Alice

Após arrumar a mala, vi a notificação de curtida em minha foto, deixada pela insuportável e arrebatadora Laura, fazendo surgir em meu rosto, um sorriso tímido. Deitei e, foi difícil dormir devido os pensamentos acelerados e a lembrança do beijo roubado. Por mais que eu tente, não consigo desviar minha mente dos acontecimentos.

Por muito tempo, Laura foi meu norte, a pessoa desejada. Hoje, ela me desnorteia, é meu destino perdido, minha bagunça.

Praticamente vi o dia amanhecer, com o sol surgindo na imensidão do horizonte banhado por um mar verde. Me arrumei e antes de seguir para o aeroporto, o responsável pelo evento me aguardava na porta principal para os devidos agradecimentos, e me informar que o valor pelos meus serviços, já estavam na conta. Após os agradecimentos e despedidas, segui viagem, com o coração tranquilo e feliz por mais uma tarefa concluída com sucesso.

Trabalhar é minha alegria, mas trabalhar no que eu amo e estudei muito, me fascina. A viagem seguiu calma, com direito até uma soneca no avião. Cheguei em Sampa, recebida por chuva. Almocei no aeroporto para ganhar tempo, já que iria direto pra uma reunião na Veigas, para lançar as ações no pregão, a preço baixíssimo e, assim, aconteceu.

A ideia de vender ações à valores de 2 a 10 reais, foi um sucesso. Em pouquíssimo tempo, colapsamos os aplicativos de compras. Pessoas que jamais imaginaram ter a possibilidade de entrar no mercado de ações, conseguiram, investindo um valor baixíssimo. Fui embora, cansada, mas vibrando por estar conseguindo, em menos tempo que o previsto, começar a fazer a diferença nas empresas que Laura deixou aos meus cuidados com o desafio de fazê-las potências lucrativas.

Estava abrindo a porta do apartamento, recebi ligação da Tom:

- Liga a TV! - e desligou o telefone.

Deixei a mala ao lado do sofá e ainda em pé, liguei a TV. No jornal, estava sendo noticiado:

" Hoje o mercado da bolsa de valores entrou em colapso, quando por volta das 15h, foram lançadas ações a baixíssimo custo. Nossos repórteres foram às ruas e entrevistaram alguns recém investidores.

Repórter: Estamos aqui no viaduto do Chá e presenciamos o momento em que a notícia de que ações a baixo custo, começaram a ser vendidas na bolsa. Vários grupos de amigos conversavam e foi um momento contagiante, pois compartilhavam a novidade, e todos queriam ter uma fatia das duas empresas colocadas em jogo, afinal, se você usou o celular hoje, foi graças a uma dessas empresas de telecomunicação. Henrique, um dos novos acionistas, concordou em nos dar entrevista e está aqui do nosso lado. Henrique, pode nos dizer o que achou dessa novidade?

Henrique: Ah, eu achei fantástico. A gente que é pobre e tem vontade crescer na vida, nunca imagina que um dia teremos como investir na bolsa, né?! Não sei quem teve essa brilhante ideia, mas quero agradecer.

Repórter: Agora, recém chegado no mercado financeiro, pode nos dizer quanto você investiu?

Henrique: Pô cara, eu tinha cinquentão no banco. Daí quando vi que tinha ações de 2 reais, já fui logo e comprei 25, de uma só vez. A hora que isso voltar a valer, vou ter um lucro razoável.

Repórter: É isso aí, Henrique. Obrigado pela contribuição à nossa reportagem e parabéns pela conquista.

As ações, foram das empresas NetCell, hoje responsável por uma rede de transmissão de internet para celulares, e Pão de Queijo Cia, uma rede de restaurantes que no começo do ano, quase abriu falência. Ambas empresas, fazem parte do complexo empresarial Veigas & Co, comandado por Laura Veigas, a mais jovem ceo da capital paulista."

Ouvi tudo, boquiaberta. Tudo bem que o mérito foi pra Laura, o importante é o desafio estar sendo cumprido. Sentei no sofá e abri o aplicativo que acompanha a evolução das ações e à medida que o gráfico exponencial ia se alterando, formando uma curva ascendente, meu coração aumentara de velocidade. Não resisti e mandei mensagem para a Laura:

Alice: Jamais me desafie! Posso te surpreender.

Inicialmente, minha intenção era conquistar a vaga de emprego que ela me propôs por minha competência. Agora, depois de tudo o que aconteceu, não quero mais trabalhar na Veigas. A intenção mudou para mostrar o que ela perdeu, e o quanto poderia ganhar ainda mais comigo.

Deixei o celular na mesinha de centro e fui cuidar da minha recém chegada em casa. Abri uma cerveja para comemorar o começo do sucesso e segui para o quarto, desarrumar a mala. Tomei um banho e ao preparar um lanche, ouvi notificação de mensagem, vindo lá da sala. Peguei o aparelho e o coração saltou, ao ver a remetente.

Laura: Fiquei sabendo do sucesso. Hoje é minha folga, mas o Tom me contou. Parabéns.

Alice: Obrigada.

Laura: Amanhã, 9h, reunião comigo.

Alice: Ok. Boa noite.

Boa noite Laura, pois eu, terei mais uma noite sem dormir, dessa vez, a insônia será por ansiedade.

Laura: Você está bem? Chegou bem?

Depende o que é estar bem, Laura. Bem eu estaria se você não tivesse me machucado, e brincado com meus sentimentos. Bem, eu estava quando podia estar com você, sem que meu orgulho me acusasse de estar errando. No entanto, respondi:

Alice: Sim. Tudo bem.

Laura: Está ocupada?

Ocupada? Não. Após um longo dia, estou de boa e, adoraria descansar de conchinha com você, sentindo seu corpo me envolver e sua presença me alegrar. Minha atual ocupação no momento, é apenas pensar em você, e no quanto foi irresponsável comigo.

Alice: Sim. Cansada e ocupada. Até amanhã.

Laura: Ok. Não vou te atrapalhar. Sinto sua falta, demais. Até amanhã. Beijo

Você não me atrapalha, de forma alguma. Tudo o que eu sempre quis foi você dividindo a vida comigo. Desejei com todas as minhas forças chamar sua atenção e conquistar seu coração. Sinto falta até dos seus olhos cerrados, me olhando com ironia e sarcasmo e do seu jeito mandão. Sinto tanta, mas tanta falta de você, Laura, que não consigo mensurar. Amanhã, será um dia e tanto. Até. Beijo roubado, ou não, seu beijo, é o único que quero e desejo, mais do que minha razão possa permitir.

Alice: Até.

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Cheguei à empresa, às 7:30, antes de qualquer outro funcionário. Estou definitivamente decidida a manter uma relação estritamente profissional com a Laura e isso, inclui manter meus registros e planos de ações, completamente impecáveis. Organizei tudo o que precisava de modo a ninguém conseguir botar defeito, em absolutamente nada. Separei os documentos que usaria na reunião, deixei separado em cima da mesa e me distraí vendo algumas planilhas no computador quando de repente, ouço a porta se abrir. Por cima da tela do notebook, olhei para direção da porta e antes que meu cérebro pudesse compreender o que via, meu coração fez seu trabalho e avisou todo o restante do corpo, que sua dona chegara. Percorreu todos os sentidos, despertando-os. O olfato, foi o primeiro a se animar, inalando o cheiro perfeito que invadiu o ambiente. Logo em seguida, o tato mostrou que estava a postos, e me fez arrepiar inteira. Os pulmões, embalados na vibe dos colegas, resolveu ficar pesado e ofegante. Até o estômago, ainda em jejum, deu o ar da graça e soltou as borboletas esvoaçantes que mora no seu quintal. Impressionante como essa equipe trabalha unida e rápida, afinal, tudo isso aconteceu em fração de segundos. Laura, entrou pé por pé e fechou a porta com cuidado, evitando fazer barulho e trancou, com uma expressão de menina travessa que apronta alguma arte. Logicamente, ela estava mais linda do que nunca: Turbante colorido em branco, vermelho, amarelo e preto, maquiagem forte, brincos de argola e um macacão amarelo, decotado quase até o umbigo, mostrando levemente a curva dos seios e sapato de salto alto. Uma rainha africana, dona de todo o império devastado do meu ser, por completo. Fitou-me, à medida que vinha em minha direção e abriu um sorriso, daquele de me fazer amolecer as pernas o que, por sorte de estar sentada, não senti muito o efeito.

- Bom dia! – me falou amigavelmente – Amanheceu aqui?

- Bom dia! – respondi completamente encantada, mas me contive em não demonstrar o que sentia - Que nada, acabei de chegar.

- Posso me sentar? – apontou para a cadeira à minha frente.

- Lógico! Aqui é tudo seu – sorri despretensiosa – Fique à vontade.

Ela puxou a cadeira e sentou-se, sem desviar os olhos dos meus.

- Não gosto de fazer isso, mas, tive que abusar do meu poder empresarial para que me fizesse se ouvida por você.

Dei de ombros e franzi o cenho.

- É sobre isso a reunião?

- Não – sorriu descontraída – Mas não quero fazer uma reunião, junto com acionistas, com esse nó – colocou a mão na garganta – aqui.

Suspirei profundo, baixei a tela do note, afastei a cadeira e cruzei os braços à frente do peito.

- Diga logo, o que tem a dizer, Laura – falei com expressão de desdém.

Ela segurou o riso, meneou a cabeça e baixou o olhar, mordiscando os lábios inferiores.

- Qual o motivo do riso? – perguntei, ainda com desdém.

- Você.. – deu de ombros e revirou os olhos – Nada!

- Diga! O que tem de engraçado? – fechei a expressão.

- Não tem nada de engraçado – mordiscou mais uma vez os lábios e me olhou, cerrando os olhos – Você fica ainda mais linda assim, com essa cara de brava.

Mantive o olhar com desdém fixo à ela, sem esboçar mais nenhuma expressão ou reação. Não é possível que ainda vai continuar a brincar comigo. Cruzei as pernas também, numa leitura corporal possível de ver meu corpo todo fechado às suas investidas.

- Vamos lá – tomou fôlego e começou a falar – O que você viu, foi um ato irracional que não deveria ter acontecido e eu ..

- Irracional? Estava o quê? Drogada?

- Não, Alice. Me deixa explicar – falou com expressão séria – Tati é minha ex namorada – elevei a sobrancelha e ouvi tudo o que me disse com expressão insípida – Fazia 2 anos e mais alguns meses que não nos víamos. Na verdade, desde que a flagrei me traindo, não nos falamos mais, nem nos vimos. Ela chegou aqui de surpresa. Trocamos palavras ácidas e a mandei embora.

- Bem vi! – fechei a expressão.

- Ela estava indo embora e foi se despedir quando você chegou.

- Iam se despedir, beijando-se? – perguntei com ironia.

- Não! – suspirou e ficou impaciente – Alice, eu – fechou os olhos e mordeu o canto da boca internamente – Eu me senti atraída e sim, quase a beijei – passava a mão pelos lábios e queixos, impaciente.

Arregalei os olhos e balancei a cabeça, tentando assimilar o que ouvira. Ao menos, senti sinceridade em suas palavras.

- Além de não conseguir, não teria porque mentir pra você – falou cruzando os braços à sua frente e deu de ombros – Foi isso.

Continuei calada, ouvindo com os olhos arregalados e balançando a cabeça. Minhas pernas também se balançavam, tomadas pelo nervosismo.

- Foi apenas atração por alguns segundos – ela fechou os olhos e meneava a cabeça – Eu e a Tati não temos nada. Eu estou .. – engoliu em seco e abriu os olhos, me olhando profundamente.

- Está? – perguntei com expressão nada amigável.

- Estou apaixonada por você! – manteve o olhar fixo e esboçou um leve sorriso.

Ouvi a frase que mais desejei ouvir por anos, no entanto, não sei muito bem o que estou sentindo. Uma parte de mim quer abraçá-la e falar que não estou, mas que sou apaixonada por ela e já faz muito tempo, e, outra parte, quer que ela suma da minha frente pelo que acabou de me contar, no entanto, vi verdade em seus olhos. Suspirei profundo, na tentativa de assimilar as muitas informações.

- E se eu não tivesse entrado na sala? – perguntei ainda sem expressar nenhum sentimento – A paixão por mim, falaria mais alto?

- Só tenho como te falar do que aconteceu, Alice. Probabilidades não é meu forte.

- Boa resposta, Laura Veigas – a fulminei com o olhar – No entanto, essa é a pergunta que não sai da minha mente, desde que te vi.

- Vamos deixar isso pra lá? – puxou a cadeira de rodinhas para perto de mim e tocou em meu punho, cruzado à frente do corpo – Isso que sentimos, é real.

Seu toque em minha pele, tem o poder de cortar todas as sinopses neurais que possibilitam o raciocínio dominar minhas atitudes. Um simples toque, me aquece toda estrutura de gelo fabricada pelo orgulho, ainda assim, evitei de olhar em seus olhos e me mantive, imóvel.

- Laura, você me magoou. Acho que já percebeu isso, não é?

- Sim, Alice! Eu não só percebi, como senti – suas mãos acariciaram meu punho – Senti a dor de te perder e não quero mais, continuar a sentir.

- Então por que fez isso? – olhei em seus olhos – Por que brincou comigo? Tudo que fiz, foi te amar.

- Ei – tocou meu rosto – Eu não estou brincando com você. Não diga isso! Você não sentiu nada sozinha.

- Mas você.. – antes que pudesse continuar a falar, seus lábios tocaram os meus em um beijo carinhoso. Apenas os lábios, sem língua, sem lascívia. Só carinho. Meu coração voltou a fazer festa e como um maestro, comandou toda a equipe, mais uma vez. Ela se afastou do beijo, me olhando nos olhos e tocando a face.

- Não sente o quanto é real? – perguntou cochichando – Me desculpa?

- Laura – cochichei com a respiração curta – Eu preciso de um tempo para digerir o que me contou.

- Ok, mas me desculpa? - acariciou meu rosto e me olhou com olhos brilhantes – Eu quero você, na minha vida, Alice.

Segurei sua mão que me acariciava o rosto e a olhei profundo.

- Me dê esse tempo, por favor! – beijei sua mão – De verdade, estou magoada.

- Entendo você, também estaria – me sorriu timidamente, me olhando profundo – Só pensa com carinho? Me dá mais uma chance?

Retribuí o sorriso e acariciei seu rosto com a ponta dos dedos. Ela fechou os olhos e deitou a face sobre os ombros, retribuindo o carinho e cheirando de leve minha mão.

- Que saudade do seu toque – balbuciou – Ah! Alice – abriu os olhos me fitou – Se você soubesse o que sinto..

- Eu também sinto! Só quero voltar a sentir como antes, sem orgulho ferido.

Tocou meu rosto e me deu um beijo demorado no canto da boca, em seguida se afastou, empurrando a cadeira.

- Agora sim, bom dia – sorriu animada – Me sinto mais leve.

Sorri com sua alegria contagiante e a fitei, contemplando a mulher mais linda que já vi. Ela sabe perfeitamente como me dominar. Tem o dom de me deixar caída aos seus pés. Maravilhosa Deusa do ébano.

- Vamos para a reunião? – perguntei, olhando para a tela do computador.

- Você é muito turrona – falou entre os dentes, me fazendo uma careta – Credo! Que mulher brava fui achar, viu?!

- Eu? Brava? Turrona? – franzi o cenho, e continuei a salvar as planilhas que estava mexendo – Sendo assim a senhorita já domina tudo, imagine se eu não for?

Ela debruçou-se sobre a mesa, apoiando-se nos cotovelos e empurrou a tela do note com as pontas dos dedos, colocando todo seu potencial à mostra. Chamou minha atenção todinha pra si e com um sorriso lascivo nos lábios falou, me olhando nos olhos.

- Estou doida para ser dominada. Não sabe o quanto – mordiscou os lábios – Não demore com essa chateação. Mal posso esperar por seu domínio – levantou-se e dirigiu-se à porta.

- Te espero na reunião, senhorita Stromps. Não se atrase! – falou, saindo e fechando a porta sobre si, fazendo todo o andar ouvir o barulho do seu salto, tocando o chão com altivez e pompa.

Laura

Se antes tinha alguma dúvida de que a Bia, ex peguete da Alice, tinha algum envolvimento com Joseph, a mesma foi sanada com esse vislumbre dos dois juntos. O fiel retrato do horror. Duas pessoas que quero total distância.

Meu dia foi suficientemente longo para ainda me preocupar com pessoas que em nada acrescentarão na minha vida. Após um banho rápido, deitei, sem nem me alimentar. Provavelmente a canseira estava de fato me dominando, pois tive a impressão de que apenas fechei os olhos e quando abri, já era quase 1h da tarde da quinta-feira. Meu primeiro pensamento ao acordar foi, Alice! Será que já chegou? Está bem? Que saudade daquela marrenta linda que me deixa toda mexida. Como pode pensar que estou brincando com seus sentimentos? Ela é a mulher da minha vida. Só falta ela saber disso, na verdade, já sabe. Falta entender de uma vez por todas.

Hoje, meu dia de folga, vou aproveitar como mereço. Depilação, hidratação, massagem, compras. O de sempre! Assim o fiz. Ao voltar para casa, recebi ligação do Tom, desculpando-se por atrapalhar a folga, mas que era por boa causa. Informou-me que Alice estava arrasando na condução das duas empresas, e que em horas, conseguiu muito mais valores em ações do que os demais consultores, no mês inteiro. Saber disso, me deixou estonteante de alegria. Essa mulher não cansa de me surpreender. Pediu-me ainda, para assistir ao jornal, pois teria reportagem sobre nossa conquista. Fui para a sala de tv e o encanto pela inteligência da Alice, me dominou. Ela sabe perfeitamente como agir e o faz, com maestria. Se a intenção era me surpreender, conseguiu e com sucesso. Mal acabou a reportagem e o Tom me ligou novamente:

- Laura, amanhã precisaremos fazer reunião bem cedo.

- Tudo bem, Tom. Mas, aconteceu alguma coisa? – perguntei assustada e ouvi chegar uma mensagem.

- Aconteceu que estamos com vários investidores, de grande porte, propondo parcerias. Parece que Alice despertou um gigante.

- Ótimo! Pode marcar às 9h. Eu mesma falo com a Alice – sorri com a possibilidade de ter que falar com ela.

- Combinado! Até amanhã.

Desliguei a ligação e vi que a mensagem que chegara, era da própria. Sorri com alegria por perceber a animação que estava em alcançar seus objetivos, no entanto, ao tentar conversar com ela, estava seca e com poucas palavras. Respeitei seu momento de euforia profissional. A noite, passou arrastada. Sentia urgência em falar com ela. Dormi pouco e acordei agitada. Dispensei o Gil e sozinha, fiz um treino rápido de abdominais, ainda em jejum. Escolhi à dedo o que usar para chamar atenção da minha marrentinha e logo sai, com a intenção de esperar Alice chegar e conversar com ela, antes da reunião. Assim que cheguei, perguntei para o manobrista se já tinham muitos funcionários e me espantei com a resposta:

- Só o pessoal da limpeza e a senhorita Stromps.

Meu dia de sorte se iniciara. Até o céu mudou de cor com essa notícia. Deixei a bolsa na minha sala e rapidamente fui até a sala dela, no outro prédio. A distância nem é tanta, mas estava tão afoita, que parecia que quanto mais eu andava, mais o caminho se alongava.

Abri a porta sem bater. Vi Alice concentrada na mesa ao fundo, mexendo no computador. Evitei fazer barulho para não a atrapalhar. Tranquei a porta a fim de que não fôssemos surpreendidas e me dirigi até à mesa. Alice me olhava por cima da tela do note, e seus lindos olhos verdes a me fitar, já me fizeram festa no coração. Após cumprimenta-la, sentei-me à sua frente e tudo o que conseguia pensar de forma racional, é o quanto ela é linda e eu sou completamente apaixonada por ela. Seu jeito esnobe de falar comigo, por estar magoada, me deixa ainda mais louca por ela e é difícil conseguir me concentrar para conversar sério. Até precisei segurar o riso e a vontade beijá-la, ao vê-la abaixar a tela do note e se afastar da mesa, cruzando os braços e me olhando com desdém. Ela é linda de todas as formas, mas essa expressão sisuda a deixa irresistível. Seu sorriso é encantador, mas essa carinha de brava, é irresistível.

Comecei a contar o que acontecera na segunda-feira com a Tati e percebi, a postura fechada da Alice para qualquer possibilidade de diálogo. Estava completamente avessa à tudo o que falava, e mesmo sendo difícil, tive que me desfazer de qualquer máscara ou filtro e me mostrar como de fato sou: falha e passível de erros, no entanto, totalmente apaixonada por ela. Assumi que me senti atraída pela Tati, mas meu coração, é todo dela. Ainda assim, Alice estava presa no acontecimento e nas possibilidades do que seria possível acontecer caso não tivesse chegado na sala. À medida que ela falava, brava mas sem perder a doçura, meu íntimo gritava por sua presença. Alice é a minha pessoa. Minha alma gêmea. Meu norte e sul, meu Sol e Lua. Não preciso procurar mais ninguém que se encaixe em mim e na minha vida. É ela, meu encaixe perfeito, minha menina e mulher, minha intensidade e calmaria. Pra além de paixão, o que sinto por essa mulher, é Amor. Amor genuíno e puro. Quando vi, já estava a beijando. Não um beijo lascivo, com intenções libidinosas. Um beijo que veio lá do fundo da alma. Sem língua, sem provocação. Com carinho e entrega. Com amor. Senti que ela sentiu essa conexão. O encontro dos nossos lábios, é como a perfeita ligação elétrica do positivo com negativo, que gera um campo magnético possível de transformar energia em luz. Tudo se ilumina. Do mais profundo do meu âmago, pedi que me desculpasse por ser humana o suficiente a ponto de errar e magoá-la.

Ela não disse que sim, nem que não. Pediu um tempo para assimilar todo o acontecimento, e eu, a entendo perfeitamente. O que fiz foi errado e merece sim, ser pensado sobre. Eu já tive tempo o suficiente pra pensar e concluir que, o que quero em minha vida, é a sua presença, e isso, não tem quem me faça mudar de ideia.

Conseguir falar-lhe, me tirou um peso das costas. Me senti leve e renovada. Nossa conexão é forte demais para permitir que, interferências negativas, nos impeçam de ficarmos juntas. Tati fez errado em vir até aqui, mas eu fiz mais errado ter me deixado levar pelo prazer carnal do momento. Alice é para além do carnal, no entanto, esse lado é difícil ser aniquilado, ainda mais depois de ter provado seu doce e delicioso pecado absolutamente carnal que me deixa à beira do juízo final.

Seu jeito marrento e aparentemente irreverente, me desperta os instintos mais selvagens e tenho vontade consumar todos os atos pecaminosos existentes nessa vasta vida terrena. Abusei um pouco desse lado e a provoquei, debruçando-me sobre a mesa e intencionalmente falei que não vejo a hora de ser dominada por ela. Seu olhar, carregado de desejo, não conseguiu mentir que deseja o mesmo e, como um autor de novela, que escolhe o ápice da cena para propor a continuação, me retirei, chamando sua atenção para a reunião que em breve aconteceria.

Óbvio que após a conversa e minha leve insinuação, a reunião foi cheia de troca de olhares, no entanto, Alice é pior do que eu, quando o assunto é trabalho. Ainda não sei se é por estar chateada comigo e um pouco na defensiva, ou se ela é assim mesmo, mas se manteve concentrada e muito empenhada no diálogo com os novos acionistas. Longas quatro horas depois, concluímos a reunião, aumentando a carteira de investimento e agregando altíssimo valor nas ações.

Enquanto deixávamos a sala de reuniões, ela me aguardou para seguir pelos corredores, lado a lado em direção ao prédio principal.

- Parabéns, senhorita Stromps – a cumprimentei sorridente – Está se saindo muito melhor do que imaginei.

Ela sorriu e franziu o cenho, me olhando com expressão esnobe - Eu te falei que não iria se arrepender.

- De fato, não me arrependo nem um triz.

- Mudando de assunto, antes que eu vá embora..

- Por que vai embora? – a interrompi,

- Porque tenho outras empresas para atender. Ainda não sou sua funcionária, chefe – olhou em direção à minha boca e sorriu.

- Que pena! Queria exclusividade – retribui o sorriso, também olhando seus lábios.

- Então, como ainda não sou sua funcionária exclusiva e tenho muito trabalho a executar – sorriu despretensiosa e deu de ombros – Preciso saber da senhorita, se está em pé o combinado do almoço domingo, na casa da minha mãe.

- Mas é claro que sim! – respondi sem rodeios – Jamais desmarcaria com a dona Fátima.

- Ok. Te mando o endereço por mensagem e nos encontramos lá.

Parei a caminhada e a olhei com espanto.

- Nossa! Essa fuga faz parte do "tempo"- perguntei fazendo as aspas com os dedos.

- Talvez - me sorriu ironicamente – É bom deixar você sentir falta.

- E você não sente? – perguntei dando de ombros.

Ela deu de ombros e sorriu timidamente, me olhando profundo. Beijou meu rosto e saiu, andando de costas, enquanto me olhava com desejo.

- Até domingo, Laura Veigas. Nos vemos lá. Não se atrase.

Cruzei os braços à frente do corpo e cerrei os olhos, ao vê-la se afastar da minha presença. Tentei conter o sorriso, mas não pude evitar. O jeito da Alice me conquistar e fazer eu ficar em suas mãos, é único. Antes que ela se virasse e continuasse seu caminho, pisquei e mandei um beijo. Ela sorriu e se virou, indo em direção à rua e continuei imóvel, a acompanhando com o olhar.

Fim do capítulo