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A Outra Metade do Amor por Carol Rutz

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Palavras: 5120
Acessos: 1034   |  Postado em: 24/06/2022

Capitulo 9

Capítulo 09 – O Fim de um Segredo

 

Paula

O teatro pra mim sempre funcionou como uma válvula de escape. Comecei a ensaiar logo depois da morte do meu pai e por um bom tempo, somente ao interpretar personagens é que eu conseguia me afastar de toda a dor que sentia. Perdê-lo de maneira tão trágica mexera muito comigo e foi experimentando sentimentos que não eram meus, que consegui acalmar um pouco meu coração. Entendendo as personagens em busca de uma boa interpretação, pouco a pouco, eu ia entendendo mais sobre mim mesma.

Ter voltado aos ensaios foi a cereja no topo de um Sunday... Tudo na minha vida tinha ficado melhor depois da volta de Yasmin! Nas sextas-feiras eu passei a almoçar em sua casa, que ficava mais perto do colégio, então namorávamos um pouco no quarto e depois eu partia para o teatro.

Dona Francesca me tratava como uma filha, e eu adorava o carinho dela, tão evidente. Às vezes sentia uma pontinha de culpa, pois por mais que houvesse motivos fortes, Yasmin e eu a estávamos enganando. Mesmo sabendo do perigo que corríamos, minha namorada continuou pulando a janela do meu quarto, tarde da noite, e eu já estava muito bem acostumada a adormecer nos braços dela. O que eu nunca me habituava era ter de deixá-la ir, sempre antes do amanhecer. O coração sangrava, inevitavelmente. E vê-la, logo depois, na escola, não era mais suficiente para aplacar a saudade imensa.

Era exatamente nisso que eu pensava enquanto o grupo passava mais uma vez o texto da peça que seria montada. Eu não precisava ficar atenta o tempo inteiro, por ter voltado tarde, ficara com um papel pequeno e nem estava nas duas primeiras cenas. Nos anos anteriores, teria feito disso uma desculpa para ajudar na caracterização dos meus colegas. Mas o que eu sentia no meio deles era um misto de frustração e estranheza. Eu tinha voltado tarde demais para ser ainda a mesma pessoa.

– Uma moeda pelos seus pensamentos... – brincou a professora Luisa, depois que ficamos somente as duas no auditório.

Ri sem graça.

– Ainda estou me adaptando.

– Todos ficamos muito felizes com a sua volta, Paulinha – sorriu. – Estou estudando seriamente a possibilidade de te dar um papel com mais destaque nessa peça.

– Não se preocupe, eu entendo – disse rapidamente.

– Eu sei. Mas mesmo assim...

– Você teria de deslocar alguém. Não seria legal.

Ela me olhou nos olhos atentamente.

– Seria delicado, sim. Mas eu faria do mesmo jeito. Se dirigir uma peça, mesmo numa escola, fosse fácil, Paulinha...

Sorrimos juntas.

– Entendi. Mas...

– É por esse seu “mas” que ainda não fiz.

Baixei o rosto, encarando o piso do palco.

– Você percebe tudo que se passa sem que a gente te conte, não é?

Luisa era mais que uma professora. Era uma amiga. Era como uma irmã mais velha para todo mundo do grupo. Os clubes de ciências, de xadrez, até mesmo o pessoal do grupo de oração da escola tinham uma certa inveja da trupe de teatro, porque nós tínhamos uma ligação que era mais forte do que a simples convivência.

Era uma empatia tão grande, que por ter ficado de fora por meses, eu sabia que perdera alguma coisa. Quem sabe o ritmo, ou a extrema intimidade. Mas Luisa, ao contrário, parecia ler nos meus olhos com a mesma facilidade que sempre fizera.

– Quer me contar alguma coisa?

Tomei fôlego demoradamente, esfregando uma mão na outra.

– Decidi que quero mesmo cinema e não artes cênicas. E acho que isso levou alguma coisa do meu entusiasmo. Antes era diferente, eu me sentia já fazendo e já tendo encontrado algo para me ocupar a vida toda.

– Quem disse que sendo cineasta você precisa parar com o teatro?

– É, eu sei.

– Sabe... E já está levando apenas como um hobby, não?

– Uhum – admiti, pesarosa.

– Acha que deixou de gostar de interpretar?

– Não! – fiquei, de repente, assustada.

– Diga, Paula, você acha que uma pessoa deve fazer o que serve para fazer, ou o que gosta de fazer?

Pensei por um bom tempo.

– Deve fazer o que gosta. Se gostar de verdade, servirá para isso, de qualquer modo.

– O que deu no seu teste vocacional?

Entendi qual era o ponto dela. Luisa sabia muito bem que todos os testes que eu fizera apontaram para comunicação social ou alguma área afim.

– Eu gosto de escrever – justifiquei.

– Mais do que interpretar?

Fiquei incomodada com o assunto e Luisa percebeu. Eu levaria algum tempo para me dar conta que ela não estava me cobrando nada. Por ter finalmente decidido o que eu tencionava fazer por grande parte da minha vida, impulsivamente, eu parara de me permitir gostar de outras atividades.

Deixamos o auditório já discutindo trivialidades e fui com ela até a secretaria devolver as chaves. Já estava pensando em tirar o celular do bolso e ligar para Yasmin quando a professora e eu, mesmo sem querer, ouvimos parte de uma conversa acalorada que ocorria dentro da sala da direção, pela porta da qual passávamos, no corredor.

– Gostaria de saber o que o Conselho Diretor do colégio pensa de uma coisa dessas!

– Senhor Junqueira, eu peço que se acalme.

Reconheci o sobrenome. Provavelmente a voz exaltada que cobrava algo de minha mãe era do pai de uma das garotas do segundo ano. Pelo olhar de Luisa, notei que ela estava tão intrigada quanto eu. Sem acordo verbal, paramos diante da porta, silenciosas e com a audição em alerta.

– Anormais! Anormais é o que elas são! Duas meninas...! Na frente de todo mundo! Na frente de metade de uma outra escola!

Apertei os olhos. Não havia dúvidas que ele falava do beijo que Yasmin e eu havíamos trocado no ginásio, depois da vitória histórica no jogo de vôlei. E eu que tinha pensado que ninguém mais ligava para aquilo! A voz do senhor Junqueira se alterou ainda mais:

– Uma coisa dessas é inadmissível, Dona Magali. Mas... Claro... Nem sei por que eu vim até aqui, se todos sabemos que era a sua própria filha lá.

– Dentro da escola a Paula é apenas mais uma das alunas.

– Acontece que se a senhora não soube educar nem mesmo sua filha única, só prova que não é capaz de cuidar da educação de mais de mil alunos!

– Eu só aceito discutir o ponto de duas namoradas terem passado dos limites na frente dos outros, como entenderia a sua reclamação se fosse um garoto e uma garota. E quanto a isso, as duas foram avisadas e não repetirão o fato.  

– Bem se vê porque a filha saiu desse jeito. É um espelho da mãe que permite uma coisa dessas. Então você sabia das duas?

– Algumas coisas fogem ligeiramente do meu controle, mas nada neste colégio acontece sem que eu fique sabendo. E menos ainda, na vida da Paula.

– Não posso acreditar em tanta imoralidade vinda justamente de quem deveria ser um exemplo para a geração futura!

Ouvi um suspiro decepcionado de minha mãe e logo em seguida, Luisa tocou meu ombro, adivinhando que eu pensava em invadir a sala. A muito custo, concordei em me afastar, mas meu coração continuou batendo apertado, sem ritmo certo.

– Preciso voltar lá – disse para Luisa.

– Não, Paulinha. A sua mãe está certa, aqui dentro você é só mais uma aluna.

– Mas aquele idiota falando aquelas coisas e-

– A Magali sabe se defender muito bem, como ficou claro pelo que ouvimos.

Balancei a cabeça, indignada. Tinha de admitir que sentira orgulho de minha mãe quando ela argumentara a meu favor. Mas eu sabia que ela não acreditava realmente naquilo. Sua verdadeira moral era tão ignorante quanto a daquele pai raivoso que a acusava.

Por fim, fiquei desejando que comigo Dona Magali soubesse fingir tão bem quanto fizera na sala da direção. Só que isso era cruel demais...

Luisa devolveu a chave, assinou, e eu voltei com ela pelo mesmo corredor. Mais uma vez paramos para ouvir, mas no mesmo instante, a porta se abriu, bem na nossa frente, configurando um flagrante constrangedor para os quatro envolvidos.

O senhor Junqueira me olhou dos pés a cabeça, respirando com intensidade e guardando as duas mãos nos bolsos da calça, antes de se virar mais uma vez para dentro da sala.

– E veja só, além de tudo, o seu prodígio ainda sabe ouvir atrás das portas.

– Estávamos apenas passando – justificou Luisa, rapidamente, notando que a diretora lançava para nós um olhar assassino.

– Vou fazer chegar até o Conselho a notícia de que isso aqui deixou de ser um colégio para se tornar a sua chacrinha, Magali. Tenha um bom dia!

Ele saiu sem dizer mais nada.

– Por Deus, o que as duas pensavam que estavam fazendo? – cobrou a diretora.

– Magali, de fato, estávamos apenas passando. Eu fui devolver a chave do auditório, o ensaio acabou de terminar e-

– Pra dentro – cortou minha mãe. – E fechem a porcaria da porta.

– Mãe...

– Senta, Paula. E você também, Luisa.

– Era o pai da Hellen? – perguntou a professora de teatro.

– De que importa? Foi o terceiro ou quarto valentão, só essa semana.

Enquanto minha mãe se sentava diante de sua mesa, eu ficava pensando se os outros pais que tinham vindo até ali foram tão agressivos quanto aquele. Nunca tinha imaginado que um simples beijo poderia virar uma novela tão dramática.

– Desde já eu me coloco a disposição para ajudar – disse Luisa. – Caso ele leve a sério a ameaça de ir ao Conselho.

– Claro. Leve uma bandeira do arco-íris consigo, de preferência. Vai causar uma ótima impressão, Luisa.

Luisa apenas deu de ombros. Ela e minha mãe eram inimigas declaradas dentro da escola. A diretora liderava o grupo de professores que tinha total apoio do Conselho, que era muito conservador. Luisa, logicamente, representava os progressistas.

– Por que não me contou? – perguntei.

Recebi um olhar que, apesar de vir de alguém machucada e orgulhosa, era terno.

– Não posso ficar partilhando com uma aluna assuntos que são da diretora e dos pais.

– Mas... – mordi os lábios. Diabos! Ela estava certa. – Eu lamento.

– Lamentar é tudo o que você sabe fazer, Paula. Fico me perguntando se um dia vai aprender, com isso, a pensar antes de fazer as suas sandices!

Baixei a cabeça, derrotada.

– Conversamos sobre isso em casa. Agora, ao que interessa: que tinham na cabeça de ouvir atrás da porta?

– Tava dando pra ouvir o patife lá do pátio, Magali – disse Luisa.

– Tapassem os ouvidos, oras!

– Olha, eu tenho mais o que fazer. Não fiz nada de errado, não vou ficar ouvindo sermão – Luisa se levantou.

– Sabe que isso teve um lado bom? – perguntou minha mãe, quando Luisa já abria a porta. – Você fica colocando ideias na cabeça dos alunos, quem sabe agora não para pra pensar que elas têm consequências.

Notei que Luisa engoliu qualquer coisa que tivesse pensado em responder. Por alguma razão, na presença da diretora, ela sempre escolhia acatar e encerrar qualquer discussão o mais rapidamente possível.

Daniela e Giana, no ano anterior, passaram uma tarde inteira me azucrinando com a teoria de que a professora de teatro tinha uma queda pela minha mãe. Não por acaso, mas estranhamente, eu lembrei daquilo quando parti para casa, desmarcando meu encontro com Yasmin no caminho.

 

– x –

 

Yasmin

Acordei com as vozes no andar de baixo. Sorri. Paula...

Ouvi meu pai dizer, com bom humor, que eu ainda estava dormindo, e acrescentar algo amigável. Minha namorada e eu tínhamos combinado que ela almoçaria na minha casa naquele domingo.

Tivemos uma semana difícil depois que ela me contou sobre os problemas que sua mãe estava enfrentando por causa do nosso beijo no ginásio. Paula negava, mas eu notava em pequenos gestos e silêncios que ela estava sofrendo uma enorme pressão dentro de casa.

Com o coração culpado, eu me perguntava se Dona Magali cumpriria sua parte no acordo, e realmente deixaria o nosso caminho livre. Olhei a minha volta e lembrei que nem havia arrumado meu quarto. Eu pensara em acordar mais cedo e fazer isso, mas desligara o despertador ao reparar que estava chovendo.

Aquelas duas horas desde então foram melhores do que toda a noite anterior de sono. Fiquei pensando nisso como se me consolasse por deixar Paula ver a zona que era aquele meu refúgio. Até mesmo minha roupa suja do dia anterior estava amontoada em um canto. 

Segundos antes de ela abrir a porta, voltei a me cobrir e fingi que estava dormindo. Paula se curvou sobre o meu rosto e eu tive de reprimir minha vontade de rir. Valeu a pena! Ganhei um beijo leve nos lábios, depois do qual minha namorada tirou o casaco que usava e deitou na cama, ao meu lado.

Resmunguei alguma coisa, virando meu corpo. Paula avançou e me abraçou, beijando minha nuca e rindo baixinho.

– Gabriela, você ainda não se mandou? A minha namorada já vai chegar... – disse eu, forçando no tom sonolento.

– Como é que é?

– Ah, Paula, é você!? – virei meu corpo, ficando de frente pra ela. – Tava com saudade, amor.

Ela estreitou os olhos.

– Há-há-há. Morri de rir, sabia?

Sorri abertamente e a abracei com força.

– Você vai me explicar direitinho quem é essa Gabriela e-

Cortei sua frase com um beijo profundo e calmo. Paula correspondeu na mesma hora, completamente entregue. Por um momento pareceu que havia se passado muito tempo desde a última vez que tínhamos feito amor. Meu coração sentira falta de ter Paula ao alcance do meu toque.

Depois do beijo, recuperando o fôlego, sorri ao encontrar seus olhos. Nossas testas se uniram e por alguns minutos, nada dissemos, ficamos apenas contemplando a presença uma da outra, a nossa proximidade. 

Do lado de fora, enquanto nos amávamos, a chuva voltou a cair com força, como um presente, como uma melodia que embalava os nossos desejos, as nossas carícias, os nossos sussurros e os nossos gemidos.

Cada vez que os lábios de Paula tocavam a minha pele, sentia meu corpo arder ainda mais. Era incrível como cada vez minha namorada acendia uma nova chama dentro de mim... Labaredas que só mesmo ela era capaz de abrandar.

Paula tinha controle total sobre mim, assim como eu sabia tê-lo sobre ela. Juntas, nos completávamos! E só com ela eu me sentia em paz. Ao lado dela eu sabia que sempre haveria para onde ir, a quem recorrer, por mais que todo o resto desabasse.

Enfim, só de saber que Paula existia, cessavam todas as minhas angústias e medos.

– Fica comigo, amor? – pedi, quando o corpo dela, exausto e satisfeito, desabou sobre o meu ombro.

– Só se for pra sempre...

A resposta dela, tão baixinha, obrigou meus olhos a se fecharem, lentamente, acompanhando o sorriso que brotava nos meus lábios. Pousei um beijo na testa de Paula enquanto ela se enroscava nos meus braços, preguiçosamente.

Fiquei imaginando nós duas: dez, vinte, quem sabe trinta anos depois daquele domingo, dormindo abraçadas do mesmo jeito. Felizes daquele mesmo jeito. Juntas, afinal de contas.

 

Acordamos com duas batidas leves na porta e a voz grave do meu pai avisando que o almoço seria servido logo. Acariciando o rosto de Paula, disse mais uma vez o quanto a amava, antes de propor que saíssemos finalmente da cama.

Olhei a minha volta, apanhando as roupas de Paula, que no calor da paixão eu havia espalhado pelo quarto. E então, apavorada, senti meu coração parar de bater e o chão como se ele se abrisse debaixo dos meus pés.

– Amor, você trancou a porta quando entrou? – perguntei.

Ela notou imediatamente que eu me via em apuros.

– Só encostei... Seus pais sempre esperam você responder antes de entrar, não?

– Sim! Mas... Aaam...

– Que foi, Ya? – ela se aproximou, cuidadosa.

Apontei para o chão.

– Havia uma pilha de roupas sujas aqui. E agora sumiu. Minha mãe sempre lava roupa no domingo de manhã, mas como você vinha, eu esqueci de levar pra baixo e...

– Calma – ela sorriu. – Vai ver você se enganou. Sua mãe nunca entra aqui quando eu estou, a não ser que você abra a porta.

– Não! Eu tenho certeza! – comecei a andar pelo quarto, de um lado para o outro. – Eu olhei pra pilha antes de você entrar, não posso estar sonhando!

– Amor, você estava dormindo quando eu cheguei.

Olhei pra ela por um segundo, implorando para que ela me fizesse acreditar que aquilo não estava acontecendo. Mas era inútil...

– Yasmin, você tem certeza? – pela primeira vez notei que ela me levava a sério, e passava a ter a mesma preocupação que eu.

– Absoluta – respondi.

Paula se sentou na cama, mordendo os lábios.

– Vejamos as possibilidades – ela disse, depois de refletir. – A sua mãe pode não ter notado... Que... A gente... Enfim... Só pode ter sido quando estávamos dormindo. Vai ver ela nem-

– Paula, que tipo de amiga dorme nua e abraçada na outra?

– Estávamos debaixo das cobertas, ela pode não ter notado que...

Ela parou de falar quando apanhei seu sutiã, até então aos meus pés, bem no meio do quarto.

– Merda – disse ela, por fim.

– Merda – eu repeti, cobrindo o rosto com as mãos.

Ficamos em silêncio, as duas tentando pensar numa alternativa, ou quem sabe até mesmo numa explicação que contivesse a ira dos meus pais.

– Merda – ela disse de novo.

– Merda mesmo!

Outro silêncio longo e constrangedor. Depois de um tempo, começamos a nos vestir, porque afinal de contas não podíamos ficar trancadas no meu quarto para sempre – ainda que a minha vontade naquela hora fosse de ficar.

– Bem, de qualquer forma, amor, sua mãe não deve ter ficado assim tão furiosa, ou seríamos acordadas aos berros.

– Hum.

– E seu pai estava com a voz bem calma quando nos chamou para o almoço.

– Que droga, eu não sei o que fazer!

– Amor, calma.

– Céus, eu quero morrer! – disse, desesperada.

Paula me pegou pela mão e me fez sentar na cama. Depois de alguns segundos, comecei a chorar no ombro dela.

– Shhh... Meu bem, vamos resolver isso, ok? Eu fico com você, a gente conversa com eles, seus pais vão entender.

– Não vão! Eu sei que não vão...

– Eles são bacanas, amor.

– Mas não com uma coisa dessas! Por que você acha que eu nunca contei?

Ela me encarou, apreensiva.

– Meu pai sempre sonhou em ter uma filha. Depois dos meus dois irmãos, ele levou um tempo pra convencer a minha mãe a tentar de novo – contei. – Sabe, isso vai ser a morte pra ele!

– Yasmin, um dia eles teriam de saber...

Balancei a cabeça, contendo a nova leva de lágrimas que teimava em brotar dos meus olhos apertados. Nunca tinha entrado em pânico daquele jeito, mal conseguia respirar.

– De qualquer forma, não podemos ficar aqui pra sempre. – Paula disse.

– Céus...

– Vem. Vamos almoçar. Se a sua mãe realmente notou alguma coisa, é bem provável que vá querer conversar com você depois... Ela não me parece o tipo que faria um escândalo no meio do almoço.

– Eu sei lá.

– Amor... Fica calma, ta? Se fosse pra surtar, ela teria feito isso na hora, aqui mesmo, no quarto.

Movi a cabeça positivamente e apanhei sua mão. Reunindo toda a minha coragem, desci com Paula para a sala e encontramos meu pai distraído com o jornal, de pernas cruzadas, em sua poltrona favorita.

Minha mãe assoviava na cozinha e a mesa estava quase pronta. O cenário, pelo menos, estava bem calmo e isso afastou um pouco o meu temor de uma tragédia.

– Ah, aí estão vocês! – disse meu pai, sorrindo. – Yasmin, sua mãe está lá batalhando com as panelas. Ela me expulsou da cozinha dessa vez, mas pode estar precisando de ajuda.

Arqueei uma sobrancelha, temerosa. Meu pai tirou os olhos do jornal logo depois.

– Eu faço sala para a Paula enquanto isso – ele insistiu.

Vacilante, Paula se sentou no sofá diante do meu pai, após o seu convite. Com os batimentos cardíacos falhando o tempo todo, parti para a cozinha, mas ainda consegui ouvir o começo da conversa deles.

– Yasmin me disse que você quer ser cineasta...

– Ah, sim...

Dona Francesca estava picando alguma coisa quando entrei na cozinha.

– Quer ajuda com a mesa, mamãe?

– Que nada, está tudo pronto, só estava esperando vocês descerem.

Notei que o olhar dela sobre mim se demorou um pouco mais que o normal, ou talvez tenha sido impressão porque eu estava desesperada em busca de um sinal do que de fato havia acontecido.

– Então, o que eu levo primeiro? – disse, com a boca seca.

– O arroz – ela indicou, passando para outra tarefa.

Obedeci e voltei para a cozinha logo em seguida, tremendo de medo.

– O que vamos beber? – perguntei.

– Suco. Está na geladeira – ela falou, enquanto transferia o molho da panela para uma travessa de vidro.

Não consegui me mexer.

– Anda, Yasmin, já vou servir!

Não sei dizer se a comida estava saborosa, pois mal toquei no meu prato. Meus pais estavam normais, discutindo banalidades entre si e fazendo perguntas simples para Paula, algumas das quais já haviam feito em outras vezes que ela almoçara conosco.

Em duas ou três distrações dos meus pais, Paula e eu trocamos um olhar cúmplice de quem não estava entendendo nada, mas apesar do meu pânico, nada aconteceu. Papai apanhou a sobremesa enquanto minha mãe tirava os pratos da mesa. Começamos a falar sobre o programa de humor que se ouvia, baixinho, da televisão que fora deixada ligada.

O tempo passava e ao invés de me acalmar, sentia meus nervos entrando em colapso. Pedi a Paula que me deixasse com meus pais naquela tarde. Precisava descobrir o que de fato havia acontecido e me sentiria melhor fazendo isso sozinha.

Depois de me despedir da minha namorada no portão, dei a volta na casa e encontrei Dona Francesca estendendo roupas no varal.

– Quer ajuda? – ofereci.

Ela me olhou com estranhamento por alguns segundos, depois me delegou uma tarefa simples.

– Ta tudo bem com você, filha?

– Aaaam... Aham.

– E a Paula? Por que foi embora tão cedo?

– Ela foi... Foi... – falei a primeira coisa que me veio na cabeça. – Foi estudar melhor um texto. Pro teatro.

– Hum.

Continuei ali parada, quem sabe tremendo dos pés à cabeça e agradecendo que Dona Francesca estivesse tão entretida com seus afazeres domésticos que não podia ler nos meus olhos a angústia que me tomava.

– Só essas? – apontei pro varal.

– Sim, Yasmin. Só essas – novamente ela me olhou como se achasse algo errado em mim.

– Tomara que não volte a chover – olhei pro céu, pra não precisar olhar em seus olhos.

– O sol vai brilhar forte a tarde toda. Mas a chuva caiu bem, para refrescar...

– É...

– Vem, vamos entrar – chamou ela.

Sentei num banco da cozinha e mamãe apanhou um copo de suco para cada uma de nós.

– Obrigada – agradeci.

– Agora me diz... Porque não pense que eu não sei que você está engasgada com alguma coisa.

Olhei pela janela. Pior do que finalmente perguntar, era continuar ali tentando adivinhar o que se passava na mente de Dona Francesca.

– Eu... – pigarreei. – Eu esqueci de trazer minhas roupas pra baixo, hoje.

Ela sorveu mais um gole de suco, demoradamente.

– Sim, Yasmin, eu entrei no seu quarto.

Fechei os olhos, sem poder respirar, tamanho o medo que sentia.

– Acho que vocês não acordaram com as batidas por causa da chuva – continuou ela, olhando para o copo de suco.

– Aaaam... É.

– A Paula foi embora por causa disso?

Eu ia negar, mas acabei não conseguindo dizer nada.

– Filha, você sempre teve liberdade para trazer as suas namoradas pra casa, mas não pode esquecer que não mora sozinha.

Olhei para ela num misto de susto e euforia.

– Como...?

Dona Francesca largou o copo vazio sobre a pia e me olhou com certa malícia.

– Já tive a sua idade, mocinha – piscou o olho.

Engoli em seco. Então ela sabia?

– Ah, sei – olhei para o chão, sentindo-me repentinamente envergonhada. – Você vai contar para o papai?

– Contar o quê, exatamente?

Ela ficou me encarando com tanta naturalidade que me desmontou.

– Ah, mãe...

Senti ao mesmo tempo as lágrimas molharem o meu rosto e os braços de minha mãe ao redor do meu corpo, puxando minha cabeça para que pousassem em seu ombro.

– Está tudo bem, filha – ela afagou minhas costas. – Nós amamos você.

– Eu também amo vocês. Muito! Muito! Muito...

Ficamos abraçadas por longo tempo, até que eu conseguisse parar de chorar aos soluços. Sentia um peso tão grande sair das minhas costas que parecia estar nascendo de novo.

– Mesmo assim, acho que você deveria conversar com o seu pai.

Assenti, sem olhá-la.

– Leve a cerveja dele. Ele está assistindo futebol.

Caminhei a passos lentos. Ouvi o narrador anunciar que o nosso time estava vencendo e comemorei, porque isso sempre deixava meu pai de ótimo humor. Estendi o braço com a lata de cerveja e mantive os olhos na tela.

– Obrigado, querida – ele abriu, sorveu um longo gole, arrotou, e voltou a olhar para a televisão. – Grande jogo! Vamos levar o caneco esse ano, você vai ver.

Sorri e me sentei no sofá. Não havia nada com mais cara de domingo do que meu pai dizendo que o time seria campeão e eu assistindo o jogo com ele. Meu pai era um cara tão otimista! Fiquei pensando em perguntar quem tinha feito os gols, quem era o árbitro, qualquer coisa assim. Papai morria de orgulho por eu não ser como as filhas de seus amigos, que no máximo perguntavam qual era a graça de ver vinte e dois marmanjos correndo atrás de uma bola.

– A Paula já foi?

– Pai... – respirei fundo. – Precisamos conversar.

Ainda que seus olhos continuassem presos na tela, percebi que ele não prestava mais atenção no jogo. Sem nada dizer, ele se levantou, foi até a cozinha e voltou com mais uma lata de cerveja, a qual estendeu a mim.

Apanhei não sem me surpreender com a atitude dele.

– Vocês brigaram? – ele perguntou depois de algum tempo.

– Não.

– Hum.

Abri minha cerveja e bebi timidamente.

– Desde quando vocês sabem?

Ele girou a lata sobre a coxa. Duas voltas. Sorveu mais um gole, esperando a definição de mais um lance do jogo.

– Acho que eu sempre soube. Não sei. A lembrança mais antiga que tenho é de quando discuti isso com a sua mãe pela primeira vez. Você tinha nove anos.

Estranhei, pensando que talvez não estivéssemos falando da mesma coisa. Com nove anos, nem mesmo eu fazia idéia!

– Desculpe se nunca te ajudei. Mas acho que você se vira bem, não? – sorriu. – Gosto da Paula.

Ri, nervosa.

– Eu também.

Pela primeira vez naquela conversa, ele me olhou nos olhos.

– Parece mais sério dessa vez.

– Sim.

Voltamos a nos concentrar no jogo de futebol, ficando em silêncio por algum tempo.

– Desculpe se não contei antes. Eu tinha medo da sua reação.

– Você é a filha que eu sempre quis, Yasmin. Seus irmãos não vivem reclamando disso? Pois bem, não diga a eles, ou vai chateá-los, mas é verdade.

– Mas eu sei que nenhum pai sonha com isso.

Ele moveu a cabeça afirmativamente. O primeiro tempo da partida terminou e meu pai desligou a TV, com o controle que ficava sempre sobre o braço da sua poltrona. 

– Vou te contar uma história...

As histórias dele eram sempre incríveis, mas eu não estava preparada para uma delas no meio daquele assunto. Porém, antes que eu pudesse protestar, meu pai continuou:

– Sua mãe e eu planejamos por muito tempo ir para Roma. Sonho de casal, sabe?

Ouvi atentamente.

– Nos preparamos com antecedência, eu fui ver passagens, reservas de hotel, fiz uma pesquisa enorme antes, para fazer um roteiro que agradasse a sua mãe. E Roma tem muitas coisas boas para se visitar. Francesca queria ver o Papa, eu queria ir ao Coliseu, ficamos pensando na infinidade de igrejas, arcos, tesouros arqueológicos, teatros, galerias...

Estreitei os olhos, achando aquilo tudo muito estranho, mas me mantive em silêncio. 

– Com tudo pronto, partimos para a viagem. Mas eis que, ao desembarcar, não estávamos em Roma, estávamos em Paris!

– Paris?

– Sim! Então não tinha nem Papa e nem Coliseu. Nós estávamos preparados para outra viagem, por isso tivemos de nos acostumar. Aprender uma nova língua. Depois do susto, fomos visitar a Torre Eiffel, o Arco do Triunfo, a Catedral de Notre Damme, e foi uma viagem maravilhosa de qualquer modo.

De tanto tentar achar algum nexo naquilo tudo, acabei começando a rir.

– Desculpa, pai, mas até onde eu sei, a única viagem romântica de vocês dois foi para serra, aqui perto.

Ele acabou rindo também.

– O que eu quis dizer, Yasmin, é que como todos os pais, nós planejamos tudo para a “viagem” que seria ter a nossa princesinha. E enquanto ela crescia, vimos que não seria exatamente como nós sonhamos. Mas isso não é desculpa para não aproveitar.

Trocamos um olhar intenso. Senti, de uma maneira mágica, como se fosse transportada de volta à infância e as nossas pescarias, quando só havia meu pai e eu no meu mundinho secreto. Havia uma coleção de rugas novas no rosto dele e eu, certamente, estava com o dobro do tamanho.

Ainda éramos as mesmas pessoas: sempre seríamos pai e filha.

Nos abraçamos com tanta força que perdi o fôlego, mas não me importei. Meu pai deu alguns tapinhas nas minhas costas e percebi que chorava como eu, timidamente. E percebi que não importava o quanto eu tivesse fugido do assunto e fingido que estava feliz em esconder a verdade. Ou conformada. Eu tinha esperado por aquele abraço a minha vida inteira! 

Fim do capítulo


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Comentários para 10 - Capitulo 9:
natmd
natmd

Em: 29/08/2022

Deu um quentinho no coração.

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patty-321
patty-321

Em: 31/07/2022

Muito lindo,  me emocionei. 

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Lea
Lea

Em: 13/07/2022

Os capítulos estão lindos.

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