Fique por Leticia Petra
Capitulo 19 - O que poderíamos ter sido.
No primeiro momento, não dei importância para a ligação de João, apenas ignorei, mas quando recebi as fotos e mais um montante de áudios pelo WhatsApp, fiquei realmente preocupada, só não esperava encontrar a Zoe no meio da sala em um estado lamentável.
Foi muito difícil por aquele bando de gente para fora.
— Droga. – Respirei fundo.
Não estava em meus planos ver a Zoe duas vezes em menos de dois dias. Isso fazia com que as minhas seguranças fossem para o buraco. Me aproximei do quarto onde ela estava tomando banho, entretanto, parei quando ouvi sua conversa com a minha irmã.
Prendi o folego para não fazer barulho.
— Então vocês terminaram? É por isso que encheu a cara? — O tom de Maria era de repreensão.
— A gente terminou, mas não foi por esse motivo que bebi. Eu só queria dar uma pausa no tanto de pensamentos. — A voz da Zoe soou triste. — Sua irmã, o que poderíamos ter sido, eu nem sei mais o que pensar. Só queria poder esquece-la, tira-la do meu coração como ela já fez.
Levei a mão ao peito, sentindo aquela agitação em meu coração.
— Sei exatamente como tá se sentindo. – Então ela não está com ele? Ainda pensa em mim?
Meu coração acelerou ainda mais.
— Como está indo isso com a Marina? — Eu deveria ir embora ou só interromper?
Na dúvida, fiquei ouvindo.
— Aconteceu uma coisa muito louca, queria ter dito a Oli, mas com tudo isso que aconteceu. As ameaças, o problema com a avó dela...
— Espera, que problema com a avó dela? – Ergui a sobrancelha.
— Com licença. – Decidi interromper.
Zoe estava de roupão, seu cabelo era penteado por Duda.
— O que a sua avó fez? — Sua expressão era séria.
Entreguei a ela a xicara com café sem açúcar, pensando por alguns segundos no que dizer.
— Eu... eu tentei visita-la no sábado. — Mordi meu lábio inferior, repassando a cena em minha cabeça. — Ela me mandou embora.
— Aquela velha desgraçada. – Não contive o sorriso, era raro ouvir a Zoe xingando. — E como você tá se sentindo sobre isso?
— Não posso negar que doeu, esperava uma recepção diferente. Achei que ela estaria feliz por sermos mesmo neta e avó. – Resolvi dizer o que de fato sentia, não precisava montar um personagem na frente dela. — Mas o fato dela não ter me procurado também havia me dado uma resposta e eu não percebi.
— Você não precisa dela. – Nossos olhos se fixaram. – Você é a mulher mais forte que já conheci, não precisa daquela idiota. Tem os seus irmãos, a tia Betina, o Ben...
Uma vontade gigantesca de abraça-la me açoitou, mas uma vozinha me alertou que havia alguém a quem eu devia respeito.
— Você é uma mulher maravilhosa, um ser humano maravilhoso. Azar da sua avó não perceber isso. – Aspirei o ar devagar.
— Você me vê mesmo assim? – Senti um friozinho no estomago.
— Ainda duvida, Oli? – Ela me chamou pelo apelido.
Deus.
Era inegável, eu senti saudades daquela mulher, o meu coração acelerado era mais do que o suficiente para me fazer entender que não importava o tempo que passasse, sempre reagiríamos assim a ela.
“Yuna... Yuna... Yuna...”
— Obrigada, Zoe. – Eu acreditei totalmente em suas palavras, ela nunca elogiava ninguém daquela forma.
— Bem, eu vou deixar vocês a sós. – Eduarda falou e foi a deixa que eu precisava para tirar o foco de mim.
— Um momento, Eduarda. – Tentei controlar as reações do meu corpo. – Acidentalmente, ouvi você dizendo que tem algo pra contar.
Olhei para Eduarda, tentando fugir do olhar de Zoe.
— Também tô curiosa. – Zoe voltou a pegar a xicara, levando aos lábios.
— Bem, isso... – Duda limpou a garganta. – Eu nem sei por onde começar.
Sentei sobre a tampa do vaso.
— Recebi uma ligação da Marina na sexta, ela me pediu pra encontra-la em uma lanchonete frescurenta. Juro que tentei ser forte, mas acho que vocês duas melhores do que ninguém, sabem como é. – Zoe e eu nos olhamos rapidamente. – Acabei indo, a gente discutiu feio, ela me disse que não conseguia me tirar da cabeça.
— Vocês trans*ram? – Ergui a sobrancelha.
Duda ficou de boca aberta.
— Sim... eu fui fraca.
Pude ver a Zoe por a mão sobre a boca, tentando abafar o riso.
— Por isso chegou em casa tão esquisita. – Passei a mão sobre a nuca.
— Me desculpa por não ter contado antes. – Aquilo complicava ainda mais as coisas.
— E o que aconteceu depois disso?
— Ela tá me ignorando agora, mas tomei uma decisão sobre. – Minha irmã se apoiou na pia de mármore, aspirou o ar ruidosamente e pude ver agonia em sua expressão. — Não vou mais me deixar ser usada, a Marina é muito confusa e eu não quero mais sofrer por conta disso. Não quero, não posso ser arrastada pra isso... acho que mereço bem mais do que ser um laboratório de hetero.
— Você tá certa, as vezes não é pra ser... – Aquelas palavras saíram da minha boca sem que eu me desse conta.
Olhei para Zoe e depois para os meus próprios pés.
Um silencio longo se instalou, cada uma presa em suas próprias divagações.
— Vocês podem ir, eu cuido de tudo aqui. — Zoe quebrou o silencio. — Obrigada pela ajuda.
Era o certo a se fazer, ir embora.
— Tá bem...
Saímos do banheiro, João e a loira, ainda dormiam entrelaçados. Se bem me lembro, ele não estava com a outra mais baixa? Aquela pergunta ecoou em minha cabeça.
— Zoe, aquela garota com o João não é a mesma que ele estava. – Zoe franziu o cenho.
— É verdade. – Duda coçou a cabeça. — Não é a baixinha com cara de brava.
— É a irmã dela... prevejo uma grande confusão. – Zoe respondeu, passando a mão sobre a cabeça.
— O que o levou a tudo isso? – Ela fez uma expressão divertida.
Tão linda.
— Bem resumido, ele socou o irmão e mandou os pais pro espaço. – Ergui a sobrancelha. — Ele precisava disso.
Fomos até a porta.
— Os seguranças estão lá embaixo. – Nos encaramos. — Esperando por nós.
O meu peito apertou.
— Outra vez, obrigada pela ajuda, Oli. – Queria abraça-la. — Só não saia mais de madrugada, é perigoso.
— Foi uma emergência, ele faria o mesmo por mim. – O que eu deveria fazer? Apertar as mãos? Um abraço? — Tomem juízo. Tchau, Zoe.
Nada talvez fosse o melhor.
Segurei no braço de Duda e saímos em direção ao elevador. Não olhei para trás, as minhas emoções estavam muito remexidas. Minha irmã e eu voltamos para casa cada uma presa em seus pensamentos. Ambas passando pelo mesmo tormento, presas em mulheres que não podíamos ter ou que não deveríamos ter.
Um vazio se instalou em meu peito.
Quando acordei, já se passava das 10:00hrs. Tomei banho, procurei por alguém pela casa e encontrei Duda preparando o almoço. Ela estava de folga, então passaríamos o dia juntas.
Liguei para Yuna, ocultando a minha madrugada agitada. Falamos por alguns minutos.
— O que acha de eu te ensinar um pouco de boxe? – Ela me entregou uma xicara com café. – Talvez seja bom, sabe.
— Quer que eu aprenda a me defender? – Tomei um gole.
— Quero que não precise, mas se um dia acontecer... – Sua preocupação era notável.
O plano de não contar nada a eles falhou, pois me senti culpada em esconder tais acontecimentos dos meus irmãos. Eric ficou possesso, até disse que iria me acompanhar ao trabalho, junto com Duda.
— E quando começamos? – Duda sorriu.
— Hoje. – Ela sentou ao meu lado. – Vou pra academia as seis, você vai comigo.
— Tudo bem, então vou pra faculdade, pois tenho duas aulas e as seis estarei totalmente disponível. – Minha irmã colocou o braço sobre meus ombros.
— Sobre ontem... eu realmente sinto muito por não ter te contado. – Beijei sua bochecha.
— Eu entendo, não precisa se preocupar. Quem sou eu pra te julgar. – Enfiei um pão de queijo em sua boca.
Duda sorriu, fazendo o mesmo comigo.
Conversamos sobre o curso, ela sempre me fazia inúmeras perguntas e eu achava muito fofo. Eric e ela haviam se tornado super protetores e a reciproca era totalmente verdadeira. Os meus irmãos, o meu sobrinho, eles se tornaram uma ligação tão forte, que eu mal saberei explicar.
Depois que assisti as duas aulas, decidi ir para a lanchonete e ligar para a fazenda, para saber como estava a Zoe e a Safira. Soube por Lina, a filha do capataz, que os peões sentiam a minha falta e que as éguas também. Encerrei a ligação prometendo que iria voltar o mais rápido possível.
Olhei as horas e havia uma mensagem do meu irmão.
“Oli, você pode buscar o Ben na escola? A Duda tá presa na fila do supermercado. Por favor, tome cuidado.”
O respondi que sim e quarenta minutos depois cheguei em frente à escola. Notei que havia um tumultuo no portão e me aproximei. Fiquei apavorada quando vi o meu sobrinho sentado no meio fio com o rosto sangrando, sendo amparado por outro garoto.
— Benjamin, o que aconteceu? — Me agachei, segurando o seu rosto.
— Um garoto da oitava sério bateu nele. – Uma menina respondeu.
— O que? Quem foi esse garoto? – Olhei ao redor.
— Com licença. Me deixem passar. – A diretora da escola se aproximou. – O que aconteceu aqui?
Uma fúria gigantesca se apossou de mim.
— O que aconteceu? Aconteceu o que tanto meu irmão, quanto eu, já havíamos tentando lhe alertar. – Me segurei para não fazer nenhuma bobagem. – O meu sobrinho foi agredido.
Ben já havia dito que alguns garotos estavam lhe importunando há um mês. Eric e eu viemos notificar a diretora, que não fez muito caso dizendo ser apenas coisa de crianças.
— Vamos até a minha sala, lá conversamos com calma.
— Vamos é uma merd*. Vamos embora daqui e fique certa de que irei denuncia-la por negligencia. – Olhei novamente ao redor. — Eu só não meto a mão na sua cara, porque não quero dar mal exemplo ao meu sobrinho, mas que a senhora merece, ah, isso merece. – A mulher arregalou os olhos.
Ajudei Ben a ficar de pé.
Quando chegamos em casa, a minha irmã surtou e ligou para a escola dizendo que iriamos transferir o Bem, xingando a diretora de todos os adjetivos existentes. Não avisamos o Eric, deixaríamos para contar o que aconteceu quando ele retornasse.
Avisa-lo agora só tiraria do trabalho.
— Você vai com a gente pra academia. – Duda arrumou uma pequena mochila. – Já chega.
— Duda, tem certeza? – Ben segurava uma trouxa com gelo sobre o lábio.
— Sim, Oli, tenho certeza. Ele precisava aprender se defender. – Nunca havia a visto dessa forma. – O Eric não vai se opor, disso tenho certeza.
Passei a mão sobre a cabeça.
— Ok. O que você acha disso, Benjamin? – Ele pensou por alguns segundos.
— Eu não quero mais apanhar, tia. — O meu coração apertou. — Tô cansado desses garotos sempre me perturbando, me chamando de menino de mentira.
Fui até ele, o abraçando forte.
— O problema é eles, não é você... viu, querido? – Os meus olhos arderam. — Você é um ótimo menino. Eu te amo.
— Eu também te amo, tia. Muito, muito... obrigada por ter me defendido e ter assustado a diretora Helena, eu não gostava dela.
— Não vai mais precisar ver ela, nem nenhum daqueles babaquinhas, Ben. – Duda passou a mão sobre os fios castanhos. — A tia promete.
Duda nos instruiu do início ao fim e um professor de boxe também decidiu ajudar, mas não posso negar que foi muito pesado. Demorei bastante a pegar algum ritmo, entretanto, o Ben parecia muito determinado.
Depois de duas horas, me joguei no tatame ao lado de Duda. Benjamin ainda treinava com o professor.
— Ver a Zoe mexeu com você, não é? — Tentei levar oxigênio ao meu cérebro.
— Sinto que trai a Yuna só de estar pensando no quanto foi bom vê-la. – Essa era a verdade.
— Maninha, não acha que está na hora de parar de se enganar? – Viramos uma para a outra. — Sei que gosta da Yuna, ela é uma pessoa incrível, mas você não a ama.
A minha cabeça não era um bom lugar para se estar naquele momento.
— Você tem razão. – Disse por fim.
Duda tocou o meu rosto.
— Faz a coisa certa, tanto você, quanto a Yuna merecem ser felizes.
Fechei os meus olhos, pensando no que fazer.
Eric ficou possesso quando chegou em casa e viu o rosto de Ben, disse que iria reclamar com a diretora no dia seguinte. Ele deu todo o apoio para que as aulas de auto defesa fossem a diante.
Tomei um banho, comi algo e decidi ir até o apartamento de Yuna. Havia decido terminar o nosso namoro e ser sincera quanto aos meus sentimentos. Não seria nada fácil, mas não era justo com ela.
— Oi, amor... entra. – Ela me abraçou, me puxando para dentro. — Tá tudo bem? Você tá bem?
Por onde eu iria começar?
— Aconteceram algumas coisas. Yuna, eu queria...
Droga!
— Amor, posso te mostrar uma coisa antes? – Ela sorriu, tocado o meu rosto. — Vem, eu queria muito compartilhar isso com você.
Ela me puxou até a mesinha de centro, pegou alguns papeis que estavam sobre a mesa.
— Hoje assinei o divórcio, consegui um ótimo acordo e finalmente, esse pesadelo acabou. – Yuna me abraçou.
Deus, como eu faria isso?
— E tem mais uma coisa. – Ela me bombardeava. – Consegui três dias de folga e queria muito que fossemos a Recife, comemorar isso.
Fiquei em choque, pois tudo o que ensaiei o caminho todo caiu por terra. Uma culpa gigantesca ocupou a minha mente, mas só não foi maior que a minha covardia. O que faria a seguir não seria justo, entretanto, foi só o que puder dizer.
— Eu nunca fui a Recife. – Ensaiei um sorriso. — Quando vamos?
Eu sou uma completa idiota.
4 de julho.
— Eu não posso acreditar que fiz mesmo isso. Como aconteceu? – Iris estava deitada no tapete da sala.
Fazia mais de uma hora que ela estava assim. Quando João e ela acordaram, a realidade do que ambos fizeram os atropelou com tudo. Confesso que achei divertido a forma como eles mal conseguiam se encarar. Nunca havia visto o João tão sem graça na vida.
Tomei meu terceiro analgésico. Minha cabeça ainda latej*v*.
— Me lembre de nunca mais fazer isso, Zoe. – Ela lamentou outra vez.
— Como você disse mesmo? Ah, sim... só se vive uma vez. – Iris jogou em mim a almofada que estava sobre seu rosto.
O Interfone tocou e quando o porteiro disse o nome da pessoa que estava na portaria, em imediato olhei para Iris.
— Pode liberar sim.
— É ela? – Fiz um gesto em afirmação. — Droga! A Violeta me conhece muito bem, ela vai notar. Droga!
— Se acalma. Quanto antes vocês duas resolverem isso, melhor. – Olhei as horas. — Seja sincera.
Fui atender a porta.
— Hey! Oi, Zoe. – Dei passagem para ela. — Trouxe algumas coisas pra Iris. Comprei alguns materiais de pintura também. — Ei, estranha. Quem é a sua irmã favorita? Olha, até trouxe jujuba.
Passei a mão na nunca, preocupada com o que viria.
— Ah, eu já havia esquecido. Obrigada, Vi. – Iris me olhou rapidamente. — Você é a melhor irmã do mundo.
— O que aconteceu? – Violeta se aproximou da irmã. — Iris, o que aconteceu? Você fez alguma besteira? Espera, o papai veio te encher o saco?
— Vou me retirar, vocês precisam conversar.
— Não, Zoe, fica. Que história é essa que precisamos conversar? Pode me explicar e eu acho bom que não tente enrolar.
Iris ficou alguns segundos em silencio, aspirou o ar de forma ruidosa.
— Não tem jeito fácil de dizer isso. Eu não sei como aconteceu e nem em que momento aconteceu. – Iris passou a mão sobre a testa. Elas tremiam bastante, era perceptível mesmo de onde eu estava. — João e eu trans*mos.
O silencio que ficou foi agoniante.
— Que porr* você tá falando? Isso é alguma brincadeira, Iris? RESPONDE!
— Não é... eu não sei o que...
A loira não teve tempo para concluir, pois Violeta a acertou violentamente no rosto, fazendo-a cair. Não satisfeita, sentou sobre o tronco dela e tentou acertar sua face outra vez com vários tapas. Com um pouco de dificuldade, consegui tira-la e ainda fui acertada no processo.
O meu rosto ardeu.
— Eu não acredito que você fez isso, Iris. Você sabe que aquele idiota... que ele...
Violeta chorava.
— Me desculpe, Vi. Me desculpe! Eu juro que não foi intencional... me perdoa, maninha...
— Não me chama de Vi, porr*! Vai se foder você e aquele idiota! Não acredito que você foi capaz de uma merd* dessa. Você é uma vagabunda, Iris.
Violeta ficou de pé.
— A partir de hoje você não tem mais uma irmã.
— Violeta? Vi, por... – Iris tentou segura-la, mas Violeta a empurrou.
— Não toca em mim, porr*...
— Não, não faz...
Iris ainda tentou, mas foi inútil. Violeta deixou o meu apartamento.
— Droga, Zoe, ela nunca vai me perdoar. Nunca! – Ela chorava muito, atropelando as palavras.
O seu nariz sangrava bastante.
— Vamos até o banheiro.
Eu não sabia o que fazer ou dizer, então decidi ficar quieta e esperar que ela estivesse pronta para desabafar. Limpei a boca que estava com um corte e consegui estancar o sangue do nariz. Iris fechou o boxe, decidiu tomar banho. Me olhei no espelho e a minha bochecha estava vermelha por conta do tapa que recebi sem querer de Violeta.
A campainha voltou a tocar.
— Vou atender. Vou deixar um calmante na sua cômoda. Tente dormir, amanhã vemos o que pode ser feito.
— Obrigada, Zoe. – Sua voz estava embargada.
Sai do quarto e fui atender a porta.
— A Iris tá aí? – João passou por mim.
— Sim, ela tá no banho e vocês têm muitos problemas.
Ele se jogou no sofá.
— Eu sei... – João passou a mão pelo rosto. — Eu estraguei tudo, Zoe.
— Violeta esteve aqui e já sabe de tudo. – João arregalou os olhos.
— Como é?
— Ela saiu daqui faz dez minutos. Acho bom que não a encontre nos próximos dias, ela agrediu a Iris. Foi lamentável.
— Merda, merd*, merd*...
— Ainda tô querendo entender o que se passou, mas não é da minha conta. Conversa com a Iris, mas não hoje, ela não tá em condições. Vocês são adultos, podem resolver isso. – João estava com fortes olheiras.
— Eu só faço merd*, Zoe. – Aspirei o ar com calma.
— Faz mesmo...
Sentei ao seu lado e como se fosse uma criança, João deitou sobre as minhas coxas e fechou os olhos. Ele chorava silenciosamente, então decidi deixa-lo daquela forma.
5 de julho.
O dia foi extremamente puxado, quase não tive tempo para pensar em nada. Duda e eu deixávamos o escritório. Ela também parecia exausta, passamos o dia entre filiais, com o adicional do trânsito.
— Sua tia vai hoje até a nossa casa. Ela quer que o Ben vá pra uma escola particular. – Duda havia me dito o que se passou no dia anterior.
— Se você me permitir opinar, acho que não seria ruim aceitar. – Entramos no meu carro. — Minha tia gosta muito do Ben, de vocês. Ela quer ajudar, então não há nada de errado.
Ela ficou calada por um tempo.
— Vou dizer isso ao Eric. Você sabe, ele é orgulhoso. – Maria Eduarda sorriu. — Na verdade, somos.
— Duda, o que se passou com a mãe do Ben? – Aquele horário, o trânsito deveria estar um caos.
E ainda tinha o jantar na casa do meu pai.
— Ela, assim como o Eric, era apenas uma adolescente. Não quis ficar com o Ben, até pensou em aborto, mas o meu irmão não permitiu. Depois que ele nasceu, a Roberta sumiu. Um tempo depois, soubemos que ela foi embora pra outro país. – Franzi o cenho.
— E os avôs dele? – Parei em um sinal.
— A Roberta, assim como nós, era órfã. – Recordei da minha mãe. – Você nunca falou da sua mãe. Qual era o nome dela? como ela era?
Não pude deixar de sorrir, mas também senti uma pontada de tristeza.
— Marcela, ela se chamava Marcela. A minha mãe era... incrível. Ela partiu há sete anos. – Virei para a esquerda. — Ela era maravilhosa.
— E os seus avôs? Me desculpa se tô sendo indelicada. – Ri da expressão de Duda.
— Meus avôs paternos e maternos já se foram. Minha mãe era filha única também. Infelizmente, o câncer a tirou de nós. Ainda dói um pouco, mas se o céu existe, tenho certeza que foi pra lá que ela foi. – Chegamos em frente à casa de Duda. — Eu sinto saudade...
O sorriso bonito veio a minha cabeça. Ainda podia sentir o cheiro de flores do perfume que ela usava.
— Eu sinto muito e obrigada por me contar, Zoe. Certamente, ela deve ter sido uma mulher maravilhosa, afinal você é uma extensão dela e é um ser com um coração gigante. – Encarei Duda, que sorria.
Eu realmente gostaria que ela fosse minha irmã.
— Acho que é a primeira vez que alguém me diz isso. – Me senti emocionada de verdade.
— Então vai começar a ouvir com mais frequência. - Ela tirou o cinto e beijou a minha bochecha rapidamente. — Até amanhã, chefinha.
— Até amanhã. – Duda saiu do carro.
— E vê se não enche a cara de novo. – Sua risada me contagiou.
— Nunca mais. Eu prometo...
Aquela garota havia se tornado uma pessoa de extrema importância em minha vida.
A esperei entrar, ao longe pude ver o carro do segurança. Fiquei mais um pouco, esperando ver a Olivia, mas não aconteceu. Ela deveria estar com a namorada naquele momento. Nosso encontro de ontem de madrugada mexeu com ela, assim como comigo?
Aspirei o ar com calma.
Quando cheguei ao meu apartamento, encontrei a Iris toda arrumada. Ela me esperava para irmos ao jantar na casa do meu pai. João e ela haviam tido uma conversa, os dois prometeram esquecer o que se passou.
Agora era deixar o tempo passar e tentar futuramente acertar as coisas com a Violeta.
— Em meia hora saímos, tudo bem? – Ela sorriu. — Como tá se sentindo?
— Um pouco dolorida. – Iris apontou para o próprio nariz. — E esperançosa que ela me perdoe. Espero que não se importe, mas o Valentin veio aqui.
Ele e eu não nos falamos desde o rompimento.
— Não, eu não me importo. É importante pra você. – Sorri.
Tomei um banho rápido, vesti um terninho informal simples e deixamos o apartamento. Quando cheguei a mansão do meu pai, o carro de João estava na garagem. Entramos, sendo recebidas por seu Bernardo. Ele gostava muito dela e quando soube o que o tão respeitado governador fez, ficou muito sensibilizado.
— Pai, você vai ter um avc dessa forma. – Ele sorriu, esfregando as mãos.
— Tô muito nervoso, filha. – Ele olhou para o relógio em seu pulso.
A campainha tocou.
— Eles chegaram. – Meu pai foi atender a porta.
João e Iris se olhavam, ainda envergonhados pelo acontecido.
— Seja bem-vinda, senhorita Felícia. – A senhora olhou para nós e depois para a sala inteira.
Ela era uma mulher simples e de feições gentis.
— Essa é a minha filha, Zoe. – Me aproximei, fui segurar a sua mão e para a minha surpresa, fui abraçada.
— É um prazer finalmente conhece-la, senhorita Felícia. – Olhei para Caio e ele sorria, mas parecia envergonhado também.
— Prazer, minha filha. O Caio fala tanto de vocês. – Ela me olhou e sorrindo, completou. — Você é uma moça muito bonita.
— Muito obrigada. A senhora também é muito bonita. – Pude ver o alivio na face de Caio.
— Ah, que isso menina. Quem são esses moços bonitos aí? – Ela apontou para João e Iris.
Meu pai os apresentou, mais relaxado com a gentileza de dona Felícia. Eu estava feliz por meu pai. Ele estava apaixonado e sendo aceito pela pessoa mais importante na vida de Caio. Ela disse durante o jantar que o marido não quis vir, ainda estava digerindo tudo.
Depois do jantar, meu pai e ela foram conversar na sala. João, Iris, Caio e eu ficamos na varanda. A noite estava muito agradável.
— Tô tão aliviado... – Caio levou o copo com vinho aos lábios. — Ela amou o seu pai.
— Ele é bonitão mesmo. Charme dos Cavalcantes. – Resolvi brincar.
— Queria te agradecer, Zoe. Agradecer por estar do nosso lado, agradecer por ser tão gentil comigo. – Os olhos castanhos se encheram de lagrimas.
— Você faz o meu pai feliz e é um homem bom, Caio. Não tinha como ser diferente.
Olha como a vida é engraçada. Quando que iria imaginar que estaria em um jantar com o namorado do meu pai?
— Então, você será o padrasto da Zoe? – João ergueu as sobrancelhas.
— Ainda não tinha parado pra pensar nisso. – Caio coçou a cabeça.
— Sabe o mais legal? No dia dos pais, você terá dois pais pra dar presente, Zoe. – A bobagem dita por João fez todos rirem.
— Pelo menos meu pai tem bom gosto. – Dei de ombros. — Alias, ambos têm bom gosto. Tenho um padrasto gato e estiloso.
— Nada menos do que o seu pai merece, aliás, a família Cavalcante tá de parabéns. – Iris bateu palmas.
— Pelo bom gosto? – Entrei na brincadeira.
— E por serem gatos também. – Ela completou.
Pisquei para ela. Eu me sentia relaxada.
— Zoe, me permiti dizer algo? – Olhei para Caio.
— Você não precisa mais de formalidades. – Sorri.
— Obrigada... – Ele também sorriu. — Sei que em nada tem a ver com o assunto, mas preciso mesmo dizer isso. Não desiste da Olivia, ela tá confusa com tudo que vem acontecendo, mas não desiste dela. Ela precisa de você, Zoe. Eu sei que disse outra coisa há um tempo, mas depois que o seu pai e eu começamos a enfrentar essas coisas, entendi que empecilhos fazem parte.
Senti o meu coração palpitar.
— Ela te ama...
Fiquei em silencio por alguns segundos.
— Eu a amo também. – Disse por fim.
Caio sorriu.
Aquela noite se encerrou de uma forma que há muito não acontecia. Meu pai foi deixar Caio e a dona Felícia em casa. Iris e eu nos despedimos de João. Naquela noite não consegui dormir direito, pensando na conversa com Caio e fazendo uma longa retrospectiva de tudo o que ocorreu nos últimos meses. Não queria ser rejeitada outra vez, mas pensar no que Olivia andava passado me deixava em uma dúvida enlouquecedora.
Ela tinha alguém para apoia-la, porém como me convencer disso?
— Também não consegue dormir? – Iris surgiu na sala.
— Cabeça não deixa... – Ela sentou ao meu lado.
— Sei que não tem nada a ver com a conversa, mas eu estava pensando em fazer uma tatuagem. – Ergui a sobrancelha.
— Tatuagem no lugar da terapia? – Iris gargalhou.
— Você é sincera demais, Zoe, meu Deus. – Ri de sua expressão.
Olhei para a cicatriz em meu braço.
— Também quero fazer uma... cobrir essa cicatriz. – Iris tocou o local.
— Umas flores ficariam lindas... flores azuis. – A ideia era maravilhosa.
— Conheço alguém que faz um excelente trabalho. – Ela se aconchegou a mim.
— Que tal marcarmos uma hora? – Pensei por uns segundos.
Marcar o meu corpo em um local tão exposto?
— Ah, vamos lá, Zoe... você vai ficar ainda mais gata. – Ela me encarou.
— Ainda acho que deveríamos ir a terapia. – Impliquei.
— Isso é um sim? – Suspirei, vencida.
— Ok, vamos fazer isso...
Ficamos mais algum tempo ali, depois fomos cada uma para os nossos quartos. Peguei uma foto da minha mãe que vivia sobre a cômoda. A saudade que sentia era tão grande. Esperava que ela se orgulhasse de mim.
Nem que fosse um pouco.
Fim do capítulo
Voltei...
Como adiantei minha escrita, pude trazer mais esse mimo.
Agora sim, até segunda.
Respondo vocês nos comentarios.
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Tazinha
Em: 01/05/2022
Não sei se vão me entender, mas acho que voce sim autora...
Que a gente sabe que o fogo, o tesão dessas duas juntas é maravilhoso né.
Mas tipo, não vejo a hora do momento de toque, olho no olho, romance, carinho, conversa delas sabe? Um momento de amor mais calmo, sempre que leio oarace que sinto essa dor delas de não estarem juntas entende? Voce esta conseguindo transmitir muito em cada cap, parabéns de verdade.
Resposta do autor:
Sim, te entendo totalmente, querida leitora.
Ler a quimica, senti-la, é maravilhoso, mas os momentos de carinho, de conexão além da física é ainda mais gostoso de se ler. Acredita que também estou sofrendo com elas? Relendo os caps, sinto um aperto no peito.
Eu fico tão agradecida, sério, pela sensibildade de seu comentario e de como você está envolvida, que me faz ficar em uma ansiedade em continuar. Quando leio que tá mexendo com voces, fico com a sensação de dever cumprido.
Obrigada, querida. :)
Mais tarde tem cap e ficarei ansiosa por seu comentario.
Marta Andrade dos Santos
Em: 30/04/2022
Eita Olívia tá toda enrolada e Zoe toma uma atitude mulher.
Resposta do autor:
Está sim, definitivamente, não gostaria de estar no lugar dela.
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Lea
Em: 29/04/2022
Adorei o capítulo extra.
E agora,a Íris e o João serão perdoados? Mas pensando bem, quando fazemos algo bêbados isso quer dizer que,queríamos fazê-lo sóbrio. A Íris já estava olhando diferente para João antes.
É Olívia e agora o que fazer?? Não magoar a Yuna e se magoar,deixando o amor que sente pela Zoe guardado no fundo coração??
Aprender a amar a Yuna?
Duda não merece sofrer também. Deixa a Marina,quando ver que perdeu uma mulher incrível vai ser tarde!
Zoe está mudando muito,estou adorando essa nova versão dela!
Boa noite AUTORA!
Resposta do autor:
Que bom que gostou, querida.
Perdoados? Acho que é um pouco dificil perdoar algo desse tamanho. Violeta parecia gostar mesmo do João.
Nosso menina Oli tá muito enrolada, acho que ela precisa de um empurrão pra tomar uma decisao de verdade.
Duda caiu, como todas nós algum dia, na hetero confusa. Ela merece alguém que saiba o que quer.
A Zoe é o meu amorzinho.... fico feliz que esteja percebendo sua evolução.
Boa noite, minha querida leitora.
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