Fique por Leticia Petra
Capitulo 9 - Bons em guardar segredos.
Tantas coisas para pensar, tanto a organizar em minha cabeça e eu não consegui chegar a lugar algum. Nem havia conseguido conversar a sós com os meus irmãos. É tão estranho, iria me acostumar? Não que seja ruim ter outros irmãos, mas tudo que envolvia a nossa história, me impedia de ficar feliz. Descobri que o meu pai é um mau caráter sem tamanho, que a minha mãe biológica está morta e que agora meus irmãos e eu estamos em perigo.
— Quando esse inferno irá acabar? – Podia sentir leves tremores em meu corpo, me dizendo que teria uma crise de ansiedade.
Aspirei o ar com força e o soltei devagar, repetindo várias vezes.
— Olivia... – Maria Eduarda entrou no quarto, parecia um animalzinho acuado.
Eu estava sendo rude com eles, fazia horas que estávamos ali e nem ao menos disse algo a eles.
— Você procurou por mim, sentiu a minha falta todo esse tempo? – A sua expressão foi de surpresa e tristeza logo em seguida.
— Eu escolhi o seu nome, por causa do desenho do Popeye. Mamãe também havia te dado uma boneca da Olivia Palito, você vivia babando o nariz dela. – Seu olhar divagou, até voltar a mim. – Troquei suas fraldas, te coloquei pra dormir.
— Ela contava historinhas também. – Eric surgiu na porta. – Misturava todas as histórias de princesas, trocava os nomes.
— Obviamente, você não entendia nada. – Eu deveria me dar a chance de recomeçar. — Nem eu entendia, mas era divertido te ver me encarando com aquelas gengivas fofinhas.
Essas pessoas a minha frente são a minha família.
— A vida não tá sendo justa com a gente. – Me aproximei de Maria Eduarda. Os seus olhos estavam marejados. – Obrigada por ter me procurado, minha irmã. Meu irmão...
Maria sorriu.
— Pequena Olivia Palito... – A abracei, deixando extravasar toda a minha dor. Fiz um gesto para o Eric se aproximar, e ele o fez.
— Como ela era? — Nos afastamos, ambos me encaravam com um sorriso.
— Era uma ótima mãe, ela nos amava muito, Oli. – Eric respondeu.
— Ela te pegava no colo e sempre cantava uma musica pra te acalmar. – Eduarda pareceu pensar por uns instantes. – Como era mesmo aquela música, Eric?
— Calma princesinha, você é um bonito sol, que aqueceu os corações de todos nós... – Os dois cantarolaram, me fazendo sorrir. Meus olhos marejaram, uma chavinha girou em minha cabeça.
“Minha família.” Era assustador, preciso admitir.
Ficamos mais algum tempo ali, eles não forçavam a barra, apenas faziam perguntas de como havia sido a minha infância. Eu os observava enquanto narrava um pedaço da minha vida. A ficha ainda não havia caído.
Zoe ligou para Maria Eduarda, dizendo que viria a noite e que traria visitas.
— Então, você é minha tia. – Ben me analisava.
Estávamos na sala.
— Sim, eu sou a sua tia. – Ele passou vários segundos olhando para o nada e depois voltou a me encarar.
— Você é tão bonita, parece com a tia Maria. – Apenas sorri.
— Obrigada, mas você também é um carinha muito bonito. – O elogio fez efeito, pois ele riu e segurou a minha mão.
— Tia Olivia, quando eu for um gamer famoso, posso mostrar a senhora pra todos os meus amigos? Eles vão ficar com inveja. – Uma sensação nova.
— Ei, moleque? Deixa sua tia em paz e vai tomar banho. Seu pai disse que é pra comer tudo dessa vez. – Maria veio até a sala, enxugava as mãos em um pano de prato.
Eles estavam fazendo o almoço, pois a Zoe deixou ordens restritas para que não saíssemos do apartamento.
— Ele tem dificuldade em comer? – Ela sentou ao meu lado.
— O Ben sofreu bullying na escola por conta de sua... – Maria passou a mão sobre a cabeça. – Bem, ele é um garoto trans.
Abri a boca levemente, estava muito surpresa.
— Desde os cinco anos, ele diz que não é uma menina e isso gerou revolta nos colegas da escola, eles batiam nele e diziam bobagens. Ben parou de comer, se isolou, ficamos muito preocupados. A diretora orientou o Eric a procurar um psicólogo e foi o que fizemos. Depois disso, trocamos ele de escola e o deixamos livre pra se descobri. – Agora fazia sentido os traços femininos.
— Não deve ter sido fácil. – Maria sorriu, encostado sua cabeça em meu ombro.
— Não mesmo, o Eric teve que abrir um pouco a mente, ele era meio burro pra esses assuntos. – Não pude deixar de rir.
— Eu ouvi isso... – Ele jogou um pano em Maria Eduarda.
No fim, não seria tão difícil assim me acostumar com a minha nova... família.
— Vamos comer, algo que me diz que esse dia vai ser longo. – Ele estava certo.
Almoçamos e passamos toda a tarde conversando. Eles me responderam com paciência a cada questão que eu perguntava. Eric não soltou a minha mão nem por um segundo. Meus irmãos estavam me dando toda a atenção possível. Com todas as informações daquele dia, liguei para Yuna e expliquei um pouco do que havia acontecido. Pedi que viesse, pois queria muito vê-la e abraça-la. Ela havia se tornando alguém essencial.
— Isso é uma loucura. – Yuna me encarava. – Nem posso imaginar como está se sentindo, Olivia.
Ela segurou a minha mão.
— Há muita coisa pra absorver, confesso que estou a ponto de surtar. – Sorri, tentando aliviar o que eu disse.
Eric, Ben e Maria Eduarda estavam no quarto, havia apresentado todos.
— Eu posso te ajudar. – Nos encaramos.
— Olivia, a Zoe chegou. – Maria apareceu na sala.
— Vou até ao apartamento do meu pai, acho que a conversa será séria. – Yuna sorriu.
A porta foi aberta e a Zoe foi a primeira a entrar, olhando para nós com uma expressão estranha.
— Boa noite. – Sua voz soou raivosa, ou foi impressão minha?
— Boa noite, Zoe... bem, vou esperar a sua ligação, Olivia. Estarei ao seu lado pra qualquer coisa. – Sorri, a abraçando. – Tchau.
Yuna deixou o apartamento e Zoe continuou a me encarar. Foi quando vi que havia outras pessoas. Marina e minha mãe estavam ali, vieram em minha direção e minha irmã foi a primeira a me abraçar.
Meu tio e João estavam ali também. Que porr* era aquilo?
— Sentimos muito, por favor, nos perdoe filha. – Olhei para todos, um pouco atordoada.
Por puro reflexo, me afastei delas e me aproximei de Maria Eduarda, que segurou a minha mão.
— Vai ficar tudo bem, estamos aqui. – Ela sussurrou em meu ouvido.
— Filha... – Minha mãe e minha irmã me olhavam magoadas.
— Olivia, isso foi necessário... – Zoe me fez olha-la. – Me desculpa.
— Alguém me explica o que tá acontecendo? – Marina perguntou.
— Confia em mim, tá? – Zoe colocou sua mão sobre meu ombro.
— Tá bom. – Sua voz me trouxe confiança.
— Sentem, por favor... o que tenho a dizer é muito sério. – Zoe pediu. – Maria, chame o Eric, todos devem ouvir.
Minha mãe e minha irmã me olhavam, seus olhos estavam vermelhos. Sei que elas não eram as culpadas, mas no fim, também mentiram para mim. Se tivessem escolhido me contar, tudo poderia ter sido muito diferente. Eu teria ido atrás da minha história e estaria a mais tempo com os meus irmãos.
— O que é tudo isso, Zoe? – Marina estava inquieta, me encarava e depois Maria. – Quem são essas pessoas?
— Marina, tia, o que tenho a dizer é muito complicado e envolve a todos. – Zoe me olhou.
— Então o Fábio deveria estar aqui...
— Betina, deixe a Zoe falar... – Tio Bernardo pediu.
— O Fábio é o motivo pelo qual estamos aqui. Essa é a Maria Eduarda e o Eric, eles são irmãos da Olivia. – Elas ficaram de pé, totalmente surpresas.
— Que... – Marina balbuciou. Apertei a mão de Maria, a fazendo me olhar.
— Há uma história ruim por trás da minha adoção... – Criei coragem. – O Fábio, ele enganou a todos, ele é meu pai biológico.
— O que? De onde você tirou isso, Olivia? – Minha mãe ficou atordoada.
— Ele te traiu há anos e eu fui fruto dessa relação, não foi à toa que ele quis adotar uma criança, ele só queria encobrir tudo que fez. Minha mãe biológica, ela morreu pouco tempo depois que eu nasci, meus irmãos e eu fomos parar em um abrigo e meses depois, eu fui adotada...
— Quem te fez acreditar nisso? Seu pai jamais faria algo assim. – As minhas mãos estavam tremulas, os meus olhos ardiam, pois segurava a vontade de chorar.
— Meu pai é um bandido, mãe... ele não tem escrúpulos algum. – Sua face estava avermelhada.
Ruborizada de fúria.
— Fábio anda roubando a empresa, minha irmã. Ele já desviou muito dinheiro, ameaçou a Zoe, hoje mesmo invadiu a casa dos irmãos da Olivia e quebrou tudo, ameaçou todos. Ele ameaçou me expor também... – Tio Bernardo ficou constrangido. – Ele tem que ser parado, ou só Deus sabe o que ele será capaz...
Marina estava calada, eu quis abraça-la, mas estava paralisada.
— Deus, isso não é possível. – Minha mãe levou as mãos a cabeça.
O clima estava tão pesado, que era difícil de respirar.
— Infelizmente, é verdade, tia. Olivia e os irmãos correm riscos e depois de conversar com o meu pai e o João, tivemos uma ideia para mantê-los seguros. – Zoe me entregou um copo com água.
Só notei quando ela o colocou em minhas mãos.
— E o que seria? – Eric perguntou.
— Meu pai tem uma fazenda, cerca de cinco horas daqui. Lá é seguro, vocês poderiam ficar bem até que Fábio seja preso. – Bebi um gole.
— Mas, eu tenho o meu emprego, Olivia tem a faculdade, não podemos deixar tudo aqui e ir embora. – Eric tinha razão.
— Isso já foi pensado, rapaz, você teria um emprego na fazenda, a Olivia poderia estudar on-line, o mais importante manter vocês seguros. – Tio Bernardo veio até a mim, se ajoelhando a minha frente. – Você é da nossa família e isso jamais mudará. Não importa o que o DNA diga, você é uma de nós.
Suas palavras me tocaram fundo.
— A gente vai aceitar, tio. – Minha voz embargou.
— Quando teríamos de ir? – Maria perguntou.
— Amanhã, pela madrugada. João e eu iremos com vocês, os deixaremos lá. – Zoe.
— Eu vou com vocês. – Marina finalmente disse algo.
— Você não parece surpresa com nada disso, Marina. – Zoe e ela se encararam.
— Não pense que sabe o que sinto, Zoe, mas nesse momento só o que desejo é ficar do lado da minha irmã. Olivia e sua integridade física é só o que me interessa. – Jamais tinha a visto assim.
Sua expressão era de raiva, tristeza, eu não sei.
— Deus, eu preciso de um tempo pra absorver tudo isso. – Minha mãe me encarou, ficando mais perto. – Por favor, não me olhe assim.
— Você deveria ter me contando, eu merecia saber. Eu tenho mais dois irmãos, eu tenho um sobrinho, uma história e vocês me ocultaram isso... eu tinha o direito. – Fiquei de pé. – Tudo poderia ter sido diferente.
— Ficamos com medo de te perder, Olivia, de você nos rejeitar... – Marina tentou me tocar.
— E como acham que estou me sentindo em relação a vocês agora? – Me afastei. – Só pensaram em si mesmos.
— Devemos ir agora, deixem tudo se acalmar e em um outro momento, quando tiverem condições emocionais, vocês conversam. – Zoe se colocou ao meu lado, passando seu braço sobre meu ombro. Me senti estranhamente calma com o ato, protegida até. – Marina, sairemos as cinco da manhã. Leve a titia, dê um calmante a ela.
— O que faremos com o meu pai?
— É muito provável que ele já esteja ciente da nossa reunião e tenha fugido. Liguem para casa e pergunte a algum dos empregados. – Marina me encarou por vários segundos.
— Tudo bem...
Ela segurou pelo braço de minha mãe.
— Vamos, mamãe...
— Filha...
— Betina, deixe a Olivia esfriar a cabeça. – Tio Bernardo pediu.
Ela se afastou.
— Me esperem no carro, em poucos minutos descerei... – Baixei o olhar.
Eles deixaram o apartamento.
Maria Eduarda me puxou para si, me abraçando forte e dizia baixinho que tudo iria ficar bem, que jamais sairiam do meu lado. Escondi minha face em seu pescoço, permanecendo assim.
— Estarei aqui as quatro e meia da manhã, arrumem tudo o que irão precisar. – Zoe pronunciou. – Toma, dê a ela, isso vai ajudar a dormir. Já vou indo, mantenham os celulares ligados.
— Obrigada, Zoe... – Alguns segundos depois, ouvi a porta ser fechada. - Vamos dormir, você precisa descansar. – Maria disse.
— Olivia, você tem a gente agora, tem a eles também. Eles fizeram besteira, mas é visível que te amam. A gente te ama e estaremos aqui pro que for. — Eric pós sua mão sobre meu ombro.
Fomos para o quarto, Maria e eu dormiríamos juntas. Como se eu fosse uma criança, ela cuidou de mim, me fez tomar o calmante que a Zoe deixou. Jamais havia me sentido tão vulnerável e em minha mente, pedia a Deus que esse inferno chegasse ao fim.
Nesse momento, havia muita magoa e ódio em meu coração.
Ao chegar no estacionamento, vi Yuna entrando em seu carro. Respirei fundo, fui até o carro de João e entrei. O caminho até nossa casa foi em completo silencio e eu agradeci que fosse assim. Meu corpo e mente começavam a reclamar, mas ainda não era hora de descansar.
— Leve tudo o que te entreguei e faça a denúncia, Daniel. Precisarei me ausentar por poucos dias, mas o meu pai estará a sua disposição. – João me encarava. – Ok, boa noite.
— Marina mandou uma mensagem dizendo que o Fábio foi embora, esvaziou a conta conjunta e levou um dos carros. – Pressionei minhas têmporas.
— Desgraçado, eu sinto vontade de esgana-lo com as minhas próprias mãos. – Precisava dormir, minha cabeça doía. – A segurança foi reforçada e poderemos descansar tranquilos.
— Não sei se irei conseguir dormir direito, não consigo parar de pensar na Olivia. – Eu também não. – Não consigo nem imaginar o que ela tá sentindo. Queria poder fazer algo para tirar toda essa dor...
— Já pensou em se declarar? – Fiquei de pé, rodeando a mesa.
— Não tenho a menor chance, ela parece estar encantada com outra pessoa. – Parei na porta.
— Outra pessoa? – Yuna?
— Sim, mas essa outra pessoa é idiota demais pra perceber. Vou dormir, tomar um calmante, amanhã teremos uma longa viagem. Boa noite, Zoe. – Ele passou por mim.
O que ele quis dizer?
— Besteira!
Tomei um calmante e dormi, acordando com o barulho do alarme. Arrumei uma mala pequena, só o necessário para três dias. Ao chegar em frente à mansão de minha tia, para a minha surpresa, ela estava ao lado de Marina e disse que também iria. Ela apenas entrou no carro, sem nada dizer. Um dos meus carros estava no estacionamento do apartamento, onde dois seguranças aguardavam, eles seriam os responsáveis por Olivia e os irmãos.
Não arriscaria, aquele desgraçado poderia tentar qualquer coisa.
— Irei subir, a senhorita pode esperar no carro. – O segurança pegou a minha chave, assim que se aproximou.
Alguns minutos depois, Olivia e os irmãos desciam, entraram no meu carro.
— Já podemos ir, senhorita Cavalcante. – O outro segurança avisou.
— Ok, mande o Cássio ir a frente. – Ele apenas acenou em concordância.
Deixamos Belém, João conduzia o carro.
Decidi dormir um pouco, chegaríamos somente pelas 10:00hrs, então teria muito tempo para descansar. Não parava de me perguntar como deixamos algo assim acontecer, Fábio estava na família há anos. Quantas coisas mais ele já foi capaz de fazer e nunca saberemos?
— Chegamos, Zoe. – Abri meus olhos e estávamos diante do portão da fazenda.
Meu pai investiu muito nesse lugar e posso dizer, valeu cada centavo. Havia uma longa estrada do portão até a casa de dois andares, inteiramente arquitetada conforme os gostos do meu pai. Ele comprou cavalos puro sangue, gados e muita terra.
— Esse lugar é muito grande, como não sabíamos sobre ele? – Tia Betina perguntou.
Era o plano de aposentadoria do meu pai.
— Parece que a especialidade da nossa família é ocultar coisas. – Não pude deixar de comentar.
Isso me incluía em número, gênero e grau.
— Vou ajudar com as malas. – João foi até o carro onde Olivia e os irmãos estavam.
Decidi não me aproximar por agora.
Havia muitos quartos e todos foram devidamente acomodados. Tomei banho rápido e decidi sair para matar a saudade daquele lugar. Peguei um dos carros, dirigi um pouco pela fazenda e depois fui até o pequeno rio que corria ao norte da fazenda.
A água era cristalina e pelo que lembro, sempre em uma temperatura boa.
— Deveria vir aqui mais vezes. – Sentei em um pequeno banco feito de pneu.
Ouvi barulho de um motor e era o João.
— Ainda bem que te encontrei. – Franzi o cenho.
— Não faz nem quarenta minutos que sai. – Ele me entregou um tablet.
— Leia, não quero que seja pega de surpresa quando voltar.
Olhei para a tela e no mesmo momento, senti um nó se formar em minha garganta.
— Filho de uma puta... – Bloqueei a tela, ficando de pé. – Preciso ligar para ele.
Entrei no carro e sai em alta velocidade até chegar à casa, indo diretamente para o telefone, disquei o número do meu pai e apenas caia na caixa postal. A raiva que sentia apenas foi aumentando, me fazendo descontar a raiva nos moveis do quarto.
— Zoe, o que tá acontecendo? – Marina entrou, ficando parada, olhando para todo lado.
— Aquele desgraçado do seu pai, Marina, sinto vontade de mata-lo com minhas próprias mãos. – Peguei algum objeto qualquer e joguei contra a parede.
— Zoe... – Olivia surgiu na porta.
Seu olhar estava assustado, não havíamos sequer nos olhado desde que chegamos.
— Saiam daqui, por favor. – Não queria descontar a minha raiva nelas.
— Eu não irei sair. Marina, me deixe a sós com a Zoe. – Franzi o cenho, sem entender como Olivia se atrevia a permanecer.
— Tudo bem, deixarei vocês. – Marina deixou o quarto e Olivia fechou a porta.
— O que tá fazendo, Olivia? – Ela usava um vestidinho branco, que ia até os pés.
— O que aconteceu? Nunca te vi perder o controle dessa forma. – Andava fazendo muitas coisas que não eram de minha rotina.
Era bom olhar para ela.
“Quando deixou de ser irritante e passou a ser bom?”
— O meu pai, ele... – Peguei o meu celular e mostrei a matéria.
A expressão de Olivia foi de horror.
— Ele cumpriu a ameaça. – Sentei na beirada da cama. – Esse infeliz não vai nos deixar em paz nunca.
Ele havia divulgado vídeos e fotos do meu pai na companhia de outros homens e em momentos íntimos. A mídia deveria estar se deliciando e eu não estava lá para ajudar.
— Sinto muito, isso tudo é culpa minha. – Olivia falou, me fazendo encara-la. – Se eu não tivesse ouvido aquela conversa...
— Não, isso não é culpa sua, Olivia. – Fiquei de pé, segurando sua face. – Você é uma vitima disso tudo e não tem culpa.
Droga, eu odiava... esse olhar de dor.
— Escuta, isso tudo vai acabar e você poderá viver em paz, longe de todo esse drama. – Precisava controlar esse impulso de toca-la.
— Você mudou, Zoe. – Ela colocou sua mão sobre a minha, beijando o dorso com gentileza.
Não sei se ela percebeu, mas o gesto me causou arrepios.
— Você acha? – Não, Olivia, não se aproxime tanto.
— Sim, você deixou de ser tão arrogante, isso é um pouco estranho. – Essa mulher.
— Quer que seja como antes? – Olivia sorriu.
— Não, eu prefiro essa sua versão... – Parecia que duas partes de mim duelavam. – Obrigada por tudo que tem feito por mim, por meus irmãos. Você não tem dever algum com a gente e mesmo assim, tem sido a pessoa que tá segurando essa barra conosco.
Retirei as minhas mãos de seu rosto, passando sobre a cabeça.
— Só quero te proteger. – Era para ter sido apenas um pensamento, mas escapou.
Seu olhar de surpresa me prendeu, mas para a minha sorte, alguém bateu na porta.
— Zoe, venha até a sala. – João entrou, olhando de Olivia para mim. – Todos já viram as manchetes.
Meu pai nem estava ali para se defender. Fiquei de pé e quando iria dar o primeiro passo, ela não deixou.
— Você não precisa dar explicações a eles, Zoe. – Olivia tocou meu braço. – A vida do tio Bernardo só diz respeito a ele.
— Preciso defende-lo, Olivia... tia Betina, Marina, você melhor do que ninguém sabe como são. – João continuava parado, nos olhando.
— Vou com você. – Apenas acenei em positivo.
Deixamos o quarto, indo para o primeiro andar, Tia Betina e Marina estavam na sala e se calaram quando entramos. Pela expressão das duas, estavam falando sobre o meu pai.
— Desde quando o seu pai faz esse tipo de coisa? Olha tudo o que estão dizendo. Nossa empresa, o nome da nossa família... nossos pais, nossos avós, demoraram anos pra transformar o sobrenome Cavalcante em poder, pra no fim sermos motivo de chacota.
— Esse tipo de coisa? – Ergui a sobrancelha. – Chacota? Tia Betina, acho bom a senhora pensar muito bem antes de falar, não me faça perder o respeito pela senhora.
- Chacota sim, Zoe. Essa pouca vergonha. Seu pai é um...
— Um homem livre, Betina, que não deve nada a ninguém. – Olivia se colocou a minha frente. – Tio Bernardo é uma pessoa, que tem direito de ir pra cama ou amar, seja homem, seja mulher. Quer uma novidade, mamãe? Eu já estive na cama com uma mulher... aliás, a minha primeira vez foi com uma.
A cara de todos na sala foi de espanto, a minha não estava diferente e por um momento, achei que ela iria falar sobre nós.
— E já beijei outras, tudo tão normal quanto respirar. — Como assim beijou outras?
E o que isso me importa?
— Olivia? – Tia Betina ficou pasma.
— Existe um mundo inteiro fora do condomínio que mora, mamãe, outras realidades além do seu umbigo. Não consigo acreditar que uma mulher como a senhora, tão inteligente e jovem, seja tão preconceituosa.
Tia Betina ficou muda.
— Tio Bernardo precisa de apoio nesse momento e não de criticas idiotas. Deixem a Zoe em paz, o momento que vivemos já é o bastante. – Sorri, vendo a minha tia deixar a sala.
O silencio que ficou foi revigorante.
— O almoço já está pronto. – Uma das empregadas avisou, saindo logo em seguida.
— Estou sem fome, vou pro meu quarto... – Olivia deixou a sala.
O almoço foi silencioso e depois dele, fui para a varanda e finalmente consegui falar com o meu pai e para a minha surpresa, ele estava muito calmo, mas eu tinha certeza que era somente para me acalmar.
— Sinto que não tá sendo sincero, papai. – Ouvi sua respiração do outro lado.
— Tô com medo das consequências, filha, mas já estava na hora de parar de me esconder. – A voz dele soou firme. – Talvez não seja tão ruim, agora não precisarei mais fingir ser quem não sou.
— Se é dessa forma, então me sinto um pouco mais tranquila. Pai, eu sempre vou estar do seu lado. – Ele precisava ouvir aquilo. Só por um momento, eu poderia deixar que as palavras saíssem sem filtro. – Tenho orgulho de você.
Ficamos em silencio por um segundo, então ouvi um soluço.
— Obrigada, Alexandra, eu fico muito aliviado em poder ouvir isso. – Fechei meus olhos, senti a cabeça doer. – Irei ficar bem, não se preocupe. Me mande notícias sempre que puder.
— O senhor também...
— Boa tarde, filha.
— Boa tarde, pai...
Encerrei a chamada e vi Maria Eduarda se aproximar.
— Estamos vivendo um roteiro de filme de ação. – Maria sentou ao meu lado.
— Você parece exausta, conseguiu dormir essa madrugada? – Ela estava com a face pálida, com leves olheiras.
— Na verdade, não consegui pregar os olhos. Acabei passando a noite inteira vendo a Olivia dormir. – Ela sorriu. – Sei que estamos vivendo uma verdadeira loucura, mas eu estou muito feliz por finalmente ter a minha irmã de volta. O Eric não para de falar o mesmo... obrigada, Zoe, muito obrigada.
— Não me agradeça, Duda, não fiz nada de extraordinário. Na verdade, até um certo tempo, não tinha a menor intenção de fazer nada disso. – Essa é a verdade. – Não sou nenhuma alma caridosa.
Maria Eduarda sorriu.
— Não é verdade, Zoe, você tem uma alma incrível e mesmo com a implicância, você e a minha irmã gostam uma da outra. Esses dois dias, percebi que ela confia em você e até mesmo, sente admiração. – Franzi o cenho, não acreditando muito no que ouvi.
— De onde tirou isso? – Novamente, ela sorriu.
— Tá se fazendo de durona ou você é mesmo tão distraída? – Passei a mão sobre a cabeça.
— Se soubesse quantas vezes Olivia e eu já nos xingamos desde a infância, não estaria dizendo algo assim. – Aquele assuntou me incomodou.
O que existia entre Olivia e eu era apenas uma atração forte, tudo o que vinha fazendo, faria por outra pessoa. Não havia nada de especial nisso. Qualquer um faria, afinal, era uma situação que envolvia a família inteira e como alguém que em breve seria responsável por tudo isso, eu tinha o dever de resolver.
— Vamos descansar um pouco, você tá vendo coisas onde não existem. – Fiquei de pé e fui acompanhada por Maria Eduarda. – Amanhã levarei seu irmão para conhecer a fazenda e mostrar a ele o novo local que irá trabalhar.
— O que eu farei? Também quero ajudar, não quero ser só hospede aqui. – Teria que pensar em algo. — Pode ser qualquer coisa.
— Verei se há onde te encaixar, mas você não precisa trabalhar, nenhum de vocês precisa. – Maria cruzou os braços. – Mas como são teimosos, não irei insistir.
— Eric e eu jamais conseguiríamos só aceitar e não poder devolver, Zoe, então sim, precisamos e iremos trabalhar enquanto estivermos aqui. É o mínimo que podemos fazer depois de tudo que tem feito por nós.
Apenas desisti de refuta-la.
Fim do capítulo
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