Capitulo 70
A Última Rosa -- Capítulo 70
O taxista parou o carro na frente de uma casinha branca que parecia saída de um quadro. Maya ficou olhando, encantada, enquanto saltava do veículo e pegava a trilha que dava para a casa, nesse momento teve de lembrar a si mesma de respirar. Uma poderosa onda de nostalgia a invadiu, e ela quase perdeu o equilíbrio do corpo.
Passara os anos mais difíceis de sua vida morando naquele lugar. Então, por que seu coração estava tão saudoso? Era para estar magoado, com raiva, ferido...
Os pais sempre foram autoritários, superprotetores a maior parte da sua vida, não tinha permissão sequer para ir até a casa de amigos...
Maya os amava, mas afastá-la de Jéssica realmente influenciou demais a sua vida. Sentia-se sozinha durante a adolescência, não conseguia fazer amigos. Todas as meninas que conhecia, seu pai proibia a amizade, já imaginando um caso de amor e com os meninos, ele fazia de tudo para que Maya os namorasse. Até sair da casa dos pais, precisava obedecer um toque de recolher às 21 horas. Havia sempre perguntas como: "Com quem você vai sair? Como você vai chegar lá? Quem vem te buscar?" Eles não a deixavam ir à casa de amigas porque tinham a ideia de que meninas poderiam desviá-la para o caminho do mal e as amizades só podiam ser do sex* masculino.
Quando saiu de casa, não sabia quase nada sobre o mundo e como ele realmente funciona, sobre como se comportar no trabalho, em relacionamentos e na vida social. Por isso, quando saiu da concha os primeiros que se apresentaram como amigos ela os recebeu de braços e coração abertos. Maicon e Martina, os mesmos que na primeira oportunidade que tiveram, a traíram. O comportamento dos pais contribuiu definitivamente para impedir que ela cultivasse boas amizades.
Maya se virou para retornar ao táxi. Jessica era o seu porto seguro em meio a todas as tempestades desta vida. Não precisava daqueles que só fizeram comparar, culpar, controlar, desrespeitar, cobrar e até humilhar. Esse tipo de pessoas não são saudáveis e só servem para impactar negativamente a vida de qualquer ser humano.
-- O que foi, moça? -- perguntou o taxista -- Desistiu?
Maya entrou no carro, desanimada.
-- Acho que não vale a pena. Me sinto como a filha pródiga de volta ao lar, mas será que os meus pais me receberão bem?
-- A senhorita só saberá disso se tentar. Talvez na época eles pensassem ter razão para o que fizeram.
-- Mas será que eu entenderei as razões pelas quais eles agiram de maneira tão egoísta? Será que estarei disposta a ouvir as recriminações que, sem dúvida, eles farão?
-- Não sei, senhorita. Não sei nem o que aconteceu, mas, de qualquer maneira, já que chegou até aqui, será uma covardia dar meia-volta e voltar para trás. Afinal, se teve a coragem de abandonar a casa dos seus pais para buscar uma nova vida e realizar os seus sonhos, não deve ser agora que vai acovardar-se.
Maya deu um meio sorriso para o homem.
-- O senhor está certo.
-- Sim, eu estou. Agora vá lá, vou ficar esperando até ver que tudo está bem -- ele deu um sorriso encorajador -- Que Deus a acompanhe.
Maya saiu do carro e refez o caminho pela trilha. Ela estancou diante da porta e cruzou os braços contra o peito como que para se proteger, enquanto pensava no que iria dizer.
Depois de um profundo suspiro para tomar coragem, ela bateu na porta da frente e aguardou com a determinação de enfrentar seja lá o que fosse.
Entretanto, quando a porta foi aberta e Maya viu a expressão abismada da mãe, tudo o que desejou era se jogar nos braços dela.
-- Maya? -- Eva tinha os olhos iluminados de alegria -- Minha filha! -- ela se atirou nos braços da filha e lhe deu um abraço tão apertado que Maya quase perdeu o fôlego.
-- Oi, mãe. Quanto tempo -- disse Maya, segurando as lágrimas -- Seu corpo tremia, de nervosismo, de emoção.
-- Vou indo, minha filha -- o tremor nos lábios denunciavam a felicidade que estava sentindo em ver a filha outra vez -- Entre Maya. Meu Deus, temos tanta coisa para conversar.
Quando Maya deu um passo para dentro da casa, parecia que estava retornando ao passado.
Enquanto seguia a mãe através do corredor estreito que levava para os fundos da casa, as lembranças de sua adolescência retornaram em sua mente de maneira vivida. A antiga estante ainda estava no canto da sala, lotado de porta-retratos.
Maya parou diante da estante e percorreu o olhar pelas fotos.
-- As mesmas fotos -- ela murmurou enquanto pegava uma foto da irmã -- A Carmem ainda mora com vocês?
-- Ela voltou para casa faz duas semanas.
Maya olhou para ela sem entender.
-- Como assim, onde ela estava?
-- Vamos para a cozinha, conversamos enquanto eu preparo um café. Estou com uma chaleira no fogo.
Natália entrou no laboratório com uma caixa na mão. Uma fragrância agradável flutuou pelo ar, num doce conflito com o cheiro desagradável das substâncias químicas que pairavam no recinto.
-- Pronto, essa é a última.
-- Obrigada, Natalia -- Jessica saltou da banqueta e pegou a caixa das mãos dela -- Estava ansiosa por essa encomenda. O senhor Giovani deve ter se vingado.
-- Se vingado de que?
-- Ele atrasou a entrega de propósito só porque eu mandei o Capone dar um corretivo nele.
-- Hum, então não posso deixar de dar razão à ele.
Jessica abriu a caixa, retirou o frasco e colocou sobre a bancada.
-- Outra hora te conto o motivo, agora preciso começar a misturar os ingredientes.
Natalia retirou uma pilha de livros e documentos da banqueta mais próxima e ajeitou o vestido, antes de se acomodar.
-- Alguma notícia da Maya?
Com um suspiro longo Jessica parou o que estava fazendo, apoiou os cotovelos na bancada, disposta a dar atenção a Natália.
-- Maya passou a noite em um hotel da cidade e hoje logo cedo ela foi para a casa dos pais.
-- Não sei se teria coragem para fazer o que a Maya está fazendo.
-- Eu entendo ela. No fundo a Maya sente remorso. Remorso por não ter falado com seus pais durante todos esses anos. E, acima de tudo, remorso por todo tempo perdido em mágoas e sentimento de revolta.
-- Mas se eles ainda pensam da mesma forma que anos atrás? Se eles ainda forem contra o amor de vocês?
-- Quer um palpite? Se eu conheço bem a Maya, ela vai olhar para o pai e dizer assim: "Eu fiz a minha parte, minha consciência está tranquila. Será muito bom deitar a cabeça no travesseiro sabendo que fiz tudo que podia".
-- Sei não, mesmo assim acho que ela vai sofrer muito.
Jessica arregalou os olhos.
-- Você acha, Natalia?
-- Talvez sim, talvez não... Mas soube de gente que suicidou-se por bem menos.
Jessica a fitou de boca aberta. Natalia desviou o olhar.
-- Só tô dizendo.
Maya acomodou-se na cadeira enquanto Eva preparava o café.
-- Estou curiosa, a Carmem estava viajando?
Eva virou-se para ela.
-- Antes fosse, minha filha. Sua irmã casou-se com um homem muito mal, ele já bateu diversas vezes nela.
Maya levou a mão sobre a boca aberta.
-- Meu Deus! E porque ela continua casada com ele?
Eva se aproximou e colocou o bule sobre a mesa.
-- Faz duas semanas que ela deixou ele, mas o miserável não a deixa em paz. Até ameaçá-la de morte o bandido ameaçou.
Maya ficou em silêncio por alguns instantes, examinando o rosto da mãe. Carmem sempre tinha sido louquinha e avoada, mas se casar com um bandido, era demais.
-- Desculpa pelo o que vou dizer -- suspirou -- Mas não consigo deixar de pensar que tem dedo de vocês nesse casamento.
Eva disfarçou o desconforto e respondeu baixinho.
-- Sim, eu era contra, porém, seu pai gostava muito do rapaz -- a mãe revelou enquanto enchia as xícaras com café.
-- Tá explicado -- disse Maya, desanimada.
-- Tome o seu café, filha, antes que esfrie.
Sentindo que a mãe agia como se nada houvesse acontecido, Maya não conseguiu conter as lágrimas e começou a chorar.
-- Não finja que está tudo bem, não está tudo bem! O que vocês fizeram comigo foi horrível. Em nenhum momento pensaram em mim, na minha felicidade. Só pensaram em vocês -- Maya praticamente berrou -- A senhora não quer saber o que eu passei depois que eu saí de casa? Claro que não, sabe de uma coisa? Eu vou embora, acho que mesmo depois de tanto tempo, nada mudou.
-- Mudou sim.
Disse uma voz masculina atrás dela. Maya se virou, mas já sabia quem era. Assustada ela se preparou para ouvir as ofensas que certamente viria em seguida. Porém as ofensas não aconteceram.
-- Oh, venha aqui minha filha! Perdoe esse velho cabeça dura -- o pai exclamou com os braços abertos.
Maya se levantou e, soluçando, atirou-se nos braços do pai.
-- Que saudade, pai -- a garganta estava bloqueada pela emoção.
-- Nós sabíamos que algum dia você voltaria, Maya. Voltaria para eu, ter a oportunidade de pedir perdão -- Honório alisava as costas da filha com as mãos trêmulas de emoção -- Eu sinto muito por todo o mal que causei à você.
Maya chorava muito, as lágrimas pareciam aliviar a sua dor.
-- Eu te perdoo, pai. Claro que eu te perdoo... -- Maya não conseguiu prosseguir.
-- Deixem de chorar, gente -- disse Eva -- Sentem para tomar o café.
Maya abafou os últimos soluços e se libertou dos braços do pai.
-- Eu não pretendia voltar -- confessou.
-- E o que a fez mudar de ideia, filha? -- perguntou Honório, servindo-se de café.
-- Jessica está de volta em minha vida -- ela disse, receosa. Olhou para o pai e depois para a mãe. Esperou pelo pior, mas os pais não demonstraram qualquer reação negativa.
-- Prossiga, Maya -- pediu a mãe.
-- Eu a amo muito e ela me faz a pessoa mais feliz do mundo -- ela deu uma pausa para tomar um gole do café forte e delicioso -- Mas eu precisava vir até aqui para tirar esse peso do meu peito. Eu passei muitos anos ressentida com vocês, por não terem respeitado as minhas escolhas, apoiado os meus sonhos e terem me manipulado de maneira egoísta.
Depois de um prolongado suspiro, Maya afirmou:
-- Acho que vocês não entenderam que se existe uma força maior do que tudo nesse mundo, é a força do amor. E mesmo separadas eu jamais a esqueceria.
Alcançando as mãos da filha, Honório as apertou com força.
-- O que aconteceu entre você e a Jéssica foi demais para a minha cabeça. Eu nem sabia que isso existia. Até hoje eu ainda não consigo entender esse negócio de menina com menina -- ele deu uma pequena pausa -- Enfim, eu gostaria de ter sido mais compreensivo naquela noite em que brigamos e não ter dito aquelas coisas horríveis. Eu sinto muito.
De repente, os olhos do pai se encheram de lágrimas, e Maya ficou surpresa. Ela nunca viu o pai chorar. Nem uma vez.
-- Depois que a sua irmã quase morreu pelas mãos do homem que eu escolhi para que ela se casasse, eu percebi o quanto errei com vocês duas. Fui um pai autoritário, me senti no direito de opinar sobre tudo, bem como decidir tudo por vocês -- retirando um lenço branco do bolso da calça, ele secou algumas lágrimas antes de prosseguir -- Você estava certa em ter ido embora -- ele hesitou por um instante. Depois ergueu os olhos marejados na direção da filha e continuou -- Ainda não consigo ver a relação de vocês com naturalidade, mas uma coisa te prometo, eu vou tentar. Eu vou respeitar as suas escolhas.
Maya olhava espantada para o pai.
-- Quando você e a sua irmã nasceram, eu prometi a mim mesma que nunca permitiria que vocês passassem por nenhum tipo de sofrimento. Por isso, eu queria garantir o futuro de vocês. Um bom marido, que desse segurança e conforto. E essa obsessão acabou me transformando em uma pessoa controladora e egoísta. Eu sinto muito por tudo o que fiz, minha filha.
Maya balançou a cabeça bem devagar.
-- Acha que conseguiremos colocar uma pedra sobre tudo o que aconteceu?
-- Conseguiremos -- Honório respondeu com um sorriso enfraquecido -- E a Jessica, ela vai nos perdoar?
-- A Jessica nunca sentiu raiva de vocês, ela sempre condenou a minha covardia em não enfrentá-lo. Isso sim.
-- Você estava certa a respeito da Jéssica -- Eva declarou -- Se vocês estão juntas novamente depois de tanto tempo, significa que ela estava dizendo a verdade quando disse que sempre a amaria.
Maya piscou por duas vezes e se perguntou se havia escutado direito. A mãe odiava a Jessica desde o primeiro dia em que a viu.
-- Sim, mãe, ela me ama. E demonstra isso todos os dias.
-- Que sorte a sua.
Maya se virou e encontrou o olhar cinzento de Carmem.
-- A boa filha à casa torna!
-- Carmem! -- Maya foi até ela de braços abertos -- Que saudade, irmã!
Carmem retribuiu o abraço com a mesma emoção.
-- Porque demorou tanto a nos procurar, pensei que algo de ruim havia acontecido com você -- lágrimas caíram de seus olhos -- Devia ter pelo menos avisado que estava bem.
-- Eu sei e agora, vendo vocês, me arrependo de não ter vindo antes.
Eva pegou uma xícara para Carmem.
-- Deus sabe o que faz, Maya voltou no momento certo. Só agora eu e o Honório nos conscientizamos dos nossos erros e assumimos a culpa.
-- Sua mãe tem razão, eu era bem capaz de ofender a Maya novamente -- ele tocou no ombro da filha -- Desculpe, mas faz pouco tempo que seu pai percebeu que era um brucutu.
Maya deu um beijo na bochecha do pai.
-- Eu também errei, pai. Todos nós erramos. Uns mais outros menos.
Carmem ergueu a xícara de café e propôs um brinde:
-- Que o passado seja esquecido e o futuro seja repleto de amor!
-- Que assim seja!
Espero que o sacrifício e a ressurreição de Jesus sejam inspiração para que o amor e a bondade se espalhem pelos corações de todos nós.
Fique com Deus, e que a paz faça sempre parte da sua vida!
Vandinha
Fim do capítulo
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