Capitulo 76
A Última Rosa -- Capítulo 76
Jessica forçou a porta até que conseguiu abri-la. Se o carro afundasse uns centímetros a mais na água, não teria conseguido. O nível da água continuava subindo. Jessica estava apavorada, se ainda houvesse um ser vivo naquele carro, seria um grande milagre.
Depois de retirar as caixas de cima do banco, apalpou o assoalho do carro e encontrou outro bebê conforto. Quase deu um berro de emoção. Embaixo de cobertores havia outra criança, um bebezinho lindo!
Examinou-lhe a cabeça, também as perninhas, sem encontrar nenhuma lesão séria. Viu que entreabria os lábios, mas não emitia som algum. Franzindo o cenho, tocou-lhe o machucado no bracinho. Estava muito quente, quase febril.
-- Você é um milagre de Deus, só pode ser!
O comandante apareceu ao seu lado.
-- Eu vim ajudar -- ele olhou para o bebê enrolado no cobertor -- Mais uma criança! Isso é maravilhoso.
-- Sim, mas essa está bem fraquinha. Precisamos levá-la para um hospital, urgentemente.
-- Sim, sim, vamos.
O primeiro passo era tirá-la do contato da água gelada. Felizmente não estavam longe do jipe.Tinha perdido um sapato e o outro acabava de cair do pé e ir embora com a água. A lama do fundo dificultava seus movimentos. O prefeito se adiantou, ajudando-a a entrar no carro.
-- Obrigada! -- ela sentou-se no banco com o bebê no colo -- Como está a mulher?
O juiz balançou a cabeça.
-- Ela não suportou, provavelmente, uma hemorragia interna.
Chocada pelo inesperado daquela notícia, Jessica perdeu o ar.
-- Não! Não! -- ela olhou para o bebê em seu colo e não conseguiu segurar as lágrimas -- Não é justo.
O juiz tocou-lhe o ombro de leve.
-- É triste, mas ainda temos dois anjinhos para salvarmos.
-- Quer que eu conduza o jipe? -- perguntou o comandante.
-- Acha que consegue?
-- Posso tentar -- ele respondeu, abrindo os braços.
--Tudo bem, mas não corra. Nada de movimentos bruscos.
Depois de muitos solavancos, o jipe seguiu caminho em direção ao hospital. Jessica sentia vontade de esconder o rosto entre as mãos e chorar de tristeza pela morte da mãe dos bebês. Infelizmente, não havia tempo para tristezas ou lágrimas. A viagem interrompida pelo acidente, precisava ser reiniciada ou não chegariam ao centro de Hills. Tinham que seguir adiante em busca de ajuda. Pelos bebês encontrariam força o suficiente para enfrentar as dificuldades.
Uma gota gelada pousou em seu rosto e trouxe-a de volta à realidade.
-- Temos que encontrar um hospital e bem depressa! Comandante, vem para o banco de trás e ajude o juiz a segurar o bebê. Eu vou pegar o volante novamente, precisamos aumentar a velocidade.
O comandante pulou para trás e pegou o bebê do colo de Jéssica.
Momentos depois, estavam na avenida principal.
-- O que você vê à nossa frente, Jessica?
-- Água, muita água! -- ela disfarçou um sorriso -- E já estamos entrando no centro de Hills.
-- Parece uma cidade fantasma -- comentou o prefeito.
Jessica controlou-se para não dizer que eles eram os únicos loucos o bastante para cruzar aquela região completamente alagada. O carro prosseguiu aos solavancos, com muita água em seu interior. O vento soprava mais forte, jogando folhas e pequenos galhos no parabrisas.
O único som além do assobio do vento e do barulho da chuva era um ocasional resmungar dos bebês.
-- A cidade está destruída.
A voz lamentosa do prefeito aumentou a angústia de Jessica que via a palidez dela se acentuar com excessiva rapidez.
-- Calma, prefeito! O que importa são as vidas, a cidade reconstruiremos com o nosso trabalho. O que não podemos é perder a calma -- Jessica sorriu, procurando demonstrar uma segurança que não sentia.
-- Você tem razão!
A voz do prefeito se perdeu entre o barulho de uma árvore caindo poucos metros do Jipe.
-- Essa foi por pouco -- Jessica comentou ao perceber a preocupação do comandante -- Mas infelizmente a árvore está impedindo a passagem do Jipe.
-- Você não disse que esse Jipe enfrenta qualquer terreno?
-- Disse -- Jessica virou-se para o juiz -- O que eu não disse ao senhor é que ele é um transformers. O que prefere? Um helicóptero ou uma escavadeira?
-- Nós não podemos ficar aqui por muito tempo, Jessica -- o comandante fitava a jovem com um olhar preocupado -- Em breve, seremos arrastados pela enxurrada, alguém precisa ir em busca de socorro.
Ela engoliu em seco pois era evidente que só uma pessoa poderia ir em busca de auxílio e a ideia do comandante idoso lhe parecia completamente irracional.
Inquieta, Jessica olhou para a paisagem coberta pela água. Era perigoso demais. E no entanto, aquelas pessoas dependiam de sua força e de sua coragem. Seria preciso lutar contra o medo e enfrentar o desconhecido a fim de procurar uma saída. Remexendo entre as coisas do bagageiro, Jessica encontrou as botas de montaria que usou na última vez que foi à fazenda com Marcela, em um passado que já lhe parecia ter sido apenas um sonho.
-- Leve meu casaco de couro -- interferiu o prefeito -- Vai ficar enorme, mas vai impedir que congele.
-- E a lanterna, também.
Sentindo-se inexplicavelmente mais segura, Jessica pulou do jipe, mas o comandante a segurou pelo braço, impedindo-a de prosseguir.
-- Por favor, não vá. Deixe-me ir no seu lugar. Apesar dos meus setenta anos, sou mais experiente.
-- Eu sei que o senhor é experiente, por isso deve ficar e cuidar de todos. Se a chuva continuar com essa intensidade, o jipe será arrastado pela correnteza. Fiquem todos tranquilos. Eu voltarei logo e com ajuda!
Lançando um último olhar aos três que agora eram grandes amigos e dependiam dela para sobreviver, Jessica avançou em direção à grande árvore atravessada na estrada.
A água já havia invadido a parte térrea do prédio, Maya e os funcionários que estavam presentes na inauguração, conseguiram salvar quase todos os móveis e equipamentos.
-- Obrigada, pessoal! A nossa união foi determinante no sucesso do trabalho. Jamais esquecerei -- disse Maya, emocionada -- Agora vamos para o refeitório, uma bebida quente cairá muito bem.
No terceiro andar Maya aproximou-se de Nilson, que estava reunido com outros homens.
-- Alguma novidade?
-- Consegui contato pelo rádio do comandante com o corpo de bombeiros -- ele balançou a cabeça antes de continuar -- As coisas não estão nada boas por lá. Muita destruição e desespero. Vários prédios públicos foram afetados, inclusive a prefeitura e o fórum. Os bombeiros não estão conseguindo atender tantos chamados.
A notícia deixou Maya ainda mais nervosa.
-- Já não era para eles terem chegado em Hills?
-- Acredito que sim, mas pense nas dificuldade que eles devem estar enfrentando pelo caminho!
-- Estou preocupada. A Jessica é muito metida à heroína, o senhor a conhece muito bem, ela não tem medo de nada, chega a ser irresponsável -- Maya sentia-se tão cansada, os ossos doendo, que andar era um grande esforço. Então, caminhou até uma das mesas do refeitório e sentou-se com os amigos.
-- A noite será longa -- comentou, Valquiria -- Pelo menos temos bastante comida.
-- E o padre tem bastante velas -- disse Pepe -- Estou quase me juntando à eles para rezar.
-- Estou gostando das músicas -- comentou Dino.
-- Se eles cantarem: Segura na mão de Deus e vai! Eu bato no padre! -- comentou Pepe, com os cotovelos sobre a mesa.
No pequeno círculo iluminado pela lanterna, a ideia de atravessar por aquele mundaréu de água parecia apenas irracional. Porém, agora, rodeada por algumas luzes de emergência que vinham de alguns prédios, a situação era decididamente sinistra. Toda a rua fora tomada pelas águas e não se via qualquer sinal de vida humana ou animal. Jessica sentiu um pânico quase incontrolável. Como saberia se estava caminhando em um lugar seguro?
Lutando contra o terror, ela tentou lembrar-se de situações perigosas que enfrentou durante o rapto de Maya por Maicon. No passado, o inimigo tinha sido o homem e agora era a natureza. A chuva torrencial havia se transformado em uma chuva fina e a temperatura caia rapidamente.
Subitamente, Jessica ouviu o barulho da sirene do carro do Corpo de Bombeiros.
-- Oh, graças a Deus -- murmurou ela, com lágrimas nos olhos -- Graças a Deus...
Maya aproximou-se da janela do restaurante, e uma expressão de alívio surgiu em seus olhos. Percebendo, Valquiria perguntou:
-- Então? Consegue ver como está a situação?
-- O dia está amanhecendo e já dá para ver que a água está baixando.
-- Graças a Deus! -- agradeceu Valquiria.
-- A chuva parou por completo e logo poderemos sair do prédio.
Nilson aproximou-se dela de repente, com as mãos nos seus ombros, virando-a para encará-lo.
--Tenho notícias da Jessicas e dos demais.
Maya olhou para ele, aflita.
-- Fala delegado!
-- Faz meia hora que eles chegaram ao Hospital Infantil -- disse, depois de uma ligeira hesitação. Os olhos dele se estreitaram -- Chegaram com dois bebês e o corpo de uma jovem mulher.
Assombrada, ela olhou para o delegado.
-- Que história mais louca é essa?
-- O que sei é que no caminho eles encontraram um carro tombado com uma mulher e dois bebês dentro. Pelo que consta, a mulher é a mãe das crianças.
Maya levou as duas mãos sobre o coração.
-- Meu Deus, que tragédia! E as crianças? Como estão?
-- Segundo o bombeiro com quem falei, uma delas está bem, mas a outra corre risco de morte.
-- Não pode ser! -- seu rosto entristeceu. Era nítido seu desespero. Inesperadamente, ela virou-se e saiu do refeitório apressada, esquecendo a bolsa sobre a cadeira.
Nilson notou a aflição em seus olhos e aquilo o preocupou. Apanhou a pequena bolsa e saiu atrás dela. Não demorou para avistá-la na escada, olhando fixamente para as águas barrentas lá embaixo.
Nilson correu até ela, percebendo a sua intenção de sair do prédio.
-- Não faça isso! -- pediu, segurando-a pelo braço. Ela tentou desvencilhar-se dele, mas Nilson sacudiu-a com força -- Por Deus, tente se acalmar!
-- Eu preciso ir até o hospital.
-- Para que?
-- Para ajudar a cuidar dos bebês -- murmurou ela, o rosto pálido.
Nilson cruzou os braços sobre o peito, observando-a, por alguns segundos.
-- Para isso tem os médicos e os enfermeiros. Não precisa você sair daqui arriscando-se dessa forma.
Maya arrancou a bolsa da mão dele e tirou a chave do carro de dentro.
-- Eu só precisava disso. Obrigada! -- disse, sacudindo a chave no ar.
-- Espera Maya -- Nilson segurou-a pelos ombros -- Eu vou com você.
-- Nananinanão! -- disse Pepe, no topo da escada -- Eu é quem vou com ela.
Maya ergueu o rosto, a expressão de alívio.
-- Obrigada, Pepe. Então vamos.
Ele desceu a escada de dois em dois degraus e arrancou a chave da mão dela.
-- Mas vamos no meu carro! Você é horrível ao volante.
Jessica ouvia vozes, mas não conseguia levantar-se para ver quem estava falando porque alguém a segurava com firmeza. Eram mãos muito fortes e a forçaram a beber algo que lhe parecia fogo líquido. Jessica engasgou mas, ao recuperar o fôlego, foi obrigada a tomar mais um gole. Estranhamente, a terrível bebida lhe devolveu as forças e ela abriu os olhos.
-- Você está com uma aparência bem melhor.
Certa de que realmente morrera e, para sua surpresa, encontrou apenas um ser humano como ela, decepcionou-se.
-- Então... você não é Deus! -- disse indignada.
-- Já me chamaram de muitas coisas nessa vida, mas de Deus, é a primeira vez.
-- Eu pensei... -- subitamente, toda a cena ficou muito nítida na mente de Jessica e ela pulou da cama, assustada -- As crianças?
-- Calma! Elas já estão sob cuidados do pediatra. Uma está no berçário e a outra na UTI -- envolvendo-se em uma manta, o homem acomodou-se em um pequeno sofá -- Descanse, não podemos fazer nada por enquanto.
-- Mas você pretende dormir? -- Ela não disfarçava a indignação -- Não vamos ajudar a minha família e o povo que está ilhado no prédio da fábrica?
-- Nós não iremos a lugar algum enquanto as águas não baixarem por completo. Além disso, você precisa de algumas horas de repouso. Durma.
Em minutos o bombeiro dormia tranquilamente. Como ele podia dormir sabendo que várias pessoas corriam perigo? Certa de que a preocupação não a deixaria dormir, Jessica, saiu do quarto caminhando na ponta dos pés para não acordá-lo. Incapaz de controlar a curiosidade, abriu porta por porta até encontrar a UTI.
-- Posso saber o que você está procurando? -- perguntou um homem vestido de branco e com um estetoscópio pendurado no pescoço.
Jessica recuou, por um momento.
-- Estou procurando os dois bebês que foram trazidos pelos bombeiros.
-- O que você é deles?
Os lábios bem feitos se curvaram num sorriso.
-- Nós os resgatamos de dentro de um carro tombado na estrada.
Ele levantou as sobrancelhas.
-- Você é a Jessica? -- perguntou, mudando completamente o tom de voz.
-- Sim, eu mesma.
-- Parabéns, o juiz e o prefeito rasgaram elogios à sua pessoa. Parece que salvou as crianças de um final muito cruel.
-- Fiz o que qualquer um deles faria... -- ela levantou uma das sobrancelhas e completou ironicamente: -- Se tivessem coragem.
O médico balançou a cabeça e apontou para a porta.
-- Vou contar para eles que você disse isso -- ele brincou.
-- Pode contar.
-- Venha, vou te levar para ver os bebês.
O vento parou de uivar, a chuva felizmente cessou, Maya sentia-se, ansiosa por ir ao encontro de Jéssica. O mar azul da baía de Hills aparecia de vez em quando através das palmeiras e dos arbustos coloridos. Mas nem a brisa da manhã e a visão daquela paisagem repousante conseguiam acalmá-la.
-- Como está se sentindo? -- perguntou Pepe, agarrando-se ao volante.
-- Como se estivesse dentro de uma máquina de lavar roupas -- murmurou ela, segurando firme no puta-merd* -- Eu tenho a impressão que o carro vai desmontar.
-- Não tenho culpa se o meu carro não é um caçador de tornados como o da dona Jess Helen Hunt -- disse irritado.
-- Calma, Pepe Legal. Você perguntou, eu só respondi.
A estrada era estreita, e de ambos os lados haviam muitos arbustos e árvores com enormes galhos que se agitavam com a passagem do carro de Pepe.
Quando eles se afastaram da região industrial, encontraram um mundo absolutamente barrento. Pepe já sabia que não seria nada fácil chegar ao centro de Hill. Uma tempestade como aquela tem o poder de modificar por completo a paisagem, obstruir ruas com queda de árvores e alagamentos. Estragos que podem levar dias até serem recuperados.
Fim do capítulo
Comentar este capítulo:
Ines
Em: 25/05/2022
Boa noite Vandinha
Como vai??
Passando por aquí só para saber se não vai dar continuidade no romance Diálogo com os espíritos??
Resposta do autor:
Olá Ines! Tudo bem?
Vou dar continuidade sim. Estou relendo alguns capitulos e logo, logo, retomarei à história. Prometo.
Beijão querida.
HelOliveira
Em: 24/05/2022
Até nessas horas a Jess faz suas piadinhas, agora não sei quem é mais maluca das duas...
Torcendo para que a Maya e Pepe cheguem bem
Tenso esse capítulo muito bom
Resposta do autor:
Alô HelOliveira!
Perde o amigo, mas não perde a piada.
Beijos.
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Marta Andrade dos Santos
Em: 23/05/2022
As crianças estão bem que legal.
Resposta do autor:
Oi Marta.
As bebezinhas estão 100%. Agora vamos esperar pelos parentes.
Beijos.
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Mille
Em: 23/05/2022
Oi Vandinha
Jéssica vai ficar doida quando souber que Maya saiu e está no meio da bagunça.
E as bebês com certeza terá a Jesse como mãe.
Bjus e até o próximo capítulo
Resposta do autor:
Olá Mille!
Pois é, esses dois não tinham nada que sair da empresa. E agora?
A Jess não vai deixar as crianças sem um lar, isso é certo.
Beijos.
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NovaAqui
Em: 23/05/2022
Esqueci no outro comentário:
Acho que elas vão ganhar dois filhos.
Seriam muito legal para alegrar mais ainda a vida delas e dos amigos
Abraços
S2
Resposta do autor:
Olá NovaAqui.
Pensa, seria a maior felicidade para a Jessica e a Maya.
Beijos.
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