Não se perca de mim

Não se esqueça de mim

Não desapareça

A chuva tá caindo

E quando a chuva começa

Eu acabo de perder a cabeça

Não saia do meu lado

Segure o meu pierrô molhado

E vamos embolar ladeira abaixo

Acho que a chuva ajuda a gente a se ver

Venha, veja, deixa, beija, seja

O que Deus quiser...

.

       Caetano Veloso cantava seus acordes quando cheguei na porta da entrada da minha casa, depois de um plantão exaustivo de trabalho, era meu aniversário, mas, o combinado foi apenas um jantar a noite com Maria Rosa, pois é, o tempo passou rápido demais, mal piscamos e já era fevereiro.

       Quando entrei todos que me eram importantes estavam lá, confesso que me assustei um pouco para logo depois sorrir abertamente. A minha total revelia, minha mãe e Maria Rosa organizaram escondidas uma festa de aniversário, o tema não podia ser diferente "Magic Dolls", tudo organizado com muita criatividade e beleza,  só quis morrer quando vi que na sala estava uma boa parte das minhas bonecas vestidas com chapéus de aniversário em formato de cone, inclusive as Spirit Dolls, que pareciam felizes com o movimento todo, claro que o meu amor ainda teve o cuidado em avisar aos visitantes que não poderiam tocar em todas as bonecas, colocando adesivos verdes e vermelhos para sinalizar.

- Não briga amor, foi ideia da minha sogra - Falou minha morena deliciosa ao meu abraçar.

- Que é isso meu bem! Conheço muito bem minha mãe, quando ela resolve fazer uma coisa sabe ser bem convincente...

- Mas fala a verdade, está perfeito não está?

       A sala da nossa casa estava linda mesmo, os balões prata, misturados a rosa e tons pasteis dava um tom aconchegante, estava tudo de muito bom gosto, inclusive um mini carrossel onde meus duendes giravam, ao lado de uma roda gigante em miniatura onde minhas fadas e leprechauns se divertiam, as Spirit dolls estavam na mesa do bolo de três andares do mesmo tom da festa, seria tudo perfeito, mas, confesso que estava um pouco infantil para alguém que estava fazendo 40 anos.

- Gostou minha filha? eu e Rosinha organizamos tudo, até os doces tem as três cores com o tema da festa.

- Amei mamãe, mas, tem bonecas que ninguém pode pegar, elas são ancoradouro de espíritos de luz, sabe?

- E eu lá entendo dessas coisas, mas veja, elas parecem felizes, não concorda?

       De alguma maneira minha mãe estava certa, o grande lance era concordar e torcer que tudo caminhasse bem. Meu pai se aproximou rindo, esperando minha mãe se afastar para falar.

- Não me olhe assim, não tenho culpa alguma nessa história, queria uma festa mais discreta, mas, como vê, fui voto vencido.

- Deixa pai, está bonito, minha preocupação não é essa...

- Aí é contigo, eu não entendo dessas coisas mesmo.

       Ele falou e logo se afastou, sentando perto dos meus tios que também estavam se divertindo. No fundo, eu era a única que estava tensa. A festa corria solta, com muita comida, música, amigos e família, inclusive algumas pessoas por parte da Maria Rosa que agora também eram meus.

       Já era tarde quando a campainha da frente tocou, Maria Rosa dançava com minha mãe as músicas de carnaval que tanto gostávamos, no momento era Máscara Negra que soava pela sala, ainda bem que tínhamos revestimento acústico, sai discretamente para não atrapalhar, e abri a porta, quase tropeçando em um pacote médio, o embrulho era prata, de um tom fosforescente, com um laço em volta dele lilás e apenas um bilhete em cima "Para Samira", peguei com facilidade, era leve, e o levei para dentro de casa.

- Olha amor, alguém deixou um presente na nossa porta.

- Abre meu bem, vamos ver o que é.

       Coloquei a caixa em cima da mesa e abri com cuidado, o cheiro de lavanda preencheu o ambiente, dentro havia uma bebê elfa, muito bonitinha que colocamos o nome de Maíra, não me pergunte porque, foi soprado para nós, digamos assim.

- Amor, veja, é uma bebê reborn, tão perfeitinha, vem até com um enxoval...quem será que mandou?

- Não sei meu bem, vamos curtir a festa e quando estivermos sós a gente vê o que faz, põe junto com as outras. Mas, que gracinha, seja lá quem foi que mandou com certeza tem bom gosto, além de conhecer seu aroma preferido.

       Fiquei um pouco tímida, e fiz o combinado, coloquei Maíra junto as spirit dolls, voltando para os salgadinhos e doces, nos distraindo até a hora do jantar, fizeram uma noite de pizza e massas, não podia ser mais agradável, abracei Maria Rosa e minha mãe agradecendo, quando todos saíram abrimos os presentes e fomos atrás de Maíra, não achamos em canto nenhum, e depois de muito procurar, pela fresta do quarto vimos  que a elfa estava encostada no travesseiro.

- Alguma criança deve ter trazido... - Falou Maria Rosa, mas, no fundo sabia que ela estava com uma pulga atrás da orelha.

- Amor, está tudo bem?

- Sá, será que não foi alguma ex que te mandou esse presente? Sei lá, será que não fizeram nada com a doll, algum encanto, coisas do tipo...

- Eu não senti nada de ruim, e você?

- Também não, mas, não gosto de coisas anônimas, suas ex sabem que sou muito bem resolvida.

- Sabem sim.

Maria Rosa não falou mais nada, pegou a boneca colocando de volta onde deixamos, depois me abraçou forte, colando seu corpo no meu.

- Então vem aqui que agora vai ser a hora do meu segundo presente de aniversário...

Sentei na cama a puxando pelo braço, ela riu para dizer "fica quietinha aí, volto logo, a surpresa é toda minha".

       Ela foi ao banheiro voltando logo após apenas com o roupão da nossa primeira viagem a Seychelles, estava linda, tão perfeita quanto na primeira vez, sentou no meu colo e senti que era o mesmo perfume, passei meus dedos por sua coxa morena, vendo os pelos se arrepiarem com o toque. Ela traspassou minhas pernas sentando em meu colo, puxando a alça do meu vestido para morder delicadamente o meu pescoço, gemi apertando seu corpo nu, trazendo para mais perto de mim, que me arranhou as costas, apertando firme meu corpo.

- Vou buscar o champagne...

- Não precisa amor, você me basta.

- Não seja ansiosa, faz parte do cenário, também separei os morangos, vai amor, colabora, deixa ser como na primeira vez, vai...

       Ela saiu, voltando trazendo as taças e o champagne em uma mão, e os morangos na outra.

- Me ajuda aqui Sá...

       Corri para ajudá-la, brindamos meu aniversário, depois peguei um morango que percorri em seu corpo quente, contrastando com o gelado da fruta, nos amamos com ardor, com fome, e respirei forte quando senti o corpo mole com o orgasmo que veio para nós ao mesmo tempo.

- Que seja sempre assim...doce...

       Estava fazendo desenhos aleatórios nos seios de Maria Rosa quando na sala uma música começou a tocar, nos assustamos, e levantamos rápido, vestindo os pijamas que estavam debaixo do travesseiro, e só então, fomos em direção ao som.

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There was a boy

A very strange enchanted boy

They say he wandered very far, very far

Over land and sea

A little shy and sad of eye

But very wise was he

And then on day

A magic day he passed my way

And while we spoke of many things

This he said to me

.

- Nosso amor, pensei que tivesse desligado o som, eu não gosto de deixar nada conectado na tomada. Mas, na correria nem me toquei de fazer isso, já pensou que se com esse mal contato pega fogo na casa? - Falou, puxando delicadamente o plugue.

- Aí Maria Rosa não estou gostando disso, como o som ligou sozinho?

- Se for um espírito, pode ter certeza que bom gosto ele tem, uma hora dessa ouvindo Nat King Cole. Hahahahah...

- Não brinca amor, estou com medo.

- Deixa disso, está comigo, agora vamos guardar as dolls no quarto, não podemos deixar as coisas assim, não é?

       Deu um trabalhão, mas, quando terminamos tudo fomos deitar satisfeitas, tudo organizado em nossa casa, dormimos abraçadas e felizes. Acordei sentindo o calor que vinha do corpo moreno deitado ao meu lado, os cabelos pretos estavam maiores, passando nas orelhas em um delicado Chanel. Sai sem fazer barulho preparando nosso café da manhã, coloquei na bandeja tudo o que gostávamos e fui para o quarto.

- Acorda minha linda, vê o que preparei para nós...

Ela abriu os olhos, espreguiçando o corpo moreno e cheiroso.

- ô amor, hoje é seu dia ainda, eu poderia ter feito isso.

- Não importa linda, vamos comer que fiquei com fome, você estava deliciosa ontem a noite meu Crème Brûllée...

- Ah, não fiz nem metade do que queria, tudo por conta do Nat que resolveu cantar na calada da noite.

- Nem me fale...

       Comemos, depois seguimos para o banho, um dos cantos que mais gostávamos de namorar, sentindo a água descer quentinha, massageando nossos corpos, misturando os nossos fluidos e gozo com os azulejos, exalando nosso cheiro pelo box.

       No almoço meus pais voltaram, além de Anna, prima da Maria Rosa e sua mulher Kayra, havíamos combinado um churrasco, só faltava suas filhas e a netinha chegarem para animar o ambiente. Mal falei e Isabella chegou correndo como de costume.

- Tia, trouxe um presente pra você, não dava para trazer ontem -Ela falou pegando a cestinha com a mãe.

- Você vai amar, você vai adorar.

- Obrigada meu bem, eu sei que sim...

       Abri devagar e lá estava, um filhotinho de cachorro, cor de caramelo, com cara que ia ficar imenso, mal olhei e escolhi seu nome, "Lord", mas, confesso que de lorde ele tinha muito pouco, assim que saiu da cesta mordeu o calcanhar no meu pai, puxou a toalha da mesa, e deitou folgado no sofá oferecendo a barriga para quem quisesse coçar, logo depois foi fazer uma expedição na casa, voltando com uma doll em sua boca.

- Meu Deus, você ganhou o Taz...

- Aí meu bem, não fala assim, ele é perfeito, a Tia amou, viu Isa?

- Não falei que ia gostar.

       E foi assim que Maria Rosa batizou nosso Golden Retriver de Taz, para ela, ele nunca foi Lord. O churrasco foi animado, com muita música, conversa e com Isabella e Lord Taz correndo em volta da gente, depois cansados, os dois adormeceram juntinhos no sofá.

         - Minha filha, e o duende que chegou ontem?

         - É uma elfa mamãe...

         - Credo, como aquele doméstico do Harry Potter?

         - Um pouco diferente

         - Nem me explique, que não quero nem entender.

         Isabella acordou logo depois, trazendo consigo Lord e Maíra.

         - Vovô, ela estava no sofá e pediu para ficar com a gente, ela quer participar do churrasco.

         Maria Rosa agachou para perguntar.

         - Ela disse que gosta de carne?

         - Não, ela gosta de humanos...

         - E ela sabe quem trouxe ela, Isa?

         - Sabe sim, mas, não quis me dizer quem foi, disse que não precisam se preocupar que a pessoa é boa.

         - Ela disse mais alguma coisa?

- Não...

- Tem certeza Isa que ela não disse mais nada?

         - Não, agora pode me dar carninha com farofa - Falou entregando a elfa para minha mãe que segurou desconfiada.

         - Claro meu amor.

         Quando todos saíram ajeitamos tudo, e fomos descansar, demos ração para o Lord, que adormeceu exausto e fomos analisar a doll, realmente a energia era suave, usamos um pêndulo de cristal e tudo certo, também procuramos símbolos e algum tipo de marca nela, e realmente não tinha nada...nenhum tipo de evidência.

         Despreocupadas deixamos a boneca no quarto e saímos para buscar a sobremesa que ainda não tínhamos comido. Só muito tempo depois soubemos por uma médium que foi a partir dali que a cabeça da doll passou a se mexer, enquanto uma melodia de Chopin passou a tocar de forma quase inaudível no ambiente... 

Fim do capítulo