenas para você, não sinto prazer, eu tentei, mas, não consigo...mesmo, não é o meu querer, é uma condição. Nasci assim, o que posso fazer? Apesar de tudo, eu tenho interesse em me relacionar romanticamente com outra pessoa, embora não haja a prática sexual, eu gosto de ter um relacionamento e me envolver emocionalmente.

- Bom, essa fala já sei de cor, decorada até, fica bem, agora é contigo, fui...a gente se esbarra por aí.

.

         Foi assim que a namorada saiu, batendo a porta e levando uma mala pequena com tudo que tinha deixado no apartamento de Marília.

A policial deu um sorriso triste, tentando apagar as lembranças, em seguida pulou todas as faixas que lembravam a ex, chegando em Elevador, de Ana Carolina, voltando a cantar de forma animada.

.

Pra que te espero de braços abertos

Se você caminha pra nunca chegar?

Então vou no fundo, ameaço ir embora

Você diz que prefere, quem sabe, ficar...

Eu queria tanto mudar sua vida

Mas você não sabe se vai ou se fica

Eu tenho coragem, já tô de saída

Você diz que é pouco, e pouco pra mim não é bobagem...

.

         Marília voltou a balançar os ombros, e muitas músicas depois viu uma grande placa onde estava escrito: BEM VINDO A ARMAÇÃO DAS PEDRAS. A cidade pequena, conhecida como a "Saint-Tropez brasileira" ficou famosa a partir dos anos 80, quando a atriz francesa Elyna Dubois escolheu a pequena aldeia de pescadores para morar. Respirou alto, falando "nem acredito que cheguei", em seguida ligou o GPS no carro, procurando a pousada reservada para os dias. Sentiu o celular vibrar, atendendo com o sorriso na voz.

.

- Boa tarde, já chegou Lila?

- Oi Maria Rosa, sim, nesse instante estava procurando o endereço da pousada...

- Tudo bem, desculpe atrapalhar, aproveite os dias e por favor, volte com algo para nós.

- Vou voltar, já peguei informações nas redes sociais de Daniella e sei exatamente quem devo procurar.

- Cuidado, e boa sorte, fica com Deus.

- Obrigada...

.

         Pousada O Gato Amarelo

.

         A fachada da pousada era amarela, com um desenho enorme de um gato gordo como Garfield deitado em uma cadeira de praia, enquanto segurava uma água de coco na pata. Já tinha feito um pesquisa prévia, tendo descoberto que a dona da pousada havia discutido com Daniella, que segundo um jornal de fofocas estava dando em cima do marido, na reportagem havia uma foto do casal, chamados de Valentina e Marcos, e na outra o pivô da briga, Daniella, a transexual loira de olhos agateados, e um físico invejável, tinha como se diz no universo trans, passabilidade, isto é, a capacidade de uma pessoa ser considerada membro de um grupo ou categoria identitária diferente da sua, no caso, Dani, passava facilmente por uma mulher CIS, nascida biologicamente do sex* feminino.

         Marília caminhou até a portaria sendo recepcionada por um homem de 40 anos que se apresentou como Marcos, o dono da pousada, havia reconhecido pela foto da reportagem, que aliás não fazia jus ao homem que era muito mais bonito pessoalmente, sua estrutura corpórea era de dar inveja, além de cabelos pretos cacheados e lindos olhos verdes.

.

- Espero que goste da estadia minha jovem, hoje à noite tem uma roda de samba e pagode na beira piscina, espero que possa comparecer.

- Sim, claro...venho sim...

.

RODA DE SAMBA ENCONTRO DOS BATUQUEIROS

.

         Marília pegou a bebida no balcão, escolhendo o famoso Old Fashioned, bebida feita com Agostura, Bourbon, laranja, cereja e gelo, o drink datado do fim do século XIX, ganhou o mundo quando foi incorporado ao cardápio do bar do hotel refinado Waldorf Astoria, em Nova York.

         A policial estava vestida de forma casual, mesmo assim chamava atenção tanto dos homens, quanto das mulheres, que olhavam o corpo bem definido na Academia de Polícia com cobiça. Vestia um sarongue vermelho com desenhos brancos acima dos joelhos e uma camiseta de alcinha branca, nos pés uma sandália de tirinhas.

         Saiu dançando em direção a música, rebol*ndo o corpo ao som de Vai Vadiar, cantado por uma negra bonita, de cabelos fartos, cheios de cachos com um lenço amarrado da mesma cor do vestido, um amarelo vibrante, que fazia um lindo contraste com a pele.

.

Eu quis te dar um grande amor

Mas você não se acostumou

À vida de um lar

O que você quer é vadiar

Vai vadiar, vai vadiar

Vai vadiar, vai vadiar

Vai vadiar, vai vadiar

Vai vadiar, vai vadiar...

.

         Se aproximou de um rapaz tímido, achando que com ele poderia traçar um diálogo que não tivesse nenhum tipo de conotação sexual, pois muitos ali buscavam insistente seu olhar, a moça sorria e disfarçava, cantando a música de forma animada.

.

- Oi, posso sentar contigo?

- Claro, senta aí, estou vendo que tem gavião querendo te pegar de jeito...mas, se quer um segredo, comigo não corre perigo, sou gay.

- Hahahahah, tudo bem...prazer Marília, mas, pode me chamar de Lila.

- Ernesto Júnior, mas, pode me chamar de Júnior.

- Vamos dançar perto do palco...

- Fala logo colega, você está de olho na cantora.

- Ela é gata, mas, não posso, mal recuperei meu coração...

- Menina, porque sapatão é tão emocionada, fica ué, dá uns beijos, se diverte, não estou dizendo pra casar, se bem que não duvido de sair daqui com uma aliança na mão.

- Eu sou ariana, tenho muita dificuldade de me apaixonar, mas, quando me apaixono é pra valer.

.

         O entrosamento de ambos era evidente, durante a conversa contaram fatos sobre sua vida, escondendo pequenos detalhes, Lila afirmou que era professora de Biologia, e Júnior empresário do ramo de computadores, o que não era de todo mentira. Quando a cantora iniciou os primeiros acordes de "Mulheres" de Martinho da Vila, os dois foram até a frente cantar pertinho da cantora.

.

Já tive mulheres de todas as cores,

De várias idades, de muitos amores.

Com umas até certo tempo fiquei.

Prá outras apenas um pouco me dei.

Já tive mulheres do tipo atrevida,

Do tipo acanhada, do tipo vivida.

Casada carente, solteira feliz.

Já tive donzela e até meretriz.

Mulheres cabeça e desequilibradas.

Mulheres confusas, de guerra e de paz,

Mas nenhuma delas me fez tão feliz

Como você me faz...

.

- Menina, você já teve todos esses tipos?

- Principalmente mulheres cabeças e desequilibradas Hahahahah...

.

         A cantora avisou a todos que ia dar uma pausa para descansar e beber uma água, deixando a banda tocar um pouco de blues. Desceu do palco, recebendo da assessora uma garrafinha de água, agradeceu, e saiu serpenteando entre os fás que se aglomeravam para falar com ela, se despedindo com um sorriso, até chegar perto de Júnior e Marília.

.

- Boa noite, queria saber se o casal mais bonito da noite está gostando do show, nunca os vi por aqui... - Júnior carregou nas tintas para dizer que não era um casal, que gostavam de frutas bem diferentes, a cantora riu, mostrando os dentes brancos e alinhados.

- Então, como chama os amigos?

- Júnior e Marília, nos conhecemos hoje mesmo, mas, parece que tem séculos.

- Prazer, sou Ayana...afinidade não se explica, não é?

- Aí menina, você é praticamente uma princesa africana, passou quantas vezes na fila da beleza? Bom agora vou deixar as duas, vi um rapaz bonito do outro lado da piscina, com licença. Amiga, anotei teu celular a gente se fala no café da manhã.

.

         Ayana tirou a faixa, deixando os cachos mais livres, em seguida perguntou se Marília esperaria por ela, já que teria que voltar a cantar.

.

- Claro, não vou fugir...estamos em uma noite que teve começo, mas, pelo jeito não vai ter fim...

- Ou vai, quem sabe? - Respondeu a cantora piscando um dos olhos negros.

♥

.

         Maria Rosa e Samira descansavam dentro da banheira de água quente, o cheiro de lavanda enchia todo o espaço, convidando-as ao relaxamento.

.

- Amor, me dá uma massagem?

- Claro Sam, vira pra mim...

.

         Samira ficou de costas, entregando os ombros tensos para Maria Rosa, mas, não deixou de encaixar o bumbum no sex* da namorada, que soltou um gemido rouco, sentindo o broto do seu prazer atiçar com o contato.

.

- Safada - Falou suspirando, com uma voz gem*nte, morna...

- Quer que eu pare?

- De jeito algum, continue... - Samira, ajeitou ainda mais o bumbum, encaixando no sex* de Maria Rosa que rebol*va ao mesmo tempo em que buscava o centro do prazer de Samira.

- Ai que delícia, não para meu amor, não para...

- Estou louca, você é demais...

.

         As duas rebol*ram juntas, intensificando o contato, até que goz*ram praticamente juntas, sentindo o corpo mole, se beijaram, secando a banheira, até Maria Rosa, levantar Samira, escorregando sua boca até o sex* da namorada, e enquanto beijava ao redor, fazia uma lenta masturbação em si, de cima, ao ver a cena, Samira excitou-se, chegando ao ápice rapidamente.

.

- Aí amor, estava com tantas saudades de fazer amor contigo...

- E eu...espera, não é o interfone?

- Ih, é sim, vamos rápido, vai que é algum aviso do caso.

.

         Samira se adiantou, trocando de roupa, e abrindo a porta para a filha mais velha de Maria Rosa, que trazia Isabella pelo braço com uma cara de poucos amigos, estava vestida com o pijama e um cocar indígena na cabeça. Maria Rosa desceu as escadas, rindo ao olhar a neta vestida de um jeito tão peculiar.

.

- Mãe, boa noite, desculpe vir uma hora dessas, mas, como vê, a sua neta resolveu ser índia, não quer tirar esse cocar por nada nesse mundo, conversa com ela que faz dois dias que ela está do jeito que vê - Samira sentiu muita vontade de rir, mas, achou melhor se despedir e ir para o quarto.

.

- Bella, porque está usando esse cocar minha linda?

- Eu já disse, não sou Isabella, meu nome é Ayra.

- Entendi, mas, vou te contar um segredo, se continuar frequentando a escola assim, as outras crianças vão rir, esse adereço é de carnaval.

- Índio não vai para escola, amanhã a índia Ayra vai tomar banho de rio...

- E onde é esse rio?

- Ora vovó, na piscina.

- Malandro é o gato né Bella, e se a Vovó prometer que te leva no final de semana ao Parque de diversões?

- E mesmo assim vou ter que ir à escola?

- Sim, trato é trato...

- Então tudo bem, desse jeito eu vou - Falou entregando o cocar para a avó - Podemos ir mamãe, amanhã tenho aula.

- Tudo bem Isabella, dá um beijo na vovó - A menina deu um beijo, em seguida pediu para ir no braço até o carro, bocejou morrendo de sono - Obrigada mãe.

- De nada filha, até sábado...

.

         Maria Rosa voltou para o quarto com intenção de voltar de onde parou, mas, não teve coragem de acordar Samira, que dormia de bruços, ressoando baixinho. Sem ter o que fazer, o jeito foi deitar ao seu lado, fazendo carinho nas costas da namorada, até que adormeceu também.

♥

         Beatriz olhou o teto espelhado do motel, caminhando nua até o som, buscou uma música na internet, colocando a preferida de Elis Regina, dançando sedutora até Daisy.

.

Quando caminho pela rua

Lado a lado com você

Me deixas louca

E quando escuto o som alegre do teu riso

Que me dá tanta alegria

Me deixas louca

Me deixas louca quando vejo mais um dia

Pouco a pouco entardecer

E chega a hora de ir pro quarto

E escutar as coisas lindas que começas a dizer

Me deixas louca

Quando me pedes por favor

Que nossa lâmpada se apague

Me deixas louca...

.

- Dança comigo?

- Claro amor...

.

         Juntaram os corpos num vai e vem agarradinho, uma mão de Beatriz subiu da cintura de Daisy até o pescoço, que beijou, em seguida deu uma mordidinha de leve, arrastando a língua onde mordeu, até ouvir um gemido baixinho.

.

- Quer namorar comigo?

- Tem certeza? Mesmo com todas as minhas complicações?

- Você vale a pena meu amor, te espero...e vamos vivendo enquanto isso.

- Eu tenho uma surpresa... - Daisy falou soltando uma risadinha, indo em direção a sua bolsa.

- O que é isso, um véu? Um lenço?

- Pode ser - Falou segurando as mãos de Beatriz para trás, amarrando mesmo que de forma delicada, se Bia quisesse podia soltar facilmente - Agora eu estou no comando, sorriu encostando o sex* no de Beatriz rebol*ndo.

- Não para amor.

- Psiu, eu estou no comando...

- Tudo bem, só não me maltrate, sou muito frágil aos seus encantos...

- Vem, vou te soltar, te quero na cama... - Falou para logo amarrar os braços da namorada pra cima, passando a rebol*r rapidamente em seu sex*, parando quando percebia que estavam chegando no ápice, Beatriz gemia desconsolada, e Daisy ria gostando de estar totalmente no controle.

- Vira, quero sentir você de todas as formas...

- Aí amor, continua vai... - Daisy sentou, deixando que sentisse seu broto avantajado, rebol*ndo rapidamente no bumbum da namorada, até que o gozo veio forte em ambas.

- Amor, o que deu em você? Sempre é deliciosa, mas, hoje superou tudo.

- Acho que estava com tesão reprimido, após as amigas atrapalharem meu orgasmo, mas, totalmente recompensado hoje. Vem, deita aqui no meu peito... - Samira acomodou-se deixando os dedos em um vai e vem gostoso entre os seios de Daisy que sorria a cada arrepio.

.

         Daisy pegou o inseparável violão, encostando no corpo suado, cantando Coração Selvagem de Belchior.

.

Meu bem, guarde uma frase pra mim dentro da sua canção

Esconda um beijo pra mim sob as dobras do blusão

Eu quero um gole de cerveja

No seu copo, no seu colo e nesse bar

Meu bem, o meu lugar é onde você quer que ele seja

Não quero o que a cabeça pensa, eu quero o que a alma deseja

Arco-íris, anjo rebelde, eu quero o corpo

Tenho pressa de viver

Mas quando você me amar

Me abrace e me beije bem devagar

Que é para eu ter tempo, tempo de me apaixonar

Tempo para ouvir o rádio no carro

Tempo para a turma do outro bairro ver e saber que eu te amo...

.

...: ♫ MÚSICAS DO CAPÍTULO ♫:...

 

Malandragem - Cássia Eller

Devolva-me - Adriana Calcanhotto

Esquadros - Adriana Calcanhotto

Elevador - Ana Carolina

Vai vadiar - Zeca Pagodinho

Mulheres - Martinho da Vila

Me deixas louca - Elis Regina

Coração Selvagem 

Música de Belchior na voz de Marília Mendonça       

 

Fim do capítulo