Ligação Inconveniente
Alice
O “Sim” mais aguardado (até então) da minha vida!! Que emoção! Para completar, o momento foi na presença da minha mãe e das outras pessoas que tanto amo. Lógico que o “chororô” dominou o quarto e foi impossível conter as lágrimas. Enfim, lágrimas de felicidade e alívio.
A sensação de êxtase que pairava pelo ambiente, de repente foi pausado por uma ligação no celular da minha mãe, que tocou em alto e bom som um louvor cantado por alguma dupla de violeiros. Ela deu um sorriso sem graça e rapidamente atendeu com entusiasmo:
- Oi Bem. A Paz do Senhor - falou com um lindo sorriso nos lábios.
Imediatamente me senti feliz com a possibilidade de falar com meu pai. Tanto tempo que estou aqui e não recebi nenhuma ligação dele. Meu coração disparou com a novidade e enquanto sentia o forte palpitar dos meus músculos cardíacos que trabalhavam junto com os músculos da face, formando um sorriso genuíno, senti a expressão da minha mãe carregar-se, evidenciando seu descontentamento e timidez. Ela baixou a cabeça, quase tentando colocar o celular dentro do próprio ouvido para que ninguém pudesse ouvir o que ela ouvira.
Seu rosto, alvo como a neve, com as bochechas levemente rosadas, tornou-se vermelho e seu olhar estava à procura de algum lugar possível para se esconder. A encarei, com o cenho franzido e mexi o queixo, na tentativa de perguntar-lhe o que se passava. Ela fez negativo com a cabeça e sorriu um riso sem graça, continuando ainda a apenas ouvir o que meu pai a falava do outro lado do mundo.
Todas as demais no quarto perceberam seu mau jeito, e os sorrisos foram um a um tornando-se nulos, dando lugar a uma expressão de preocupação.
Laura me olhou, com curiosidade. Devolvi o olhar, dando de ombros. Didi olhava para Chica que olhava pra Carol e assim ficamos poucos minutos, que pareceram eternos até que num suspiro, minha mãe falou:
- João, nossa filha está bem, sabia? - e esboçou outro sorriso sem graça - Melhor não, João! Nós vamos embora logo aí vocês conversam - olhava para todos e sorria sem graça - Ela está bem João, mas é melhor vocês conversarem em casa.
Estendi a mão pedindo o celular, ao perceber que o mau jeito que ela estava, era por ele estar falando de mim. Ela meneou a cabeça em negativo e insisti, ainda com a mão estendida. A contra gosto, entregou o celular em minha mão, baixando os olhos e meneando a cabeça.
- Oi pai - falei com alegria - Quanto tempo! Como o senhor está?
- Você não morreu mas quase me mata de vergonha - respondeu rispidamente - Que palhaçada é essa que está acontecendo aqui?
- Aqui onde pai? - perguntei sorrindo sem entender do que ele falava.
- Hum, Alice - continuou com tom ríspido - Você fica se metendo com gente que não presta, fazendo coisas que desagradam a Deus e uma hora a conta vem. Só acho que poderia vir só para você. Antes tivesse morrido um mês atrás, eu teria menos desgosto.
- Nossa pai - engoli em seco, tentando disfarçar meu descontentamento com o que acabara de ouvir - Fico muito feliz em saber que está feliz por minha recuperação - sorri ironicamente - Pelo visto, não foi o que que esperava que aconteceu, né pai?! Mas pode me explicar o que está acontecendo? Estou a milhares de quilômetros da sua casa e realmente não faço ideia.
- Está acontecendo que o meu nome, o nome dos meus pais que morreram honestamente, está na boca do povo por causa de você. Você, Alice, está manchando definitivamente o nome da minha família - falava alto e muito nervoso.
- E por que é que estão falando meu nome? - sorri e dei de ombros. Corri os olhos pelo quarto e todos ouviam atentamente a conversa, menos a Laura que meneava a cabeça, com as mãos no cabelo e semblante pesado, bem diferente de minutos atrás.
- Você não assiste televisão, menina? - perguntou em voz alta e já continuou a falar alterando-se mais - Essa imundícia que você faz aí com essa preta rica, está em todos os jornais. Só se fala de vocês. Se você acha que vai pisar mais alguma vez aqui na minha casa, está muito enganada - gritava descontroladamente - Nem todo o dinheiro imundo que essa preta aí tem vai conseguir pagar a minha honra e..
- CHEGA! - o interrompi gritando também - Não fale mais uma palavra, senhor João Stromps! - vociferei. Minha mãe tentou tirar o celular da minha mão mas impedi e continuei - Essa preta que o senhor acabou de falar, é a mulher da minha vida e quer o senhor queira ou não, um dia vou me casar com ela e não fará diferença eu pisar ou não na sua casa, porque agora eu não piso mais no chão. Estou paralítica, senhor João. Não morri como era o seu desejo - as lágrimas começaram a rolar pelo meu rosto - E se a notícia de que eu e a Laura estamos juntas está rondando o Brasil, eu acho é ótimo, pois o mundo está carente de amores como o nosso para ser exemplo e não de pessoas amargas como o senhor.
Desliguei a ligação e entreguei o celular para minha mãe, que me olhava com os olhos arregalados e marejados, sem saber o que dizer. Didi e dona Chica estavam ao lado dela, a abraçando e a Laura me olhando fixamente. Minha respiração ofegante, se misturava às lágrimas que insistiam em rolar até o queixo.
- Bem! É isso - falei e dei de ombros - Seu segredo foi revelado, Laura Veigas.
Ela segurou minha mão, limpou minhas lágrimas e me deu um beijo no rosto.
- Nosso segredo, meu amor! - falou com um sorriso sem graça - Agora somos conhecidas no mundo.
- Isso é sério? - interrompeu Carol, falando rápido e já sabia que, quando falava assim era porque estava irritada.
- Sim! - falou a Laura calmamente - Antes de vir pra cá fiquei sabendo dessa bomba - revirou os olhos - Na verdade, estamos cercadas. Entrei pelos fundos do hospital e tem paparazzis e jornalistas por todo lado.
- Meu Deus! Que loucura - falou Carol, colocando as mãos na boca.
Todas ficaram atônitas com a notícia. Minha mãe até sentou, sentindo a pressão abaixar repentinamente.
- O que você vai fazer sobre isso? - perguntei pra Laura.
- Me proteger! Nos proteger! - deu de ombros - Não há mais nada a ser feito. Já pedi reforço na segurança para sairmos daqui e vamos pra casa.
- E como isso aconteceu? - perguntei atônita.
- Não faço ideia - respondeu Laura - Imagino e acredito ter sido o Joseph né?! - levantou a sobrancelha e fez uma careta, suspirando profundamente.
- E seus negócios? - perguntou Didi e dona Chica ao mesmo tempo, que se entreolharam e sorriram.
- Então! - começou Laura - Pelo que conversei com o Tom, por incrível que pareça, parece estar melhor que antes - sorriu aliviada e me olhou fixamente - Talvez a consultora aqui um dia consiga nos explicar - me acariciou o rosto.
- Estou fora de forma - respondi com pouca alegria, ainda com o som da voz do meu pai reverberando em minha mente - Nem sei se sou capaz de voltar fazer o que um dia já fiz - fechei os olhos, na tentativa de conter as lágrimas que voltaram a rolar incontrolavelmente.
Laura me abraçou e pude sentir as batidas do seu coração, pulsando forte iguais as minhas.
- Não diga isso meu amor - falou baixinho - É apenas uma fase! Você sempre será a melhor, no que for que você se propor a fazer - se afastou e segurou meu rosto entre suas grandes mãos - Olhe ao seu redor. Estamos todas aqui por você - me beijou os olhos lacrimejados e continuou a deixar beijinhos carinhosos por todo o rosto até que chegou na boca e deu um longo selinho - Estamos juntas! - me olhou profundamente e eu, despenquei a chorar em seus braços.
Minha mãe se aproximou e nos abraçou. Didi fez o mesmo. Em seguida Chica e por último, Carol. O poder desse amor e essa rede de apoio, é imensurável. Enfrentar o mundo com todas suas atrocidades e preconceitos, é algo pesado demais. Se não tivermos nossas redes de afeto e cumplicidade, não existe saúde mental que resista. Fechei os olhos e agradeci à vida por isso. Se Deus ainda acha que sou merecedora de seu amor, certamente está me mostrando nesse momento. Dez braços em volta e envoltos, trocando energia e sentimento. Definitivamente, o amor é a força mais poderosa desse universo.
Perdida em meus devaneios, ouço em meio ao abraço, a voz da dona Chica que pergunta:
- Se vocês estão famosas e tem fotógrafos até aqui no hospital, isso significa que nós também teremos nosso momento de fama?
Impossível não rir desse comentário inesperado. Uma a uma foi se soltando do abraço, novamente descontraídas.
- Pode ser que saiam em alguma foto ou outra - falou sorrindo a Laura, claramente desconfortável com a situação, mas lúcida quanto a impossibilidade de fazer algo para impedir.
- Eu quero é foto minha inteira - falou dona Chica, colocando a mão na cintura e mexendo nos cabelos - Não nasci para ser plano de fundo.
Gargalhamos com sua espontaneidade.
- Eu estava lá desde o comecinho - continuou com sua graça genuína - Fui eu que contei pra Lice que vocês jogavam no mesmo time - revirou os olhos fazendo graça - E fui eu também, viu Fatinha, que percebi que essa menina aí não curtia linguiça - gargalhou e abraçou minha mãe que sorriu timidamente, dando um tapinha na amiga.
- Ok dona Chica - falei sorrindo - Ganhou o direito de estampar as capas das revistas com a chamada: Eu sabia de tudo!
- É isso mesmo Lice - continuava a sorrir e me apertou as bochechas - Eu sempre soube de tudo. Inclusive já sabia que o João daria piti quando você ficasse famosa - revirou os olhos e sua voz ficou séria - Não ligue para o que ele fala. Nós te amamos e jamais sairemos de perto de você, não é Fatinha? - olhou para minha mãe.
- Mas é claro que sim - respondeu minha mãe - Eu soube desde quando você nasceu, que Deus tinha me dado uma preciosidade para ser minha filha. Para mim, não importa se você beija meninas ou meninos, o que a mãe quer, é te ver feliz e respeitada, filha - me olhou com ternura e correu os olhos para Laura - E eu ganhei outra filha. Se seu pai não puder te amar como você é, a mãe promete te amar em dobro.
Os seus, os meus, os nossos, todos os nossos olhos não conseguiram segurar a emoção líquida que transbordou e mais uma vez, eu tive a certeza de que o amor, são só é o sentimento mais potente como também cura, salva, liberta.
Dona Chica, que observava tudo em um silêncio inédito, direcionou o olhar para Laura e falou:
- Você foi avisada disso, não foi? - e levantou as sobrancelhas, ao limpar as lágrimas e a Laura consentiu com a cabeça - No dia que elas se encontraram no shopping - continuou Didi - Joguei os búzios para a Laurinha, e o recado que ela recebeu foi que ela sentiria e conheceria a força do amor, que é mais forte que a morte.
- Nossa!!! - interrompeu Carol, mostrando o braço arrepiado - Arrepiei aqui!
- Aleluia! Arrepiei! - brincou Chica - Essa Didi é poderosa mesmo.
- Eu não! - defendeu-se imediatamente - Meus Santos e Orixás que são. Eu sou só um instrumento pronto para ser usado - falou com ternura.
- É pessoal - tomou a palavra a mulher mais linda do universo - O papo está bom e queria continuar em um lugar mais aconchegante pois eu e minha linda namorada - revirou os olhos e conteve o riso nos lábios - Já estamos enjoadas desse quarto, não é?!
- Sim! Por favor - respondi com as mãos em prece - Acredito que já paguei todos os meus pecados.
- Então enquanto eu me certifico de que sairemos daqui inteiras, vocês conseguem organizar nossas coisas para irmos embora?
O “sim” foi unânime e alegre, e rapidamente já estavam cada qual, organizando um ítem.
Algumas poucas horas depois de tudo estar em perfeita organização e a Laura retornar ao quarto com uma equipe de seguranças, o que assustou a todas, ouvimos todas as dicas de cuidados a serem tomados e como seria realizada nossa retirada do hospital. Laura, como sempre, organizou cada detalhe. Por eu ainda precisar de alguns cuidados básicos de saúde, nosso vôo não será imediato. Ficaremos acomodadas em um apart hotel até que todo o catering para o vôo esteja adaptado às minhas necessidades e então, partiremos para o Brasil.
Do modo acordado, foi feito. Didi e minha mãe saíram primeiro. Em seguida foi dona Chica e Carol. Laura não permitiu que fôssemos separadas como o recomendado.
- Já a perdi uma vez por isso - falou ríspida com o chefe da segurança - Não permitirei outra vez. Iremos juntas.
Quem ousaria contrariar a própria dona da equipe de seguranças? Aquele monumento em forma de mulher. Um metro e setenta e quatro de puro charme, elegância, braveza, beleza, perfume, doçura, força, garra, determinação, inteligência, sedução. Tudo em um lugar só! O chefe apenas consentiu com a cabeça e passou rádio para os demais, obedecendo prontamente.
Quando estávamos à porta, os médicos e a equipe de enfermeiros vieram despedir de nós. Passamos um tempo suficiente juntos a ponto de nos cativarmos. Como já nos aconselhou uma vez, o grande Antoine de Sain- Exupéry: “Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”. Os agradeci por todo cuidado e maestria que tiveram com meu frágil ser e, sendo empurrada na cadeira de rodas, partimos para a saída onde um SUV com rampa acessível nos aguardava com as portas abertas.
A sensação de após tanto tempo estar saindo mais uma vez para a vida, assemelha-se à de renascer. Apesar de já estar noite e não conseguir ver muita coisa, só o fato de respirar um ar que não seja o do ar condicionado hospitalar, ou do oxigênio pendurado na máscara para melhorar a oximetria sanguínea, me fez acreditar que recebi o presente de uma segunda chance.
Laura sentou-se no banco ao lado da minha cadeira e segurou minhas mãos. Nossos olhos se encontraram em um misto de emoções. Eu sorria e chorava ao mesmo tempo em que ela chorava e sorria. Uma complementando a outra no mesmo sentimento. Um olhar carregado de cumplicidade e resiliência. Quanta dor e quanta força. Quanta agonia e quanta esperança. Experiência é algo que não se faz necessário ser adquirida com muitos dias e anos. Você pode viver uma vida longa não ter adquirido nenhuma experiência em contrapartida de alguém que pode ter vivido meses, o equivalente a anos de experiências. Assim hoje é a nossa vida. Há dois meses e meio atrás, não imaginávamos que hoje, teríamos vivenciado tanto, em tão pouco tempo. Aquelas duas mulheres apaixonadas, que se viram pela última vez no café da manhã no meu apartamento, cheias de planos fofinhos para surpreender uma a outra, deram lugar a essas duas mulheres fortes e invencíveis que acabaram de sair do hospital, deixando para trás um histórico de luta, com a certeza plena dentro das almas, que não existe mais nada capaz de as destruir ou separar. Não foi o longo tempo de trinta anos, nem um atentado à vida, nem nenhuma outra eventualidade capaz de impedir essas duas almas predestinadas a estarem juntas.. Nosso olhar se conversou e sem dizer uma palavra, enxergamos em nós, a maturidade que faltava para enfrentarmos juntas esse mundo pérfido e cruel, incapaz de sobreviver a um amor tão forte e real como o nosso.
- Eu Amo e Vejo Você! - me falou olhando em meus olhos.
- Eu Amo e Vejo Você, minha Amora! - respondi emocionada.
Fim do capítulo
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jakerj2709
Em: 05/06/2022
Que história linda cheia de fortes emoções... Obrigada por nós teletransportar pra viver junto todas as emoções.... Parabéns ganhou mais uma leitora fã... obrigada
Eva Bahia
Em: 16/04/2022
Ei sua autora linda, eu citei "o pequeno príncipe" no capítulo anterior e vc o citou agora rsrs quanta coincidência. Acho que nossos santos se deram bem viu.
E sim, o amor é a arma mais poderosa do mundo!
Muitos bjs baianos pra ti...ah, abraços tbm????
Resposta do autor:
Ligação forte!!! E obrigada pelo "linda"
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Rafaela L
Em: 15/04/2022
Cadê as atualizações?
Queremos o Relatório do capítulo 81 completo!!!
Sim ou claro? rsrsr
Resposta do autor:
também quero kkkk por isso mesmo estou escrevendo!! rsrss Logo , logo sai do forno, quentinho feito um pão, prontinho para se deliciarem. Aguarde!!
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Atrevida
Em: 15/04/2022
Mana!!! Enquanto tem uns fulano aí só jogando nhaca na preta rica tu quer matar a preta pobre aqui? Tanto capítulo novo e eu sem saber! Bombou, bombou! Já é e quem não gostar que se f@%&!! História muito foda! Depois dessa tu já sabe das outra 299 que vai escrever? Vai pensando que o bonde tá ficando cheio. Mandei uma real pras chegada e tem muita preta de responsa te lendo tá ligada? Tu representa!
Resposta do autor:
Uau!! Me sinto extremamente honrada com essa representação do bonde!!! Gratidão gigante!!
Quanto as próximas, quero, apesar das dificuldades enfrentadas. Mas, por enquanto, seguimos em Amoras e vamos pra parte final.
Sinta-se abraçada.
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