A minúscula câmera instalada nos olhos azuis da boneca transmitia tudo o que se passava dentro da casa de Samira e Maria Rosa, cada gemido, cada conversa, cada desentendimento, tudo era devidamente registrado, se não haviam cenas para ver, haviam conversas para ouvir, e em menos de seis meses, Ele, sabia tudo sobre o casal, captado pelo que via e pelas conversas, ia anotando o que achava mais interessante e diverso, inclusive as amizades das duas, seus familiares, enfim, guardava as informações devidamente anotadas em um grosso caderno de capa preta, já no caderno de capa vermelha ficavam os registros de tudo que se relacionava a sex*, perdeu tempo inclusive montando uma tabela com as preferências de cada uma. A verdade é que Ele tinha um verdadeiro dossiê sobre as duas.

      Era uma tarde quente, daquelas que faz com que o suor escorra pelas costas causando incômodo. Ele passou uma toalha no peito, olhou pela última vez o texto no Word, espreguiçou na cadeira, girando o corpo de um lado para o outro, sentindo os estalos.

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- Essa é uma verdadeira obra prima, sou quase uma Cassandra Rios da atualidade...

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      Falou, e em seguida abriu o e-mail, há uma semana havia escrito para uma editora LGBT, assinando como Amanda Palmer, contando que queria enveredar pelo meio literário, mas, inspirada em Elena Ferrante, não queria aparecer, sua identidade seria uma incógnita, e para provar que era boa, mandou um texto, um pequeno conto descrevendo uma noite quente de sex* entre Maria Rosa e Samira, que haviam virado Marina e Clarisse na história, os nomes das personagens era uma homenagem as escritoras Marina Colasanti e Clarice Lispector.

      De cara a editora se animou com a escrita, era certeira, vibrante, bonita, sexy sem ser vulgar, nada de bucet* pingando, nada disso, o sex* era descrito de forma poética, e era tudo o que Paloma, a editora-chefe da Pluma do Arco Íris queria para fazer uma mudança de repertório, afinal, quem disse que literatura lésbica não tem nichos variados? Claro que sim, com tantas leitoras com gostos diversos, era preciso então, diferentes escritoras para prende-las, era isso o que queria e precisava para bater de ver o índice de vendas da PEC, editora de renome no ramo.

      Ele criou um perfil falso no WhatsApp, colocando uma imagem de uma ruiva que pegou em um banco de imagens pago, também bloqueou ligações e chamadas de voz e vídeo, seu número vinha de um chip clonado da França, da mesma forma criou um dispositivo que não permitia que fosse rastreado. No primeiro dia avisou que conversaria apenas por mensagem de texto, e que qualquer tentativa de contato, mudaria de editora. Todo o dinheiro deveria seguir para conta do seu empresário, que nada mais era do que ele mesmo. A Editora coçou a nuca e de forma preconceituosa, achou que Amanda deveria ser totalmente desprovida de beleza, ou tinha algum defeito, talvez, alguma fobia social, isso não interessava, o que queria saber mesmo, era da Literatura e do lucro que ia ter com a história de Marina e Clarisse, seus olhos brilhavam, piscando cifrões, fazia tempo que gostaria de ter uma escritora assim no seu cast.

      E Ele? Bom, Ele era uma pessoa absurdamente comum para quem não sabia de sua inteligência privilegiada, tinha um labrador preto chamado Billy, e outro caramelo chamado Elliot, mudara-se há pouco mais de um ano para o bairro de Samira e Maria Rosa, de cara achou as duas de uma beleza ímpar, ainda mais a morena, a achou exótica e em pouco tempo passou a observa-las, não queria nada, não, de forma alguma, Ele só queria olhar, descobrir, sentir o cheiro gostoso quando passava entre as duas discretamente, dando um bom dia, era só isso e nada além disso.

      A ideia de transforma-las em um livro veio em um dia entediado, do nada pegou o notebook, rascunhou um conto, e viu que tinha jeito para a coisa, no mesmo instante criou Amanda, e com ela entrava em sites lésbicos, apenas para trocar ideias, mas, não se privou de fazer sex* virtual algumas vezes, apenas para saber detalhes de como as lésbicas se relacionavam sexualmente, pois sentiu que os filmes pornôs eram irreais. De sua janela viu Maria Rosa e Samira, e pensou, porquê não? O romance das duas daria uma ótima história.

      Quanto a boneca, a ideia veio quando ouviu as vizinhas da rua de trás dizendo que Samira era aficionada por bonecas, e que amava dolls mágicas, apesar de não entender do tema, Ele foi ao Google pesquisar, encontrando uma artesã que fazia bebês reborn, inclusive de criaturas místicas, escolheu uma elfa, com características nórdicas, em um mês a boneca estava em sua casa, com cuidado tirou a cabeça instalando a câmera, assim, tudo o que a boneca "visse e ouvisse" ia diretamente para o seu potente notebook. Tudo perfeito...

      E por falar em notebook, facilmente entrou nas redes socias, nos celulares, pegando tudo o que Maria Rosa e Samira tinham de fotos, de vídeos, de mensagens, foi bem fácil, Ele era um primor como hacker, e era de sua casa, aparentemente normal, que enricava a cada dia, roubava quantias tão pequenas do mundo inteiro, que não tinha como ser descoberto, também navegava por redes internacionais, dificultando mais ainda de ser pego, claro que a maior parte do seu dinheiro estavam em contas virtuais estrangeiras, e no dia a dia gastava apenas o que sua família lhe enviava como lucro dos negócios.

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- Bom dia amor...

- Bom dia minha flor, vem aqui, eu amo o teu cheiro, adoro sentir sua pele quente, parece um pãozinho de queijo de tão morninho quando acorda.

- Ai Sá, você tem umas comparações...

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      Maria Rosa riu alto, quando viu Lord chegar trazendo entre os dentes a elfinha reborn, não tinha jeito do cachorro gostar, ele vivia rosnando para ela.

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- Lord Taz, deixa a elfa da sua mãe...

- Amor, coloca a tadinha em cima da penteadeira, não aguento o Lord implicando com ela, eu não sei porque ele cisma tanto, todo dia é a mesma coisa.

- Meu bem, dorme mais um pouquinho, vou dar uma volta com o Lord Taz e volto para fazer o nosso café da manhã.

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      Samira não se fez de rogada, virou o corpo, voltando a dormir, Maria Rosa vestiu um legging branco, com uma tira fina prateada na lateral, colocou a coleira do arco íris em Lord Taz que passou a latir animado.

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- Psiu menino, não vai acordar tua mãe...

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      Em seguida ajeitou o capuz da blusa que estava embolando em seu pescoço, tomando um copo de iogurte de morango com cereal, saindo com Lord Taz, que no auge de um pouco mais do seu primeiro ano de vida, estava enorme. O começo do passeio foi tranquilo, lá pela metade do quarteirão avistou dois cachorros, um preto e outro caramelo, e com muita força trouxe Maria Rosa para perto do homem, seus cabelos eram grandes, presos em um rabo de cavalo na nuca, os olhos eram grandes e verdes, tão claros como as águas do mar.

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- Desculpa moço, Lord fica louco quando vê outro cachorro...

- Parece que estão fazendo amizade, Billy e Elliot são bem amigáveis, não precisa se preocupar.

- Estou vendo, que bom, agora preciso ir, prazer, Maria Rosa.

- Elton...

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      Maria Rosa voltou pra casa, com Lord latindo satisfeito, nem reclamou de voltar de tanto que havia andado. Quando entraram Samira havia tomado banho e preparado o café.

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- Oh amor, meus planos era fazer essa surpresa, você é rápida no gatilho...

- Eu sei, vem minha Princesa, vem comer...

- Antes vou tomar um banho...ah, Lord Taz fez amizade com dois labradores, acho que é daquele vizinho que quase a gente não vê...

- Me disseram que ele é um riquinho excêntrico, que vive com a mesada dos pais...

- Aí gente, o que mata é a língua, ó povo fofoqueiro.

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      Depois que tomaram café deitaram na cama para ver um filme, Maria Rosa aninhada nos braços de Samira, que passou a desenhar em sua barriga com a ponta dos dedos, subindo em direção aos seios que ficaram durinhos com o toque.

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- Isso não se faz amor, como vou conseguir ver o filme assim?

- Foi você quem começou alisando minhas coxas por baixo do lençol.

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     Maria Rosa sorriu, desligando o controle para sentar nas coxas da namorada, tirando a blusa do pijama, trazendo sua mão para seus seios. Os gemidos cresceram dentro do quarto, enquanto se amavam sem pressa, até o orgasmo vir enquanto rebol*vam juntas para intensificar o centro do prazer. Dessa vez, foi Samira quem deitou se aconchegando nos braços de Maria Rosa, sentindo o sopro suave em seu pescoço para espantar o calor que fluía de sua pele.

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- Te amo tanto minha lindeza...

- Tanto quanto eu...

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      Do outro lado Ele via tudo, ouvindo cada sussurro, cada gemido, atento a cena, "Que nome ridículo que inventei, Elton, aff", estava rindo, enquanto devorava a lasanha de camarão que havia sobrado da noite anterior, em seguida, pegou o caderno vermelho, anotando alguns tópicos para escrever mais tarde, depois deu o último gole na coca cola gelada, estalando o pescoço, quando seu segundo celular vibrou, ao mesmo tempo em que tocou Bolero de Ravel, avisando que era sua mãe.

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- Oi mãe... - Atendeu contrariado.

- Meu filho, eu posso saber por onde anda? você não dá notícias, mal atende as minhas ligações, faz um mês que tento falar contigo. Bom, pelo menos dessa vez não mudou de telefone se tornando inacessível - Ele suspirou lembrando que já era tempo de mudar o chip novamente, tinha batido o prazo de um ano.

- Me desculpe mãe, estou escrevendo um livro e trabalhando em um programa, estou sem tempo para mais nada - Ele sorriu, lembrando que estava trabalhando em um aplicativo que transformava suas mensagens de voz em uma voz feminina, rouca, bonita e gostosa de ouvir.

- Filho? Está me ouvindo?

- Estou, pode falar mãe...

- Você promete que vem me ver? seu irmão sente saudade, você sabe, ele não pode sair desde o acidente, ele precisa de você.

- Só agora né mãe, Pierre sempre me achou estranho, só me levava para sair com os amigos para me fazer de piada, me achava um nerd, agora que sofreu um acidente, e não tem mais os amigos mauricinhos, e nem um monte de garotas em sua volta, lembrou do irmão mais novo...

- Filho, não fale assim, ele apenas queria que você fosse como um adolescente comum, que se divertisse, arrumasse uma namorada, enfim, você sabe o que ele pensava, o que eu penso...

- Eu já falei que não sou gay, apenas não quero levar a pessoa que estou, se bem que Pierre não tem mais como roubar garota alguma de mim, entrevado nessa cama.

- Vou desligar, quando repensar o que falou e pedir desculpas, a gente fala de novo...sabe onde me encontrar.

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      Ele arrumou os cabelos pretos em um coque, passando a mão por baixo da blusa, sentindo o peito atlético suado, prazer sexual tinha perdido há muito, mas, se obrigaria a fazer sex*, se fosse preciso para provar novamente que não era gay.

      A mãe dele, suspirou alto pegando o telefone novamente...

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- Aurora?

- Oi Tia Márcia, que surpresa, está tudo bem?

- Sim, preocupada com meu filho, ele não aparece, não vem ver Pierre, lembro que vocês eram tão amigos na adolescência, será que não pode ligar para ele, ver o que o Tinho tem?

- Tia, ele não quer muito assunto comigo, liguei mês passado como pediu, mas, ele mal falou, inventou uma desculpa para desligar.

- Obrigada, ah, antes que me esqueça, diga a sua namorada que adorei as flores de aniversário, ela é uma moça especial.

- Eu sei tia, estou muito feliz que aceitaram a Margot.

- Que é isso filha, só quero a sua felicidade, até mais, me ligue quando conseguir falar com o Tinho.

- Pode deixar...

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      Aurora desligou, pensando em ligar para o primo, mas, o corpo da namorada estava nu e convidando a continuar de onde havia parado, então, resolveu deixar o assunto com o primo estranho para uma próxima oportunidade.

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- Vem minha Aurora Boreal...

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      Ele ligou novamente o notebook, escreveu mais um capítulo do livro, buscando o copo de vinho, coçou o ouvido direito, queria esquecer a lembrança de sua mão o chamando de Tinho, como detestava quando ela diminuía sem nome assim.

      Em casa Maria Rosa pegou o violão, colocando em cima do seu corpo suado, olhou para Samira e começou a tocar:

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On me dit que nos vies ne valent pas grand-chose

Elles passent en un instant, comme fanent les roses

On me dit que le temps qui glisse est un salaud

Que, de nos chagrins, il s'en fait des manteaux

 Pourtant, quelqu'un m'a dit

Que tu m'aimais encore

C'est quelqu'un qui m'a dit

Que tu m'aimais encore

Serait-ce possible alors?

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- É, bom gosto elas tem...

Fim do capítulo