O diário de Samira - Parte IV

       Da janela do La vie Jeri, abraçada a Maria Rosa, analisava os contrastes da noite, a lua estava cheia, redonda, brilhante e amarelada, com seus raios luminosos que rasgavam o céu escuro, respirei fundo percebendo que o apinhado de estrelas luziam fortes como o meu encanto, me entorpecendo a mente e o coração, sempre amei observar a natureza, ao longe também achei bonito de se olhar um  grande coqueiro iluminado por uma luz verde cálida, colocada pelos donos da pousada, o vento balançava suavemente nas folhas que faziam um barulhinho cadenciado e gostoso de ouvir, para além, podíamos ver os quiosques com suas redes preguiçosas, tudo me fazia lembrar a emblemática música de Cartola: "quero assistir o sol nascer, ver as águas dos rios correr, ouvir os pássaros cantar".

       Éramos felizes, sabíamos e só tínhamos o que agradecer. Apertei com delicadeza a cintura de Maria Rosa, sentindo o cheiro do creme corporal invadir minhas narinas, sorri para beijar o pescoço nu a mostra, achando lindo ver os belos cabelos negros e curtos balançando com a cadência do vento. O amor para o cérebro é equivale a vitamina D para o corpo, ambos promovem inspiração.

- Quero voltar muitas vezes aqui... - Ela falou suspirando alto.

- Voltaremos amor, esses dias foram mágicos para nós, se quiser ficar mais tempo, a gente...

- Não precisa meu bem, tenho certeza que nossos dias vão continuar sendo mágicos. Eu conheço Fortaleza, mas contigo terá um sabor totalmente diferente, e por hora precisamos mesmo ir embora, a minha sogra está nos esperando, lembra?  - Falou para rir baixinho, levantando levemente os ombros.

       Sorri, virando a minha morena, para olhar bem dentro dos olhos negros agateados, achando a perfeição, em seguida, passei a ponta dos dedos no par de covinhas que brotavam do seu sorriso, deixando que minhas mãos lhe puxassem pela nuca. Dei um beijo lento, morno, sem pressa alguma, sentindo o sabor da sua boca misturado ao licor de Crème Brûllée, que havíamos encontrado essa tarde na loja de Remy, chef francês que há anos morava no Ceará.

       Maria Rosa me abraçou forte, colando seu corpo no meu, depois pediu licença, saindo delicadamente do meu abraço, indo até a sala buscar mais um pouco do licor, além dos minis croissant com patês e chocolates.

- Me deu fome... - Falou sorrindo abertamente, para em seguida arrumar meu prato, em seguida fez o mesmo com o seu, achava lindo seu pequeno ritual na hora do lanche, sempre seguindo um padrão, do lado direito sempre ficava o salgado, do outro os doces, no meio sempre deixava um guardanapo para não misturar os sabores.

- O que foi amor? está me olhando de um jeito tão contemplativo.

- Eu amo ver você arrumando nosso lanche. Maria Rosa, você é tão linda!

- Boba! São seus olhos que acham bonito tudo o que faço. Acho que você adora é me ver sem graça - Falou sentindo o rosto corar.

- Mas, é verdade, você fica ainda mais fofa.

- Ah, para amor, não parece, mas, fico mesmo com vergonha.

- Parece sim, suas bochechas estão rosadinhas... - Rimos juntas, e enquanto lanchávamos ouvíamos as músicas de uma rádio local.

Rádio Nas ondas de Jeri FM

       Boa Noite ouvintes da Rádio Ondas, aqui quem fala é Giovanna Vieira, agradeço a sua audiência e a sua companhia, vamos encerrar o programa com um clássico da Rainha do Rock Brasileiro, Rita Lee. Aproveitem a lua cheia para curtir tudo o que a natureza proporciona. Um abraço forte e um beijo em cada coração. Voltamos na quinta com a nossa programação. Fuuui...

Meu bem, você me dá água na boca

Vestindo fantasias, tirando a roupa

Molhada de suor de tanto a gente se beijar

De tanto imaginar loucuras

A gente faz o amor por telepatia

No chão, no mar, na lua, na melodia

Mania de você, de tanto a gente se beijar

De tanto imaginar, imaginar loucuras

Nada melhor do que não fazer nada

Só pra deitar e rolar com você

Nada melhor do que não fazer nada

Só pra deitar e rolar com você

       Enquanto a música tocava, me posicionei na frente de Maria Rosa, que só entendeu o que ia fazer quando passei a interpretar a música em Libras, a linguagem brasileira de sinais. Ela sorriu pra dizer "Amor, que lindo".

- Também falo com as mãos, não sabia?

- Ah, mas, disso não duvido, você me fala tantas coisas lindas quando me toca, me beija, me abraça, quando caminha com sua boca pelo meu corpo.

       Apaixonada, aconcheguei a namorada, em seguida a levei para o quarto, encostando a janela, então, tirei sua roupa de forma lenta, mas, urgente, não estava com pressa, embora estivesse faminta. Parei uns instantes para olhar sua beleza morena, admirando sua pele arrepiada e os olhos cheios de desejo, ela falou baixinho, quase em um sussurro "continua", fui até seus pés para começar a beija-la inteira, sentindo seu cheiro exalar junto com o suor de seus poros, fazer amor com Maria Rosa me dava uma sensação de completude, depois que saciamos nossa vontade, exaustas e anestesiadas pela endorfina do sex* dormimos entrelaçadas. Acordamos nuas e sonolentas quando bateram na nossa porta.

- Senhoras? É o café da manhã.

- Nossa, esqueci completamente que marcamos o café para 8h, e já são 10h - Dei um pulo da cama, ao mesmo tempo que gritei para esperar, enquanto isso buscava sem muito sucesso as partes do meu pijama, foi quando vi a parte de baixo jogada no chão, e a blusa toda embolada embaixo do travesseiro.

- Só um minutinho, moça - Falei, para abrir a porta esbaforida, enquanto Maria Rosa foi ao banheiro tomar banho e trocar de roupa.

- Bom dia, trouxe o café da manhã privado como pediram, onde ponho?

- Pode ser na varanda mesmo...espera um minuto...eu te conheço, não é? - Falei observando a dona de cabelos loiros cortados à Chanel, uma verdadeira versão cearense de Reese Witherspoon.

- Sou Marina, atualmente sócia da pousada, namoramos na época da faculdade, mas, tenho certeza que não deve lembrar, já que me trocou por uma qualquer.

       Senti meu rosto arder de vergonha, ainda mais com a presença de Maria Rosa. Somente uma coisa transitava em meu cérebro, como Marina guardava rancor depois de tanto tempo? - Me desculpe - Foi a única coisa que tive coragem de falar, antes da minha namorada voltar para o quarto.

- Amor, essa é a Marina, uma amiga da época da faculdade.

- Ex namorada você quer dizer, pois namoramos três meses - Falou com os faiscantes olhos azuis inundados de rancor. Tremi nas bases, mas, ao contrário do que pensei, Maria Rosa não sentiu nenhum tipo de incômodo, apenas sorriu, oferecendo a mão delicada para dizer:

- Prazer, Maria Rosa...

- Cuidado, essa aí era a exterminadora do curso, até hetero não escapou. Saiba que esperei esses anos todos só para dizer isso, você não vale nada Samira, nada mesmo.

- Me desculpe Marina, mas, quando te conheci você sabia muito bem que ainda era apaixonada por outra, você me convenceu a tentar, mesmo eu te avisando que não estava preparada.

- Peste, você não me deu a chance de te conquistar, depois fiquei tão decepcionada que casei com o primeiro homem que se apaixonou por mim.

- Não é assim que funciona, tira isso do teu coração menina, vai viver e ser feliz.

- Nunca sem antes estragar um namoro teu...

       Minha namorada estava parada como uma estátua, parecia impassível, nada lhe abalava. Quando a discussão estava acalorada, pediu um minuto para falar.

- Não se preocupe querida, tenho certeza que essa parte ficou no passado, não é mesmo Samira?

- Sim, totalmente...

- E Marina, você merece ser feliz, sei que é casada, e, pelas fotos que vi pela pousada, tem dois filhos lindos...mas, se a relação com teu marido não te completa, pense em recomeçar sozinha.

A loira desatou num choro que parecia vir da alma, terminamos a conversa com ela me perdoando, e Maria Rosa fazendo uma terapia que não entendi muito bem, só sei que parecia cena de filme.

       Terminada a confusão, Maria Rosa terminava de arrumar sua bagagem, parei uns instantes pensativa, apesar de ter terminado tudo bem tive medo da rejeição, me aproximei devagar, colocando gentilmente a mão em seu ombro, ela virou, então afastei uma parte da franja que caia displicente em seu olhos, que continuavam brilhando ao me ver. Ufa...

- Você não sentiu ciúmes, amor?

- Não, eu percebi que ela estava em total desequilíbrio por ter visto o que ela acreditava ser um fantasma do passado, agora está tudo curado e vai seguir sua vida. Vamos tentar ver as pessoas ao nosso redor como seres humanos também. Erramos como ela, poxa! E o assunto foi dado como encerrado para o meu total alívio.

- Amor, liguei para os meus pais e avisei que vamos dormir essa noite na Praia dos Amores, é relativamente perto, duas horas de onde estamos, e ainda é no caminho para Fortaleza, vale a pena, você vai ver.

- Eles não ficaram chateados? Jura? Olha lá hein amor...

- Ficaram não minha lindeza. Juro, juradinho!

       Nos despedimos de Marina, entrando na balsa para atravessar e buscar nosso carro.

- Obrigada por esses dias meu amor.

- De nada minha Rosa.

Bem vindos a Praia dos Amores

       A placa indicando a praia estava cheia de manchas, além da frase estar fosca, a foto da moça bebendo água de coco também ia aos poucos esvanecendo.

- Acho essa praia tão linda meu amor, dá até pena que está entregue as moscas, quase ninguém vem aqui, sabia? A cidade sobrevive porque tem clientes fixos, inclusive uns políticos safados.

- Porque será?

- Amor, não se sei, como dizem no Ceará até parece que enterraram a cabeça de um bode por aqui, tudo mingua, nada dá certo. Depois com essa catrevagem da foto, esse gato véi que usaram como modelo só podia dar caé.

- Vocês têm as melhores gírias do mundo, o que quis dizer amor? liga a tecla SAP e traduz. Hahahahah...

- Estou dizendo que escolheram uma modelo horrível, só podia dar azar, parece que está ch*pando limão azedo e não bebendo água de coco.

- Aí amor, não tem como não te amar, sabia? Sá, olha, sei que está sol, mas, tenho a impressão que essa chuvinha vai engrossar.

- É o casamento da raposa...

- O que amor?

- Estou falando dessa situação climática curiosa em que sol e chuva se apresentam ao mesmo tempo.

- Entendi, amo quando fala as gírias da sua terra...

- Diabéisso menina, tu ainda não se acostumou? Valha!

       Sorrimos desligando o carro quando o GPs automático apitou avisando que estávamos perto da pousada. De longe avistamos o muro baixo pintado em amarelo, com letras bem desenhadas escrito "Pousada Stella Maris". Paramos no acostamento, e descemos do carro para admirar o espaço, e acima de tudo a natureza preservada, o mar tão verde que mais parecia uma piscina de esmeraldas, era uma das coisas mais lindas que já havíamos visto na vida.

       Descobrimos a pousada durante a viagem, no seu próprio site, além das fotos do lugar, da praia e dos serviços, mostravam os quartos aconchegantes, uma parte estava localizada em frente à praia, o restante na área de lazer, que incluía uma piscina de borda infinita, essa com vista para o Morro da Noiva, um dos cartões-postais da Praia dos Amores.

- Boa tarde, gostaríamos de um quarto por favor!

- No nome de quem?

- Samira e Maria Rosa Aguiar - Vi quanto minha morena virou o rosto, segurando o riso. Já no quarto, ela se agarrou na minha cintura para dizer.

- Está me pedindo em casamento mocinha?

- Se você se comportar bonitinha...quem sabe?

- Ah, e o que preciso fazer para ter esse privilégio?

- Acho que mais tarde eu posso contar, mas, por hora...creio que precisamos comer.

- Tem razão amor, minha barriga está até roncando de fome...fazer o que se nascemos ambas com ascendente em Touro?

- Pois é...

       Entramos as duas no chuveiro, fazendo um esforço para tomar um banho rápido, sem nem um beijo, depois trocamos de roupa, saindo para perguntar ao dono da pousada onde poderíamos almoçar, ele entre sério e mal humorada deu um endereço de um restaurante de frutos do mar chamado "Pescadeiro".

- Moças...

- Sim? - Falei meio mau humorada de fome.

- Se forem voltar a noite, peço que apareçam antes da meia noite, depois desse horário não abro nem para minha mãe...

- Tudo bem! - com a fome que estávamos não íamos discutir por nada desse mundo.

.

    De longe ouvíamos um forró que agradou nossos ouvidos...

Momentos de amor
Quero com você
Momentos eternos pra nunca esquecer
Se você me ama
Me leva pra cama
Acende essa chama de amor e querer

Só nós dois em nosso ninho
Testemunhas para que?
Nossos corpos coladinhos
Suadinhos de prazer

Amor, me leva faz de mim o que quiser

Me usa, me abusa pois o meu maior prazer

É ser tua mulher... 

.

- O forró é bem bonitinho, mas, essa história de me usa, me abusa...bate lá no meu útero feminino.

- Esquece amor, se liga só no som, vamos dançar?

Fim do capítulo