Bia

Desde que conquistei a parceria com a Laura, minha vida se dividiu em três: continuo sendo o braço direito do Joseph para conseguir mantê-lo por perto e estar a par de suas movimentações, tenho sido a colaboradora da polícia para desmantelar todo o esquema e, quando não estou ocupando nenhum desses espaços, estou vivendo uma realidade que jamais achei que seria possível, ao lado da Mayza que tem se mostrado uma amiga ímpar, no entanto, apesar de estar sendo uma experiência incrível poder ajudar a polícia e ter o imenso prazer em começar a destruir a vida do Joseph, me pego frequentemente apreensiva pela vida da Mirela ainda estar sob os cuidados dele. Tenho ciência de que o menor deslize com a equipe que ajudei a formar, e agora estão empenhados em encontrar a dona Neusa, sob o meu comando, é a vida da minha irmã que estará em jogo.

Longe dessa bagunça toda, no apartamento estúdio da Mayza, o que estou vivendo é muito além do que já pude desejar. A prima da Alice é uma daquelas gratas surpresas que a vida reserva e nos mostra que alguém lá de cima ainda gosta um pouco de mim, mesmo com todos os pesares que já cometi nessa minha curta e triste vida. É nela que encontro aquele colo que anseio por ter em cada final de tarde e vem acompanhado de um sorriso leve, conversa fluída e olhar sincero.

Nesse final de semana, me proporcionou um momento que desde os meus dezesseis anos quando fui pra Europa, nunca mais o tive: almoço em família. Levou-me na casa de sua tia, mãe da Alice onde estavam todos reunidos e preocupados. Ao chegar e ter todos os olhos voltados para minha pessoa, me senti a monstra responsável pelo sequestro, no entanto, Mayza se manteve ao meu lado e após dirigir um olhar profundo para todos os presentes, soltou com pouca paciência:

- Qual é pessoal? A Bia é vítima do Joseph, igual a Alice e aceitem ou não, ela está comigo e vai continuar.

Definitivamente, foi a primeira vez na vida que alguém se importou comigo dessa forma, com tanto cuidado e respeito. Eu ainda não tinha encontrado a oportunidade em ter alguém tão próximo e sem pretensões sexuais, compartilhando a vida comigo. Algumas noites que a insônia me visitou, fiquei contemplando-a dormir. Parece aquelas crianças que dormem com as mãos embaixo do rosto, tão linda! Um coração tão puro que me pego duvidando ser de verdade que ainda existam pessoas assim. Tem uma alegria nata que onde chega, preenche todo o espaço e até suas inúmeras cantadas baratas, daqueles xavecos furados como dizem, fica fofinho depois que passa pouco tempo ouvindo suas histórias.

Porém, como nem tudo na vida pode ser só delícias de momentos e encontros, ainda tenho um sequestro para desfazer, um império para derrubar e uma irmã para resgatar para só então, poder me permitir ser eu de verdade e aceitar o que a vida tem a me oferecer.

Ontem a Laura me ligou e combinamos uma maluquice de tentar se comunicar com a Alice e com a Mirela através do lixo. De imediato aceitei e achei genial, mas hoje estou preocupada com a vida da minha irmã, isso porque a Alice tem muito a oferecer ao Joseph, com a empresa que ele quer e a mãe de volta, mas a Mirela, é apenas mais uma das muitas moças que ele tem ao seu dispor e não posso me dar o luxo de errar com ela. Espero que ela tenha sido inteligente o suficiente para captar o que falei sobre cuidar do lixo adequadamente, pois o Joseph estranhou eu falar sobre isso com ela.

Agora pela manhã, enquanto tomo o café preparado pela Mayza e a observo arrumar seu equipamento para uma sessão de fotos, vestindo apenas seu binder com uma camiseta regata preta com estampa de bandas de rock e cueca box feminina, cabelos molhados recém lavados, percebo que além da ansiedade que está querendo me dominar devido os acontecimentos de hoje, meu coração tem palpitado diferente pra essa mulher em forma de garota despretensiosa. O jeito que ela cuida e se preocupa comigo, é encantador. À medida que os raios de sol tocam seus cabelos, os fios mudam de cor e passeiam entre o preto e o caramelo, que emolduram seu rosto com pele branca e boca rosada. Nossos olhares se cruzaram e ambas fomos visitadas por um sorriso faceiro, levemente tímido. Meu coração judiado, disparou de uma forma inesperada. Disfarcei tomando um gole do café e baixando o olhar, Mayza continuou em silêncio e a atmosfera tornou-se quase palpável.

Não posso por tudo a perder me envolvendo com ela. Isso é o que sempre fiz com todas as pessoas, mas com ela, quero e preciso ser diferente. É hora da carência tomar seu lugar de insignificância e sair do controle.

Enquanto o pessoal contratado pela Laura chega na Europa, por aqui seguimos com os preparativos para emitir mandados de busca e apreensão na casa de alguns políticos e empresários. O inspetor Carlos quer deixar tudo pronto para quando o Joseph chegar ao Brasil para receber o prêmio "Grandes apostas do ano", na qual ele foi indicado, ser pego de surpresa com o mandado de busca e apreensão também dele. Mal posso esperar por esse dia.

Laura

Impaciente na varanda do hotel, recebo a mensagem que o jato só de brasileiros, endereçados a mim, chegou. Nesses dois dias desde que mandei recado pra Alice, me mantive afastada das ruas de modo a me preservar e cultivar ideias de como invadir a mansão do Joseph, além de autorizar a trans*ção de compra de um apartamento classe média no subúrbio de Paris para acomodar o pessoal e, ficar em tempo quase integral pensando na minha linda e amável Alice. A insônia tem se feito presente e companheira fiel. Provavelmente as últimas horas de sono a fio que tive, foram no vôo, cinco dias atrás. Desde então, tento descansar mas a mente não desliga. Minha sorte é que estou a milhares de quilômetros de distância de casa e é quase impossível que alguém aqui me reconheça como em São Paulo, caso contrário, já teria sido notícia de capa de revistas com a manchete : "A decadência de Laura Veigas e seu império". As olheiras estão beirando as narinas. Meu cabelo já está a dias sem ver o formato de uma escova. Tenho poupado energia vital e gastado apenas o essencial para sobrevivência: comer, pensar, tomar banho e voltar a pensar.

Tudo o que mais desejo, depois de encontrar Alice, minha bússola da vida, é acabar com cada átomo que compõe o Joseph. O que ele tem feito conosco não passará impune. A justiça da terra está atrás dele, mas a justiça Divina é implacável. Como minha querida Didi me diz desde sempre, eu não ando só, e ele foi mexer com quem ele não tem poder humano para enfrentar.

Já estava preparada para sair ao encontro da equipe que o senhor Pedro enviou para mim, e recebi notificação da recepção que um senhor por nome de Iván me aguardava no bar. Dessa vez não fui tão sem saber o que e quem encontrar. Rapidamente desci e o encontrei sentado em uma das mesas próxima à janela, degustando uma taça de champagne e, igualmente ao outro dia, muito bem vestido, com a mesma expressão prepotente. Levantou-se ao me ver e puxou uma cadeira para eu me sentar.

- Bom dia, senhor Rostova - o cumprimentei - A que devo a honra de tão ilustre visita?

- Laura Veigas - ele retirou o chapéu e de forma galanteadora me cumprimentou - Sente-se. Aceita uma taça de champagne?

- Estou com pouco tempo, senhor - falei gentilmente ao me sentar - Obrigada! Se puder por favor ser breve..

- Serei breve sim, senhorita - me sorriu  e sorviu um gole da bebida  - Só vim, pessoalmente te informar, que amanhã a noite encontrará sua querida Alice e..

- Como? - o interrompi - Então encontraram o lugar que passei para Marrie?

- Que lugar, senhorita? - franziu o cenho ao perguntar.

- A localização que enviei por mensagem e ela me disse que vocês não encontraram - respondi sem cordialidade.

- Eu não vejo a senhorita Marrie desde o dia em que nos conhecemos - respondeu também sem cordialidade.

- Senhor Rostova, o contrato de transferência da NetCel já está redigido e só precisa de minha assinatura, no entanto, não a farei enquanto não souber sob quais meios a Alice será resgatada, e quero a garantia de sua integridade física, junto da sua colega Mirela.

- Quem é essa Mirela? - ele franziu o cenho ao perguntar.

- Uma jovem também sequestrada a muitos anos. Preciso que ela também seja resgatada junto com a Alice.

- Mas por que o Joseph a sequestraria? Eu não estou entendendo o teor dessas informações - falou , demonstrando estar incomodado.

- Senhor Rostova, onde está a Marrie?

- No departamento de polícia - respondeu com certeza - Me mandou mensagem por nosso correspondente informando o local que nos encontraremos e iremos até a mansão do Joseph.

O encarei, com os braços cruzados sob o peito e apesar de tanta potência demonstrada pelo russo, enxerguei em seus olhos a inocência de um garoto sendo enganado por seu colega de classe. Me arrumei na cadeira, apoiei os cotovelos na mesa e inclinei o busto pra frente.

- Senhor Iván - falei olhando em seus olhos - Eu não sou da máfia como o senhor, tampouco faço negócios com pessoas do alto escalão criminal, no entanto, negocio há anos e conheço o suficiente das pessoas para saber quando estão enganando ou sendo enganados. Permita-me uma pergunta ao senhor.

- Pois não, senhorita!

- O quanto o senhor confia na Marrie?

Ele franziu o cenho e sua expressão outrora prepotente tornou-se ainda mais sisuda. Apertou os lábios antes de falar e tomou fôlego.

- Fazemos negócios há um certo tempo e foi por mim que ela conseguiu a colocação na polícia local, meses atrás. Por que me perguntou isso?

- Porque eu não confio nela e tive apenas um motivo para isso - peguei o celular e mostrei a mensagem enviada e recebida. Ele analisou dias e horários em silêncio.

- Não entendo por que faria isso - falou após alguns minutos - Ela sabe o que acontece com quem deixa de ser fiel aos negócios.

- Se o senhor tem todo o poder que disse ter, por que não antecipa seus planos para hoje? - o sugeri - Eu tenho a localização e parte do pessoal, só preciso de outra parte e arsenal.

- Está me dizendo para ir sem o consentimento da policial Marrie? - me perguntou com o cenho franzido.

- Estou te sugerindo que antecipe seus planos em ter a NetCel sob seu comando - sorri com deboche.

- Ousada sua sugestão, senhorita Veigas - balançou a cabeça, cruzando as mãos e levando à frente da boca - E eu gosto de ousadia.

- Então é só confirmar o horário que nos encontraremos, senhor Rostova - arqueei a sobrancelha e o fitei.

-Reúna seu pessoal e me aguarde! Irei verificar os fatos sobre o que me contou da mensagem e, confirmando ser real, te informo o local que nos encontraremos - virou a taça em um só gole, levantou-se, estendeu a mão em cumprimento - Agora, se for invenção para tentar ganhar tempo, senhorita - apertou forte minha mão - Seria uma pena ter que ficar cara a cara de uma senhora tão amável como sua Didi - sorriu com ironia e saiu apressado antes que eu pudesse revidar sua ameaça.

Fim do capítulo