Revelações
Alice
Discretamente, enquanto todas aguardavam Joseph voltar para a sala e os guardas foram lanchar na cozinha, subi para perto do escritório, lembrando dos pontos cegos das câmeras e me posicionei próximo à porta, de modo que foi possível ouvir um pouco da conversa. A amiga do Joseph, Marrie, parecia irritada ao falar em seu português com sotaque:
- Tu fostes um tanto quanto infantil, em misturar negócios com problemas pessoais. Agora, cá estamos nós com a máfia russa praticamente contigo nas mãos. Se Tuello descobre, além de não termos a NetCel, ainda perderemos a rede das meninas e seremos mortos.
Arregalei os olhos ao ouvir tamanha revelação. Joseph, praticando um erro e comprometendo todo esquema corrupto e insano? De fato, ver a Laura trouxe sorte. Marrie continuava a falar, com tom bravo:
- Se eu não estivesse na polícia local para pegar o caso quando aquele imprestável do Tony comunicou a divisão do sequestro irresponsável dessa tal Alice, a essas horas tu estarias sendo extraditado ao Brasil. O que está a acontecer contigo? Qual foi o momento que voltastes a ser meninote e a sentir falta da mamãe? Cogitastes a hipótese da namorada da Alice vir em sua procura?
Tive que tampar a boca com as duas mãos para conter a vontade de gritar e invadir o local, me aliando à Marrie para falar outras verdades a Joseph.
- Oh raios! – ela continuava a falar – Diga alguma coisa! Agora estais amedrontado e não sabes como arrumar a bagunça, não é?! Se a Laura pegou sua mãe para livrá-la de ti, fizeste bem! Além de que, aquela velhota está maluca e nada do que falar servirá para alguma coisa, mas você, colocar a nossa vida em risco por ela – ouvi barulho de mão batendo na mesa – Isso é inadmissível Joseph.
- Marrie – Joseph começou a falar com a voz baixa – E se eu ligar para a Laura e marcar um lugar para entregar a Alice, será que as investigações param?
- Muito bem – ela batia palmas – Faça isso e encontre um buraco para esconder-se, pois o senhor Iván Rostova irá te encontrar, nem que seja no inferno. Estou criando tempo para o atrasar, mas veja – um breve silêncio se fez – Até a Laura já sabe onde estás, quanto mais o senhor Rostova.
- Como isso é possível? – falou alto Joseph – Me deixa ler essa mensagem mais uma vez – outro breve silêncio – Contato no Brasil? Que porr* de contato é esse?
- Eu é quem devo saber, Joseph? – falou alto Marrie – Tu metestes os pés pelas mãos ao misturar nossos negócios com seu assunto particular! Estou farta de lhe dizer isso. Queres tanto acabar com a Laura por essa idiotice de complexo infantil, e quem vai acabar contigo é ela.
- Não! – ele gritou e provavelmente bateu na mesa, pois o barulho foi alto - Ela já tirou tudo de mim! Não vai tirar mais uma vez. Se for preciso, eu mato a Alice, só para ela sentir a dor de perder alguém.
Meu coração disparou mais do que já estava e as pernas bambearam ao ouvir isso.
- Parabéns, pequeno gênio – ouvi Mirela falar com tom de deboche entre palmas – Faça isso e chame atenção da imprensa mundial para ti, ou esqueceste que sua irmãzinha é a empresária mais famosa do Brasil? Toda a polícia brasileira está empenhada em seu caso, querido.
- Então o que eu faço, porr*? – perguntou Joseph, nervoso – Eu só precisava da minha mãe, caralh*.
- Tu armastes o circo, vire-se para arrumar! – ouvi o som da cadeira se arrastando – Dois dias e chego aqui com o Rostova, ou eu mesma te entrego ao Tuello – o som das vozes foi ficando mais próximo do corredor e resolvi descer rapidamente para a sala, me juntar às demais.
Mirela, me olhava com olhar de reprovação, meneando a cabeça, enquanto as outras, aguardavam algum sinal para saberem o que fazer. Tão logo os dois apontaram na sala, ambos sorridentes, como se tivessem tido uma conversa amigável. Minhas mãos suavam e o coração estava disparado pelas coisas que ouvi. A mente trabalhava em velocidade frenética e apesar de muitas possibilidades, não conseguia me concentrar em nenhuma, de fato. Como pode essa mulher falar que a Laura é irmã do Joseph? Nem na base da crença é possível cogitar esse hipótese. Joseph é filho do mal, tudo nele é mau. Laura é a luz, a alegria. Em nenhum aspecto eles são parecidos e Laura é filha única. Que fala mais descabida e absurda. Meus pensamentos me dominavam enquanto eles desfilavam ao passar pelo ambiente. Antes de sair, Marrie parou na porta, virou-se e perguntou em alta voz, olhando para todas:
- Quem entre vocês é a Alice?
Timidamente levantei a mão e a olhei, franzindo o cenho. Ela voltou os olhos para minha pessoa, me olhando da cabeça aos pés, sorriu pelo canto da boca e com tom de sarcasmo falou:
- Pelo tamanho da bagunça, esperava mais! Parabéns, você tem um excelente gosto – mordeu os lábios inferiores com malícia - Sua La-u-ra – mencionou o nome vagarosamente – É deliciosa! – sorriu com desdém e antes que ela pudesse dar um passo, meu sangue já quente, ferveu meu juízo e perdi o restinho de razão que me sobrava. Quando dei por mim, estava agarrada em seu pescoço, a esganando e falando entre os dentes com fúria:
- Não ouse falar o nome da Laura mais uma vez!
As meninas que tentavam me puxar, foram afastadas por dois seguranças que me atingiram com um golpe de cassetete nos joelhos e um choque na cintura. Caí ao chão, sentindo a corrente elétrica passar pelo meu corpo. Uma dor, que ainda não tinha imaginado ser possível sentir. Quem chegava perto para tentar ajudar, era ameaçada de receber a descarga elétrica também e então, se afastaram. Deitada, me debatendo com dor, via Joseph e Marrie sorrirem e a ouvi dizer, batendo em seu ombro:
- Pelo menos sua irresponsabilidade causou diversão! – ambos saíram rumo aos carros estacionados no caminho para o portão. Os seguranças se afastaram e então, pude ser socorrida pelas meninas que me levantaram e falavam todas juntas que aquilo tinha sido absurdo. Me colocaram sentada em uma cadeira na cozinha e a Mirela me serviu água. Ainda tremendo pelas dores, mas com a cabeça trabalhando sem parar, falei com pouca força:
- Pensem em estratégias para sairmos daqui. Temos dois dias.
Ao terminar de falar, ouvi os passos de Joseph chegando na cozinha e todas rapidamente se afastaram de mim.
- Ora, ora – bateu palmas ao entrar – Essa é a valente que pulou no pescoço da senhorita Marrie? – falou com deboche, sorrindo.
Apenas o encarei sem nada dizer e revirei os olhos para sua fala.
- Quando estiver boa para conversar, suba para o escritório pois preciso falar com você – falou para mim e voltou a atenção para as outras a minha volta – E vocês, se arrumem, pois logo teremos visitas.
Saiu em direção ao escritório e com dificuldades para andar, sentindo calafrios o acompanhei. Entrei logo atrás dele e tranquei a porta. Ele olhou assustado:
- Falei para vir só quando estivesse boa – retrucou franzindo o cenho.
Suspirei, o olhei profundo e sem cordialidade respondi:
- Estou ótima! Diga o que quer.
- Se me diz – balançou o ombro e apontou a cadeira – Sente-se, vamos conversar.
- Estou bem em pé! – falei sem desviar o olhar.
Ele sentou, acendeu um charuto e após soltar a fumaça pra cima, dirigiu o olhar pra mim, sorrindo com ironia.
- Perguntei no dia que chegou, onde estava minha mãe e você não soube, ou não quis me responder – tragou outra vez o charuto – Vou perguntar agora mais uma vez, e espero que me responda, com sinceridade.
- Ou? – o interrompi franzindo o cenho.
- Ou, a Marrie irá visitar a Laura e descobrir – sorriu sem os dentes.
Levantei a sobrancelha e percebi que seu joguinho de palavras só era possível por ele achar que eu não sabia das informações. Resolvi então me fazer de desentendida. Puxei a cadeira e me sentei.
- Se eu te contar onde está sua mãe, o que fará com ela? – perguntei com calma.
- Nada demais! Só quero ter a certeza que ela está em lugar seguro.
- Então pode ter certeza que está – sorri com desdém – A Laura é super cuidadosa com idosos. Sua mãe - revirei os olhos tentando lembrar o nome da senhora - Dona Neuza, é isso? Está em lugar seguro e sendo muito bem tratada.
- Onde? – perguntou com raiva, falando entre os dentes.
- Bem longe de você! – sorri com ironia.
- Eu perguntei onde? – gritou batendo as mãos na mesa.
- Eu não sei, Joseph – dei de ombros – A única informação que tenho é que ela está em segurança e no Brasil.
- Liga para a Laura – tirou um celular do bolso interno do terno e me entregou – Agora!
- Você tem o número gravado aqui? Eu não sei o número dela de cor – dei de ombros com o celular na mão e o entreguei de volta. Com pouca vontade, procurou o contato e me entregou o telefone, já com chamada em curso. Meu coração disparado pela possibilidade de falar com a Laura, me fez esquecer a dor de pouco tempo atrás. A emoção era tamanha, que até me faltava ar. A chamada registrou poucos toques para que ela atendesse, no entanto, a espera pareceu infinita, até que do outro lado, ouvi a voz mais doce que meus ouvidos já registraram.
- Laura Veigas, pois não? – atendeu com cordialidade e gentileza de sempre.
- Laura, sou eu - falei baixinho e emocionada e antes que pudesse continuar a falar, Joseph estava em pé ao meu lado e tomou o celular das minhas mãos.
- Vou perguntar só uma vez – ele falou com brutalidade na voz – Onde está minha mãe?
Não consegui ouvir o que ela falou, mas senti a força da mão de Joseph me golpear o abdômen recém atingido pela arma de choque e gemi alto. Cada vez que ele perguntou e não obteve resposta, foi um golpe que meu corpo já machucado sentiu. Com náuseas e sentindo a visão escurecer, ele encostou o celular em meu ouvido e me mandou falar com ela:
- Amor, eu aguento! Fica tranquila, vai ficar tudo bem – falei entre gemidos e quase vomitando de dor – Te amo!
- Alice, eu vou te tirar daí – ela falou com voz de choro – Me aguarde.
- Eu sei – sorri mesmo com dor – O lixo nos aguarda – e Joseph franziu o cenho sem entender do que falava.
- Você é muito esperta – falou com delicadeza e sua voz pareceu sorrir – Amo você.
- Eu te amo mais – ele tirou o celular de mim e voltou a falar com ela.
- Satisfeita? Agora quero o nome do lugar – vociferou entre os dentes e após ouvir alguma resposta, desligou, abriu o celular, tirou o chip e o jogou fora. Deu a volta na mesa, escreveu em um pedaço de papel e me mostrou: Resort Terra dos sonhos – segurei o riso com o nome que a Laura inventou para sua ilha em Búzios e por ver o idiota do Joseph acreditar.
- Conhece a porr* desse lugar? – perguntou furioso.
- Nunca ouvi falar! – respondi secamente.
- Vou fazer a busca e se for mentira dela, já começa a preparar seu pé. Dedo a dedo será entregue em cada mentira.
- E se encontrar? Vai me liberar? – perguntei, aproveitando a ocasião.
- Vou negociar com a Laura. Quero a NetCel, em troca de você viva.
- Que fixação com essa empresa hein?! – falei sorrindo - Espero que encontre logo esse lugar. Além de viva, gosto muito do meu pé.
- Some daqui Alice! - esbravejou - Pede analgésicos para a Mirela e some.
- Com prazer, chefe - respondi sem cordialidade indo em direção a porta. Antes de sair me virei e o encarei. Saber que ele está em apuros, me deixou estranhamente feliz e, ele não ter ciência de que eu sei o quanto está encrencado, provocou em meu espírito uma euforia indescritível. Agora, com as informações que consegui, posso começar a planejar as ações. Saí do escritório, direto para meu quarto branco, outrora apavorante, mas agora um lugar de aconchego e calmaria. Entrei, me deitei,e sentindo todos os músculos atingidos pelos vários golpes reagindo à dor, adormeci. Um tempo depois fui acordada pela Mirela que me despertava para comer:
- Alice! Acorda!! - me balançava pelos ombros - Vamos jantar?
- Oi Mirela - respondi- Que horas são?
- Quase oito horas da noite. Você apagou a tarde toda, agora tem que comer - tocou meu rosto - E tenho um recado pra você.
Franzi o cenho tentando entender do que essa garota falava. Ela então colocou a mão dentro da blusa, e do sutien, tirou um pedaço de papel e colocou em minha mão, de forma discreta.
- Não esqueça que estamos sendo filmadas. Vá ao banheiro para ver o recado.
Balancei a cabeça em positivo e meu coração já começou a palpitar com força.
- Mas como conseguiu isso? - perguntei ao me levantar.
- Então, ainda não consegui entender como foi possível, mas depois que você saiu do escritório e veio aqui pro quarto, o tio me chamou no escritório e eu falei com minha irmã, só que na ligação ela falou várias vezes pra eu cuidar certinho do descarte do lixo. Eu achei estranho, porque ela nunca falou nada disso pra mim. Daí quando eu fui jogar o lixo, tinha esse bilhete grudado na tampa do contêiner, e é para você.
- Sua irmã? Que estranho! - fiz uma careta - Vou ao banheiro pra ler logo.
- Vou descer! Te espero para jantar - respondeu Mirela, saindo do quarto.
Entrei no banheiro e antes de fechar a porta, abri o pedaço de papel que me transbordou de emoção e as lágrimas começaram a escorrer pelo rosto. Com a letra da Laura, escrito com uma caneta preta:
"Ali, nos vemos por aqui, em 48h. Seu encontro do paraquedas está ajudando, não esquece da caçula. Te espero. Amo você."
Laura
Marrie me falar que não encontrou o lugar que eu mesma fui, foi demais! Se ela acha que é esperta e vai me passar a perna, não sabe com quem está lidando. Poderia tentar me enganar, mas estava confiando a vida da Alice em suas mãos, e isso, é inadmissível. Assim que recebi sua mensagem, liguei para a Bia que prontamente me atendeu:
- Precisa de alguma coisa, Laura?
- Oi Bia! Preciso saber o que você sabe da Marrie?
- Só sei que ela é a encarregada do caso Gordon aí em Paris. Por quê?
Contei o ocorrido, de como fui até a mansão e da mensagem de Marrie, falando que não encontrou nada no local e do envolvimento do senhor Rostova. Bia me interrompeu antes que eu pudesse terminar de falar.
- Laura, terá que ser por nossos meios. Não dá pra confiar na polícia daí.
- Também acho Bia, por isso te liguei. Você que conhece um pouco mais dos esquemas dele..
- Você tem como levar pessoal daqui pra aí, não tem?
- Tenho sim! Já estão aguardando, caso fosse preciso.
- Vou tentar falar com o Joseph e saber como estão as coisas, te ligo de volta assim que tiver uma posição. Enquanto isso, peça ao seu pessoal se preparar pra ir pra aí.
- Combinado. Até mais.
Após falar com ela, conversei com o senhor Pedro para preparar uma equipe e enviar pra cá com urgência. Estava terminando de falar com ele quando meu telefone tocou, de um número desconhecido e atendi rapidamente, de forma cordial, no entanto, do outro lado da linha, estava meu amor, com voz fraca e sofrida. Meu coração dilacerou-se. Queria eu estar no lugar dela. Ouvir seus gemidos em cada negativa de onde estaria a mãe do Joseph, foi como se cada golpe estivesse sendo desferido em minha alma. A tentativa de se fazer de forte para me acalmar, terminou de acabar comigo. Nem nas piores condições que se encontra, deixou de ser doce e encantadora. Entrelinhas me fez entender que me viu visitar o local e isso valeu a ligação toda, despertando em mim esperança de que será possível tirá-la de lá no menor tempo possível. Assim que a ligação acabou , retornei novamente para Bia e comentei sobre minha ideia de usar do lixo como uma rota de fuga e não poderia esperar uma resposta melhor:
- Genial Laura. O Joseph tem toc com limpeza da casa. Ele não chega nem perto dos contêineres e não deixa os seguranças chegarem também. Vou dar um jeito de avisar a Mirela sobre isso.
Enquanto sei que a Alice está esperta do lado de dentro dos portões, vou fazer a minha parte do lado de fora. Chamei o sr Tony que viesse me buscar com nosso disfarce e me apressei em poder deixar um bilhete na tampa do contêiner, de modo que pudesse ser entendida de forma discreta.
Sabe aquela sensação de quando éramos crianças e apertava a campainha do vizinho para sair correndo? Então! Foi assim que me senti ao descer do caminhão e correr grudar o bilhete no contêiner com cautela para não ser vista. É inacreditável que até nessas circunstâncias, a Alice consegue fazer eu me sentir viva, ativa, com um objetivo na vida.
Não posso mais perder tempo esperando de um ou outro. Ela é o amor da minha vida, a mulher que quero ter ao meu lado por toda minha existência. Quero declarar meu amor para o mundo, me casar com essa mulher, ter filhos, viajar o mundo, conquistar o impensável. Ela é o motivo de eu estar quase uma semana sóbria, em vinte e quatro anos. É seu amor que me fez cruzar o oceano e vir em busca de destruir todo um império do mal para salvá-la, pois ela, me salva todos os dias desde que a conheci.
Fim do capítulo
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