Bia

- Ok, Mirela, te conto mais uma vez como foi a emoção ao te reencontrar - falei sorrindo e a abracei, sentadas à cama, encostadas na parede. Ela sorriu e acomodou entre meus braços, deixando os ouvidos sobre meu peito. Cheirei seus cabelos recém lavados e com os olhos fechados, na tentativa de reviver mais uma vez o momento, retomei a fala - Depois que eu atirei nos países baixos do Joseph - ela sorriu um riso faceiro - Fui para na delegacia, só que ao invés de ser tratada mal, como achava que seria, ganhei até uma salinha diferenciada. O pessoal que eu já estava ajudando antes, encomendou lanches e comemoramos juntos meu feitio. Passei a noite lá e no outro dia logo cedo, o advogado da Laura apareceu e me tirou de lá.

- Pausa! - pediu se levantando um pouco e me olhando - Não vejo a hora da Laura chegar para eu a conhecer.

- Está quase!! Logo, logo o avião chega e daí nós vamos vê-las.

- Ela parece tão legal.

- Ela é legal sim - revirei os olhos - Já teve um tempo que não gostava dela, mas hoje eu gosto - sorri - É uma mulher admirável - refleti.

- Que bom! - continuou Mirela - Porque a Alice também é! Quero logo ir agradecer por tudo o que fez por mim e pelas meninas. Mas agora continua - deitou-se novamente em meu peito, envolvendo seus braços em minha cintura - Até que cheguem dá tempo de ouvir mais uma vez - sorriu.

- Então - fechei novamente os olhos - Daí quando saí da delegacia, vim aqui para a casa da Mayza e ela estava radiante. Me mimou tanto que nem sei se um dia serei capaz de devolver todo esse carinho.

- Já está sendo Bia! Vocês duas juntas são a coisinha mais linda desse mundo - sorrimos juntas - Mas e daí quando soube que eu estava chegando?

- Você não para de me interromper - a apertei e beijei sua cabeça - Nunca chego nessa hora - sorrimos mais uma vez - Então, daí, uma bela manhã, eu estava bem aqui na cama, vendo a Mayza editar umas fotos, quando recebi a ligação do sr Carlos, me avisando que você e suas amigas tinham embarcado e que chegariam no aeroporto a noite, por volta das dez horas. Eu não consegui fazer mais nada o resto do dia. Meu coração pulava fora do peito. Saí da cama e comecei a pular igual uma criança, pulando e chorando. A Mayza me abraçou e pulou junto - sorri com a lembrança - E de repente paramos de pular e nos olhamos. Ela acariciou meu rosto, limpando minhas lágrimas, colocou uma mecha de cabelo atrás da minha orelha e me olhou profundamente. Nossos olhos se encontraram e dançavam entre os olhos e a boca, até que, quando percebi, tivemos nosso primeiro beijo. Um beijo tão gostoso, calmo, com carinho, macio…

- Ah! Pronto!! - me interrompeu - Era pra ser a história de quando me viu no aeroporto, e não de quando beijou a Mayza - sorriu - Sua apaixonadinha!!!

Sorrimos juntas e dei de ombros.

- Mas esse pedaço da história faz parte da sua história. Isso aconteceu no momento que eu estava mais feliz porque iria te ver - a abracei - E sim, confesso que estou apaixonadinha. Ela é tudo de bom!

- Isso até quem não a conhece sabe. A mamãe está quase nos trocando por ela - gargalhou - Eu fiquei um tempão longe de casa, mas quem faz sucesso com a mãe? Minha “cu” que é toda legal e simpática e conquistou nossos corações - me abraçou mais uma vez - Obrigada por isso.

- Pelo quê? - a olhei esperando resposta.

- Por me dar mais uma irmã para amar! Vocês foram feitas uma para a outra. Mas agora, continua minha história.

- Então - a acomodei mais uma vez sob meu peito - Sei que passei o dia todinho, agoniada para que chegasse logo a noite. Quase nem consegui comer. Quando a tarde foi caindo, fomos para o aeroporto. Eu parecia uma batedeira, de tanto que tremia. Minhas mãos suavam e meu coração batia tanto que me dava até falta de ar. Tinha um monte de policiais lá também, além de nós. A Mayza me abraçava, tentando me conter do tremilique mas não adiantava nada. Quando o Sr. Carlos me avisou que o avião pousou, minha vontade era sair correndo na pista - ela sorriu alto - Os minutos que se passaram até que você aparecesse naquela porta, meu Deus! Não sei como aguentei e não morri de ansiedade.

- E daí? Quando a porta abriu? - perguntou animada.

- Ah! Quando aquela porta abriu, foi o momento mais lindo da minha vida. Quanto tempo que eu não via minha menina, minha irmãzinha linda, meu pedacinho de mim. Foi como reviver o dia que você nasceu inesperadamente no pronto socorro e eu que estava acompanhando a mãe e te segurei no colo, ainda toda cheia de sangue. Saí correndo de um lado e você do outro e a gente se abraçou num reencontro regado a muito choro. Eu te apertei tanto, que minha vontade era poder te colocar dentro de mim para que suprisse toda falta que senti de você todos esses anos. Caímos ajoelhadas no chão por não aguentar as pernas bambas - sorri e senti as lágrimas brotarem nos olhos - Você estava de volta! Te cheirei, te beijei. Olhava para você e parecia não acreditar que era verdade. Você, linda como sempre, só que agora não mais com aquela carinha de menininha que eu me lembrava. Uma moça linda, dócil, forte. Ah! Que orgulho de você.

- Que delícia relembrar esse momento né, Bia?! - falou em um suspiro - Eu ainda tenho medo de ter que voltar para aquele lugar horrível, sabia?

- Não precisa mais ter medo - a abracei forte - Tudo já está resolvido! Nenhum mal mais te alcançará. Te prometo.

Nos abraçamos forte com o sentimento único, possível apenas de nós que passamos pela situação, sentirmos.

- Quando o demônio será preso? - me perguntou com expressão preocupada - Enquanto ele não estiver preso e julgado, não fico sossegada.

- Será logo, meu amor - acariciei seu rosto juvenil - A Laura chegando já vão começar a finalizar os trâmites e logo, logo, teremos essa vitória completa.

- E aqui onde estamos, estamos seguras né?! - falou com os olhos arregalados.

- Sim, Mirela - a assegurei - Já te falei várias vezes se já te mostrei. Estamos cercadas de policiais e da equipe de segurança que a própria Laura contratou. Pode ficar tranquila. O pior já passou.

- Não sei por que tenho esse medo, Bia. Parece que a qualquer momento ele vai chegar ou que alguém do lado dele vai nos encontrar.

- É normal você sentir isso. Lembra que a psico falou? Vai um tempinho até que sua mente se acostume com a nova realidade, mas posso te garantir, que está segura.

Nos abraçamos e pude sentir seu corpo tremer com as recentes lembranças.

Permanecemos na cama mais um bocado de tempo, conversando das mais diversas atualizações de nossas vidas e fazendo planos para o futuro até que a Mayza chegou e se jogou no nosso meio, roubando toda atenção só para ela.

Já próximo da hora aguardada para o desembarque aguardado, saímos juntas, onde, Mayza nos deixaria na atual casa da Laura, em um condomínio luxuoso e super reforçado de seguranças e, se dirigiria ao aeroporto, onde se encontraria com as primas e, com autorização da Laura, faria algumas fotos despretensiosas para lucrar com a trending topics do momento. A caminho e quase chegando no condomínio, o celular da Mayza tocou com o remetente restrito e ela me pediu para atender e colocar no viva-voz do carro.

- Gil? - foi a minha resposta ao ouvir a voz da pessoa do outro lado.

- Bia? - ele me respondeu.

- Sim! - respondi com felicidade, por tanto tempo estar sem falar com ele - Que saudade.

- Nossa, gata! Eu também - respondeu com pouco entusiasmo e estranhei - Será que eu liguei errado?

- Não sei! Para onde queria ligar? - perguntei.

- Para a prima da Alice.

- Você a conhece também?

- Mais ou menos - continuou com a fala sem entusiasmo e estranhei ainda mais, a mudança do Gil que conheço - Estou preocupado com a Alice e queria saber dela.

- E como conseguiu o telefone da prima? - o indaguei enquanto o silêncio pairava na atmosfera automobilística.

- Ah! É uma longa história. Fui ligando de um para outro até que cheguei no nome dela e daí foi fácil conseguir o telefone da última fotógrafa da Laura - sorriu e ao fundo, ouvimos um estalar de dedos conhecido que arrepiou toda minha espinha. Mirela imediatamente se apoiou no banco da frente e apontou para o aparelho de som que recebia a ligação, com os olhos arregalados. A olhei e não preciso falarmos nada para que nossos olhares se conversassem sobre quem seria o dono do estalar de dedos, que por anos ouvimos - Bia? Está aí?

- O-Oi Gil - respondi, ainda olhando para a Mirela - Estou sim - fiz sinal de silêncio para a Mirela.

- Então, esse telefone é ou não é da prima da Alice? Está com ela?

- Não Gil. Esse telefone é meu mesmo - olhei para Mayza que continuava a dirigir, atônita - Troquei meu telefone a pouco tempo e não sei como você me ligou - sorri sem vontade - Mas foi muito bom falar com você. Precisamos nos encontrar.

- Sim, gata. Vamos marcar - falou com voz séria - Mas que estranho. Tinha certeza que estava ligando para a tal da Mayza.

- Que pena Gil. Se eu souber de alguma coisa, posso te ligar - pisquei para Mayza - Me passa seu número porque aqui apareceu restrito.

- Vou te mandar por mensagem porque também não sei, gata - sorriu sem graça e novamente ouvimos o estalar de dedos ao fundo.

- Combinado, bee - falei ironicamente animada - Vou aguardar. Preciso voltar a treinar. Você me abandonou.

- Você que sumiu! - respondeu sério - Fiquei sabendo que agora está de emprego novo.

- Ficou sabendo é?! - falei ironicamente - Como as notícias correm, não é?! E você também deve ter mudado de área.

- Eu? Não, gata! Continuo sendo personal. Só estou com uma cartela seleta de clientes.

- Entendi, Gil! Bom, mas então aguardo sua mensagem para poder salvar seu número aqui.

- Ok, gata! Se cuida!

- Você também.

Desliguei a ligação e rapidamente tirei o chip e em seguida o quebrei e joguei janela a fora. Mayza me olhou assustada. Mirela, tremia no banco de trás, encolhida, abraçada nas próprias pernas.

- Era o tio - repetia várias vezes - Era o tio. Eu conheço o estalar de dedos. Era o tio.

- Você não vai para o aeroporto - falei para Mayza - Vamos ficar juntas na casa, esperando-as.

- Mas.. - falou Mayza

- Não tem mas nem menos, Mayza - falei brava - Você não vai e pronto! O Joseph já tinha seu telefone, e eu ainda não consigo entender qual a ligação dele com o Gil, meu antigo personal, além de que, agora ele sabe que estamos juntas, ou seja, você virou alvo.

- Mas eu não fiz nada - falou dando de ombros.

A olhei sem paciência, desabotoei o cinto e fui para o branco de trás, abraçar a Mirela, aparentemente em choque.

Por alguns segundos, minhas sinapses neurais ultrapassaram a velocidade da luz, acessando lugares que por alguns dias, acreditei que não iria mais visitar. As lembranças do nosso sequestro em Paris, o último dia que estive com a Mirela, ainda pequena, misturado a todo horror que vivi desde então e as recentes lembranças gostosas do nosso reencontro. Diferente de anos atrás, dessa vez estou preparada ao invés de acuada. Se o Joseph acha que vai mais uma vez tirar o que amo, ele está enganado. Ele já me fez conhecer o que é o inferno, agora é a minha vez de fazê-lo habitar lá, se preciso for.

Fim do capítulo