Fique por Leticia Petra
Capitulo 21 - Avalanche.
7 de julho.
Acredito que já era muito tarde, o céu de Belém estava nublado e chovia fraco, mas o suficiente para deixa a noite fria. Sentei na varanda, me envolvendo na manta quentinha que havia trago do quarto da Zoe. Dormir lá me trazia algumas lembranças da noite de seu aniversário. Se antes eu só queria esquecer aquele dia, agora me esforçava para recordar algo mais claro da nossa primeira vez.
O sono ainda não me visitou até aquele momento. Continuava a pensar no acontecido, na carta deixada. Só queria entender o motivo de Fábio ter tanta aversão a mim.
— Terra chamando Oli... – A voz de Caio me trouxe de volta.
— Desculpa, a minha mente foi pra longe. – Deitei, me encolhendo. — Me fala mais da sua mãe, de como estão as coisas em sua casa?
— O meu pai decidiu ir embora. Ele e a minha mãe tiveram uma discussão horrível, Oli, ele não aceita a minha sexualidade de forma alguma. – A voz de Caio oscilou. — Mas, você precisava ver como ela me defendeu. Ela disse que me escolheria sempre, Oli, porque eu sou o filho que toda mãe queria ter.
Não pude deixar de sorrir.
— Sinto muito por seu pai, mas estou feliz que a sua mãe finalmente deixou de aceitar ser submissa. Ainda não tive a oportunidade de conhece-la como deveria, mas quando tudo isso acabar, farei toda questão.
— Ela disse que já sente que te conhece de tanto que falo de você. E Oli, eu sinto muito por tudo que tem passado. Eu tenho fé que isso tudo vai chegar ao fim. Você merece ser feliz, amiga...
— A gente merece, seu bobão, e quero deixar registrado que serei a madrinha dos teus futuros filhos. – Mudei o rumo da conversa, não queria me lamentar ainda mais.
— Por que no plural? Oli, eu não sei se quero tantos assim...
— Você vai ser um bom pai, Caio. E eu, é claro, uma madrinha sensacional e linda, obvio.
— Na escola que você aprendeu humildade, tem vaga? – Não pude deixar de rir.
— Eu adoro você, magricelo.
— Ei, até que ganhei uns músculos. Vou te mandar uma foto do meu lindo corpo...
— Não, pelo amor de Deus...
Caio gargalhou, mas ainda assim, alguns segundos depois ele me enviou uma foto no WhatsApp, completamente nu e isso me fez rir até sentir a barriga doer. Ficamos mais algum tempo conversando, até que Duda desceu para me chamar para o quarto.
A minha mãe estava deitada, dormia tranquilamente. Fazia 1 hora que eu estava em seu quarto, velando o seu sono. Marina havia ligado há pouco, me disse que adiantou o voou para a parte da manhã. Ela já havia embarcado e em 2 duas horas chegaria ao aeroporto.
— Ei. – Duda apareceu na porta. — Vamos comer algo, pois você tá em jejum desde que levantou.
— Vamos sim. – A olhei mais uma vez.
— Cássio vai buscar a sua irmã. Zoe me ligou há pouco, pediu pra tomarmos cuidado com a imprensa. – Amarrei meu cabelo em um coque. — Todos já saíram, essa casa é muito grande, me perdi várias vezes.
— Yuna vem deixar o Ben daqui a pouco. Não se sente um pouco estranha? – Me sentia um pouco deslocada.
Chegamos à cozinha.
— Muito... a casa do seu tio é linda, mas não me sinto tão a vontade. Espero que tudo isso passe logo e possamos voltar pra casa. Foi difícil dormir. – Duda me abraçou pela costa, repousando sua cabeça em meu ombro. — Ainda bem que ficamos no mesmo quarto.
— Já não sei se consigo dormir sem você, Duda. – Sorri.
— Vai ser assim por um bom tempo e eu estou adorando. Vou te acompanhar até o restaurante mais tarde. Acha que depois que a Marina voltar, poderemos voltar pra casa?
Me virei para olha-la.
— Não quer estar aqui quando a ela chegar, não é? – Minha irmã confirmou com acenar de cabeça. — Quando ela estiver aqui, vou pedir pro Cássio te levar em casa.
— Obrigada, Oli. Andei pensando e vou criar vergonha na cara. – Franzi o cenho.
— Do que tá falando? – Coloquei uma mexa de cabelo atrás de sua orelha.
— Vou esquecer a Marina, não quero mais me submeter a nada disso. – Eu conhecia bem esse sentimento.
— Está segura? – Ela sorriu e me abraçou.
— Sim, eu não quero mais alimentar isso... chega.
— Vou te apoiar seja qual for a sua decisão, maninha. Eu amo muito você...
Em imediato, Duda me encarou e a sua tez franzida deu lugar a um sorriso imenso.
— Eu amo muito você, pequena Olivia Palito.
Se havia algo de bom em meio a toda essa merd*, com toda certeza era ter os meus irmãos e o meu sobrinho.
Depois do café da manhã, recebi uma ligação de Caio e passamos um longo tempo conversando. Ele me disse que iria me ver no restaurante e levaria a dona Felícia para que finalmente pudéssemos nos conhecer. Ele estava preocupado comigo e eu o amava ainda mais por isso. Mesmo estando em um momento delicado, o meu grande amigo encontrava espaço para pensar em outra pessoa. Caio é sem dúvidas um homem maravilhoso.
Minha mãe acordou um pouco indisposta, então apenas comeu algo e passou o resto da manhã na rede da varanda. Duda e eu decidimos fazer companhia a ela.
— Dona Betina, vamos jogar baralho? – Minha irmã embaralhava as cartas.
— Mas está só nós. – Duda olhou ao redor.
— Posso chamar mais alguém? – Minha mãe e eu franzimos o cenho.
— Quem você vai chamar? – Perguntei, curiosa.
Ela levantou e entrou na casa, voltando alguns segundos depois com a dona Helen, a senhora que fazia a manutenção do jardim.
— Menina, eu não posso...
— Pode sim, Helen... e eu sei que você adora baralho. – Maria Eduarda tinha uma facilidade incrível de fazer amizades.
Minha mãe e eu nos olhamos, rindo de toda a situação.
— Tá tudo bem, Helen. Jogue com a gente... – A mulher ficou toda desconfiada.
— Tem certeza, senhorita Betina? O seu Bernardo pode achar inapropriado.
— Não se preocupa com isso, senta aí e vamos jogar. – Minha mãe percebeu a tentativa de Maria Eduarda de anima-la.
— Então tudo bem, dona Betina.
— Senta aí, Helen, que vou acabar com você... – Duda ativou o modo competitiva.
O olhar da minha mãe mudou e eu agradeci mentalmente a Maria por isso.
Quando o relógio marcava 12:00hrs, Cássio me enviou uma mensagem dizendo que Marina havia chego, e que em 40 minutos chegariam à casa do meu tio. O interfone tocou, o novo porteiro informou que Yuna e Ben estavam na portaria. Liberei a passagem e fui para a sala espera-los. As três continuavam jogando, haviam esquecido do mundo ao redor.
— Tia, onde está a tia Betina? – Benjamin perguntou assim que atravessou a sala.
Yuna vinha logo atrás.
— Ela está na varanda com a sua tia... vá até lá, meu bem. – Beijei sua testa. — Fica naquela direção ali.
Benjamin sorriu e foi para o lugar que indiquei.
— Oi... – Yuna estava estranha.
— Oi. – Fui até ela e nos abraçamos. — Não poderei demorar muito, pois preciso voltar pro trabalho.
Ela estava fria.
— Acho que precisamos conversar, Olivia. Há algo que precisamos resolver, mas não será agora. – Ela passou sua mão sobre a cabeça.
— Posso passar na sua casa amanhã? – Ela me encarava.
— Te pego pela manhã, tudo bem? – Senti um arrepio na espinha.
— Vou esperar por você. – Ela me olhou por vários segundos.
— Te ligo a noite, Oli.
Yuna me beijou a testa e depois deixou a casa do meu tio. Fiquei parada no meio da sala, sentindo no peito uma grande agonia. Eu havia falhado com ela, isso estava claro, então o mínimo que deveria fazer era expor o que se passava.
Eu amo a Zoe e não posso mais ficar com a Yuna. Só estou fazendo mal a ela, a mim.
— Olivia, como você tá? – Olhei para trás e minha irmã veio em minha direção.
Nos abraçamos.
— Ela precisa de nós, Marina... – Me agarrei a ela.
— Onde ela tá? – Minha irmã retribuía da mesma forma. — Vai ficar tudo bem, esse pesadelo logo vai acabar.
— Ela tá na varanda... — Eu queria que suas palavras se tornassem reais o mais breve possível.
Fomos até onde minha mãe estava, Marina a abraçou e as duas passaram a chorar. Olhei para Duda e Ben, os dois estavam com os olhos marejados. Helen levantou, agradeceu a Maria Eduarda pelo convite e entrou. Benjamin se aproximou de mim, me abraçando de lado.
— Não gosto de vê-la triste, tia Oli. Gosto muito da tia Betina, ela é como uma vó pra mim.
— Ela também gosta muito de você, querido. – Era nítido que havia muito carinho entre eles.
Nesse momento, tio Bernardo e a Zoe surgiram em nosso campo de visão, me causando um frio já conhecido no estomago. Automaticamente, os meus olhos encontraram os dela. Fiquei presa ali, até me recordar de que não estávamos sozinhas.
Me forcei a olhar para outro lugar.
— Tio, obrigada por cuidar da minha mãe. – Marina estava com os olhos marejados.
— Não me agradeça, filha. Queria pedir que ficasse em minha casa, acho que é mais seguro. Até prenderem o seu pai, seria melhor que ficassem aqui.
— Eu estivesse pensando seriamente, e acho que seria uma boa ideia vender a nossa casa e procurar um outro condomínio.
Marina estava séria, aquele mesma postura que ela assumia quando estava em reunião.
— Não acho que seja uma ideia ruim, Marina. Aquela casa, não há mais como ficar lá. – Minha mãe respondeu, enxugando o rosto.
— O que você acha, Oli? – Marina perguntou, me olhando.
Arregalei os olhos, olhei para elas, depois para o tio Bernardo e para a Zoe.
— Eu... – Limpei a garganta. — É uma ótima ideia, Marina. Seria mais seguro vender, comprar um apartamento talvez...
— Então faremos isso... vou contratar uma imobiliária. – Ela disse por fim, ainda abraçada a minha mãe.
— Também preciso conversar com vocês, mas será na empresa. Amanhã à tarde marcarei uma reunião e conto com a presença de todos. – Tio Bernardo falou. — Por hora, vamos almoçar e descansar. Vou pedi para servirem aqui na varanda.
Senti o meu celular vibrar e entrei, para ver do que se tratava. Luciano havia me mandado uma mensagem, perguntando como eu estava. Ele certamente já havia visto as notícias nos jornais. Pensei em minha vó e se antes já tinha o seu rancor, agora nem queria imaginar.
O respondi rapidamente, desde que voltei a Belém, ainda não havia marcado o bendito jantar com ele e a namorada.
— Soube que vai trabalhar hoje, Oli. – Marina parou ao meu lado.
— Vou com o Cássio, a Duda também vai comigo. – Marina ficou me encarando por alguns segundos.
Ela sorriu e tocou o meu rosto.
— Fico mais tranquila... vamos almoçar. E Oli, eu tô muito orgulhosa de você. – Senti os meus olhos lacrimejarem.
Ela sabia o quão importante eram aquelas palavras.
— Obrigada, Marina...
Durante todo o almoço, a conversa girava em torno de um jantar beneficente que aconteceria dali a duas semanas. Outros assuntos foram evitados. Busquei o olhar de Zoe, depois do almoço até mesmo achei que iriamos conversar, mas nada aconteceu. Ela se manteve distante e isso me deixou muito decepcionada, me perguntando o que teria acontecido. Ontem ela havia sido tão protetora, gentil e agora estava me evitando.
Tentei não demonstrar o quanto aquilo me afetou.
Quando o relógio marcava 17:00hrs, deixei a casa do meu tio rumo ao restaurante, Duda estava comigo. Chegamos e ela fez questão de entrar, pois queria conhecer a dona. Falamos como todos, apresentei a minha irmã aos outros funcionários.
— Ivi... – A abracei.
— Bem-vinda de volta, Oli. Olá, Duda...
— Oi, Ivi... bonita como sempre. – Minha irmã sorriu.
Eles certamente já haviam visto as notícias, mas nada comentaram e eu agradeci por isso.
— E você xavequeira como sempre. – Não pude deixar de rir.
— Faz parte do meu charme... – Ela piscou.
Minha mãe não queria me deixar vir, mas eu precisava seguir a minha rotina. Não podia deixar o Fábio ditar como seria o meu dia-a-dia, viver com medo não era uma opção. Ele não iria mais me afetar, pouco importava se me odiava, pois o sentimento era totalmente reciproco.
— Olivia... – Olhei para trás e era a Patrícia.
Ela carregava aquele sorriso tão acolhedor.
— Patrícia, essa é a minha irmã, Maria Eduarda.
— É um grande prazer. A Oli fala muito bem de você. – Duda sorriu.
Minha chefe também retribuiu o sorriso.
— É um grande prazer, Maria Eduarda. Sua irmã é muito querida por aqui.
— Isso é charme de família, sabe. – Era incrível como Maria conseguia socializar. — A família Souza tem esse legado.
Ela fez a minha chefe rir.
— Essa menina é assim, Patrícia, não se deixa cair nessa carinha de neném. – Ivi entrou na brincadeira.
— Ivi, não queime o meu filme dessa forma. Isso tudo é ciúmes? – O clima era leve.
Patrícia pareceu ficar encantada com a minha irmã, mas não poderia ser diferente, Maria Eduarda é uma pessoa maravilhosa.
— E se for? – Ivi estava brincando, ela e Duda se deram bem de cara. — Gosto que suas cantadas sejam só para mim.
— Tem que aprender a dividir, Ivi...
Aquilo me fez esquecer um pouco dos problemas.
— Deixarei a minha irmã nas mãos de vocês. – Ela me encarou. — Me ligue se precisar de alguma coisa. Por favor...
A abracei.
— Sim senhora. Agora para de jogar o charme da família em minhas chefes e vai.
Elas gargalharam.
Maria Eduarda deixou o restaurante, o Cássio a levaria até a nossa casa, me deixando mais tranquila. Troquei de roupa e quando as 18:00hrs chegou, iniciei o meu expediente.
— Não é querendo ser fofoqueira, mas acho que a nossa chefe ficou bem interessada na sua irmã. – Ivi cochichou.
Estávamos organizando uma das mesas que acabava de ficar desocupada.
— Pera, a dona Patrícia gosta de mulher? – Ergui as sobrancelhas.
— Ela é bissexual, não é nenhuma novidade aqui. – Como não notei?
— Você acha mesmo que ela ficou afim da Duda? – Olhei discretamente para a minha chefe, que conversava com alguns clientes em uma mesa há poucos metros. — Nossa, como eu não percebi nada?
Achei que ela estava sendo apenas simpática, como foi comigo.
— Eu não te disse nada...
— Não sei de nada... — Fiz um gesto de “zíper”.
Voltei ao trabalho, atendi algumas mesas e quando chegou o meu intervalo, esperei por Caio, que havia mandado uma mensagem dizendo que estava perto.
— É um grande prazer finalmente conhece-la, dona Felícia. – A senhora, um pouco mais baixa, me abraçou pela cintura.
— Ah, criança, o meu filho fala tanto de você e agora que fazemos parte da mesma família, achei que seria a oportunidade de conhecer a melhor amiga do meu filho. Sabe, gostei muito de conhecer o seu tio e a sua prima, eles foram tão gentis.
Escolhi uma mesa, eles jantariam ali.
— A senhora não poderia ter um genro melhor, o meu tio é maravilhoso... – Sorri.
Passei o meu intervalo inteiro com eles e por um momento, tive a sensação que seria algo do dia a dia a partir dali.
João acabava de embarcar, então deixei o aeroporto para a casa do meu pai, ele fez questão de termos aquela conversa naquela noite. Adiei esse assunto, pois não havia sentindo em contar sobre algo que fracassou antes mesmo de começar.
Agora já não dava mais para esconder.
— Senhorita Zoe, o Cássio acabou me mandar uma mensagem. Ele está em frente ao restaurante e a senhorita Olivia está com aquele amigo. Ele deixou a senhorita Eduarda em casa e voltou rapidamente para o restaurante. – Paramos em frente a casa do meu pai.
— Obrigada, Ricardo. – Desbloqueei a tela, vi a ultima foto postada em sua rede social.
Queria ligar para ela e ouvir a sua voz, essa necessidade chegava a ser sufocante. Foi difícil me manter distante hoje.
— Cadê a titia? – Perguntei assim que entrei no escritório.
— Já foi deitar, a sua prima está com ela. – Meu pai desligou o notebook. — Por que não me contou sobre você e a sua prima?
Sentei, escolhendo as palavras certas.
— Não sei como dizer, só posso afirmar que não deu certo, pai. – Era mais uma lamentação do que uma confissão. — Eu amo aquela mulher e não consigo arrancar esse sentimento do meu peito. A verdade é que está doendo muito...
— Você vem sofrendo todo esse tempo calada, filha? Sei que não podia ajudar, mas ao menos poderia te ouvir.
— Eu sei, eu só... só não consegui, não é tão simples assim.
— Filha, sua tia disse que vocês se amam... então por que não tenta? – Massageei as minhas têmporas.
— Ela tem outra pessoa, papai. A gente não conseguiu se entender, infelizmente essa merd* de sentimento não foi o suficiente... o suficiente pra manter a gente juntas.
Fiquei de pé, agoniada.
— Não me diga que eu não posso desistir, papai, eu não aguento mais alimentar esperanças. Aceitei que as coisas tem que ser assim, a Olivia tem uma mulher fantástica com ela e eu só posso me contentar, seguir em frente. Cuidar dela, mas sem me perder no processo.
Sentei outra vez, encarando o chão.
— Vou estar aqui, Alexandra. Droga, fiquei tão imerso aos problemas, que não fui capaz de perceber... eu sinto muito, filha.
— A vida é desse jeito, papai... você tem tanta sorte por estar com uma pessoa que o senhor ama e que te ama de volta. Não perca isso, pai.
Sai do escritório, não queria continuar aquela conversa.
Cheguei ao meu apartamento, mas estava vazio. Iris havia ido para um jantar com a mãe e voltaria somente amanhã à tarde. Tomei um banho longo, sentei na beirada da cama e olhei para o nada. Olhei para o criado mudo e sobre ele estava o meu cartão de acesso a Afrodite.
Fui até ele, abri a gaveta e tirei de lá uma tesoura. Cortei o cartão, jogando os pedaços no lixo.
No dia seguinte.
8 de julho de 2022.
Passei a manhã inteira dentro do escritório, almocei com a Duda e depois fui para a sala de reuniões. Caio preparou uma vídeo conferencia com João, que estava em Minas e eu estranhei mais ainda. Pouco tempo depois, Marina e tia Betina adentraram a porta.
Esperei para ver a Olivia, mas não foi assim.
— Ela não quis vir, estava estudando. Tem se esforçado muito pra passar no Enem. – Tia Betina pareceu ler os meus pensamentos.
— Ela vai cursar outra faculdade? – Franzi o cenho.
— Veterinária. – Não pude conter o sorriso de orgulho.
— Espero que não tenha esperado muito. – Meu pai entrou.
Duda, como minha assistente, também participaria da reunião. Assim como Caio, que iniciou a vídeo conferencia com João.
— Chegamos a pouco, tio... – Marina assumiu sua pose de executiva.
— Vou direto ao ponto, então não me interrompam, por favor. – Ele retirou o blazer, afrouxou a gravata. — Há alguns dias fui fazer um checape de rotina e recebi os resultados. Estou com alguns problemas renais e terei que me afastar da empresa.
Fiquei de pé.
— Calma, filha, é totalmente tratável e se eu fizer de acordo com o que o médico pediu, não precisarei de cirurgia. – Olhei para Caio e pela a sua expressão, ele já estava ciente daquilo. — Com isso, irei passar oficialmente o cargo de presidente ao João.
Olhei para o monitor e a reação de João foi de surpresa, assim com a minha.
— Sendo assim, a vice-presidência será oferecida a Zoe e a Marina, mantendo a tradição da família. Quero que cheguemos em um consenso sobre isso ainda agora. – Abri a boca levemente, mas nada saiu. — Ambas são completamente competentes para o cargo. Sabem tudo o que é preciso e tenho a mais absoluta certeza de que farão um trabalho esplendido.
Voltei a sentar, sem saber o que pensar.
— Eu abro mão da vice-presidência por enquanto, tio. Sendo assim, a Zoe é a melhor indicação. – Duplamente surpreendia.
O que estava se passando? Não estava conseguindo acompanhar.
— Todos de acordo? – Meu pai perguntou.
— Sim! – Olhei para a minha tia, para Marina e ambas sorriram.
Fiquei um pouco atordoada, olhei para o João através do monitor e ele sorria.
— Então, Alexandra, você é a nova vice-presidente da Cavalcante Co. Alimentícia. – Não podia acreditar.
— Parabéns, Zoe. – Marina se levantou, vindo até a mim e apertando a minha mão.
— Obrigada, Marina. – Tia Betina também veio até a mim.
— Senhorita vice-presidente. – Sorri com a sua fala. — Parabéns, filha.
— Muito obrigada, tia. – Olhei para Duda, que fez um gesto com o seu polegar. — Por quanto tempo ficará afastado, papai?
— Alguns meses, filha... não se preocupa, é só por precaução. – Olhei para Caio e ele fez um gesto afirmativo, confirmando o que o meu pai disse.
Isso me deixou mais aliviada.
— Já marquei uma reunião com os acionistas por mera formalidade. Em pouco mais de... – Meu pai olhou para o relógio em seu pulso. — Meia hora, eles estarão aqui.
— Conseguimos, Zoe. – João falou e eu olhei para o monitor.
— Parabéns, senhor presidente. – Ele sorriu.
E assim como ele disse, meia hora depois os acionistas chegaram e a nova presidência foi aprovada. Engraçado, a sensação não era a que eu esperava. Achei que quando esse dia chegasse, me sentia completa, realizada.
Mas só sentia um imenso nada.
— Já falei com alguns funcionários e eles irão fazer a mudança dos objetos pessoais. – Duda olhava em seu tablet. — Parabéns, Zoe.
Ela sorria e eu sorri de volta.
— Obrigada, Duda. Esperei tanto por isso... – Tentei me animar.
— Tô muito orgulhosa, chefinha.
— Senhorita Zoe? – Valentina bateu à porta.
— Pode entrar. – A porta foi aberta.
— Tem um senhor lá embaixo pedindo pra falar com a Maria Eduarda. Ele disse que é o seu pai...
— Meu pai? – Ergui as sobrancelhas.
— Peça pra ele subir, Valentina. Aguardamos ele aqui. – Encarei Duda.
— Sim, senhorita Zoe. – Valentina fechou a porta.
— Isso só pode ser algum engano. – Duda ficou agitada. — Meu pai?
— Se acalme e se é engano ou não, saberemos agora...
Quase dois minutos depois, um senhor magro e alto, que lembrava muito o Eric, entrou em meu escritório. A reação de Duda foi de espanto total. O homem ficou acanhado, mas não deixava de encara-la. Suas mãos mexiam sem parar, parecia muito nervoso.
— Você é a Maria Eduarda? – Ele apontou para ela.
— Sim, sou eu...
— Eu queria muito que você me desse um momento. Sei que não recorda de mim, mas eu sou o seu pai. – Ele tinha um olhar doce, os fios grisalhos me diziam que deveria ter pouco mais de 50 anos.
Maria Eduarda deixou o tablet na mesa, era visível o seu estado de confusão.
— Vou sair e deixar vocês a sós, Duda. Qualquer coisa, estarei com o celular. – Toquei em seu ombro.
— Obrigada, Zoe...
Deixei o escritório, indo para o terraço. O meu celular tocou e estranhei o número, então não atendi. Ele continuou a insistir, então resolvi atender.
— Senhorita Cavalcante, aqui é a delegada Fagundes. A senhorita poderia vir até a delegacia? Temos alguns avanços nas investigações. Falei com o investigador do caso do senhor Fábio Cavalcante, acho que precisamos conversar.
— Estarei ai em uma hora, delegada. – Finalizei a ligação.
Procurei por um nome na minha agenda e fui atendida no segundo toque.
— Precisamos ir a delegacia, pelo estado da tia Betina, acredito que seja melhor você ir no lugar dela.
— Te encontro lá, apenas me passe o endereço.
Fiz o que ela pediu.
Acompanhada de Ricardo, deixei a empresa, mas antes enviei uma mensagem para Duda, avisando de minha saída. A deixaria resolver os seus problemas, acredito que deva ser uma conversa muito difícil.
— Sinto muito por trazer noticiais ruins a vocês, mas entrei em contato com o outro delegado que estava a frente do caso, cruzamos informações e descobrimos que o foragido estava envolvido em muitas coisas ilícitas. Estávamos há meses investigando uma quadrilha de trafico de drogas, prendemos mais de vinte pessoas e o nome de Fábio Cavalcante surgiu.
Olhei para Marina e pude ver seu corpo ficar tenso.
— Ele é o cabeça de uma grande quadrilha que exportava maconha, cocaína e outros químicos para fora do país. A Interpol entrou na jogada, ele está sendo caçado nesse exato momento. Intensificamos as buscas e é provável que ele esteja escondido em algum interior por perto. Sua família corre riscos e sugerimos que mantenham a segurança reforçada.
— Eu não consigo acreditar nisso. – Marina estava em choque.
Levou as duas mãos ao rosto, em claro sinal de agonia.
— Há mais uma coisa, ele também é suspeito de ser o mandante de vinte assassinatos de membros de outras quadrilhas. – Suspirei pesado.
Era ainda pior do que imaginei.
— Deus...
Marina ficou de pé e passou a andar pela sala.
— Obrigada, delegada, hoje mesmo irei reforçar a segurança. Por favor, nos mantenha informadas. – Fiquei de pé, apertando a sua mão.
— Certamente, Zoe...
Assim que deixamos a delegacia, Marina entrou em seu carro e eu fui até ela, a vendo desmoronar. Entrei no carro, a puxando para um abraço. Não sei precisamente dizer quanto tempo ficamos ali.
— Eu te levo em casa...
— O meu carro. – Sua voz estava embargada.
— Vou pedir pro segurança levar. – Ela concordou.
— Podemos passar na casa da minha avó? Eu preciso conversar com ela.
— Tudo bem. Pedirei que Ricardo nos siga...
— Obrigada, Zoe. – Saímos do meu carro.
Falei com Ricardo, entreguei a chave de Marina.
Seguimos para a casa da avó de Marina, me recordei de Duda dizendo que Olivia foi maltratada e me preparei para uma possível conversa não amigável. Quando chegamos, fomos recebidas por uma senhora de roupas casuais. Ela nos levou até a sala, nos ofereceu algo para beber.
— Marina, minha filha. – Fiquei sentada, em alerta.
— Vó, eu queria te ver, saber como você tá. – A velha nem ao menos me olhou.
— Eu vi, eu vi as coisas horrorosas que estão falando do seu pai. Ele não fez nada disso, isso tudo é culpa daquela família. – Ergui a sobrancelha. — É culpa da Olivia, se ela não tivesse nascido, nada disso estaria acontecendo.
— Vovó, não diga uma coisa dessas... a Oli não tem culpa, é uma vitima de tudo isso. O papai é um bandido. Ele é o único culpado de tudo.
— Não diga isso do seu pai, menina... – Ela se afastou de Marina. — Seu pai é um homem de bem, a culpa é daquela bastarda. Só veio ao mundo pra nos trazer desgraça.
O meu sangue queimou em raiva.
— A senhora dobre a sua língua pra falar da Olivia. – Não pude suportar ouvir tanta asneira. — Ela é uma vitima daquele doente do seu filho. Você não tem ideia do ela tem passado. Seu filho é uma mal caráter e em breve vai tá atrás das grades recebendo o que merece.
— Ele sempre disse que você é a pior deles, sua arrogante. Eu exijo que saia da minha casa imediatamente.
Ri, rolando os olhos.
— Não precisa me pedir duas vezes. Ah, ainda bem que a Olivia ou a Marina herdaram essa falta de caráter de vocês. Vou aguardar ansiosa o dia que a policia prender aquele escroto. Passe bem...
Dei as costas, indo para a porta.
Entrei no meu carro, sentindo as minhas mãos tremendo, mas era de ódio. Só de imaginar o que a Olivia ouviu no dia que veio até essa maldita velha, me queimava o peito em raiva.
— Eu não posso acreditar, a minha avó não era dessa forma. – Marina entrou no carro.
— Sua irmã esteve aqui há uns dias e teve uma péssima recepção. – Ela ficou ainda mais chocada. — Até entendo que a sua avó esteja em estado de negação, mas dai culpar a Olivia, é insanidade total.
— Também não consigo entender, ela jamais foi rude com a Olivia. Droga, quando esse inferno vai ter fim?
Liguei o carro e com pressa deixei o condomínio. O caminho foi feito em absoluto silencio. Em minha mente, borbulhavam as palavras daquela infeliz. Ela e o filho eram farinha do mesmo saco.
“Velha desgraçada.”
Fim do capítulo
Oi, minhas lindas.
Tudo bem?
Decidi adiantar o cap, pois amanhã não terei tempo.
Quinta ou sexta deixarei um cap extra, espero que gostem.
Beijos e até os comentários.
Ansiosa pelo prox.
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Lea
Em: 03/05/2022
Yuna vai terminar o namoro.
A mãe do Fábio é tão arrogante quanto o filho. Esse bandido,tem que ser pego.
João não poderia estar mais feliz, presidente da empresa,e Zoe com certeza queria comemorar a vice- presidência com a sua amada!
Agora mais essa,o pai da Maria Eduarda e Erick resolveu aparecer.
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