Ele dirigia o carro com a velocidade acima do permitido, uma mão girava o volante, enquanto a outra fazia desenho de ondas no ar para logo depois voltar a direção. Os cabelos longos estavam soltos, chicoteando seu rosto com o vento, mas, Ele parecia não se importar, cantava alto, balançando a cabeça ao som de Hung Up.

.

- Uhulllll....é Madonna, porr*!!! – Ele era um dos maiores fãs, tinha todos os discos, sabias as músicas de cor, e jamais perdeu uma oportunidade de estar perto quando a cantora posou em terras brazuca. Sua maior relíquia era uma foto tirada com ela e fios de cabelos dourados que encontrou no chão do camarim, não sabia se era dela ou de uma dançarina, talvez alguém da produção, mas na hora, isso não teve a menor importância.

.

Time goes by so slowly for those who wait

No time to hesitate

Those who run seem to have all the fun

I'm caught up

I don't know what to do

Time goes by so slowly for those who wait

No time to hesitate

Those who run seem to have all the fun

I'm caught up

I don't know what to do

Time goes by so slowly...

.

Cantava em altos brados para depois gritar – Gente, como eu amo viver...Madonna, tu é fodaaaaa mulher!

.

     A animação inicial do começo da viagem foi diminuindo à medida que se aproximava de casa, o convívio familiar nunca havia sido fácil, sempre se sentiu um peixe fora do aquário, uma peça que não encaixava no quebra cabeça de sua família, levou uma mão no rosto para enxugar uma lágrima que escorreu na face, balançando a cabeça tristemente soltando um lamento, mas, tentou focar em Maria Rosa e Samira, talvez estivesse arriscando demais indo até Praia do Naufrágio, mas, nunca adiava uma felicidade, então, tentou esquecer o talvez, e focou na esperança, quem sabe Maria Rosa ligasse novamente o celular? Era essa a motivação, sentir as duas de perto, e quem sabe pegar algum tipo de energia que emanava das duas, não sabia como isso ia terminar, mas, sentia que elas de alguma maneira, talvez...só talvez, elas o salvassem, até mesmo de si.

         Sorriu ao lembrar de Samira recitando um poema de amor para Maria Rosa em uma das muitas noites em que se amaram e que estava ali como um observador do amor das duas, era o que mais gostava de pensar, assistiu a cena tantas vezes que já sabia o poema de cor, só nesse instante desligou Madonna para recitar.

.

Transforma-se o amador na cousa amada,

Por virtude do muito imaginar;

Não tenho logo mais que desejar,

Pois em mim tenho a parte desejada.

Se nela está minha alma transformada,

Que mais deseja o corpo de alcançar?

Em si somente pode descansar,

Pois consigo tal alma está liada.

Mas esta linda e pura semideia,

Que, como o acidente em seu sujeito,

Assim co'a alma minha se conforma,

Está no pensamento como ideia;

[E] o vivo e puro amor de que sou feito,

Como matéria simples busca a forma.

 

Luís de Camões.

.

      Daisy despediu do marido que partira para mais uma viagem, e correu para tomar um banho, escolheu um vestido solto, de estampa floral preto e branco, passou hidratante corporal, que já tinha percebido que a aluna suspirava quando estava com ele. Olhou no espelho sorrindo com o decote, já flagrara Beatriz olhando para os seus seios várias vezes, da mesma forma que sentiu seu olhar queimando seu bumbum, deu uma voltinha para ver se o vestido estava marcando o suficiente, estava, então saiu com a certeza que devia usar mais seus atributos. Logo em seguida, sentiu-se novamente insegura, existiam tantos fatores contrários, será que não deveria proteger seu casamento e fugir? Pensou uns segundos, para depois mudar de ideia, estava apenas se permitindo, e de certo conseguiria domar seu coração, pois já não era uma menina, suspirou aliviada, mesmo assim pensou alto.

.

- Eu devo estar maluca mesmo, o que estou fazendo? Me arrumando para uma mulher, quer saber? seja o que Deus quiser... – Mal terminou de falar e Beatriz tocou o interfone.

- Oi Daisy...boa tarde, posso entrar?

- Claro querida, antes vem tomar café da tarde, me faz companhia... - Beatriz entrou, prendendo os cabelos cacheados com um arco preto que estava dentro da bolsa.

.

- Obrigada Daisy, vai ser um prazer – Falou piscando os enormes olhos cor de mel que a professora achava um charme, em seguida ajeitou os óculos de armação preta, sentindo um calor que deixou as bochechas rosadas.

- Fiz aquele bolo de chocolate e café que sei que gosta.

- Obrigada, não precisava se preocupar, mas, já que fez, vamos comer, não é?

.

   Daisy passou a mão pelos cabelos brancos, contrastando com os olhos negros como a noite, serviu café para aluna, perguntando se gostaria de leite, com a resposta positiva, depositou mais leite do que café, como tinha observado que gostava, depois colocou apenas café para si, cortando duas fatias generosas de bolo, servindo Beatriz, para depois se servir.

.

- E aí, estudou a partitura Bia?

- Aí, estou até com vergonha, mas, não tive tempo, sabe como é, o mestrado está me consumindo.

- Olha, olha...vamos nos apresentar no final do ano, faço questão de ter você ao meu lado.

.

     A aluna tremeu um pouco quando a mão de Daisy pousou da sua, para disfarçar, ajeitou de novo os óculos no rosto que estava deslizando e tossiu pensando que não estava sendo discreta, dando mole descaradamente para uma mulher casada, que acima de tudo e para piorar a situação, era amiga da sua mãe, muitos anos mais nova, claro, mas, estudaram na mesma escola e tinham amigos em comum.

.

- Está tudo bem?

- Sim Daisy, é que eu ia batendo na xícara e derrubando tudo, me desculpe, entrei na fila do sem jeito na hora de nascer.

- Não precisa se desculpar, essas coisas acontecem...e você não é sem jeito.

- Hummm, sabe que ontem sonhei contigo?

- Sério, e posso saber como foi esse sonho... – Daisy falou desenhando no dedinho de Beatriz.

.

    Quando a aluna ia contar, escutaram uma chave girando, seguido de uma batida na porta, isso bastou para atrapalhar o rumo da conversa.

.

- Oi mãe, oi Bia, tudo bem?

- Tudo certinho Isa, ah, esqueci de comentar, semana que vem é meu aniversário, vou ficar velhinha, se puderem aparecer, vou amar.

- E quantos anos vai fazer mesmo? – Perguntou Daisy já pensando no presente.

- 31, pensei que soubesse, na verdade achei que estava lembrando.

- Desculpe Bia, sei que ama datas, mas, confesso que não me ligo muito nessas coisas, o tempo é tão relativo, farei 52 em outubro, muitos anos nos separam.

- Como disse o tempo é relativo...

.

      As duas se encaravam no meio da conversa subjetiva, Isadora sorriu, teu um beijo na testa da mãe e se despediu de Beatriz, já subindo para o quarto.

.

- Mãe, vou estudar.

- Tudo bem filha, vê se come alguma coisa, e chama a Maria Clara para lanchar, ela está treinando vôlei na casa da Paty.

- Pode deixar, vou mandar uma mensagem...

.

     Daisy e Beatriz voltaram a partitura, sentindo os rostos vermelhos, de vontade, e um pouco de timidez.

.

- Antes de começar, posso te fazer uma surpresa?

- Surpresa? adoro...claro que pode querida!

.

     Beatriz se acomodou ao piano alongando os dedos para tocar o Solo de piano n 02, Concerto em Fá Menor de Bach, também chamado de Arioso, essa era uma das peças preferidas de Daisy, mas, a surpresa não parou por ai, recomeçou a música para cantar a versão brasileira musicada, denominada de Céu de Santo Amaro.

.

Olho para o céu

Tantas estrelas dizendo da imensidão

Do universo em nós

A força desse amor

Nos invadiu

Com ela veio a paz, toda beleza de sentir

Que para sempre uma estrela vai dizer

Simplesmente amo você

Meu amor,

Vou lhe dizer:

Quero você

Com a alegria de um pássaro

Em busca de outro verão

Na noite do sertão

Meu coração só quer bater por ti

Eu me coloco em tuas mãos

Para sentir todo o carinho que sonhei

Nós somos rainha e rei...

.

    Daisy não conseguiu dizer nada, a aluna a tinha roubado as palavras, só sentia o coração batendo descompassado no peito, sem sombra de dúvidas, essa havia sido a declaração mais linda que lhe fizeram, sentia não ser merecedora, pois não sabia como retribuir tanto romantismo.

.

- Bia, eu...

.

      A porta novamente bateu, Maria Clara vinha batendo a bola de vôlei no chão.

.

- E aí mãe? Oi Bia?

- Maria Clara, já pedi para não bater a bola aqui...

- Tá bom mãe, esqueci,  desculpa, vou tomar banho pra lanchar.

.

Mas, nenhuma das duas tiveram coragem de prosseguir o assunto, Daisy pegou a partitura, abrindo em uma das muitas páginas já estudadas, dessa vez era Arabesque, de Debussy, a professora olhava a aluna tocando embevecida, os cachos caindo nos olhos cor de mel e os óculos que teimavam em escorregar pelo nariz, enquanto os dedos longos dedilhavam com perfeição os acordes.

.

- Já pensou essas mãos deslizando no meu corpo, ela deve ter uma pegada. Ai, se concentra Daisy, não esqueça que ela é filha de sua amiga Cristine. Meu Deus eu sou totalmente desajuizada, mas, esse calor vindo lá de baixo está difícil de lidar, não sou de ferro, poxa. – Foi o que pensou, mas, apenas cantava as notas em uma cena completamente sedutora para ambas. Beatriz também sentia um desejo que sabia que não seria possível realizar, não ali, não naquele momento.

.

- Até sexta Daisy.

- Espera, vou te deixar na porta para você voltar – Quando desceram o grande batente, Beatriz puxou a professora, dando um beijo no cantinho da boca. Daisy sentiu o sexto repuxar e apenas aproximou para um abraço forte.

- Até Bia...vou contar os dias...

- Eu também, só espanto de você não saber disso – Falou e praticamente saiu correndo em direção ao carro, levando o cheiro da professora impregnado na sua mão.

.

.: De volta a Praia do Naufrágio :.

.

         O sol queimava a pele de dourado, enquanto It’s to late na voz de Carole King tocava fazendo Maria Rosa cantar junto.

.

And it's too late, baby, now it's too late

Though we really did try to make it

Somethin' inside has died

And I can't hide and I just can't fake it

Oh, no, no, no, no, no

(No, no, no, no)...

.

         O biquini branco com a parte de baixo de lacinhos, e a alça única contrastando com a pele morena, fazia Samira lembrar de cada detalhe da noite anterior, sorria solto, enquanto olhava admirada os detalhes da namorada, os cabelos estavam molhados e a água do mar descia entre os seios. Maria Rosa sacudiu a cabeça, balançando com as mãos os cabelos molhados e sentou, dando um beijo gostoso no rosto de Samira.

.

- Vamos comer alguma coisa?

- O que você quer – Falou Samira com um ar sarcástico, dando um risinho cheio de malícia.

- Amor, já disse que você é tarada, né? Hahahahah. Estava pensando em um caranguejo, uma casquinha de salmão, coisas assim... ou vamos inovar, o dono da barraca é grego, com certeza deve ter pratos típicos – Maria Rosa riu, secando a mão na canga estampada, para em seguida pegar a câmera de dentro da bolsa para dizer – dá um sorriso meu bem.

    Depois escolheram queijo frito como entrada, e Moussaca como prato principal, que nada mais é do que berinjela, carne moída e molho branco, o  resultado fica muito semelhante a uma lasanha de berinjela com carne moída e queijo, de sobremesa escolheram Baklava, massa folhada feita com muitas camadas de noz ralada e creme de baunilha batido. Tudo estava delicioso, e voltaram para o hotel satisfeitas.

. 

MÚSICAS DO CAPÍTULO:

Boa noite meninas,

Segue a listagem das músicas do capítulo, vou deixar linkado por capítulo, espero que gostem.

Beijos e Boa noite

.

Hung Up - Madonna

Arioso - Bach

Céu de Santo Amaro - Flávio Venturini

Arabesque - Debussy

It's too late - Carole King

.

Por fim esse poema vai para todos que sentem o coração cheio de amor...

.

Te amo, com o mundo que não entendo

com as pessoas que não compreendem

com a ambivalência de minha alma

com a incoerência dos meus atos

com a fatalidade do destino

com a conspiração do desejo

com a ambiguidade dos fatos

ainda quando digo que não te amo, te amo

até quando te engano, não te engano

no fundo levo a cabo um plano

para amar-te melhor...

.

Pablo Neruda

 

Fim do capítulo