Banho de Proteção
Laura
Joseph poderia tocar em tudo que é meu. Tirar meu complexo empresarial, meus carros, casas, tudo que é bem material e me deixar na pobreza, mas ele foi mexer justo com a Alice. Por ela, eu o enfrento do jeito que for preciso.
Fazem vinte e quatro anos que vivo na amargura, alternando os dias entre tristeza e bebida, quando não, os dois juntos. Já perdi pessoas especiais, amigos que não aguentaram meu estado de espírito e não tive um dia sequer, que desejei ter ido embora desse plano físico junto com meus pais, no entanto, desde que Alice apareceu na minha vida, essa realidade foi mudando dia após dia, e hoje, me sinto a mulher mais feliz do mundo. O que Alice me proporciona, não teve carro de luxo com hodômetro zerado que foi capaz de proporcionar. Ela é a simplicidade complexa, meu porto seguro de forma livre e o motivo de sentir dentro de mim, desejo em ser alguém melhor. Se ele queria me atingir e me tirar da razão, conseguiu. Agora, vou até o inferno se for preciso, mas coloco as mãos nele.
Com a Bia na sala, chamei o sr Pedro, Tom, dona Chica e a Mayza. Pedi para que todos se sentassem e resumi o que está acontecendo.
- Vou precisar ficar longe por um tempo, o tempo necessário para trazer a Alice de volta – suspirei profundo – Confio minha vida a cada um de vocês.
Todos me olhavam atentamente, com os olhos arregalados e um silêncio ensurdecedor.
- Sr Pedro, o senhor sempre foi meu braço direito, esquerdo e por muitas vezes, até minhas pernas, sinto imensa gratidão por tudo que já fez por mim até agora, e tenho certeza, que na minha ausência continuará fazendo. Peço de cuide da segurança de todos e não deixe a Didi com o tio Jorge desamparados – olhei para o Tom que me olhava com os olhos marejados – Tom, meu querido! As empresas estão em suas mãos a partir de agora. Cuide de tudo como se fosse sua, não só a parte que é, mas tudo – dona Chica chorava baixinho de cabeça baixa – Dona Chica, ei, olha pra mim – ela levantou a cabeça, limpando os olhos – Alice é o maior e melhor presente que a vida me deu, e parte disso, devo à senhora. Vou trazer nosso amorzão de volta, prometo! Não precisa vir trabalhar enquanto nós não voltarmos, fica tranquila que darei meu melhor – ela começou a chorar muito e o sr Pedro levantou pegar água pra ela – Mayza, nos falamos tão pouco, mas sei que é uma das primas preferidas da Alice. Por favor dê o suporte necessário pra família. Deixarei um cartão coorporativo com você e não deixe faltar nada a ninguém: dona Fátima, sr João e os irmãos da Alice, além do bebê que está a caminho. Confio isso a você – olhei pra Bia que olhava atentamente a todos – E você, Bia – respirei profundo antes de continuar – Primeiramente quero saber se prestou atenção em quanto amor envolvido tem só nessa mesa? – ela balançou a cabeça em positivo – É isso que o Joseph não suporta saber que existe e pediu a você para que ajudasse a destruir, mas na presença de todos aqui, agradeço por ainda ter um pouquinho de humanidade aí dentro e, no tempo em que eu estiver na Europa, o sr Pedro será seu braço direito para o que for preciso, além de fazer a sua proteção.
- Ela não vai com você? – perguntou a Mayza com o cenho franzido.
E antes que eu pudesse responder, ela mesma respondeu:
- Não. Eu não tenho documentos para viajar. Ficarei em algum hotel, mas estarei à disposição de todos vocês, o tempo todo.
- Hotel? – perguntou Mayza – Fica em casa. Moro sozinha e tem espaço pra você, será um prazer poder ajudar.
Percebi os olhares se cruzarem e um leve sorriso começar a brotar de ambos os lábios.
- Bom, vocês decidem onde irão e o que fazer. Pra agora, preciso ir pra casa organizar malas e documentos – olhei pra Bia – Posso ir pra minha casa?
- Pode sim – sorriu timidamente – Está seguro.
- Obrigada – sorri em resposta – Tom, contate a hangar do Catarina. Preciso do meu jato pronto para no máximo final da tarde e a destino de Paris.
- Vou providenciar isso já – levantou-se e se dirigiu à porta.
- Sr Pedro, por favor contate o inspetor Carlos. Aguardo vocês em casa, junto com a polícia federal.
- Polícia Federal? – interrompeu Bia com o cenho franzido.
- Sim, Bia – a respondi secamente – Isso é caso de Federal.
- Eu sei que é Laura, é que o Gordon tem muitos infiltrados na Federal, inclusive, foi como vim parar na mão dele, quando cheguei no Brasil. Deixa que eu converso com o inspetor Carlos e o direciono pra uma equipe limpa.
A olhei com desconfiança, mordendo o canto da boca e todos da sala, repetiram meu gesto. Bia olhou pra todos e deu de ombros.
- É verdade pessoal! Joseph é o cara mais sujo que já conheci. Ele tem gente em tudo que é canto. Em todas as polícias e tribunais, tem gente no esquema dele. Muitos políticos envolvidos e grandes empresários. Estamos lidando com um esquema gigante de corrupção. Estejam preparados pois o escândalo será grande e podem confiar em mim. Se tem uma pessoa que deseja ele morto, sou eu.
- Ok Bia! – falei por todos – Confiamos em você, não muito, mas é tudo que temos. Qualquer coisa que sair errada, já sabemos que foi você – levantei e peguei minha bolsa – Agora preciso ir.
Dona Chica me surpreendeu com um abraço forte, recheado de lágrimas, sem palavras. Mayza deu um abraço meio desencontrado, também em silêncio. Acenei com a cabeça para Bia e saí, na companhia do sr Pedro que seguiu comigo pelos corredores, também em total silêncio.
Ao entrar no carro, limitou-se a perguntar:
- Senhorita, iremos para sua casa ou para a casa da senhora Didi?
- Primeiro minha casa, depois na Alice e por último, na Didi – respondi com a voz embargada, tentando ainda segurar o choro devido a tensão de todo o momento.
O trajeto até em casa, foi torturante. A imagem da Alice se despedindo de mim ao sair pela manhã, toda cheia de felicidade, dizendo que me ama, o toque dos seus lábios nos meus, seu cheiro que me embriaga, tudo isso, misturado à falta que já sinto dela na minha vida, foi dominando meu ser, com pressa e voracidade.
- Sr Pedro, enquanto me organizo, providencie um arsenal básico para mim, por favor. Tudo discreto, mas o suficiente para me defender.
- Ainda acho melhor levar alguns seguranças contigo, senhorita – falou me olhando pelo retrovisor.
- Não quero chamar atenção. Joseph é esperto. Se eu ver que será necessário, solicito e o senhor os manda pra lá. O outro jato estará disponível. Pode usar.
- Sim, senhorita. Como quiser.
Ele me deixou em casa e logo saiu. Voltar para minha casa, sabendo o motivo de ali estar, não foi fácil como pensei que seria. A última lembrança foi na sala de música, tocando cello pra ela, após um jantar simples e regado a muita risada. Sozinha, com medo e totalmente insegura, já não contive mais as lágrimas.
Será que eu fui escolhida para só sofrer e perder pessoas? Todos que amo, são tirados de mim, da forma mais assustadora possível. Por quê? O que fiz de errado em outras vidas pra nessa ter que sofrer desse jeito? Por enquanto só me foi possível amar sem perder, a Didi e o tio Jorge. Devo ter sido uma pessoa muito horrível. Outras pessoas podem amar e serem amadas, mas a mim, foi reservado o destino da solidão. Entre muito choro e pensamentos diversos e acelerados, comecei a arrumar a mala. Subi para o quarto e foi ainda pior. O cheiro da Alice ainda estava no travesseiro e no lençol usado na última vez que fizemos amor. Por Deus, preciso encontrá-la e trazê-la de volta para nossa vida. Ela é meu norte e meu sul. Meu sol e lua. Meu motivo de sorrir e querer sorrir. Preciso dela em minha vida.
Terminei de arrumar a mala regada a muita lágrima e lamúria. Um aperto no peito impossível de mensurar. Separei os documentos necessários e me lembrei de falar com a Carol. Ela precisa saber do que está acontecendo.
Tomei um banho, me arrumei e liguei pra ela, enquanto esperava o sr Pedro chegar com o inspetor e a Bia. Sua alegria ao anteder o telefone contrapôs a imensa tristeza que representei.
- Oi Laura linda de bonita e gostosa e poderosa. Preparada pra amanhã?
- Oi Carol – respondi sem entusiasmo.
- Credo mulher, que voz é essa?
- Carol, não consigo te dar a notícia de outra forma – a voz embargou mais uma vez – Então serei direta e objetiva.
- Que foi Laura? A Alice está bem?
- A Alice foi sequestrada pelo Joseph e..
- É o quê? – gritou do outro lado da chamada – Não brinca com isso, Laura.
- Não é brincadeira, Carol. Estou prestes a sair de casa pra ir pra Europa resgatá-la.
- Europa? Como assim? Laura me explica isso! Filho da puta desgraçado desse Joseph, eu mesma vou matar ele, pega a Alice e deixa ele pra mim, lazarento, me explica como foi isso Laura, verme dos inferno, eu mato ele, me fala Laura como foi isso, por que vai pra Europa? Ela está bem? O que ele pediu de resgate? Você vai com quem? Eu vou junto! Lazarento, ridículo, eu mato ele..
- Carol!! Me escuta – ouvi o portão abrir e o sr Pedro entrar – Depois você xinga tudo que quer xingar.
- Desculpa, fala. Vou te ouvir.
- Quem está nos ajudando é a Bia, aquela que..
- Eu sei quem é aquela outra lazarenta, é ela que está por trás disso não é? Filha da puta, mato ela também.
- Carol, sim, ela estava junto com o Joseph e armou tudo, mas agora, ela percebeu que foi longe demais e o negócio ficou muito sério. Te mando o contato dela também – abri a porta pra eles entrarem - Liguei para o Léo, mas não me atendeu, por favor, cuida da mãe da Alice. Eu vou resgatar ela pra nós.
- Laura, me deixa ir com você?
- Não querida, vai ajudar mais por aqui. Conto com o apoio de vocês, ok?!
- Sem dúvida, Laura! Por favor me mantenha informada e não mate ele, deixa isso pra mim.
- Ok Carol – ela conseguiu tirar um sorriso de mim - Deixo ele pra você.
- Vou gastar meu réu primário com gosto e fazer picadinho do pinto dele! Que ódio.
- Carol, estou indo! Cuida da família da Alice, por favor. Logo estaremos de volta. Um beijo.
- Beijo querida. Deus acompanhe.
- Amém.
Desliguei e na minha sala estavam sentados, sr Pedro, inspetor Carlos e Bia, que olhava a casa com atenção.
- Senhor – cumprimentei o inspetor – Fica a vontade. Você também Bia.
- Senhorita – respondeu meu cumprimento – O sr Pedro já me adiantou o assunto e devo te adiantar que a única parte que foi surpresa, foi o sequestro da srta Stromps.
- Já sabia sobre o quê?
- Sobre o tráfico internacional de pessoas e corrupção direta, no entanto, tivemos dificuldade em adiantar o processo por falta de provas concretas e por ele ter se cercado de pessoas em todas as instâncias.
- Licença senhor – falou Bia – Eu sou a prova concreta que precisa e tenho todas as outras que precisar, inclusive, sei quem é do lado dele e quem não, posso ajudar nisso também.
- Você é? – perguntou o inspetor com o cenho franzido.
- Meu nome é Biatriz Lohans. Sou vítima de tráfico humano do Joseph há 6 anos. Tinha 16 quando aceitei uma proposta de ser modelo na Europa e quando cheguei lá, junto com minha irmã, com 8 anos na época, descobri que era tudo mentira. Dois anos depois, consegui fugir e voltar pra o Brasil, mas ao acreditar na polícia errada, fui parar de novo nas mãos de Joseph e até agora, não consegui mais sair. No entanto, tenho tudo dele gravado, pois tinha a intenção de um dia conseguir destruí-lo. Fazem 4 anos que sou a pessoa responsável por todas as coisas dele, conta, contatos, negócios. Sei que posso ser enquadrada como cúmplice de tudo, mas vou contribuir com o que for preciso para prendê-lo.
Todos ouvimos atentamente Bia relatar em resumo sua vida e me senti mal por desejar tanto mal a essa pobre garota.
- E sua irmã? – perguntou o inspetor.
- Minha irmã – ela suspirou e seus olhos se marejaram – Desde que chegamos em Paris, nos separaram e nunca mais a vi. Às vezes mantive contato com ela, sob vistoria do Joseph, e ela está bem. Na última vez que falei com ela, na segunda-feira, estava em Paris com o Joseph. Ele usa dela para me chantagear aqui. Por isso que nunca procurei a polícia antes. Mas dessa vez, ele sequestrou a Alice e..
- E.. – perguntei, interrompendo o inspetor que abriu a boca para falar.
- E – baixou os olhos – Desculpa a sinceridade Laura, mas a Alice foi a única pessoa desde minha adolescência que me tratou com decência e carinho e desenvolvi sentimento por ela.
- Sabia que tinha alguma coisa por trás disso! – vociferei e comecei a andar de um lado para outro, irritada.
- Não é isso Laura – continuou – Por achar ela uma pessoa encantadora e por acompanhar a vida de vocês todos os dias, e ver o quanto vocês foram feitas uma pra outra, comecei a preservar a vida dela e a sua também. Por isso que fui até você hoje.
- Certo, Bia – falou o inspetor – Se está disposta a colaborar com a investigação, seu caso será analisado com cautela. Por enquanto, estará sob nossa vigia e antes de falar pra Laura o que ela pode ou não fazer, falará com nós.
- Sim senhor! Vou colaborar em tudo.
Meu celular vibrou com uma mensagem do Tom:
Tom: Já está tudo preparado! Avião esperando. Reservei o L'Appartemente d'principe Bonaparte no Shangri-la. Quem irá te buscar no hangar é o Sr Tony. Qualquer coisa, só me pedir. Vai dar tudo certo!
Laura: Obrigada por tudo! Logo estaremos de volta.
Após acertos finais e algumas dicas do que fazer, conferência da minha liberação de porte de armas e indicações de pessoal da polícia, deixamos a casa. Eu e o sr Pedro em nosso carro, o inspetor com a Bia no carro da polícia, sentido a delegacia pra montar a equipe que me dará o suporte necessário daqui.
O sr Pedro estacionou em frente o apartamento da Didi e ficou me esperando no carro. Quando interfonei pra subir, meu coração já começou a se desmanchar. Minha fortaleza e pose de durona, some em frente a ela. Quando ela abriu a porta, já me envolveu no aconchego de seus braços e ali me desmontei.
- Por que não posso ser feliz, Didi? Me ajuda a entender? Por que as pessoas que amo são tiradas de mim? O que eu fiz para só merecer sofrer? Me responde! Você tem todas as respostas para todas as perguntas.
Chorava um choro que vinha das entranhas. Didi só me embalou e fazia:
- Sshh... sshhh..- enquanto me acariciava os cabelos, me abraçando forte- Chica já me ligou e contou o que aconteceu, não precisa falar nada.
- Didi – me afastei, limpando as lágrimas – Só quero entender por que não posso ser feliz?
- Você pode, é e vai ser ainda, muito feliz – enxugou minhas lágrimas e falou com carinho.
- Estou cansada de só ter sofrimento na minha vida – falei com raiva – Cansada!! Meus pais morreram na minha frente, sem que eu fizesse nada pra salvar, agora Alice, foi sequestrada e levada sei lá pra onde e se eu não conseguir salva-la também?
- Shh minha menina – segurou meu rosto com as duas mãos – Não diga isso! Seus pais sofreram um acidente e você não teve culpa nenhuma.
- Eu distraí meu pai no volante, Didi – falei aos prantos – Fui eu que chamei atenção dele.
- Laura, jamais diga isso! Foi uma fatalidade – falou firme, limpando minhas lágrimas – Nem ouse começar a falar isso mais uma vez.
- E a Alice, Didi? Se eu não conseguir encontrá-la, nunca mais vou ter minha amora.
- Você vai encontrar, porque eu estou mandando! Ouviu bem? – segurou meu queixo – Olha pra mim! Você vai encontrar a Alice e vai trazê-la aqui pra minha casa. Temos uma feijoada pra fazer juntas.
- Didi – sorri entre lágrimas – Não sou criança! Não fale assim comigo. Você sabe dos riscos.
- Meu amor, me ouça, os Búzios te anunciaram que você provaria da força do amor, e que este, é mais forte do que a morte. Em nenhum momento vi na sua vida tristeza e solidão.
- Só quero minha Alice de volta.
- E você está indo em busca dela. Você não está sozinha. Venha aqui – me puxou pelas mãos e me levou para o meio da sala – Já estava te esperando. Preparei uns banhos pra você tomar e te proteger. Peça para sua mãe Iansã e Ogum te acompanharem e que não te abandonem nessa guerra que você vai começar.
Após o ritual, me despedi de Didi e com sua benção, parti rumo ao hangar para voar em direção de Paris. Ao me despedir do sr Pedro, ele segurou firme minha mão, me olhou profundo e falou:
- Laura, seu coração é puro, te conheço desde menina. Qualquer coisa que o Joseph te diga quando vocês forem acertar as contas, não deixe que atinja seu coração. Você não tem culpa de nada que aconteceu com seu pai. Lembre-se disso.
- Do que está falando, sr Pedro? O que o Joseph tem a ver com meu pai? – perguntei em alto tom, devido o barulho das turbinas ligadas.
- Só lembre-se disso Laura – falou alto se afastando - Vai em paz. Axé! – e saiu em direção ao hangar.
Fim do capítulo
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Rafaela L
Em: 02/04/2022
Tbm gostaria meu rei primário com Joseph.
Te entendo,Carol!
Autora, minha querida q mente é essa !!!!
É uma história gostosa de ler.Todo o amor envolvido entre as meninas.
A parte que toca a gente, é realmente saber que existe esse crime de tráfico humano.E funciona exatamente assim,a própria polícia que deveria proteger.Auxilia por dinheiro.Triste realidade.
Uma realidade que sempre se faz atual!
Resposta do autor:
Obrigada querida! De coração!!
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