Capitulo 3
Capítulo 03 – O Plano
Paula
A noção que eu tinha da palavra tédio certamente jamais alcançara contornos tão definidos quanto no começo do terceiro ano. Aquilo que eu mais temia estava finalmente acontecendo e nem aos treinos de vôlei minha mãe me permitia ir mais.
Não sei como ela conseguiu fazer aquilo, convencer o treinador a me dar um trabalho teórico para que eu não repetisse em Educação Física, já que essa matéria era obrigatória na escola para todos os alunos solteiros que não estivessem trabalhando.
Eu tinha quase o tempo todo a impressão de que não estava vivendo de verdade, que aquilo era um sonho ruim... Um pesadelo que não acabava nunca. E quanto mais eu ousava sonhar que alguma coisa poderia acontecer e me libertar das amarras que eu mesma tinha deixado cercarem minha vida, mais o destino me provava que não valia mais a pena esperar por isso. Tudo dava errado. Cada vez mais errado. Cada vez pior.
Todos os dias eu via Yasmin na escola, mas sempre que ela tentava se aproximar, dizer alguma coisa, eu me afastava. Queria mantê-la distante de todos os meus problemas com a minha mãe porque sabia que ela não merecia passar por aquilo, ter de agüentar aquela barra apenas por mim. E bem... Eu estava errada!
– Química orgânica, Paula?
Olhei para o lado. Nicholas tinha se sentado no mesmo banco que eu, e tinha um semblante sinceramente surpreso ao ver que eu estava respondendo exercícios de vestibular no livro que usávamos naquela matéria, durante o recreio.
Também não poderia dizer que tudo estava dando errado... Eu estava estudando como nunca!
– Oi – tentei sorrir, mas aquilo vinha sendo uma tarefa complicada, sobretudo quando sentia algum tipo de afeição pela pessoa que estivesse ao meu lado.
– Paula, quer namorar comigo?
Deixei meu queixo cair e meus olhos se arregalaram. Nicholas continuava olhando para mim do mesmo jeito que o fazia sempre... Como se fosse uma pessoa em quem eu pudesse confiar.
E sim, eu confiava nele. Não poderia dizer que éramos grandes amigos, mas sabia do bom caráter dele e o apreciava, de longe.
– Err... Nicholas, eu-
– Você gosta de outra pessoa, eu sei. E ela também gosta de você.
Recapitulei os dois primeiros meses de aula e lembrei que desde o dia em que se conheceram, Nicholas e Yasmin estavam sempre juntos. Eu achei aquilo muito estranho, porque estávamos todos em uma fase da vida em que meninos e meninas mantêm distância. Um afastamento seguro para pessoas que ainda não se conhecem completamente e embora gostem, morrem de medo do sex* oposto. Em outras palavras: adolescência.
– Eu acho que não entendi.
– Ué, eu fui bem claro. Perguntei se você quer ser minha namorada.
– Mas-
– De fachada, é claro – ele sorriu. – Olha, Paula, você é linda e tal... Mas não gosto de você. Não como teria de gostar, para um namoro, quero dizer.
Fiquei ali pensando que ele tinha ensaiado aquele discurso por muito tempo.
– Nicholas, tem coisas sobre mim que a Daniela sabe muito bem, muito melhor do que você, e sabe? Namorar comigo para fazer ciúmes nela não vai funcionar. Ela nunca vai acreditar.
– Não é pra fazer ciúmes nela – ele riu. – Mas... Você tem certeza que isso não funcionaria?
– Não, seu bobo – soquei o ombro dele amigavelmente, numa tentativa de disfarçar o quanto aquela conversa me deixava nervosa.
– Bom, mas não é por isso, no final das contas. É por causa da sua mãe. Ela te tirou do vôlei e do teatro, você nem pode mais sair de casa... Ta todo mundo preocupado contigo.
– Todo mundo? Como assim?
– Todo mundo que gosta de ti. Olha pra você, com o livro de Química no intervalo, e a gente nem tem Química hoje... Claro, vai arrasar no vestibular, mas isso não é só o que importa.
– Nossa, eu acho que eu nunca te conheci de verdade.
– Então pode conhecer agora. A Dona Magali quer que você tenha um namorado e eu estou te pedindo em namoro. Qual é o problema, Paula?
– Tudo! Nicholas, eu não gosto de ti. Só como amigo.
– Puxa, isso fere todos os meus sentimentos por ti.
– Ahn?
– Brincadeira, boba! Também não gosto de ti. Nada pessoal.
– Eu to confusa, Nicholas. A gente pode conversar outra hora?
– Me da um beijo? E a gente combina de se ver hoje de tarde.
– Não posso sair – disse, assustada.
– Pode. Se for para ver o seu namorado...
Não consegui responder de imediato. De repente estava boa parte da escola olhando e eu sabia que pela janela da sua sala minha mãe me vigiava. Eu escolhia propositalmente aquele banco, para que ela me visse estudando. Para que notasse que eu não estava escondida em algum lugar conversando com a Daniela.
Depois de um tempo eu comecei a pensar que o melhor mesmo era ganhar a confiança dela e me afastei da minha melhor amiga. Claro, não completamente.
Todos os dias, sem que ninguém visse, cada uma de nós entregava uma carta para a outra, na chegada. Uma carta contando todas as novidades e respondendo o bilhete da outra, do dia anterior.
Tomei fôlego. Iria mesmo fazer aquilo? Já tinha beijado garotos, mas sempre no meio de festas, ligeiramente alcoolizada. Nunca tinha “ficado” com um. Aí me lembrei que aquele plano maluco – que eu sabia que era coisa da Yasmin – poderia mesmo ser a minha única chance de voltar a ter uma vida normal.
Quando senti as mãos de Nicholas envolvendo minha cintura, percebi que não havia mais chance de voltar atrás. Mas afinal de contas, o que eu estava fazendo? Ainda lembrava com clareza do meu primeiro beijo na boca. Foi algo tão confuso e de certa forma imaturo... Yasmin e eu éramos vizinhas, sempre brincávamos juntas e um dia aconteceu.
Nós rimos sem graça, cada uma virou para um lado e não se falou mais no assunto. Pelo menos eu não falei que tudo tinha começado a mudar pra mim depois do beijo. Também não tive tempo, pois aquela fora a nossa despedida.
Logo ela se mudou, e depois disso, cumpriu-se mais de um ano até que eu entendesse o que de fato fora aquilo, em uma época que eu apenas começava a notar que ao contrário das minhas amigas, eu não gostava de nenhum garoto, não suspirava por galãs do cinema, mas me sentia incomodada quando uma mulher chegava perto de mim.
Até realmente ficar com a primeira menina, eu me considerava diferente de todo mundo. Depois, sentia-me criminosa ou culpada e só com o primeiro namoro foi que vieram as primeiras certezas: sobre o que eu queria, sobre o que me fazia feliz, sobre o que era capaz de me despertar.
Receber os lábios do Nicholas sobre os meus trouxe uma sensação que era ao mesmo tempo inédita e antiga. Inédita porque ele era um homem, mas antiga porque estruturalmente eu estava voltando a beijar alguém, coisa que não fazia havia muito tempo.
Em busca de uma interpretação convincente, acabei por me inspirar no que conhecia e a imagem de Giana me ocorreu, trazendo com ela uma pontinha de saudade. Não só do que minha ex-namorada e eu vivemos, mas de uma época em que cheguei a acreditar que poderia me esconder para sempre e nunca ter de enfrentar os problemas que me sufocavam tanto.
Achei que simplesmente não pensar naquilo ajudaria a me distrair para a questão de que não havia nenhuma motivação romântica naquele beijo, mas foi muito difícil. Meu corpo queria parar, meu coração batia acelerado e não era de desejo, mas de desespero por me forçar a algo que não estava em mim, que jamais estaria.
Desde o começo do ano letivo eu só tinha olhos, ouvidos, suspiros e sonhos para Yasmin. Mais do que qualquer coisa, eu queria ficar com ela! Por isso não consegui prolongar o beijo, estava além das minhas forças.
Acariciei de leve a nuca do Nicholas, continuando com a interpretação, mas logo me afastei dele. Sorri falsamente enquanto ele me abraçava.
Diante de uma escola inteira admirada, em minha tentativa de ser simplesmente normal, mais do que nunca me senti diferente de todos.
Eu mentiria se dissesse que o beijo não mudou nada. Para ser sincera, cada carícia falsa que eu trocava com o Nicholas me dava ainda mais certeza de que eu só queria estar com a Yasmin e ninguém mais.
– x –
Yasmin
Não consegui esconder que senti meu estômago ceder alguns centímetros. Ver Paula beijando outra pessoa me deixou tonta e enjoada, e o fato de eu mesma ter planejado aquilo não me aliviava nem um pouco.
Eu é que queria estar provando aqueles lábios mais uma vez. Eu é que queria a carícia que ela fez na nuca do Nicholas enquanto eles ficavam, no meio do pátio, diante de todos. Eu queria estar nas mãos dele, tocando a cintura dela.
Aquela semana só não foi pior porque eu tinha os meus sonhos. Paula me sorria sempre que eu entrava na sala, mas nada dizíamos uma para a outra. Nicholas era o meu elo de ligação com ela, trazendo todos os dias as novidades, recados, notícias de como ela andava se virando com a tirania materna.
Um dia não agüentei e perguntei como era o beijo dela. Não que eu não lembrasse, eu só queria saber... Talvez aquilo me aproximasse da sensação de prová-lo de novo.
Ele disse que era um beijo normal, como o de qualquer garota, mas aquilo não poderia ser verdade. O beijo dela tinha de ser o melhor do mundo... Eu tinha certeza que era assim.
Dona Magali custou muito a cair no meu plano, no meu truque... Mas caiu, afinal. A minha deusa voltara para o treino de vôlei, mas ainda era vigiada pelo tal Fernando do começo ao fim do jogo.
Eu só tinha o vestiário para admirá-la, e naquelas duas tardes por semana, estávamos nos tornando mestres em provocar uma a outra, em silêncio e à distância. Nunca havia me ocorrido que despir e vestir uma roupa pudesse ser algo tão detalhado, tão cercado de sedução, no meio de um contexto que nada tinha a ver com aquilo.
A única pessoa que parecia notar que havia algo ali era Chris, que volta e meia nos olhava de maneira estranha, deixando escapar um sorriso sacana, mas cúmplice. Não sei se Paula contou para ela, mas a capitã do time parecia saber... Parecia ter a mesma noção que nós que aquele era um momento íntimo como poucas coisas no mundo são.
– Acho que vamos avançar “uma casa” no namoro.
A frase de Nicholas durante o intervalo me tirou de um devaneio longo e bom.
– Como assim?
– Estou pensando em levar a Paula para a cama... Você sabe, já estamos ficando há um mês.
Meu rosto ficou vermelho e eu poderia ter matado o Nicholas naquele mesmo instante. Já não ficávamos muito juntos porque ele tinha de passar o tempo livre da escola pajeando a Paula e dando uma de namorado carinhoso. Mas isso não me impediria de socá-lo com força se ele levasse aquela conversa adiante.
– Nossa, eu senti pavor de ser assassinado pela primeira vez na minha vida.
Ele riu a valer, bem na minha cara.
– Não teve graça.
– Ficou com ciúme, é?
– Eu te odeio.
Mais uma vez ele riu. E enquanto ele ria, eu não conseguia deixar de pensar que meu próprio plano estava me matando. Eu o vira apertar as nádegas de Paula enquanto eles se beijavam antes da aula, naquele mesmo dia, e na minha cabeça logo se formou a ideia – e depois a certeza absurda – de que eles estavam mesmo gostando um do outro. Tudo estava perdido...
– Quando eu disse “avançar uma casa” quis dizer que acho que podemos colocar a segunda parte do plano em prática. Arranjar um encontro para vocês duas.
A tragédia grega que eu tinha em mente virou pó de novo, felizmente. Comecei a rir de como eu era ridícula e percebi que a ideia de não ter Paula me apreendia demais. Já não era mais apenas desejo... O desafio de bolar aquilo de uma maneira que não fosse descoberta me estimulou mais uma vez.
– Certo, quando vai ser? – perguntei depois que combinamos tudo.
– Amanhã, Yasmin. Amanhã...
Ainda nem era dez da manhã e eu sabia que não pregaria o olho naquela noite... Fui para o treino naquela tarde morrendo de ansiedade. Como seria vê-la de novo sabendo que estava tão perto de acontecer o que eu mais esperava?
Por outro lado eu não tinha certezas... Eu só podia contar com os recados que ela mandava para mim através do Nicholas. Segundo ele, era difícil dizer qual de nós duas estava mais a fim, e mais ansiosa... Mas era estranho.
Balancei a cabeça para mim mesma, tentando afastar tudo aquilo da minha mente enquanto entrava no ginásio. Como eu teria certeza se não tinha ouvido isso dela? Se não tinha sentido? Temi que estivesse me entregando aos meus sentimentos fácil demais. E se não desse certo? Se Paula fosse uma ilusão? Não poderia ser... Mas e se fosse? O que eu faria se ela não estivesse tão envolvida quanto eu estava?
Eu havia alugado Joana naqueles últimos dias para falar disso, mas como a minha melhor amiga só queria falar de sex* (como sempre, aliás), não consegui me expressar direito. Eu falaria com quem, com o próprio Nicholas?
Minha vida tinha se alterado muito depois da mudança, eu ainda não tinha encontrado naquela cidade uma pessoa com quem pudesse dividir as minhas fraquezas. Pensei nos meus pais e nos meus dois irmãos mais velhos por um instante, não sei bem o motivo. Nunca poderia chegar do nada e falar uma coisa dessas para eles.
Com a minha mãe, talvez, quem sabe... Mas não sobre uma garota. Fiquei pensando na idéia de contar, sim, porém escondendo o sex* da pessoa por quem eu estava me apaixonando. E enquanto formulava uma versão “hétero” do meu drama, percebia que isso era simplesmente impossível.
Não era mera questão de dizer “mãe, estou gostando de um garoto chamado Paulo, mas não sei se ele gosta de mim, então estou insegura”.
Mamãe faria perguntas e eu teria de dizer que não nos falávamos na escola. E por que não nos falávamos? “a mãe do Paulo não quer que ele seja visto com uma garota pela escola, e tranca ele em casa”.
Ela ia perguntar por que o Paulo era trancado em casa. “a mãe dele acha que ele tem alguma coisa com a melhor amiga dele, chamada Daniela.”
Soquei a parede do ginásio, praticamente sozinha já que chegava cedo. Era lógico que a minha mãe não iria cair naquela. Que mãe trancaria seu filho homem em casa, aos dezessete anos, para que ele não ficasse com uma garota da escola? Que mãe teria alguma coisa contra isso nesse mundo machista?
Eu poderia usar o velho truque do: “a amiga de uma amiga minha é lésbica e ela anda tendo uns problemas, então vim falar com a senhora, mãe, para ver se não tem alguma idéia que eu possa dar para ela, para ajudar...”.
Primeiro, eu soaria ridícula e minha mãe não era boba. Segundo, ela jamais daria alguma idéia. O que a minha mãe sabia sobre lésbicas? No máximo, que elas não se beijam em final de novela, ao contrário de todos os outros casais, e que isso dá muito ibope.
Paula entrou no ginásio quando faltavam apenas dois minutos para o treino e eu já tinha desistido de esperar, já estava aquecendo e já me trocara, de modo que não teríamos o nosso “momento particular” no vestiário.
Trocamos um olhar rápido e notei que Chris olhou para mim, na certa esperando que eu fosse atrás da Paula no vestiário. Não o fiz. Estaria dando bandeira demais e o tal Fernando estava na arquibancada, de olho em tudo.
– Bem que a Paula podia falar mais de mim pro irmão dela, né? Eu não me incomodaria nem um pouco de distrair o Fernando pra vocês.
Olhei para a capitã do time e fiquei vermelha. Ela riu simpaticamente e começou a correr do meu lado, dando voltas na quadra.
– Interessada, é?
– Ah, ele é gato! Você não acha?
Apenas balancei a cabeça.
– Puxa, desculpa! Eu esqueço... Faço merd*s desse tipo com a Paula também e ela me manda tomar naquele lugar. Não entendo, por mais que... Bom, que prefiram mulheres, vocês não conseguem nem mesmo achar um homem bonito?
– Eu consigo – disse com sinceridade. – Assim como acho que você também considera algumas mulheres bonitas, sem gostar delas.
– Verdade. Por exemplo, a-
– Angelina Jolie – disse eu.
– Como sabe?
– Toda hétero é louca pela Angelina Jolie e diz que por ela, viraria lésbica.
Nós duas rimos juntas.
– Eu não viraria hétero por nada – continuei. – Mas que daria uns pegas em alguns caras, daria sim.
– Deixa a Paula te ouvir falando isso!
Parei de correr. Chris voltou alguns passos e parou do meu lado, as duas disfarçando que alongavam os braços.
– Acha que ela ficaria triste?
– Não tenha qualquer dúvida, Ruiva. Ela é louca por você, vê se não machuca ela.
Sorri para Chris e me senti um pouco melhor. Porém um segundo depois já estava achando que Chris poderia ter mentido também e lá vinha o meu lado ridículo me colocar para baixo de novo. Ouvi o berro do treinador gritando “Ruiva, vá pro saque” e consegui esquecer um pouco aquele assunto.
– x –
Paula
Eu tremia dos pés à cabeça quando entrei na casa de Yasmin. Fui recebida pela mãe dela, que era dona de casa e me tratou tão bem, abraçando-me com força, que de algum modo pensei ser especial para ela. Tentei retribuir o carinho com um sorriso, mas estava nervosa demais.
– A Yasmin já vai descer – disse dona Francesca.
– Ta bem.
– Fica à vontade, Paula. Vou preparar alguma coisa para vocês, um lanche.
Estava abrindo a boca para pedir que ela não se incomodasse quando ouvi os passos de Yasmin descendo as escadas. Trocamos um sorriso que não poderia ser contido por nenhuma de nós.
– Mãe, a gente vai subir e fazer o trabalho no meu quarto, tá?
– Claro. Daqui a pouco eu levo algo lá pra vocês.
– Não precisa, mãe – ela disse rapidamente.
– Faço questão.
Depois daquilo, ela foi para a cozinha e Yasmin me tomou pela mão.
– Vem!
Eu adorei aqueles efêmeros segundos em que subimos as escadas de mãos dadas. Sequer olhamos direito uma para outra e muito menos dissemos alguma coisa, mas talvez tenha sido por isso... Foi “trivial”. Como se ela pegasse a minha mão sempre, para ir a qualquer lugar.
Entramos no quarto e Yasmin encostou a porta, enquanto eu me detive na manifestação mais particular do meu nervosismo: colocar as mãos no bolso. Olhamo-nos de novo, timidamente, e ficamos ali por alguns segundos, tateando o embaraço palpável.
– Err... Você já começou o trabalho? – foi o melhor que consegui dizer.
– Am... Sim. Não, quer dizer. Peguei a folha e o caderno, mas não comecei nenhum.
Olhei para a escrivaninha dela e Yasmin foi andando até a cadeira. Ia sentar, eu acho, e desistiu.
– Vou apanhar uma cadeira para você e já volto.
Ela sorriu meio envergonhada e saiu do quarto rapidamente. Aproximei-me da escrivaninha e vi o caderno aberto, com uma folha onde ela pusera o seu nome e o número da chamada com letra caprichada. Abaixo disso, o número “1” e um ponto.
Fiquei me perguntando se ela fizera aquilo ainda na aula ou se era nisso que se ocupava antes de eu chegar. Meus olhos percorreram a parede a minha frente, depois todo o quarto, e uma sensação que veio sem convidar me fez sorrir. Ouvi a porta abrindo e desfiz o sorriso rapidamente, como se me julgasse vulnerável por causa dele.
Reparei que era uma das cadeiras da sala de jantar, pela qual eu passara os olhos logo depois de entrar. Yasmin se acomodou nela e me ofereceu a cadeira que já estava ali. Só então notei que ainda tinha minha mochila no ombro e larguei-a sobre o móvel, apanhando meu caderno.
– Também nem comecei ainda – disse, enquanto me sentava.
– Droga, eu escolhi você pro meu grupo porque pensava em colar todas as respostas.
Ri dela enquanto escrevia o cabeçalho na minha folha de caderno, a letra ficou tremida e arranquei a página, começando de novo. Queria que meu nome fosse mais longo só para demorar mais, porque enquanto eu fazia isso, sabia que ela estava olhando para mim.
– Eu passei os olhos e vi que os primeiros cinco são fáceis – disse, prendendo meu cabelo atrás da orelha e olhando para Yasmin. – A gente começa por eles para aquecer ou parte logo para os complicados antes de perder o ânimo?
Notei que ela realmente encarou aquilo como um problema.
– Pelos primeiros.
– Certo. Então... A gente vai fazendo e se alguma de nós tiver dificuldade...
– Você quis dizer que quando a ameba aqui empacar, pode pedir a sua ajuda, né?
Ri de novo. Foi ridículo, porque eu deveria dizer que ela não era uma ameba, mas eu só ri. Retardada e mal educada... Eu estava indo bem! Balancei a cabeça, apanhei um lápis e me detive no enunciado do primeiro problema, o que funcionou para me distrair do quanto ter ficado sem respondê-la tinha me incomodado.
Visualizei uma fórmula e a pus no papel. Geometria plana era uma barbada e aquele conteúdo era mera revisão. Difícil era me concentrar nele, com Yasmin tão perto.
– Você tem borracha? – perguntei, já no terceiro problema.
– Aqui.
Esperei ela largar o objeto sobre a minha folha e afastar completamente a sua mão, para só então apanhá-lo. Não sei se foi impressão minha, mas Yasmin nem me olhou, só passou a borracha mecanicamente. Ela estava com os olhos presos e, espiando, reparei que já trabalhava no número quatro.
Como assim, alguém indo mais rápido que eu? Depois me ocorreu que poderia ser um truque: não me olhar para que eu olhasse. Se foi isso, funcionou muito bem, ao contrário do meu truque: fingir que não tinha borracha para puxar conversa pedindo a dela. O assunto morrera de novo.
Resolvi acelerar e terminei a primeira parte do trabalho. Olhei para o segundo título, “Prismas”, e imediatamente a aula que assistira sobre o tema veio inteira na minha mente. Uma sensação muito gostosa tomou conta de mim, era a exata aula em que Yasmin havia entrado para a minha turma. Fora no começo do trimestre e eu ainda lembrava com riqueza de detalhes.
– Odeio apótemas – disse eu, com voz falsamente cansada e sem tirar os olhos do meu cálculo.
– Por causa do nome estranho ou...?
Prendi o cabelo atrás da orelha de novo, já que ele ficava caindo no meu rosto sempre que eu me curvava sobre a escrivaninha.
– Sei lá, parece-me a típica coisa que não terá utilidade na minha vida.
– Tipo saber calcular o volume de um tronco de pirâmide?
– Isso aí.
– É.
– É.
Ela teve tempo de resolver um exercício inteiro antes que voltasse a falar comigo:
– Menos absurdo que os cones, entretanto. A gente nunca nem vê algo cônico por aí, de que adianta saber calcular a área e o volume?
– Tem cones no trânsito – eu respondi. – E alguns chapéus de mágicos também, quando eles não usam cartolas.
– Verdade. Já as cartolas são cilindros.
– Uhum.
Eu estava com uma imensa vontade de rir, mas olhava para Yasmin e ela continuava séria, respondendo os seus exercícios. Será que ela só estava me dando assunto para não ser desagradável? Não podia ser...
Engraçado que quando não podíamos nos falar ou chegar perto, nossos olhares eram de duas pessoas que mal podiam esperar pela primeira oportunidade, e ali estávamos nós, sozinhas em um quarto, e todo assunto que tínhamos era um trabalho ridículo de Matemática.
Apaguei uma fórmula, escrevi de novo, desenhando as letras, atrasando o momento de me concentrar totalmente no cálculo como desculpa para continuar pensando em Yasmin.
Vi que ela ficou chateada por um instante, olhando para o próprio caderno. Usou a borracha várias vezes, começou de novo e ficou chateada de novo, com o cálculo incompleto.
– Malditos cones – ela falou, de mau humor.
Inclinei-me na direção do caderno dela com disfarçada alienação ao fato de nossos rostos terem ficado muito próximos.
– Onde se perdeu?
Ela hesitou e eu também. Eu tinha ouvido um pensamento, era isso? Tinha lido a mente dela? Por vários segundos fiquei com a clara impressão de que a voz dela proferira: “me perdi em você”.
Era uma sensação muito louca! Ou talvez fosse só a minha mente desejando que ela tivesse dito aquilo...
– Aaam... Na geratriz.
– Ah, aqui, deixe-me ver – ia puxar o caderno dela para o meu lado, mas achei melhor continuar inclinada...
– Deveria conter a medida da geratriz no enunciado do problema!
Sorri com uma onda de felicidade me invadindo. Eu ia dar a resposta para ela e ela ficaria feliz. Ou se sentiria uma “ameba”? Tentei dizer aquilo da maneira mais delicada que consegui:
– Yasmin, é um cone equilátero... – disse, gentilmente. – A geratriz é igual ao diâmetro da base, que é igual a duas vezes o raio.
Quando olhei nos olhos dela, Yasmin não parecia nem um pouco constrangida, o que me aliviou. Ela estava sorrindo, não exageradamente, mas estava sorrindo pra mim e isso fez com que eu não conseguisse desviar meus olhos dos dela.
Queria prolongar a sensação que aquilo provocava em mim. Larguei o lápis sobre o caderno dela, deixando uma pontinha de seriedade ganhar espaço aos poucos na minha expressão. Yasmin me acompanhou... Foi como se os nossos sorrisos fossem “resvalando” da face lentamente, juntos, não para se perderem, mas para que os nossos lábios se unissem.
Uma coisa puxando a outra, diminuindo o espaço vago, aumentando o suspense, a taquicardia, a vontade de que o beijo acontecesse. E foi exatamente assim: o beijo aconteceu. Senti os lábios dela pousarem nos meus, que iam ao seu encontro. Não era mecânica ou anatomia, era sensação.
Não era simples tato, era arrepio. Eu não estava agindo ou reagindo, eu só aproveitava, vivia aquilo, sabendo que ela experimentava o mesmo que eu. Nossas bocas, línguas e mãos poderiam estar em movimento, nossos corações batendo acelerados, mas a essência estava longe de uma manifestação física concreta e descritível.
Eu flutuei indefinidamente...
Afastamo-nos devagar depois de termos provado muito daquilo, degustado não sei se com pressa ou não, porque o tempo, que é uma das coisas mais relativas que existe, nem me ocorreu. Foi ritmo, e saboreamos vários deles, todos intensamente! O sorriso já estava posto em nossas faces quando os olhos se abriram de novo, brilhantes, expressivos, presos em seu par.
Acariciei o rosto de Yasmin ao mesmo tempo em que a pele dela acarinhava a minha mão, recebia e confortava concomitantemente. Mergulhamos em outro beijo com busca e entrega, com necessidade e satisfação. Meu corpo implorou pelo de Yasmin, mas também o tentou, o provocou, chamou por ele e atendeu ao seu chamado.
Deixei minha cadeira para ocupar o colo dela, enquanto goz*va o prazer de um gemido sussurrado que escapou dela e de mim, como se fosse um só.
– Meninas, eu trouxe o lanche!
Abri os olhos e quando encarei Yasmin ela estava pronunciando bem baixinho: “puta que pariu!”. Não tive como não rir. Ela pigarreou e inclinou a cabeça em direção à porta, enquanto eu voltava para a minha cadeira.
– Entre, mãe.
Dona Francesca abriu a porta, na qual tinha batido antes de nos chamar, e pousou uma travessa com biscoitos sobre a escrivaninha de Yasmin. Na outra mão ela tinha uma jarra de suco e presos entre o antebraço e o corpo, dois copos de vidro.
– A senhora é muito gentil, dona Francesca – disse eu, tentando não rir.
– Imagine. Se precisarem de mais alguma coisa é só chamar.
Yasmin fechou a porta de novo e também voltou para a sua cadeira. Eu não consegui olhar para ela, mas ouvi sua respiração ligeiramente alterada. Voltei ao exercício que abandonara para ajudá-la com a geratriz e ela logo retomou seu trabalho também. Fiquei prestando atenção no ruído do atrito do grafite com o papel sem me dar conta que não resolvia mais cálculo algum.
Passei a mexer o lápis debilmente, refazendo o contorno de uma pirâmide desenhada em um dos problemas. Minha mente foi longe... E então um riso me escapou, fazendo com que eu mesma me assustasse com ele, porque eu não estava pensando em nada engraçado.
O riso que Yasmin deixou escapar logo depois foi como o meu: baixo e anasalado. Eu ri de novo, mordendo os lábios. Espiava ela discretamente porque ainda estava olhando para o meu caderno, ou fingindo olhar. Yasmin bagunçou o próprio cabelo com a mão esquerda e lembrei que era uma mania dela.
Em seguida ela se afastou da própria folha e acomodou as costas na cadeira, cruzando os braços. Pousei os meus sobre a escrivaninha, e deitei minha cabeça de lado sobre eles, de modo que ficamos uma olhando para a outra e sofrendo espasmos regulares por causa do riso.
Ela balançou a cabeça quando seu riso se soltou, e reparei que Yasmin ruborizou. Mordi meus lábios... Só então notei que meu rosto estava pegando fogo. Ela deveria estar rindo de eu estar tão vermelha!
– E aí? Pausa para o lanche?
– Por favor! – confirmei.
Yasmin se levantou e teve de passar atrás de mim para alcançar a jarra. Notei que ela passou perto demais e deixou uma das mãos sobre as costas da minha cadeira. Simplesmente não pensei, apenas deixei que minha coluna se endireitasse de novo e então lá estava a mão de Yasmin acariciando a minha nuca, seus dedos entrelaçados em meu cabelo.
Notei que ela estava tendo dificuldade para servir os dois copos com uma das mãos ocupada, mas não a retirou. Inclinei minha cabeça ligeiramente para trás, fechando os olhos, e a intensidade da carícia aumentou. No instante em que abri os olhos novamente, a mão dela deixou meu corpo, mas a sensação gostosa do carinho ficou ali por mais tempo.
– x –
Yasmin
Um gesto simples nunca tinha me parecido algo dotado de tanto significado. Quando tirei a minha mão da nuca de Paula, imediatamente senti falta do contato com ela. Rapidamente apanhei a tigela com biscoitos e ofereci a ela, que sorriu. Foi um sorriso educado, digamos, distante ou pelo menos diferente dos sorrisos que eu tinha trocado com ela minutos antes.
Apanhei meu copo e voltei para a minha cadeira, distraída em mastigar e encarar a janela.
– Quer ouvir música? – perguntei, porque estava eu mesma pensando se queria ou não.
– Aham.
– Podemos baixar o volume, depois, para continuarmos o trabalho.
– Sim.
Fiquei andando pelo quarto, abrindo portas e gavetas do guarda-roupa, olhando nas prateleiras. Nenhum dos CD’s espalhados me parecia apropriado e além de não saber o que eu queria ouvir, tive medo de deixar Paula propor algo, sob o risco de eu não tê-lo e ficar claro tão cedo que nossos gostos eram diferentes.
De repente essa idéia me apavorou. Não queria me sentir uma estranha para ela. Acabei ligando o computador para sintonizar uma rádio on line, assim, se ela não gostasse, eu poderia colocar a culpa em outra pessoa. Mas ainda teria de acertar no gênero...
Meu quarto estava mais arrumado do que jamais esteve desde o dia seguinte à mudança para aquela casa, e isso tinha dado muito trabalho depois do almoço, para disfarçar a zona antes que a Paula chegasse.
Espiei-a, segura por Paula estar de costas para mim. Senti vontade de dar alguns passos na sua direção e lhe roubar um beijo, mas logo reprimi o intuito. O computador não ligava nunca e aquele silêncio estava me deixando nervosa.
– O que você fez nesses quatro anos? – perguntei.
Ela se virou para me responder.
– Ah, nada assim muito interessante. Fui pra escola, todos os dias.
Ri por um segundo. Lógico que ela tinha ido para a escola, o mundo poderia acabar e Paula não faltaria aula. Isso se ela ainda fosse a mesma.
– E você?
– Escola também. Três diferentes. Essa é a quarta.
– Não é chato ficar mudando quase todos os anos?
– Se eu penso no quanto é ruim, sim. Mas quase não penso. Sinto falta de alguns amigos, acho que isso é o pior.
– É, eu sei bem o que é sentir falta de um amigo.
O que eu faria? Ela estava mesmo falando de mim, de quando fui embora da cidade, ou da Daniela, que agora estava proibida de vê-la?
Fiquei ali me sentindo horrível, porque ela bem poderia estar se referindo ao que aconteceu conosco e eu não retribuíra com nada.
– A Daniela joga muito bem – disse eu. – Eu fui ver um jogo do time de basquete do colégio.
– Você foi!? Nossa, eu morri por perder esse jogo. Ela nunca teria perdido um jogo meu. Mas... Não tava falando só dela.
Trocamos outro sorriso e eu desejei estar mais perto, mas continuava detida no computador enquanto ela permanecia na escrivaninha. Minha mente ficou vasculhando diferentes partes do cérebro, em busca de lembranças ou de criatividade para formular uma frase bonita para aquela hora.
Eu costumava ser boa e rápida nisso, mas o fato de ser Paula a garota diante de mim mudava a situação por completo. Eu não podia errar. Eu não podia estragar tudo.
– Você continua fazendo amigas assim... Como fez comigo?
Ela ficou muito vermelha de novo e quebrou o contato entre nossos olhares. Eu gostava de vê-la completamente sem jeito. Poderia fazer aquilo por toda a eternidade.
– Não, sua boba! – ela riu. – E aquilo não foi para ganhar a sua amizade. Só aconteceu... Eu não sabia naquela época que tinha vontade e muito menos a razão disso.
– Você não ficou esses anos todos pensando: “que merd*, porque eu fiquei com vergonha? Deveria ter aproveitado!”?
Paula gargalhou, ficando ainda mais vermelha. Percebi que o meu sorriso de dona da situação estava intimidando ela. Era hora de partir para uma nova tática, depois que ela respondesse.
– Eu pensei isso sim, quando descobri o que aquilo tinha significado – antes que eu respondesse, ela continuou: – O que você está fazendo aí nesse computador?
– Tentando conectar, quero buscar uma rádio online, porque os meus CD’s estão todos velhos e arranhados.
– Problemas?
– É, alguma coisa com a rede local...
– Posso tentar?
Apenas dei um passo para trás e fiquei vendo Paula se aproximar, como se o fizesse em câmera lenta. Mais da metade da tarde já tinha passado e em certos momentos eu me sentia mais nervosa ainda que o instante em que fechara a porta depois de trazê-la para o meu quarto.
Ela apanhou o mouse e concentrou sua visão na tela, verificando o Painel de Controle. Céus, como ela era linda, séria daquele jeito! Eu não tinha problema algum com a conexão, mas fiquei rezando em silêncio para a Internet não conectar de jeito nenhum e Paula continuar ali, tentando, compenetrada, alheia a mim e mais sexy do que jamais eu achei que uma mulher podia ficar.
– Parece normal, está conectado... – ela franziu mais o cenho. – Vou fazer um teste.
A página inicial abriu facilmente e acho que naquele momento ela se deu conta de que nunca houvera um problema. Olhou para os meus olhos e o que viu foi o sorriso mais inocente, puro e casto que eu jamais conseguira expor antes.
– Que coisa. Comigo não estava dando certo.
– Não...?
De repente até mesmo respirar ficou difícil. Quem era mesmo a eterna dona da situação? Paula tinha acabado comigo com aquele olhar de quem sabia o que eu estava aprontando, mas também de quem se encantara com o meu sorriso inocente. Eu lia isso nos olhos dela, como se alguém tivesse acabado de sussurrar ao meu ouvido tudo o que ela estava pensando.
Qualquer coisa que eu tivesse conseguido formular, em resposta, morreu na minha garganta, muito antes de ser pronunciada. Paula também não disse mais nada e claramente também não se importava que ficássemos ali paradas pelo tempo que fosse possível. Ela se aproximou do meu rosto, abraçou-me por cima dos ombros e ficou respirando a poucos centímetros dos meus lábios.
Inclinei meu rosto, de olhos abertos, e ela recuou um pouco. Recuei também, e então foram os lábios dela que buscaram os meus, mas pararam na última fração de segundo, antes que nossas bocas se tocassem. Nossos narizes se roçaram timidamente e minhas mãos – que sem que eu desse qualquer ordem, já pousavam na cintura dela – a seguraram com firmeza. Sorrimos. Houve um beijo leve e novas provocações, enquanto eu fechava os meus olhos depois de sentir Paula arranhando a pele da minha nuca e segurando firmemente a raiz meu cabelo, embora não me machucasse.
A atitude dela me deixara presa, mas quem disse que eu estava ligando? Eu já estava presa a ela por outros motivos...
– Filha, o colega de vocês chegou!
Maldita mania cavalheiresca do Nicholas de não se atrasar! Ele precisava estar lá para quando a mãe da Paula viesse buscá-la, e em troca disso eu daria cola de todo o trabalho para ele. Limpei minha garganta, chateada, e respondi minha mãe:
– Pede para ele subir, mãe.
Ouvi os passos da minha mãe rumando para o andar de baixo e olhei para Paula de novo. Ela tinha se afastado dos meus braços quando ouviu as batidas na porta.
– Foi por pouco – disse ela.
– Não se preocupe, a minha mãe nunca deixa de bater na porta. Estaremos sempre seguras aqui.
– Sempre? – Paula perguntou, surpresa.
Balancei a cabeça confirmando muito seriamente.
– Sim, porque faremos um grupo de estudos intensivos para o vestibular.
– “Faremos”?
– Aham. Você, eu e o Nicholas, que vai fazer o favor de nunca aparecer...
Ela mordeu os lábios antes de rir e eu quase me joguei nos braços dela, quase lhe roubei um beijo intenso como era o meu desejo naquele momento. Não conseguia acreditar que a mala do namorado de mentira dela já tinha chegado. O jeito foi colocar Nicholas a par dos exercícios e terminar o que conseguíssemos, deixando o resto para a noite.
Nicholas não tinha nenhuma facilidade com matemática e nem era esforçado, mas naquele dia estava colaborando... Ficava de olhos grudados no caderno enquanto Paula e eu trocávamos olhares e tentávamos não rir, para não chamar a atenção.
Fingindo que minha escrivaninha era pequena demais para nós três, cheguei mais perto da Paula e nossos corpos se roçavam o tempo todo, “sem querer”. Em algumas dessas vezes eu senti minha pele toda se arrepiar e vi que Paula ficara com um risinho superior, como se a idéia fosse exatamente essa: tirar-me do sério.
Bem, naquela tarde, por meio de dezenas de maneiras diferentes, foi exatamente isso que ela conseguiu fazer. E eu não fiquei nem um pouquinho zangada...
Fim do capítulo
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Pouca Sombra
Em: 17/07/2022
Adorando a história, muito bem escrita e cativante.
Resposta do autor:
Pouca sombra,
Olá, muito obrigada pelo seu comentário e incentivo!
Beijos!
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